Pessoas-Tita

Priscila (com onze anos)

TITA - Um Maluco Beleza

Era um lindo sábado de sol, desses em que levamos as crianças ao parque, praia, ou simplesmente cuidamos do jardim de nossa vida. Eu esperava dentro do carro, os garotos, para passearmos.

Percebi um tipo sorridente na rua. Alto, desengonçado, calçando um tênis muito maior que seu pé e gesticulando para os transeuntes. Não entendi nada.

Seria um deficiente mental? Seria um pedófilo? Um desses psicopatas de finais de semana? Esperei curioso, enquanto meus filhos entravam no carro.

Quando Priscila entrou, ele disparou um grito:

- Priscilaaaaaa!!!

Ela disse sorrindo:

 - Oi Tita!

Perguntei:

- Tita? Quem é Tita?

Respondeu Priscila:

- Papai, o Tita é meu amigo. Ele endoidou de tanto estudar e vive na rua beijando a testa e as mãos de todos que passam por ele, naquela calçada. Todos aqui na rua o adoram.

Não tive coragem de funcionar o carro. Imóvel eu observava aquela pequena passagem, por aquela calçada. Era uma a páscoa, uma páscoa de beijos. Quem por ali passava não saia do outro lado do mesmo jeito. Todos recebiam o ósculo (beijo na testa) da paz. Eram senhoras, velhinhas, que caminhavam lentamente. De longe já sabiam que seriam beijadas pelo Tita e sorriam. Nenhuma delas desviava o caminho. Era mãe voltando do mercado, adolescente indo ao ginásio, todos faziam questão de passar pelo Tita. Percebi que aqueles eram os moradores mais antigos.

Os que não conheciam a rotina daquela mágica rua, como eu, a princípio se assustavam e apressavam o passo. Os dali paravam e se deixavam beijar e conversavam animadamente com o Tita. Este, sempre sorridente.

Aquela cena marcou-me. Um corredor de beijos. Quando aquelas velhinhas se arrumavam para ir à feira livre, tenho certeza que, colocavam um perfume a mais, ou quando lavavam o cabelo sabiam que, dali a pouco ele seria beijado.

Imaginei então o quanto um afago despretensioso e sem segundas intenções nos faz bem. Aquele corredor e aquele "deficiente mental" deveriam ser elevados à categoria de Patrimônio da Humanidade. Ali havia diariamente troca de afeto. Será que os filhos daquelas senhoras idosas ainda as beijavam na testa? E se o faziam, será que com tanto carinho como o "louco" do Tita?

Fiquei então pensando que, "louco" somos nós. Somos nós, ao anestesiarmos nosso coração, e não nos permitimos mais um abraço gostoso, um beijo na testa, um sorriso efusivo de BOM DIA!

Nós é que somos "deficientes mentais". Somos deficientes em amar. Somos deficientes em perdoar. Somos deficientes em começar de novo. O Tita não! Ao seu modo, ele embelezava e encantava a existência daqueles transeuntes que por ali passavam. Para muitos deles, aquele era o único carinho que receberiam naquele dia.

- Bom dia Tita!

- Não tenha medo de mim. Esta cara carrancuda é máscara. Vem cá, também quero ser beijado. Na verdade eu te imploro: beija minha testa, sorria para mim. “Faz-me perceber que para você faço a diferença, que você se importa comigo, que sou querido e amado”.

Tita é ternura. Ternura que contagia a todos. Ternura sem preço, sem culpa, sem imposição, sem discriminação.

Tita beija a todos: velhos, jovens, crianças, conhecidos ou desconhecidos. Tita gesticula, grita, ri, fala. Nunca agride, corre atrás ou puxa para si. Ele diz:

- Deixa eu te beijar?

E sorrindo diz: "- Bom dia". Beija a testa e fica feliz. Fica feliz ele e nós.

Senti uma vontade danada de descer do carro e passar por aquela páscoa de beijos. Tive vergonha. Agora percebo que, é esta mesma vergonha que me impede de assumir os caminhos do coração. Vergonha, sempre a vergonha, que é irmã do medo, nos aprisiona e imobiliza. Esta minha vergonha tornou meu dia mais pobre. Tive vergonha de trocar, de partilhar, de mergulhar num infinito de possibilidades.

Queria um milhão de “Titas” em cada rua de nosso Brasil. Em cada uma delas teríamos a certeza que durante o dia, pelo menos uma vez, uma pessoa seria beijada: independente de raça, credo, poder aquisitivo, aparência exterior. Seria beijada pelo simples fato de permitir-se usufruir a fonte de amor que brotava despudoradamente do outro.

Na nossa sociedade existem várias pessoas do tipo: Tita.

Cada uma delas, mesmo sem perceber, com suas posturas e atitudes interfere no meio onde vivem, tornando-os melhores.

A elas este texto é dedicado.

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