Um tela de cinema, uma vida que se descortina

"Neta, você vai viajar 
no feriado da Semana Santa?"

"Vou não.
Eu vou ao cinema. Nunca fui."

Simples são os sonhos da Neta. Do alto de seus 20 e poucos anos, tem mais sabedoria do que muito marmanjo barbudo.

Não se deixa sofrer por coisa pouca, e adapta o seu padrão perceptivo e expectativas à sua realidade social, retirando das pequenas coisas prazeres e sobre-viveres.

Neta mora conosco e é nossa "serviçal". Trabalha das 7 da manhã às 16:00, quando larga a labuta e corre para o ponto de ônibus.

Ela cursa a Enfermagem, numa faculdade privada de Brasília. Sempre que perco o sono e escrevo, varando noites, é um bálsamo revigorante escutar o portão abrindo. Sei que a guerreira Neta chegou. E, eu estou acordado reclamando de que mesmo?

Simples são os sonhos da Neta.

Como os de investir todo seu salário no custeio de sua faculdade.

Ou, conhecer o cinema.
Sonhos que os muitos filhos urbanos, de classe média, não mais os valorizam, afinal sempre estiveram a mão.

Convivi com ela três anos e não sabia que ela não conhecia o cinema.

Para mim, ao ir cinema era como ir a festinha infantil. Todo mundo já tinha ido.

Penitenciei-me por nunca ter forçado a barra para ela ir conosco.

Confesso que a chamamos, mas, tímida que é, tem medo de gente da cidade.

Agora tomou coragem e vai com as amigas do curso.

Já parou para pensar nas coisa que têm e que são bênção e que talvez não esteja dando a devida atenção?

Coisas simples, mas tão inacessíveis aos pequenos.

Valorizar os pequenos prazeres, conquistas, projetos é muito para nutrir um sentimento plenitude.

Tem gente que está sempre em falta. Sentido-se em falta para com algo, ou consigo mesmo, nunca permitem-se a homeopáticas doses de felicidade.

Gente sempre resmungona, reclamona, ranzinza que não remodela seu viver para curtir coisas pertinho de acontecerem, e legais, tal como ir ao cinema.

Que bom que Jesus nasceu num curral. Entre pobres, ensinou o verdadeiro sentido da vida: amar e servir.

Simples são os sonhos da Neta. Imagino sua carinha vendo a telona se abrir, o som invadir cada canto. E se for 3D, vixe Maria!, será muita emoção.

Um dia feliz, num futuro plantado no hoje, terei a honra de publicar as fotos de sua formatura.

Eu estava ranzinza e pessimista. A alegria que a Neta expressou ao relatar sua futura ida ao cinema me purificou, lavou-me por inteiro.
De que eu reclamava mesmo?

Limpo e esperançoso, grato pelas pequenas e grandes coisas que são bênçãos em meu viver, animado para enfrentar as tempestades, agora posso viver minha Páscoa. Obrigado Neta, seu cinema foi minha quaresma.

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