Cartas ao JG - A arte de contar os números da vida.

Meu filho, ontem cheguei em casa perto das 23hrs. Voltava de uma aula que lecionei na UNIP, cheguei em casa feliz. A aula rendeu. O tema foi sobre a capacidade que temos de fazer com o que a vida nos faz, uma ponte para novas descobertas, ou um muro de uma prisão.

Um dia você entenderá o que teu pai agora escreve. Costumo dizer que na mesma realidade há benção e maldição, há o bom e o ruim. Mas, que olhar o lado bom da vida é uma decisão, uma escolha, algo que fará toda a diferença. Somos treinados para o negativo, pessimismo e vitimização. Precisamos reprogramar nosso cérebro para que ele aprenda a filtrar melhor a realidade, destacando dela às coisas pelas quais somos gratos: um belo pôr do sol, uma amizade, um pássaro que canta, uma refeição prazerosa - e também reaprendermos a agradecer às pessoas que tornam nosso dia a dia um pouco melhor, reconhecê-las e elogiá-las, desde que seja um elogio verdadeiro.

Ensinei aos meus alunos o que agora te ensino nessa cata: chore e sofra com as coisas ruins que te acontecem, somente um dia e uma noite. Somente. Depois, bata a poeira, enxugue as lágrimas e siga sua jornada. Ontem foi um desses dias na vida de teu pai. Algo me decepcionou no mundo do trabalho, me fez profundamente infeliz, algo do tipo de uma fofoca. Chorei o dia de ontem e a noite. Hoje, as 6 da manhã, quando escrevo pra ti, já virei a página. Aprendi com o ocorrido, extraí preciosas lições e segui adiante. A vida não para, não dá uma pausa, para que você enxugue as lágrimas. E, fugir para a arquibancada dela, quando o jogo fica difícil, não é uma boa escolha.

Cheguei em casa e tinha um bilhete de tua mãe: “Amado, tem pizza no forno. Se sobrar guarda na geladeira por favor”.

Contei minas bênçãos novamente. É muito bom chegar em casa e ler um bilhete desses. Não sobrou pizza, estava deliciosa.

Aí escutei uns passos na escada. Pensei que seria tua mãe. Mas era você. Fui tomado de surpresa. Você nunca sai de perto dela, principalmente quando chora.

Tu manténs uma certa distância de teu pai nessas horas.

Você chegou até mim tossindo muito e chorando. Chorava que se engasgava a tosse com o choro, o choro coma tosse, aponto de vomitar o leite recém-tomado.

Quase que vomito junto.

Mas não era hora de teu pai dá chilique.

Te abracei. Perguntei-lhe o que ocorreu, e onde estava tua mãe.

Você contou que ela dormia. Então saquei que ao ver a luz da cozinha acesa você veio procurar ajuda com seu pai, então a coisa era séria.

Você, entre lágrimas e soluços, dizia que chorava por “não saber contar”. “Que era difícil”

Que a professora fizera um jogo na escola e que você “perdeu”.

Perdeu o jogo dos números, por não saber contar e que a tia ficou brava.

Disse-me chorando que “não iria aprender a contar” e que os outros ganharam o jogo.

Pediu pra não mais ir pra escola, hoje, e que queria ir comigo ao trabalho.

“Pois não sabia contar os números”.

Coloquei-te mais forte contra meu peito, abafando tua profusão de choro, e te ninei. Disse-lhe que sou professor e que iria te ensinar a contar os números. Todos os dias ao chegar em casa. Disse-lhe que você mal tinha feito 5 anos e que nem todos aprendem as coisas ao mesmo tempo.

Disse-lhe que perder faz parte do jogo da vida. Que nem sempre ganhamos. Que sempre haverá uma nova oportunidade, uma outra partida para tentar novamente.

Você foi se acalmando. Te levei para dormir comigo, na rede. Eu acarinhava seu cabelo e você soluçava baixinho.

Aquilo doeu em você.

Algo te magoara no ato pedagógico de tua “tia”.

Dias atrás, morreu no Brasil um grande filósofo e professor chamado Rubem Alves. Procure ler a obra dele e entenderá que só se faz uma boa pedagogia com afeto, com amor. Que o conhecimento deve ter sabor, que deve ser prazerosa a descoberta das coisas.

E que a escola tradicional destrói o espaço do prazer em aprender, com métodos ultrapassados e autoritários como o que te fez tão infeliz ontem.

Com certeza, quando você ler essas linhas já saberá contar. As pessoas têm ritmos diferentes de aprendizagem. E é isso que muitos pretensos educadores não sabem. Querem botar todo mundo na mesma “forma”, de formar, e que que dali saia “bolinho” pedagógicos em forma de gente, todos iguais e no mesmo estilo, tom e jeito de ser.

Uma pena. Uma escola que deseduca para a autonomia.
Hoje será um dia difícil emocionante pra ti. Você precisará dar uma resposta pra vida. Precisará enxugar as lágrimas e lutar para aprender a contar. Não vou passar a mão em tua cabeça. Dizer que não precisa aprender a contar. Aprender a contar faz parte do viver.
Hoje você vai ter que vencer a vergonha, superar os maus tratos de uma tia que te expôs - por não acertar o jogo de contar os números, superar o medo dela: “mas a tia é muito braba”.
Superar os gracejos de tua turminha, superar a inflamação em tua autoestima ainda tão jovem.
Não poderei fazer por ti. Gostaria muito. Essa é uma luta só tua. Você precisará encará-la e não correr pra arquibancada do jogo de tua vida, quando num dia infeliz, levar 4 gols em 6 minutos. (Veja o replay do jogo Brasil e Alemanha, Copa do Mundo Brasil 2014).
Vai precisar se fortalecer para enfrenta-la. Muitas desses pretensos professores vão passar pelo teu viver e te dizerem que você “é um perdedor”, um “fracassado”. Que você não sabe “contar os números”.
Não deixe que eles te diminuam. Ninguém é, está.
Não desista. Corra atrás e supere as dificuldades com mais dedicação e comprometimento ainda.
Na vida, 90% das cosias que nos acontecem vem da transpiração, da disciplina, da pegada no chifre do touro da vida e na sua doma.
Os outro 10% da inspiração, da sorte, do acaso, de tá na hora e lugar certos.
Os outros 100% vem da mística, da presença de Deus em nosso viver a nos animar e soprar em nós seu espírito.
Mas pai, aí deu 200%. É filho, Deus também não sabe contar, pra ele o menos pode ser mais, e o mais pode ser menos. Coisa que tua professora ainda não aprendeu.
A conta da vida sempre é credora, ela sempre tem mais a nos ofertar, mesmo que pensemos que dela já tiremos tudo, já saquemos tudo. Afinal, Deus não é bom em contar os números e nos medir com a rigidez de uma calculadora. Pra Deus tudo pode ser 7 x 70, o infinito.

Vá e viva esse dia 22/07, o dia que descobriu que precisará encarar a dor, o luto e o sofrer de frente. E tente mais uma vez aprender a contar os números.

Esse é teu cálice e é tu quem terá que bebê-lo hoje. Têm pais que querem beber pelos filhos, superprotegê-los, tomar satisfações de tudo, e produzem filhos indefesos e frágeis.

Vão sofrer pois não aprenderam a perder, a sofrer. Alguém fazia por eles.

Na primeira perda vão procurar ajuda nas drogas.

Você vai ter que aprender a lidar com essas pessoas – do tipo de tua professora nas cenas de ontem na escola.

Vai ter que desenvolver a casca grossa, a saber sair de situações desagradáveis a que foi submetido. Sem perder tua ternura, tua alegrai, teu otimismo e esperança em dias melhores.

Aprender a levar pancadas da mãe vida sem ficar bruto, sem devolver na mesma medida.

Caso contrário, aí sim eles ganharão de ti.

Você não precisa ganhar o jogo de contar os números. Para teu pai, só participar do jogo já é uma vitória. Nem sempre ganhamos os jogos, nem sempre perdemos, o importante é jogar.

Não vou te criar, assim como não criei teus irmãos, para o sucesso.

Vou te criar para ser o melhor para o mundo, e não pra ser o melhor o do mundo.

Aqui reside uma enorme diferença.

Não vou te criar para ser modelo, perfeição, para ser o primeirão em tudo.

Para excessos de competição, poder, vaidade e orgulho que vejo pelas famílias afora.

Teu pai não joga esse jogo! Aqui o sistema é mais simples, e, garanto-lhe, no final bem mais prazeroso do que essa luta ensandecida por sucesso, nem que seja numa disputa de um jogo de contar números.

Em nosso lar o quarto lugar está de bom tamanho, desde que você tenha lutado para ser o primeiro!

E, voltando à minha aula de ontem à noite: mais do que saber contar os números, a contar teu saldo bancário, a contar teus bens, aprenda a contar tuas bênçãos, a contar teus amigos, a contar tuas superações, a contar e guardar em teu coração as coisas boas que todos os dias estão ali pertinho de nós e que nossos olhos opacos pela indiferença vão esquecendo de vê-las.

Isso é o que fará a diferença na contabilidade do jogo da vida e do viver.


Obs: Uma noite e um dia é uma expressão que uso para definir um certo tempo determinado. Parar de chorar, mais do que uma proposta emocional, é uma decisão racional. É uma escolha de fechar janelas, dá um Atl + F4 no Sistema Operacional Interior e permitir-se a abrir outras possibilidades. Mas, cada um tem o seu próprio tempo, a sua própria "noite e o seu próprio dia de luto". Só não pode virar meses, metaforicamente falando.

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