Domingo Encantado

De meu espaço de observação privilegiado, numa mesa de feira livre da pastelaria La Deysy, em São Sebastião-DF, o encantado aconteceu nesse domingo.
Não é todo domingo que ele aparece. Nesse, ele reinou solto e parou o tempo para o assombro desfilar.
Eu estava comendo um pastel com caldo, dividindo a mesa com meu filho, o JG.
Eis que miro o olhar para o lado e vejo a cena encantada.
Um pai compra uma coxinha e um suco para sua filha, e pede uma das cadeiras de minha mesa.
Senta a filha nela e acocora-se, à sua frente, ajudando-lhe a alimentar-se e conversando com ela.
Ele não comprou nada pra si. Investiu R$ 5,00 reais num suco e coxinha para ela.
A cena durou uma bela eternidade. Como eternos ficam em nossos corações os bons momentos. Ela, a pequena, virou princesa pelo toque do amor.
Enchi os olhos ao ver ele ajudando-a a colocar o ketchup, e depois abrir o suco de caixinha, e conversarem baixinho, trocarem confidências.
Tenho investido pouco tempo verdadeiro no JG. Quando estou com ele não me desligo do mundo. A cena que vi tocou-me profundamente, preciso dar mais atenção e amor ao JG.
A energia do amor era tão intensa que tive vontade de reconhecer aquele pai. De pagar-lhe um caldo de cana.
Ali, no barulho de uma feira livre, na simplicidade de seus frequentadores, o amor pedia passagem.
Um amor sem luxo, sem ostentação ou vaidades. Sem piruetas tecnológicas, sem artifícios materiais, sem grandes investimentos. Apenas o amor do encontro. A menininha sorria de júbilo, em sentir-se única.
Aquilo lá era um amor de entrega, de cuidado, de atenção.
De investimento na mais valiosa das preciosidades: o tempo para com o outro.
Aquela jovenzinha sabia que ali à sua frente o seu papai era só dela. Não havia entre eles o celular, o “Uotizapi”, ou a ansiedade de sair para outras compras, ou afazeres pendentes.
Acocorado, seu pai acolhia toda presença dela em seu coração.
Que cena linda! O bem é maior. Só não tem espaço na mídia. Não vende. Não apela.
Quantas crianças gostariam de estarem no lugar daquele menininha?
Muitas com brinquedos sofisticados e até tablets, mas sem pais que dediquem tempo a elas.
Tempo gratuito, simples, sem grandes preparações ou planejamentos.
Tempo de presença e encontro, no teatro de uma feira que naquela hora silenciou para ambos.
Nestes tempos de lama e tiros, temos que ter cuidado para não generalizar afirmações de que o mal vencerá. De que a sociedade está ficando pior.
Digo-lhes, não está não.
Na noites dos tiros em Paris, pessoas ofereceram suas casas para acolher outra pessoas que andavam atônitas ao leu, desorientadas. Taxistas liberaram a cobrança das tarifas e ajudaram a muitos que não tinham como voltar, pelo fechamento das estações de metrô. Amigos puxavam feridos pelas pernas, mesmo dentro de uma “zona de guerra”, na qual as balas ainda zuniam. Um pai carrega suas filhas, correndo do terror.
No outro dia, filas e mais filas de doadores de sangue. Corta a cena: “Prefeitura de Mariana pede que não enviem mais doações em bens materiais, só em dinheiro, os depósitos estão lotados e já são suficientes”. O povo atendeu. Assim como os jipeiros de 4x4 que saíram de todos os lugares vindo em socorro de desabrigados, acessando locais que carros normais não adentram.
A solidariedade existe e pessoas boas idem, e em todos os povos.
Quem não dá bom exemplo é o Estado: sempre lento, corrompido e burocrático. Infelizmente.
Que um trator sequer não acionou para levantar barreiras de contenção à lama que sangrava pelo vale do Rio Doce, condenando-o a mais triste e mortal UTIs, a da mãe natureza.
Que ainda não indenizou nenhum pescador, ativando o seguro pesca.
Que não pune quem levou água com querosene para a população sedenta.
Um Estado de governantes que não sujaram os pés, em qualquer nível e esfera política, indo sofrer com a população, limitando-se a darem desculpas esfarrapadas para o acontecido, além de desencontradas. E tome blá blá blás para seus currais eleitorais. Que ficam brigando em ringues de partidos, esquecendo de unirem-se em causas de Estado.
Quanto aos sofredores? Não estão a sós. A população civil deu a resposta: igrejas, times de futebol, empresas, clubes e associações todos fazendo sua parte.
O povo é solidário. Em qualquer lugar do mundo.
Volto para o domingo de feira.
E, ainda anestesiado, olhando a beleza do amor de pai, e sua interação com sua filha, escuto o Sr. Antônio da banquinha em frente me chamar. Somos amigos.
Seu Ricardo, o sr. pode olhar minha banca enquanto vou ao banheiro? A farinha custa R$ 5,00, a abóbora R$ 3,00 o queijo R$ 12,00, o leite R$ 5,00, e assim por diante.
A alegria inundou-me. Acabara de assumir um novo papel: auxiliar de feirante. Ninguém deixa uma banquinha com quem não ama. Senti-me o mais amado dos clientes.
Estava falado, naquele domingo o amor estava no ar.
Quem disse que no mundo há lugar apenas para a desconfiança?
Por dez minutos assumi a barraca. Quase vendi uma galinha caipira, mas esqueci o preço. Contudo, fiquei proseando com a cliente para que desse tempo do Antônio voltar.
Ele volta, e o deixo com a cliente, não sem antes dizer que ela merece um desconto: “pois esperou”.
Aí, sento-me para terminar meu caldo.
Depois vou nele e pergunto:
- Vendeu a galinha?
Ele me diz que não.
- Oxente, e a mulher ficou só no moído foi? (moído = lero-lero, conversa mole)
Sorrindo me diz que receber bem “o moído” também faz parte da venda. E que, um dia, ela voltará e comprará.
Mais um ensinamento num domingo tão fecundo - e num dia de tanto luto, por lamas e balas – ambas fruto da sandice humana.
Que esse amor de pai que investiu o mais rico dos bens para presentear sua filha: o de si mesmo, irradie-se no meu coração e no de todos que me leem e para sempre.
Amém!

Fruto e Flor


Manhã de sábado aproximo-me do terraço de laje e vejo ali, vermelhinha, uma seriguela toda oferecida. Dá pra colhê-la sentado nas cadeiras de pneu. Essa seriguela tem história. Assim como essas cadeiras, já narrada noutra crônica que está no blog: Bode com Farinha: Um conto de Natal. Vejam em:
http://bodecomfarinha.blogspot.com.br/…/um-conto-de-natal.h…
Para você que me ler é só uma frutinha vermelha. Para mim, ela é uma sobrevivente. Filha de uma árvore que seria decepada, quando da obra que fiz recentemente. Foi condenada por tirar o lugar da futura churrasqueira, no piso inferior do terreno de minha casa.
Mas, armado de alucinada indisciplina conjugal, o que pode ser um perigo e fortemente não recomendo, contrariei minha esposa e só fiz uma poda radical de uns 2/3 dela.
Minha esposa engoliu a poda, não sem antes soltar umas farpas. "A área da churrasqueira não ficará boa..."
Ficará, ah! se ficará.
Então a arvorezinha, agora toda diet, esgueirou-se inteira para cima do terraço. Como quem toda oferecida por tê-la deixado viver. Como aquele cãozinho que vem pro colo do dono, em reconhecimento aos cuidados que recebe.
Não sei se foi charme, gratidão, capricho da natureza, mas o galho viajou uns 3 metros, contrariando qualquer lógica do lugar onde está, para produzir essa cena.
E, agora, ele compõe justamente a área criada por minha esposa no terraço superior, formando com o poste de luz uma cena bucólica. Então, como quem se prepara para um banquete, colhi e degustei a primeira seriguela da uma árvore quase condenada à morte.
Saindo para caminhar, vejo que na minha calçada a Paineira Rosa dá sua primeira flor.
Fico emudecido e emocionado. Ando com um olhar mais atento a tudo e a emoção flui melhor do que há 20 anos.
Essa paineira foi duas vezes condenada. Na primeira, pelos moradores que foram escolher na sede do condomínio as árvores de suas calçadas. Ninguém queria pegá-la. Ela "jazia" encostada num tronco de uma mangueira. Os jardineiros me disseram que os espinhos nos troncos desestimulavam os moradores.
As paineiras sofrem muito preconceito, sobre essa árvore de minha calada escrevi a crônica Eu-Bem-Te-Vi, presente no blog Bode Com Farinha em:
http://bodecomfarinha.blogspot.com.br/…/04/eu-bem-te-vi.html
A segunda condenação deu-se ano passado, dois anos após plantada. É que foram fazer as calçadas do condomínio e o pessoal da obra encrencou com sua posição na antes calçada de grama. Disseram-me que ela teria que ser sacrificada, pois não daria para passar um cadeirante pela calçada, com ela bem no meio. Argumento justo e ético, sobre o qual não tinha o que falar.
Mas, propus que ela fosse transplantada e ficasse mais próximo de meu muro. Assumindo os riscos de derrubá-lo, quando adulta. Se acontecer, no futuro, então afastarei o muro para dentro de meu lote.
Os funcionários do condomínio disseram-me que ela morreria com o transplante. Mas, acreditei que não e autorizei assim mesmo. Afinal, morta ela já estava mesmo, para dá lugar aos bloquetes de cimento da calçada nova, aqueles que substituiriam a grama.
Percebe, amigo e amiga, o porquê de minha emoção ao ver sua primeira florada?
Não sabemos do impacto de nossas ações nas vidas das pessoas, com as quais cruzamos, pelo bom, belo e virtuoso.
Só sabemos que algumas dessas ações, lá onde dobra a esquina do infinito, podem gerar frutos e flores.
Nesse domingo esse é o convite. Que possamos alterar o destino de pessoas, com as quais interagimos, para melhor e naquilo que estiver ao nosso alcance. Pensemos nelas como essas árvores, condenadas que estavam, e que talvez seja nosso gesto, um único gesto, quem as redima e devolva-lhe a dignidade e esperança.
Tem sido mais fácil cortar as pessoas de nosso existir, devolver a elas aquilo que de ruim estamos recebendo.
Tem sido mais fácil não acreditar nelas, não ver flores no futuro de suas existências, não ver frutos em todo seu potencial escondido.
Digo-lhes, não turvemos nossos olhos sobre o potencial humano.
Podemos mudar realidades, podemos revolucionar situações dadas como imutáveis. Podemos fazer nossa parte, para tirar a lama do rio, ou doar o sangue para graves vítimas de atentados.
Sempre podemos.
Ei amigo e amiga, então não é hora de jogar o tapete e desistir daquele que com ti convive.
Ele pode estar passando por uma fase difícil. Tendo um facão emocional açoitando-o todos os dias.
Ou pessoas querendo tirá-las de suas vidas e fazê-los sentirem-se piores ainda.
Ajude. Abrace. Ame. Perdoe. Acredite. Invista um bocadinho de você mesmo para reanimá-lo à vida. Não deixe que os outros o machuquem ainda mais. Defenda-o. Todos os dias cruzo com pessoas que fazem isso: silenciosamente, solidariamente, só pelo simples fato de quererem tornar esse mundo um lugar melhor do que acharam. Ou, devolver o que receberam da vida, em gestos espontâneos de gratidão e generosidade gratuitas.
Querida Seriguela e Paineira Rosa, obrigado pelo gesto de gratidão, em forma de fruto e flor. Sempre soube que vocês ainda dariam uma resposta à vida, emudecendo quem te perseguia, e até fazendo que eles agora te protejam e admirem. Vocês venceram. Viva!!!!
Para mim, sempre que repousar à sombra de seus galhos lembrarei de vocês como aquelas que desafiaram a morte, e que ousaram reaprender a viver: mesmo severamente podadas, rejeitadas ou transplantadas para outra terra. Vocês são metáforas dos sobreviventes, de todas as nações e tragédias, grandes ou pequenas.

Não era somente um cookie, era o Cookie.


Cheguei pra trabalhar e encontrei um pacote de bolachinhas em cima de minha mesa. Daquelas que os americanos amam e as chamam de Cookies.
Perguntei ao pessoal quem deixara aquele mimo, porém ninguém vira.
Dias depois o Luiz cruzou comigo num evento no auditório e perguntou-me se eu tinha comigo os Cookies.
- Ah! Então foi você, Luiz?
Agradeci o delicado gesto e disse-lhe que andava tão atribulado que ainda não tinha parado para apreciar a guloseima.
No outro dia o Luiz insistiu: "Gostou do Cookie?"
Olhei para ele envergonhado e disse-lhe que na sacola de tralhas que tinha recolhido de minha baia, preparando-me para mudar de área, tinha colocado dentro dela e que tinha ficado em casa.
Na quinta logo cedinho, durante o desjejum, comi os cookies do Luiz Cláudio, o LC, como gosta de ser chamado.
Chegando ao trabalho, comentei com o LC e ele me falou: "Esse cookie tem história".
Adoro ouvir histórias, dão boas crônicas e lições de vida.
E abri toda a agenda do mundo para ouvir a história do LC.
Contou-me que ele e a esposa tentaram um negócio em Joinville, na área de eventos, mas quebraram financeiramente. Tinham 26 e 24 anos respectivamente. Perderam tudo na empreitada e ainda arrumaram um monte de dívidas.
Voltar para Cuiabá, de onde saíram, seriam muito vergonhoso, pensaram.
Então, aceitaram a acolhida por uns tempos na casa de uma tia no Rio de Janeiro.
Logo, passaram a distribuir currículos, priorizando bancos e corretoras, já que ambos tinha trabalhado em Cooperativas de Crédito, em Cuiabá.
Sua esposa conseguiu primeiro um emprego, o que deu a eles a condição de alugar um "apertamento" e sair da casa da tia, começando do zero a refazer suas trajetórias de vida.
LC continuava desempregado, e passava o dia distribuindo currículos, ou limpando o apartamento. Assumindo as prendas domésticas, enquanto aguardava sua lady chegar do trabalho.
Nas noites e finais de semana, ia com sozinho ou ajudado por ela fazer faxinas em consultórios e escritórios comerciais. Que companheira!
Mas, passar o dia em casa esperando um contato pra entrevista, ou uma nova agenda de limpeza, estava tirando a paciência e orgulho próprio do LC.
Vejam seu relato:
" Minha esposa trabalhando numa empresa média/grande, com um bom salário e sendo o pilar de sustentação da casa. Fato que causa desconforto em qualquer homem, por menor que seja o pensamento machista (que não tenho quase nada), isso incomoda, pois sempre queremos prover o lar, é da natureza masculina.
Tentando fazer um agrado a minha amada, num dia fiz uma receita de biscoitos, também conhecidos como cookies (pois é uma receita americana), para que ela tivesse um delicioso lanche a saborear. Dessa leva de cookies, sobraram alguns que ela acabou levando ao trabalho e distribuindo aos seus colegas, muitos deles gostaram tanto que propuseram comprar se ela topasse.
Ao voltar para casa, e comentar comigo a intenção dos seus colegas, meu coração ficou feliz, enxergava ali uma oportunidade de voltar a ser útil. Claro que manter a casa limpa, organizada e com seus demais afazeres domésticos é um trabalho árduo, no entanto sei que poder ajudar no orçamento doméstico trás um sentimento de pertencimento maior ainda aos homens."
LC passou a produzir cookies e sua jovem esposa a vendê-los no Banco. Cada dez cookies vendidos dava-lhe uma renda/dia de uns R$ 20,00 líquidos.
Agora LC tinha uma ocupação.
Então, feliz da vida com sua pequena fábrica caseira, resolveu - entre uma fornada e outra, dar uma volta no corredor do prédio, estava calor no apartamento.
Eis que cruza com seu vizinho, também desempregado, que comenta do cheiro bom que vem do ap. do LC.
LC, sábio e solidário, convida o vizinho pra entrar na sociedade.
Ele só precisaria vender, não precisava colocar capital algum.
O vizinho animou-se, e viu que daria para vender por um preço maior nas freguesias de serventuários públicos que conhecia.
Dito e feito. A renda diária do LC quadruplicou. Agora ele quase fazia 1,5 SM e estava feliz da vida.
Seu vizinho distribuía as bolachas pela manhã. E à tarde estudava pra tudo que era concurso.
Logo ele também ficou amigo da esposa do LC.
Juntos, um dia, insistiram pra LC fazer o concurso do BB. LC não era de fazer concursos.
Ficou resistente a ideia, não queria nem pensar em ter que parar a produção de biscoitos (cookies) pra investir nos estudos.
Quem passou por grande dificuldade financeira na vida, quem já quebrou e teve que vender até o pó da gaita pra sobreviver, sabe que quando aparece um pequeno raio de sol, mesmo que vindo de fornadas e fornadas de biscoitos, ons sujos banheiros de prédios comerciais, nos agarramos a ele e temos medo de novamente perder tudo.
Costumo dizer que a vida nos devolve em ciclos o que de bom, belo e virtuoso fazemos aos outros.
O vizinho e a esposa do LC inscreveram-no no concurso do Banco do Brasil, que aconteceria em dois meses no RJ.
Não disseram nada a LC. Não adiantaria e ele ficaria chateado. Ele poderia até distorcer a atitude da esposa, achando que ela não queria mais que ele fizesse biscoitos, ou desqualificando a atividade.
Sabe-se lá. Quando estamos com auto-estima baixa tudo é visto pelo binóculo da emoção. O fato foi que seu amigo, sócio e distribuidor privilegiado de biscoitos, inscreveu escondido o LC com o consentimento da sua esposa.
Ele estava devolvendo ao LC a empatia e solidaridade para com ele, também antes desempregado e concurseiro, e agora distribuidor de biscoitos - empregado, e ainda concurseiro.
Três dias antes da prova, avisaram ao LC que no domingo ele teria compromisso. rsrs
Ele relaxou. Foi lá com raça e atitude. Lembrando das disciplinas do colegial e de suas experiências profissionais que ensinam muito, mesmo em que algumas delas nos estrepemos.
Passou e bem, 89º colocado.
E, em julho de 2010, três anos depois de quando chegou puxando uma cachorra no RJ, tomava posse no BB na agência de Venda das Pedras - RJ.
Por três anos fez faxinas e cozinhou cookies, mas não perdeu a dignidade e otimismo de dias melhores.
Cinco anos depois, nessa manhã de sexta feira 13, de novembro/2015, todos de nossa Divisão de Capital Humano são presenteados pelo LC com seus Cookies.
Escritos em letra maiúscula agora. Pois, representam o que no nordeste chamamos de "quem dá nó em pingo d´água". Gente valente e briosa, que não desiste fácil. Que não fica fazendo mi mi mi, resmungando e reclamando, sentado à beira da estrada, enquanto a caravana passa.
Gente que faz sua história, e com o que dá é feliz.
Não há vergonha em ser pobre. Não há vergonha em limpar privadas. Em limpar casas, "se humilhar" pra vender doces de porta em porta.
Não, amigos e amigas, isso não é tema de vergonha. Isso é coragem, e das boas, coragem em não desistir.
Em não adentrar nos vestiários do jogo do viver, antes do apito final.
Tanta gente desistindo da vida, em condições bem melhores das que o jovem casal LC passou e não desanimou.
Estamos suscitando pessoas frágeis, pouco resilientes, gente que se desmotiva por tudo, que vive procurando coisa pra ser infeliz, que desaprendeu a resistir e a ousar acreditar num futuro melhor, mesmo que enquanto sonha com ele tenha que ensaboar um piso qualquer.
Obrigado pela história de vida LC. Agora sei de onde vem teu sorriso sempre estampado no rosto, teu otimismo, gentileza e mansidão. Vem do que foi aprendendo com a melhor de todas professoras: a vida.
Com ela aprendeu a melhor de todas as lições: A de "encorajar" a existência.
Coragem em continuar acreditando, procurando possibilidades, em locais que muitos só enxergam limites e dificuldades.
Coragem de não desistir, de sobreviver um dia de cada vez.
Quanto amor nesse jovem casal. Como tua saga LC inspira a de milhões de brasileiros que todos os dias disputam, passo a passo, um lugar ao sol.
Sim, um de teus biscoitos que hoje ganhei guardarei no saco. Fará parte de meu dicionário afetivo de coragem.
Todas as vezes que os dias não forem tão bons, quando eu pensar que virei um inútil, que não tenho mais serventia, irei olhar para esse biscoito e dizer comigo: "quem sabe se eu fizesse uns docinhos pra vender...".
E, todas as vezes que achar que não existem pessoas boas, que o mundo tornou-se um lugar inóspito onde só imperam o mal e a opressão, lembrarei de tua esposa - do gesto dela levando os biscoitos, aqueles da tua redenção, ao trabalho.
E o de teu vizinho de apartamento que acreditou em ti, não te roubou na sociedade, e ainda te inscreveu para o concurso, mesmo sabendo de tua resistência em fazê-lo.
Hoje eu batizo teus cookies: Sabor de Esperança. Já não são cookies qualquer. Quem prova da esperança nunca terá fome de nada ou ninguém.
Em tempo: O vizinho do LC passou num concurso na área judicial e vive bem no RJ. Adiane, esposa do LC, deu-lhe uma linda filha, a Alice de 6 meses. Hoje, cuida da Alice, do LC, dela e do lar.

Cartas ao JG – Divida pipocas


Você passou o sábado em polvorosa, quase elétrico. À noite haveria a festa do Halloween do condomínio, e você foi convidado pela mãe do Gustavo para curtir a festa da casa deles.
Fui às pressas comprar com sua mãe uns tecidos, para fazermos sua capa do Drácula.
Tua mãe assumiu o posto de design de moda de monstrinhos e fez uma produção bacana, com direito a maquiagem tenebrosa.
Perto das 19hrs você zarpou pra casa do vizinho, levando sua abóbora para recolher guloseimas.
Não sabíamos bem das regras e a enviamos completamente cheia. Dias depois você nos alertaria: “era para ir enchendo nas casas”.
Fomos ver um filminho e vez por outra saíamos à varanda para ouvir a algazarra que faziam. Tinha umas quarenta crianças na festa.
Perto das 21hrs, você sobe as escadas frenético, vem pedir autorização para participar do desfile de fadas, bruxos, fantasmas e assemelhados, com direito até a um homem-aranha no meio, que sairão pelas casas do Condomínio coletando doces, com ameaças: “doces ou peraltices.”
Não poderia perder aquilo e fui contigo, levando a câmera fotográfica.
A cena era dantesca e belíssima. Um monte de pirralhos e seus pais, todos a caráter, mais parecendo uma procissão de seres de outros mundos.
Você gargalhava e estava radiante. Em alguns momentos ia para o início da fila, outros para o meio, sempre seguido pelos seus fiéis amigos: o Gustavo e o Rafael.
Eu procurava me posicionar sempre à frente do cortejo para pegar as melhores cenas.
Umas 6 casas do Condomínio se voluntariaram para receber o cortejo, com mesas fartas de doces, e decoradas ao estilo teias de aranha.
Gostei do que esses lares proporcionaram a vocês, ano que vem quem sabe.
Então, passei a ficar preocupado e já na segunda casa.
Notei que havia um grupo de umas 12 “crionças” que por serem um pouco mais velhas disparavam à frente dos menores, e de seus desajeitados pais-zumbis.
Essas oncinhas raspavam os doces que haviam nas mesas, colocandos-os até em caixas de papelão que levavam. Quando vocês chegavam não tinha mais nada.
Só o desgosto na face de fadinhas angelicais e bruxinhos inocentes.
Para aquelas crianças espetas, não bastavam as prosaicas cabeças de abóboras para encher. Não eram suficientes para a gana deles. Imagino-os chegando em casa, após o cortejo. Peitos estufados, eufóricos e se sentido heróis por terem sido os “vencedores” da corrida às guloseimas.
E, em alguns casos, se não todos, até sendo reforçados pelos pais.
Na terceira casa, o fenômeno voltou a acontecer, e umas mães reclamaram. Não adiantou muita coisa. A ganancia contaminou a horda, e muitos passaram a imitar o gesto egoísta.
Para desespero de seus pais. Que, contudo, não se posicionavam.
Eis que lhe vejo saindo da multidão, com expressão cansada. A da primeira foto, acima.
Não deve ter sido fácil resgatar, da mesa de doces, aquele saco de balas e as pipocas, competindo com as onças-crianças.
Eis que chega os teus amigos: Gustavo e Rafael. Não há mais nada na mesa para eles.
Peço-lhe que divida sua pipoca com eles.
Você faz um gesto insatisfação, logo diluído com minha expressão de desaprovação.
E digo-lhe: “Divida com os amigos. Está difícil chegar às mesas de doces por causa dos grandes e você corre muito. O Gustavo está cuidando do Rafael. ”
Você divide as pipocas.
Não deveria ser assim. Não deveria ser campeonato de quem corre mais, ou de quem é mais forte e menos educado.
Nas próximas casas, acabei por perdê-lo de vista.
Eis que de longe te vejo, perto do Gustavo e Rafael.
Não acredito na cena. Passo as mãos nos olhos.
Você vem correndo em direção a eles e divide seus tesouros, recém-amealhados, com cada um deles. E fica muito feliz. Não me viu. Foi um gesto espontâneo.
Fiquei emocionado. Você aprendeu e praticou a lição do desapego, do compartilhar e da empatia.
Há salvação para a humanidade.
E, passa pelos pais. Pela educação de base.
Podemos ensinar novos hábitos, mais éticos, inclusivos, justos e solidários?
Sim, nós podemos!
A carta para ti é a de um reconhecimento por ter aprendido a doar.
Que você continue assim, meu querido JG. Há vagas para pessoas boas, mansas e gentis.
Mesmo que tudo ao lado lhe desafie a ser o oposto.
Assim sendo, pela vida afora, quando eu já estiver na melhor das vidas e não estiver perto para te ensinar; conte com teus irmãos e com você mesmo para continuar a desaprender hábitos ruins e infelizes, internalizados pela convivência com a escória da sociedade.
Cuidado com o efeito manada, ou a burrice das hordas.
Permita-se aprender novos valores, comportamentos e posturas diante da vida.
Mesmo que esteja só! Garanto-lhe que tua vida terá mais satisfação e paz ao perseguir valores de fraternidade, ética e comunhão.
Sabe filho meu, tem muita gente querendo ser feliz carregando as mãos cheias de saquinho de pipoca, sem dividir nada com ninguém.
Bobinhos.
Muita gente querendo ser feliz cultivando um estilo de vida ganancioso, falso, agressivo, extremamente competitivo e pouco solidário. Além de enchendo a cabeça com tudo que não presta sobre o outro, si mesmo e a vida.
Ficam com vidas vazias: de família, de amigos, de valores, de experiências, de ativos prazerosos não-monetários, de prazeres simples e pores de sol.

A Arte de Fazer Compotas Emocionais.



No início da tarde, consigo finalmente dar vazão a minha caixa de e-mails, e não há reuniões agendadas. Trata-se de uma cena rara. Alívio e paz invadem minha alma.

Um silêncio respeitoso habita o setor. Meus amigos percebem que estou guardando alguns objetos numa caixa. Fazendo malas corporativas. 

Agora a mesa está limpa, gavetas arrumadas, fatos inéditos em meu viver.

Com o olhar, recolho fragmentos de mim mesmo expostos em cada canto de minha “baia”. Preparo-me diferentemente para o fechamento desse ciclo. Para viver mais um rito de passagem.
Que no mais tardar, em natalina data, ou no raiar dos Reis, deverá acontecer. 

Acredito que todos temos momentos marcantes de fechamentos de ciclos. 
De despedidas, para sair e roçar noutros campos. 

Daquelas que colhemos um monte de coisas boas, lembranças mil e dela partimos com muitas sementes de esperança, mesmo que regadas por doces lágrimas.

Daquelas de quem parte em busca de outros objetivos, motivados por sua própria busca. 

Na cantina, as copeiras dizem que farão o abaixo-assinado do “Fique”. Que carinho simples e tocante. Vivo intensamente cenas de minha despedida vindoura.

Ah se eu tivesse aprendido a vivê-las antes.

Considero que há dois tipos de fechamentos de ciclos. Os ruins e os bons. Os ruins são aqueles que deles queremos nos livrar sem deixar marcas, nem levar nada dali. 
Engolimos em seco e fechamos a porta. Algumas, contudo, ainda ficam querendo reabrir, e nos fazer sofrer, mesmo anos depois de lacradas.
São porões fétidos. Dessas despedidas, quero distancia e nada de festejos. 
Não falo delas. Falos das despedidas boas.

Como aquelas de quem se despede da casa dos pais quando casa. Ou da cidade natal, quando migra.
Ou até daquele primeiro carro que comprou, juntando até o pó de cifrão, e o usou por dez anos, até finalmente ter uma graninha extra e poder trocá-lo. Do primeiro emprego. Da turma da faculdade. Do grupo da igreja.

Daquelas de quando voltamos de um lugar bacana que conhecemos, quando deixamos amigos do bem, com cenas bem vividas e experiências que galvanizaram nossa existência.

Mês passado um amigo confidenciou-me que se aposentadoria. Disse-me que não viria na segunda e pronto.
Disse-lhe que aquilo era insano. Que aquela falta de fechamento não faria bem à sua saúde mental.
E dei-lhe uma dica, que ele seguiu à risca. Anuncie um mês antes, e vá arrumando as gavetas, despedindo-se de todos que te tornaram quem tu és. 

Não saia corrido de onde é feliz. Não temas a saudade boa. Não temas chorar de emoção, ou agoniar o coração. 

Essa é a hora do fechamento de um ciclo, e deve ser com chave de ouro. 
Hora encantada.

Ah! Se tivesse aprendido isso uns trinta anos antes.
Teria me despedido melhor da Comunidade de São Sebastião, em Campina Grande-PB, na qual fui seminarista.
Minha despedida dali foi como quem está fugindo do pai da noiva. Numa noite de Celebração da Palavra, anunciei que não seria mais seminarista, e rompi uma relação amorosa, e espiritualmente fecunda, abruptamente.
Não me dei o direito de abraçar calorosamente e lentamente aquele povo simples. De visitá-los e despedir-me como um homem de verdade deve fazer. Fui covarde. Fugi do turbilhão de emoções e fechei aquela porta para mais nunca abri-la.

Nunca temos certeza plena de nada, creio que essa pressa de fechar alguns ciclos de vida é para que não nos confrontemos com nossas dúvidas, à espreita numa curva qualquer.

Mas, é justamente o confronto que nos dará a plenitude de ter gozado a vida até a última gota, na sua completude e belezura, mesmo na complexidade e caoticidade de decisões não matemáticas. Que nunca caberão num excel. 

Eu não era bom em despedidas, e acabava botando os pés pelas mãos. 

Ah! Se pudesse voltar as cenas de minhas históricas rupturas. Teria feito bolo para meus amigos da Dipes, como fui feliz com eles e nos projetos que tocamos. 

Mas, eu era apressado. Ansioso e agoniado do juízo. Se eu pudesse voltar o tempo. Viveria cada despedida como quem toma vinho bom.
Aquele maremoto de sentimentos me invadia e num transe contraditório me nocauteava.

E eu negava a dor. Fugia dela. Era o medo de perder o apego, era o medo de perder os vínculos. De processar o sentimento que ficava soprando no ouvido: será, ou “aqui é meu lugar”. E dali partir em busca de outros horizontes, desconhecidos.

Paradoxalmente, o medo de enfrentar as perdas emocionais me levava a maior delas, a de não fechar ritos de passagem.
Ou, a de não se permitir vivê-los, degustá-los lentamente - como quem quer guardá-los em conservas emocionais - nas compotas do coração.

Assim foi também quando vim pra Brasília, em 1999, deixando a ONG Grupo de Apoio à Vida, e que fui um dos fundadores, sem uma despedida de respeito. Deixando apressado os filhos, pais, história de vida e amigos em Campina Grande-PB. Ainda hoje sinto falta de ter parado um pouco e feito os ritos finais de uma página que fechava. Parti dali enlouquecido, sem ter certeza alguma, apenas a de pobres e mortais amantes, daqueles que ousam ouvir os sinais do coração e por eles se deixa guiar. 

Faria tudo novamente, só que com umas dez despedidas. Mesmo doloridas. Fazendo a coisa certa. Como cabra de responsa e coragem.

É amigos, costumava sair às pressas, como quem se escondia de si mesmo, como quem se envergonhava das decisões, cuja certeza delas nenhum mago da Terra garantirá, ao adentrarmos e alterarmos o carrossel do destino. 

Só provando de nossa essência, de sonhos em forma de "agora é comigo" é que saberemos. Num tempo ao longe, um tempo de brevidades...

Nossa existência precisa de ritos, de cerimônias, de pequenas vivências de páginas viradas.
Somos eternos demais para sair batendo a porta dos lugares em que deixamos sementes e raízes.
Então, caro amigo e amiga, não temas sofrer a mudança de si mesmo para o desconhecido.

Permita-se vivê-la intensamente. Lágrimas boas não adoecem. São fecundas de presenças, mesmo que na ausência, como a saudade.

Quando estiver perto de mudar, abrace bastante, faça fotos, guarde aromas, sabores, cores e texturas. 
Traga bolos e comemore.

Um dia isso ainda fará parte de sua história. Aí saberá, ao abrir as comportas emocionais, que cozinhou com as boas despedidas que viveu, o sabor delas em teu viver.
Degustarás cada momento, evocando-os com satisfação. Afinal, doces que estão, anos depois, são essas compotas emocionais quem garantirá a fecundidade do solo da esperança, nas manhãs vindouras.

Não é meu, mas assino embaixo.

Leiam e reflitam:

Precisamos reaprender a pensar.

Cartas ao JG - Volte ao jogo.


Cheguei ao treino de futebol a tempo de ver o final do amistoso que disputava. Teu time perdia por 3 x 2, mas num ataque felomenal um atacante fulminou a trave adversária e empatou. Tu vibrava, ali no gol.
O juiz e técnico ao mesmo tempo avisou que faltavam 2 minutos, caso empate iria aos pênaltis.
Teu amigo o Gustavo jogava no time de camisa, tu no gol dos sem camisa.
Eis que um ataque inimigo segue em direção ao teu gol. Tu estás bem posicionado, olha para a bola que o atacante chuta um tanto sem jeito, ela vem devagarinho, manhosa, tu se ajoelha para pegá-la entre as mãos, eis que ela pega um efeito e você erra o ponto em que a encaixaria, ela entra devagarinho ao teu lado.
O time adversário comemora como uma final de copa, é 4 x 3.
Você levanta-se do chão, incrédulo. Não olha para nenhum dos jogadores de teu time. E abraça a trave chorando.
Um dos atacantes de teu time corre em tua direção, e te consola. Um cena que nós, da torcida dos pais, choramos juntos ao vê-la.
Ainda resta um minuto, o tempo de um ataque de teu time. Em vão. O jogo acaba. Você vem até mim cabisbaixo, os amigos tentando te consolar.
Alguns pais ficam emocionados ao vê-lo.
Seguro as lágrimas.
É hora de te ensinar algo.
- Filho, um verdadeiro homem se mede pela capacidade de se levantar, após tomar um frango, e continuar no jogo.
Você não entende muita coisa.
Então, aproveitei a vinda para casa, e que vocês estavam no porta-malas do carro, você e Gustavo, e ensinei-lhes a arte de bater a poeira, enxugar as lágrimas e, mesmo contrariado e triste, continuar no jogo da vida.
Impressionante ver o respeito do Gustavo, que mesmo vitorioso, "empatizou-se" com tua dor. Belo garoto e lição.
Tenho muito medo de quem cria filhos para sempre serem os maiores, melhores e os primeirões em tudo.
Não filho meu, aqui em casa está liberado levar um frango no gol da vida.
Entendeu?
A única coisa que nunca permitirei, em filho nenhum meu, é ficar deitado no gramado, desconsolado, ou chorando no pau da trave, enquanto o jogo prossegue.
Nunca faça isso. Chore só o tempo do juiz recomeçar o jogo.
Não fique bancando a vítima, ou tendo pena de si mesmo. Nem se cobrando demais.
Foi um vacilo aquela bola? Foi. Foi constrangedor o frango? Foi.
Errou ao preparar-se para agarrar aquela bola muito confiante, até subestimando o adversário que errou o chute, saindo a mesma mansinha? Errou, faltou-lhe humildade.
Mas é o teu frango, e ninguém estará ali naquela hora para sofrer aquela tragédia por ti, a não ser você. E, se for esperto, tirará aprendizados dele, úteis numa próxima jogada.
E, ninguém te levantará também, caso não queira você mesmo erguer-se dela.
Mesmo teu amigo te apoiando, lembra? Esse da pulseira vermelha. Foi ele quem te consolou. Ainda assim você continuou vertendo lágrimas e sem querer mais agarrar. Foi preciso eu te orientar da torcida, para voltar ao gol: "Bora JG, fica no centro da barra, ainda tem jogo."
Tem muita gente adoecendo por sempre esperar para ser feliz "quando". E o "quando" chega e a ele se acrescentam outros "quandos", e a pessoa vive a vida sempre na provisoriedade, nunca sente-se completa, em paz e feliz.
Quando eu virar o jogo. Quando eu não tomar um frango. Quando eu mudar de cidade. Quando eu mudar de emprego. Quando eu mudar de namorada.
Quando... quando... quando...
Quantas crianças dariam a vida para estarem no teu lugar, jogando num campinho transado, uniformizados, com arquibancada e até um técnico?
Na hora que acontece um revés em nosso viver, tipo levar um frango numa bola tranquila, quando todos esperavam que você agarrasse a mesma e o jogo acabasse; tudo cega e num turbilhão de emoções nos esquecemos de outras coisas bacana. Como o fato de estar no próprio jogo.
Conheço um bocado de gente que se sentiu preterida por não ter sido indicado para um cargo superior e quer desistir do jogo.
Outras que se deram mal numa relação a dois, e querem sair de campo.
Nunca faça isso. A vida não acontece no quando.
Acontece no como.
Como contabiliza as sobras que ainda tem, apensar do frango que levou.
Afinal, sábado que vem terá nova partida, por que desistir agora?
Esse final do ano está sendo especial para mim, você e seu irmão mais velho, o Tiago.
Todos nós estaremos mudando de local e funções no trabalho e escola.
Sua escola fechou, a Monteiro Lobato, e você irá para o Sagrada Família, não terá nenhum dos amigos que desde quando tinha pouco mais de 1 anos estudava, ou brincava, com eles.
A mesma coisa com seu pai, que assumirá um posto executivo numa das Controladas do BB.
Saindo da Diretoria de Tecnologia, na qual desde 2008 fiz um monte de amigos.
E a mesma coisa para o Tiago, que assume uma nova função na CEF.
Levaremos alguns frangos, em nossa adaptação. Ninguém chega sabendo, em lugar algum.
Errar, tropeçar, ter crises de adaptação, dias melhores, dias piores, faz parte do processo da mudança.
O novo assusta, é como só ter um minuto para virar o jogo.
Será que daremos conta?
É o que dizemos ali no pé da trave, chorando os que ficam, e o que fica,aquilo com o qual nos acostumamos. Será que daremos conta.
Mas, não há crescimento sem perda, sem desapego, sem o vôo de gaiolas reais, ou imaginárias.
Largar o pau da trave e retornar ao jogo é fundamental.
Tudo será conquista para ti. Poderá sofrer buling, poderá causar estranheza, "quem é esse novato que chega no II Fundamental?"
Poderá até sofrer agressões, por ser tão doce e de paz.
Atravessaremos juntos essa adaptação ao novo. Também a estarei vivendo em meu viver. Então, nos daremos forças.
Não poderei viver tuas novas aulas por ti. Esse é teu cálice, terás que beber.
Mas lembre-se: em todos os lugares há pessoas como teu amigo Gustavo, que mesmo tendo ganho o jogo entendeu teu sofrer e recolheu o júbilo da vitória.
Ou como aquele único atacante de teu time - o da pulseira vermelha no punho, aquele que nem esperou a bola entrar em jogo novamente e saiu de sua posição, agora super cobrada para um empate, e foi te consolar.
Estas pessoas existem em todos os lugares, procure-as. Elas nos ajudarão nas adaptações a processo de mudança.
Com elas fica mais fácil e melhor superar as dificuldades da vida.
Mas, se não enxugar as lágrimas, morder a língua e ousar recomeçar; mesmo com toda, e apesar da dor, tudo será muito, muito, mais difícil.
Esteja pronto para novos frangos e gools. Um dia agarrará uma bola difícil e ficará exultante, noutro perderá de pegar uma facinha, e ficará chateado, mas não é disso que é feito o sabor da vida, ele é feito de sentir-se no jogo, independente da posição, jogada, fracasso ou vitória.
Um dia entenderá.

Cuidado como pisa em si mesmo, nos outros e na vida.


E essa tão falada Geração Y




Tenho lido textos, e mais textos, além de tendenciosas pesquisas censitárias sobre as características dos jovens da badalada “Geração Y”. Geração Y é um termo muito abrangente, criado por consultores, marqueteiros de plantão, e livreiros de auto-ajuda corporativa, designado para definir um saco de gato de características socioculturais dos nascidos de 1980 à 1993, os anos dourados da WEB.
Essas características são quase sempre descritas em tons pejorativos, beirando ao assédio geracional.

“Assédio geracional é, portanto, toda forma de preconceito, ou rotulação, aos nascidos em determinada década, imputando-lhes características homogêneas, como se fossem objetos de uma linha de produção, padronizados e com tudo igual: valores, jeito de ser, pensar, agir e representarem-se a si mesmos - como um coletivo grupal. ” By Ricardim

As razões de minha indignação derivam da convivência familiar, social e profissional com os nascidos neste período.
Tenho três filhos nascidos entre 1982 e 1992. Sou professor de inúmeros jovens que se situam nessa faixa etária, dos 23 aos 33 anos. E fui gestor de um programa de trainee que já recebeu mais de 1.000 participantes, sendo 70% do grupo dessa faixa etária.

Quais os principais rótulos preconceituosos.

Geração Y, ou Cultura Contemporânea – Na sociedade da tecnologia comunicação, a cultura midiática é transmitida de forma muito mais ágil do que nos tempos de nossos avôs. Um vídeo com um novo estilo visual pode tornar-se viral na WEB, e logo, logo será assimilado por milhões de pessoas em todo o mundo. Assim sendo, falar em hábitos geracionais é incorrer num erro de segregar pessoas em estilos de vida, desconsiderando que a cultura dominante é disseminada para todos os que naquela época vivem, leem, navegam pela web, veem filmes, escutam músicas, ou simplesmente se divertem.
Conheço octogenários que pedirão aos seus filhos de natal, celulares que peguem o “Uót” para falarem com a família e amigos. As pessoas aprendem valores de suas épocas. Mas, mesmo assim, nem todas do mesmo jeito, ou da mesma tribo.
Assim sendo, toda forma de botar em caixinhas os jovens é uma forma de isolá-los num conjunto uniforme. Desconsiderando que todos nós somos permeáveis aos novos hábitos e comportamentos sociais. Além do maior erro, considerar que tudo funciona como numa linha de produção. Não aceito o termo geração y. Prefiro cultura contemporânea, ou Zeitgeist.
Zeitgeist significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. É uma palavra alemã. O Zeitgeist é o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo.
Os jovens são descomprometidos com o trabalho – Pelo menos uns 1.000 que conheço são muito comprometidos. Acordam cedo, cumprem metas, entregam resultados, e ainda estudam à noite para se aprimorarem um pouco mais. De quem estão falando mesmo?
Os jovens só pensam em cargos e não se esforçam – Será? Será que os de cabelos brancos não pensam em cargos também? Não pensam em melhorar seu padrão de vida e subir na cadeia alimentar das organizações do trabalho. Veja por exemplo as concorridas seleções para executivos seniores.
Convivo com jovens que tiveram processos seletivos adiados por um ano, processos já marcados no calendário, e nos quais poderia concorrer, e nem assim ficaram desmotivados ou pararam de se esforçarem. Conheço jovens que abriram mão de ganharem mais, para ficarem em áreas de sua vocação.
Gente carreirista existe desde que se criou a primeira organização de trabalho do mundo. Gente que não quer se esforçar e quer chegar na janelinha, como prêmio, existe desde que o mundo é mundo. Tem um bocado de “Baby-boomers”, nascidos de 1946 à 1964, como os consultores das idades geracionais me chamam, que só quer moleza. Que só quer uma boquinha, um emprego e que de preferência não precise bater ponto. Então o fenômeno é dos jovens ou de parte do coletivo social?
Os jovens não têm valores – Os que convivo têm e um monte. E dos bons. Faz parte de nosso programa de trainee o envio de três fotos sobre os melhores momentos da vida deles. Dos 800 jovens que se situam na badalada geração Y, as fotos mais comuns dizem respeito ao nascimento de seus filhos, ao casamento, ao dia da posse no Banco, as das formaturas, a dos amigos e a de seus pais. Só aqui já temos o valor dos estudos, da família, da amizade e do trabalho. De que valores mesmo estão falando que eles não têm? A gentileza só anda em falta nos nascidos de 1980 a 1992? A solidariedade, a bondade, a gratidão, a ética, a disciplina, a justiça e a paz – idem. Ou temos tido um déficit de valores, independente do ano de nascidos. Conheço pequenos jovens, de 15 anos, tão competitivos e pouco cooperativos, como outros quaisquer, da contemporaneidade. Conheço meu povo de cabelo branco, tão agressivo, tão egoísta, como os de anos anteriores. Será a data de nascido, ou não será um comportamento social perverso, o dos tempos atuais, carente de valores mais nobres?
Não vou me alongar. Antes de jogarmos a primeira pedra nos jovens, que tal olharmos a nós mesmos naquilo que dizemos que neles está em falta?
Os tempos presentes são quem produz uma série de comportamentos culturais perversos, a que todos estamos imersos, e que só vamos lutar contra eles num processo de autonomia cultural que só a educação promove.
Por último, escuto gestores de minha geração dizendo que seus jovens funcionários não querem nada com o trabalho.
Mais uma vez, será? Conheço um monte que se dedicam muito mais do que os de minha idade. Um monte. Mas, será que o que estão em busca mesmo não é de um líder que os mobilizem, que neles desenvolvam o potencial humano. Será que não estão mais informados e críticos e sabem avaliar-nos rapidamente, até por comparações e outras referências a que têm acesso, conectados que estão?
Será o que todos estão buscando não é na verdade um sentido para suas vidas? E se frustrando, ao verem que lhes são negadas essas oportunidades? No trabalho, na escola, na sociedade...
Ou, verem no dia a dia suas expectativas sobre tudo dissiparem - como moinhos ao vento, numa sociedade escrava da ambição, na qual não há espaço para todos, que idolatra o shopping e que quem não consegue nele aderir sente-se marginalizado.
Será, será...
Escuto ao longe alguém me dizendo: É Ricardim, mas esses jovens vivem conectados virtualmente, e estão perdendo a chance de conectarem-se à vida real.
Serão só eles...?
Ou não será um fenômeno social da contemporaneidade, o aumento do individualismo, e baixa interação social real, embora estejam todos conectados – mesmo que à moda antiga, lendo jornais e livros?
Quem pode atirar a primeira pedra?
Seria tão simples se pudéssemos botar tudo numa cômoda, e em gavetas ali classificar as pessoas.
Mas, com gente é diferente. Gente vaza pelas brechas dos móveis e se reinventa noutros armários quaisquer.
Gente é diferente, mesmo que nascida no mesmo ano, e no mesmo teto.
Ainda assim terá diferenças. Então, qual o porquê de tanto apelo por literatura desse tipo, que propaga uma forma de assédio - o assédio geracional?
Creio que aqui cabe trazer a teoria do bode expiatório. Precisamos deles - dos Y, para justificar, ou explicar, nossa falência como sociedade.
Simples assim.

Carta ao JG - 51 Aprendizados.


Deixo pra ti ensinamentos, que hoje para mim são verdades, e que se soubesse antes deles, teria me feito um bem danado.
1. Nem sempre quem te chateia não te quer bem. Então, nas horas difíceis, repita: isso também passa; amanhã será melhor; é só uma fase. Respire fundo e acredite, logo as mil lágrimas secarão e darão lugar ao novo.
2. Cuidado para não ampliar demais aquilo que te machucou.
3. Registre seus momentos bons, faça fotos e vídeos, mas também os backups. Ou, os salvem na nuvem.
4. Algum objeto de sua época vai valer uma fortuna daqui a 50 anos, em lojas de antiguidades. Guarde algo.
5. Quando nos sentimos amados, tocamos o infinito. Sinta-se amado.
6. Quando amamos, fazemos o infinito. Ame.
7. Guarde seus bons momentos como quem fizesse com eles conservas emocionais.
8. Brinque bastante com seus filhos pequenos. Eles crescem.
9. Aquela roupa velha que não lhe serve mais, ainda voltará a ficar na moda.
10. Nem sempre é verdade quando te dirão: só vamos tomar uma cerveja; amanhã poderá ser pior; passarei na tua casa.
11. Pais e mães gostam de receber notícias dos filhos, inclusive de suas vitórias e até das dificuldades. Não os poupem disso. Eles não têm dons telepáticos, embora tenham sexto sentido.
12. Você nunca deixará de aprender. Estude, estude, estude, mas compartilhe, senão esquecerá.
13. Na vida, não existe almoço grátis, trabalhe.
14. Sem disciplina e esforço não se chega a janelinha. E, quem ainda assim chegar, ali não se garantirá.
15. Seus joelhos, memória e vista ainda vão falhar. Seja paciente com os idosos.
16. A vaga para pessoas com dificuldade de locomoção e idosos são para elas. Não as ocupem.
17. Alguma situação vai querer te corromper. Resista, seja ético. Não existe meia-ética.
18. Haverá muitas ideologias que irão querer te seduzir. Tema todas elas. Elas são formas modernas de prisão. Mesmo revestidas de bandeiras bacanas. Virarão doenças. Fixações sociais. Bando de povo chato e arrogante.
19. Filhos pequenos podem sujar a casa, fazer barulho, serem crianças. Não os transformem em adultos sérios antes do tempo.
20. Não seja um adulto sério, insosso, sem charme e tesão pela vida.
21. Aprenda a dançar, cantar, algum esporte, hobbies, algo que alivie o stress do dia a dia.
22. Alimente sua espiritualidade, mas que seja verdade tua prática cotidiana, dela derivada. E que ela não exclua de teu mundo quem não crer, ou crer em algo diferente de teus credos.
23. Não queria ser unanimidade, agradar a todos. Alguém vai cismar contigo, é direito dele. Você não o mudará por si só.
24. Se beber não poste.
25. Quando estiver no meio de uma crise, não tome decisões.
26. Quando estiver no meio de uma crise, tome decisões.
27. Tenha amigos do bem, positivos e esperançosos. Eles te ensinarão pelo exemplo a ver o outro lado das situações.
28. Cultive o otimismo. Mas saiba a arte de chorar uma noite e um dia. Não banque o forte.
29. Anote diariamente as coisas boas que lhe acontecem, testemunha ou faz. Esteja atento a elas. Aquilo em que presta atenção, cresce. Menos, do ponto de vista erótico, aí é justamente o contrário. O sexo não está no falo. Um dia brochará. Besteira, levante a cabeça.
30. Perdoe, quando perceber no outro um gesto verdadeiro de mudança.
31. Perdoe, quando perceber que o outro é aquilo mesmo, e não adianta querer mudá-lo. Tenha misericórdia, nestes momentos. Mas não o carregue no coração, como uma mágoa encardida. Ele continuará sendo quem é e você pior.
32. Algum dia vão esquecer seu aniversário. Deixe de ser bobo. Faça você mesmo sua festa e os convidem.
33. A cada ano você poderá ficar mais sábio, generoso e aberto à vida. Ou, mais ignorante, egoísta e fechado na morte. Faça a escolha correta, a qualquer tempo do seu viver. Nunca é tarde para ser feliz, melhor do que ter razão.
34. Você não é imortal. Não guarde por toda a vida as suas melhores porcelanas para um dia especial.
35. Volte pra fazer aquela foto bacana, deixar pra fazê-la amanhã poderá não dar mais. Faça assim com tudo na vida. Adiar pode ser a negação da possibilidade que reina no tempo presente.
36. Cuidado para não perder horas preciosas de teu final de semana lavando o carro. Melhor pagar ao moço do estacionamento, e usá-las para outros fins mais prazerosos. Entendeu a metáfora?
37. Se restringe seu prazer, no sábado de manhã, apenas a lavar carro, numa rotina metodicamente marcada no teu calendário, mude. Toda rotina pode carregar em si mesmo celas.
38. Construa o seu relacionamento a dois. Viver a dois não é como jogar vídeo game. Não têm atalhos, nem bônus, nem vidas, nem macetes. Exigirá tolerância, renuncia e aceitação. Mas será ela quem te levará para tomar sol na cadeira de rodas. Sexo terás em muitas esquinas. Mas companhia. Ahh! companhia...
39. Cuide de seus irmãos. Aprenda a arte de receber e congregar tua família.
40. Admire e seja generoso com tua parceira. É isso que faz os relacionamentos duradouros. Aprenda a sorrir com ela.
41. Cuidado com o álcool, fumo, drogas lícitas ou ilícitas. São caminho quase sem volta.
42. Quando entrar em algum deles, peça socorro rápido.
43. Elabore sua felicidade. Felicidade não é o alcance de algo, é o caminho que trilhamos para tal. Nunca condicione ou terceirize sua felicidade. Seja feliz com, e não se.
44. Nos momentos em que tudo correr errado, contabilize as sobras. O que ainda pode fazer com a situação. O que há de bom nela? O que lhe restou? Perguntas salvadoras.
45. Envolva-se com uma ou mais de uma causa social. Ajude. Tire o foco de si mesmo.
46. Cuidado para não virar como aquele cavalo em carroça que só mira na frente, pela viseira que usa. No nosso caso, nos problemas e reclamações do viver. Tem muita coisa bacana na tua vida, que acontecerá à margem da estrada principal. Valorize-as. Esteja atento a elas. Para além das preocupações, algo de bom sempre acontece.
47. Não deixe ir dormir quem tu ama sem uma palavra doce, um gesto de paz ou de reconciliação. Cuidado com tuas verdades, percepções sobre algo. Tendemos a moldar a realidade para que ela caiba dentro de nossos esquemas mentais. Use a pergunta libertadora, que ampliará tua visão: Será mesmo que tenho razão, nisto que estou pensando sobre o ocorrido, sobre mim mesmo, ou o outro?
48. Viaje. Porém fuja dos roteiros tradicionais. Crie seus roteiros. As pessoas que conhecerá serão quem fará toda a diferença na tua viagem pela vida.
49. Trabalhe com sentido, em tudo que fizer. Será muito mais fácil achar o sentido do trabalho. Não escolha serviço. Sirva apenas.
50. Você adoecerá um dia. Faz parte. Largue de manha. Bote sua melhor roupa, faça a barba e finja estar bem.
51. Não destrua a escada por onde subir na vida. Cuidado com a arrogância do saber, poder ou ter. Eles não garantirão tua paz, quando estiver na pior.

Quanto tempo você consegue resistir a uma provocação, sem partir para cima?


Um dos trechos mais difíceis de praticar nos evangelhos é o de "dar a outra face", descrito nas Bem-Aventuranças. (Mateus 5)
Aliás, se é que existe algum fácil, sem exigir renúncias e mudanças de atitude.
Hoje, voltava pra casa, trazendo o JG do colégio. Dia de véspera de feriado, tudo corria as mil maravilhas.
Tudo de boa, como dizem os jovens.
Entro na Avenida do Sol, agora estou a 7,5 KM de casa.
O sol está se pondo.
Até respiro a felicidade. É final de semana prolongado, e estou pronto para relaxar e celebrar a vida.
À minha frente segue um caminhão de material de construção.
Atrás de meu carro, uma moto transada.
Daquelas de clubes. O motoqueiro deve ter minha idade.
Dou a seta e tento ultrapassar o caminhão-tartaruga.
Olho pelo retrovisor e vejo que o motoqueiro fez a mesma coisa.
Desacelero para que ele passe pela minha direita, já que ele insiste em emparelhar conosco.
JG dorme languidamente.
O motoqueiro passa por mim, vejo que é um bem apessoado senhor de meia idade.
Ele vocifera algo para mim.
Segue à minha frente dando o dedo e gesticulando de forma brava.
Fico indignado. O cara vem atrás de mim, salta na minha frente durante uma ultrapassagem - em que tenho a preferencial, e eu ainda reduzo para que ele conduza a manobra, e o bonitão fica bravinho.
Fiquei atônito e babava de raiva.
Então, começo a persegui-lo.
Emparelho meu carro com a moto dele. Desço o vidro, e digo-lhe que eu dei passagem a ele, e que a reação dele é descabida.
Escuto um monte de coisas, impublicáveis.
Aí sigo na sua traseira, perseguindo-o e fuzilando-o com olhar.
Ele idem, olhando pelo seu retrovisor e falando sozinho, pois eu não o escutava. Mas sentia que boa coisa ele não falava para mim. Aliás, as mãos dele também falavam muito.
Uns 6 KM à frente ele entra num condomínio, emparelho mais uma vez e algo me leva a trocar o dedão que iria dar, por um singelo tchau.
Daquelas saudações que fazemos aos amigos.
Um espaçoso tchau.
Cheguei em casa com o sangue fervendo.
E se JG não estivesse no carro?
Eu o chamaria para uma luta corpo a corpo?
Com o tamanho de minha ira, chamaria sim.
Dois velhos estariam nessa hora numa DP qualquer, prestando queixa um contra o outro.
Caso algo pior não acontecesse.
Preciso exercitar Mateus 5. Praticar mais a não violência-ativa.
Ceder para não propagar o fluxo de ira.
Agora, sinto-me envergonhado. Gostaria de poder voltar a fita.
Não dá. O homem bruto acordou e quase provoca uma desgraça.
Como é difícil manter a coerência entre o que se prega e o que se pratica.
Decepcionei-me comigo mesmo. Preciso exercitar mais o auto-controle emocional, evitar entrar em duelos evitáveis, e por pouca coisa.
Reaprender a engolir sapos, mesmo que estando certo.
Aprendi com minha mãe: quando um não quer, dois não brigam. Aprendi ainda não.
"Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti,
Deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua oferta.
Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão."
Mateus 5:23-25

Cartas ao JG - Guiné para um.



Ao meu lado, uma “flor de algodão” recém colhida. À minha frente, um João de Barro ciscando entre folhas, tomando seu café da manhã. Todos precisam de espaços para criar infinitos particulares. Esse espaço, ao lado da horta do Cond. Ouro Vermelho é o meu. Um verdadeiro refrigério. Escuto o som dos pássaros, à minha esquerda corre por cima do muro um casal de saguins. A mesa na qual escrevo é formada por dois troncos de madeira, empilhados.
Do lado direito, a horta de Sr. Waldir, meu amigo de todos os sábados. Que já me presenteou com suculentas rúculas e pimentas de cheiro. Hoje, comentei com ele que no domingo passado fiz um Guiné na cozinha. Ele babou. Disse-me que com arroz fica muito bom.
E foi o que fiz: Arroz de Capote. Capote, Guiné, Cocá, Galinha D`Ângola tudo são sinônimos da mesma ave, uma prima distante da galinha.
Comprei meu Guiné do Sr. Waldyr, na Feira de São Sebastião. Comprei fiado, no domingo retrasado. Ele disse-me que eu pagaria depois, confinou em mim. Sr.Darcy é aquele feirante amigo, o avô do Erick, aquele seu amiguinho da cadeira de rodas motorizada.
Domingo passado chegamos em casa excitados para cozinhar. Você gosta de mexer a panela.
Fica em cima de uma cadeira, todo concentrado.
Corte a ave em pedaços menores, deixei pegando tempero de cominho, limão e sal.
Fiz um refogado com muita cebola, alho e tomate e coloquei a bichinha para dourar.
Você tapava o nariz, ao mexer a panela de barro. Está no DNA, assim como teu irmão Rodrigo, você tem sensibilidade a aromas fortes.
A hora do almoço chegou, tirei a ave da panela, coloquei-lhe em vasilha bonita e esperei a degustação.
Você foi o primeiro que pulou fora: “Não vou comer isso não”.
Aí foi seguido por Rodrigo e Andreza; Por Hugo e Priscila e por Cristina.
Ninguém queria encarar aquela carne de cor escura, diferente da cor da galinha.
Fiquei por uns minutos passado. Um tanto decepcionado e triste.
A sorte foi umas costelas de porco que tinha descongelado para petisco. Elas viraram o carro chefe do almoço.
Você JG ainda ficou tirando onda dizendo que fedia. Fedia nada.
Guiné é uma iguaria, apreciado nos quatro cantos do mundo, com gosto semelhante ao faisão.
Tinha colocado tanta expectativa naquele prato, e por duas semanas já vinha saboreando antecipadamente o momento, curtindo.
Então ativei meus anticorpos emocionais para deter aquele princípio de infecção de rejeição.
Um deles é a contestação da crença. A crença, é aquela vozinha que afirma com convicção algo, sobre algo que ocorreu. Deixa eu te explicar melhor: olha a minha vozinha daquele domingo:
“Bem que eles podiam ter se esforçado e comido um pouco. Um trabalhão que tive, além de ser uma carne cara. Eles nem provaram, como é que dizem que é ruim? Devo ser mesmo um péssimo cozinheiro. É Ricardim, você não foi reconhecido, não foi considerado, amado”.
Percebe filho a tendência a catastrofixação?
Palavra que inventei para denominar as crenças que alimentamos sobre o que ocorre conosco, e as generalizações que após o acontecido vamos tecendo.
Cuidado. Isso é muito perigoso.
Conteste suas crenças sobre como você interpreta os fatos que lhe ocorreram.
Discuta com você mesmo. Repreenda essa vozinha.
Não é porque as pessoas não comeram seu Arroz de Capote que elas não gostam de você.
Outros pratos que já fez elas comeram.
E outros haverá de acontecer vida afora.
Repreenda pensamentos negativos e excessivamente críticos sobre você mesmo, a vida e os outros. Verá que a vida ficará mais leve, feliz.
Utilize o humor para rir de você mesmo, e da situação. Permita-se novas vistas de um ponto sobre o acontecido, discutindo com seu interior, sempre dizendo a si mesmo: Será mesmo que o que estou pensando é o mais correto... e se?
Foi o que fiz.
Agora teria uma panela de guiné para comer sozinho. E tome guiné. Comi a metade, deixei o resto para a semana.
Na segunda, tomando o café para ir trabalhar, disse a Cida que tinha cozinhado um Guiné e que a metade dele estava na geladeira, pronto pra ela deliciar-se com ele no almoço.
Cida é a senhora que trabalha em nosso lar, ela é da Bahia.
Cida respondeu-me: “Deus me livre comer aquilo. ”.
Cai na risada, ela não entendeu o contexto.
Filho meu, aprenda ativar seus anticorpos emocionais para poder viver. Não se leve tão a sério, ou as coisas que lhe acontecem.
Nada é para sempre. E, nem sempre tão dramático como pintamos.
Vivemos muito esperando ser admirados, valorizados, reconhecidos. Ficamos esperamos que algo que façamos gere um gesto de gratidão do outro, para conosco.
Terceirizamos muito nosso bem-estar. É como se fosse condicionando nossa felicidade a ser aceito, a não falhar, a ser estimado.
E aí carrega-se nas tintas da expectativa, procurando razões – e o pior achando-as, para ser infeliz.
Comi aquele guiné no domingo, segunda e terça com prazer enorme.
Era meu guiné.
Estava delicioso. Me satisfez.
Guiné para um, por favor.
Foi assim que senti a cena. Não espere demais das pessoas, não julgue demais.
Desenvolva a autoestima, encontrando espaço para o prazer e o cuidado de si mesmo também. Noutros tempos, eu teria perdido o almoço. Feito um dramalhão mexicano.
Ficado emburrado, amuado, triste num canto. Me chicoteando com todo tipo de emoção negativa.
Aprendi que só eu teria perdido, caso fizesse aquilo.
Perdido as boas vibrações de um almoço de domingo em família, cada vez mais raro de acontecer, pelo crescimento dos filhos e a manifestação de suas agendas próprias e legítimas.
Fazer coisas só para esperar ser percebido, aceito ou estimado é um grande erro comportamental.
Não lhe digo que não deve ser bom, acolher e agradar a todos. Digo-lhe que não deve fazer isso esperando receber afeto.
Eis que se aproxima de meu “escritório” o Sr. Waldir. Adivinha o que ele fez JG?
Ele me presenteou com maxixes fresquinhos: “Olha aqui, para você comer com o Guiné”.
Parece que adivinhou.
Talvez todo esse prato que cozinhei tenha sido preparado na cozinha do infinito apenas para esse momento. Quando cheguei na horta do Sr. Waldir, hoje pela manhã, comentei que tinha feito um capote.
Agora, ele vem e me presenteia com um “buquê” de maxixes para meu Guiné.
Receber essa doação dele, de coração tão terno, meigo e alegre por me presentear só foi possível pelo “fracasso do guiné”.
Entende filho, como a própria vida vai acertando o passo, o compasso, alterando a partitura do viver, mas sem sair do ritmo.
Não olhe para o que não deu certo. Aprenda com o fato. Cresça. Mas não fixe o olhar nas preocupações, aflições e dores do viver. De qualquer natureza. Aprenda a perceber o que ainda está legal.
Que pode estar passando despercebido na tua vida pelo excessivo foco no que lhe falta.
No que lhe fez infeliz. Cuidado para não aprender a ficar desamparado, a bancar a vítima para receber afagos.
Se não gostarem de seu prato, coma você mesmo. E o saboreei com prazer. Isso valerá para muitas coisas no teu viver. Não exclua de teu caderninho quem não gosta de comer guiné. É direito deles. Nem todo mundo atenderá ás nossas expectativas e nem por isso serão más pessoas.
Pense logo num plano b, quem sabe descongelando às presas um outro tipo de carne, ou fazendo uma omelete.
Você entendeu a metáfora?
Talvez um dos maiores ensinamentos que lhe deixo seja esse: na vida, aprenda a se dar valor, a gostar de si mesmo, a também apreciar um guiné sozinho. Aprenda a estar só, consigo mesmo, mas em paz e feliz. E, paradoxalmente, nunca estará só.
Querido JG, aqui no meu escritório, entre matas de cerrado, escutando ao longe a algazarra do futebol, escrevo para ti. Registro para não esquecer, registro para que me acompanhe tempos depois quando esses escritos fizerem sentido em teu viver.

Acorda, venha olhar a lua.

Ver tudo

Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos. Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite. Salmo 19,1-2
O domingo começou de forma especial.
Na feira livre, ganhei de um feirante um quilo de tomates do campo. Em retribuição, comprei-lhe rapadura. No seu vizinho, paguei o fiado do Guiné do domingo anterior. Ter um lugar que confie a nós um fiado é uma honra e raridade.
Deixei o Guiné descongelando, para fazê-lo mais tarde no almoço. O prato do dia será um Arroz de Capote. Capote, Guiné, Cocá, ou Galinha D´Angola, tudo sinônimos da mesma ave. Deliciosa e exótica.
Naquela manhã, tudo respirava paz, coroando-a com o tradicional pastel com caldo de cana, na La Deisy. Com direito a foto das simpáticas proprietárias.
Chegando em casa o calor estava insuportável.
Liguei os aspersores do pomar, mas de nada adiantaram. Muito seco aqui em Brasília, calor e baixíssima umidade.
No fogão o Guiné pegava gosto no refogado.
JG, com nariz tampado, mexia a panela.
Ele tem olfato sensível a aroma mais fortes.
No paneleiro, jazia nossa antiga bacia, um dos tantos artefatos que usei para banhar o João Gabriel (JG) quando pequenino.
Eu, a bacia e o JG trocamos olhares cúmplices.
Resgatei-lhe do alto do suporte de panelas, local que botamos aquelas que delas vamos nos esquecendo com o tempo.
Colocamos a bacia embaixo da sombra da mangueira e a enchemos com água. E começou a festa.
Era banho de mangueira, agora a de água e banheira de bacia.
Viramos crianças libertas pela água e brincar.
Tudo foi se encantando numa magia e mística do encontro. Para culminar alguns de meus filhos, nora e genro estavam conosco.
Era felicidade demais.
Mas, já não temo que acabe. Antes temia, ficava ansioso. Pensava: “está bom demais, virá desgraça. Ou, “o que é bom dura pouco”.
Agora, curto o “enquanto dura”. Presto atenção a tudo e saboreio no silêncio de meu coração, galvanizando o momento, eternizando emoções.
Agora, a degusto e a guardo em imagens, como quem faz conservas para depois, conservas emocionais, para consumi-las em tempos mais escassos.
Antigamente vivia esses momentos sem prestar atenção neles, como se fosse fácil repetirem-se, depois de quase 51 no lombo, aprendi que nem sempre voltam.
Então, agora não temo mais que acabem. Simplesmente, abro-me e permito-me ao seu assombro, ao seu encantamento, e ao seu louvor ei de cantar meu canto, como diria o poeta.
À noite senti saudade de meus pais, é perto das 18h15min, estou pronto para ir à Igreja, coroar um dia de muita luz.
Quem atende é a Guia que logo me pergunta se já fotografei a Super Lua. Solto uma brincadeira qualquer, mato a saudade de meus pais e desligo.
Aí uma força me faz olhar pela janela da cozinha. Uauuu!!!
Está linda. Corro e troco as lentes da câmera, rezando para ter bateria. Sim, ainda tinha um pouco. Fiz umas fotos, e selecionei uma delas para compartilhar na rede.
Gosto de luas cheias.
Algo naquela foto me marcou, estava diferente. Seu romance com o sol estava descarado.
Então seguimos para a igreja metodista.
Lá, fiz mais um monte de fotos para o amigo Pastor André colocar no blog, e até pequenos vídeos fiz. Não precisaria mais da bateria. Carregaria em casa.
Durante a celebração, a Rebeca me perguntou seu eu faria a foto da Lua de Sangue. Eu respondi que já tinha feito. Ela fez cara de espantada, dizendo-me: Mas como? Ela já saiu? Eu disse: sim, fi-la às 18h45min. Ela olhou-me assombrada.
Na hora, não entendi nada de seu espanto.
Na saída da igreja fomos tomar sorvete, era 21hrs.
Chegando em casa, perto das 22hrs, acesso minha página.
Vou lendo os comentários na foto da lua que postei. Aí o milagre da Lua de Sangue aconteceu em meu viver.
Leio um comentário na foto do amigo Sergio Souto: “E já me antecipando, vai uma do eclipse !!! Pena que é da internet “.
Na cidade em que ele mora chovia.
Leio aquilo e um insight, em forma de anjo, sopra em meu ser.
“Venha ver o eclipse da lua”.
Não tinha lido nada sobre o tema. E, nas outras vezes que falavam de eclipses sempre me frustrava e não via nada.
No final de semana quase não acessei a rede, com festinha de aniversário, sessão Série de TV dobrada e o Guiné.
Então, abri a porta da cozinha e olhei para o céu. Estava límpido, nenhuma nuvem, nem nevoa seca, ou fumaças de queimadas, tão comuns nessa época pelas bandas do planalto central de meu Brasil.
A noite estava perdidamente nua, languida e entregue a imensidão do céu.
Em seu regaço as estrelas deitavam-se manhosas.
Olhei para a lua e não notei nada de estanho.
Só uma ponta de nuvem.
Uma pontinha que a encobria do lado direito.
Vou voltando para a cozinha e algo me diz: “vai lá rapaz, olha novamente”.
Olho por uns 5 minutos e a pontinha não sai do canto. Se fosse nuvem sairia, ou alteraria a forma.
E não há nuvens.
Desconcerto-me, bambeio as pernas, queria chorar: era ele, ali na minha frente, fenomenal, o meu primeiro eclipse!
Corro e chamo o JG e a mulher para verem da varanda. Deito-me no chão com eles.
Mas, eles são tomados pelo sono e logo voltam para o quarto.
Desço da varanda e vou para o jardim. Forro com o cobertor uma área calçada, abro um vinho, e fico deliciando-me com o fenômeno.
Lentamente ela vai cedendo ao sol, deixando-se ser encoberta por ele.
Uma cena que me conectou às coisas do alto.
Agradeci a maravilha da natureza, e o fato ter sido chamado para presenciar aquele fenômeno.
Se não lesse o post, se não tirasse a primeira das fotos, estimulado pela Guia.
Se... se... Se acabasse a bateria... se chovesse...
Se não tivesse me rendido a continuar tentando impostar as notas de meus alunos, pelas 21h50min, brigando com o sistema da faculdade que teimava em sair do ar.
As muriçocas querem estragar meu eclipse. Nada que um banho de repelente não resolvesse.
O céu virou um grande observatório, limpo, esplêndido e magistral.
Vou captando cada centímetro de lua que se vai, até virar a lua de sangue.
A lua eclipsada, mas que mesmo assim não perde seu fulgor, ela está ali, é só prestar atenção, apurar a lente e focá-la.
E agora, dormir ou esperar. Quanto tempo passaria encoberta?
Ah! Gente, ontem não era noite de dormir. Teria a vida a frente inteira para isso.
Boto mais umas doses de vinho e miro estrelas, resoluto, esperando que a lua volte a resplandecer.
Perto das uma da manhã ela vem voltando. Mansamente, pelo mesmo lugar que começou a se ir, da direita para a esquerda.
Deu a volta sobre si e aconteceu novamente.
Tudo fez sentido.
Somos tão frágeis, tão pequenos, poeirinhas cósmicas num universo tão belo.
Hoje à noite choveu muito aqui em casa, agora mesmo escuto trovões e vejo relâmpagos e raios.
São as primeiras chuvas, após quatro meses de seca. Se ontem fosse hoje, jamais veria um eclipse aqui.
Sergio Souto não viu o eclipse. Chovia na cidade dele. Mas, ele moveu a eternidade a meu favor. O eclipse dele nasceu na minha vida.
Nunca esquecerei, aquelas três horas de comunhão com a lua, o sol e Deus.
Descobri o mais importante, pelo mesmo lugar que nascem as trevas, far-se-á a luz.
Sim amigos, essa foi minha descoberta. A luz arrodeia as trevas e a surpreende pelo lado de lá, o mesmo onde fora golpeada.
Eu queria saber por onde viria a luz novamente, ao recuperar-se de seu eclipse, e vi que voltou pelo lugar de onde partiu.
Entenderam?
Pela mesma área onde ela foi perdendo a luz, quando resgatada de sua potencialidade, foi por ali que ressurgiu. À direita da lua cheia.
Que ensinamento. Para momentos de “cansamentos”, de aflições, nos quais nos sentimos sozinhos, desamparados – no escuro de um medo que tudo imobiliza.

Pois bem, é ali mesmo, naqueles momentos, que digo e repito com fervor: passarão.
A luz vem a galope resgatar nossa vida vazia, sem tom, sem sabor, sem fulgor.
É só confiar e continuar esperando, agindo enquanto espera, não vá dormir.
Ela já vem lá, arrodeando o astro rei, em nosso socorro.
Aguarde tempos melhores lutando por eles, preparando-se para recebê-los quando chegarem.
Se eu fosse dormir, após o eclipse total, jamais saberia ou testemunharia por onde a lua renasceria, qual uma fênix de esperanças vadias.
Desista ainda não, amigo ou amiga, por maior que seja a dor, o luto e breu em seu viver.
Acredite, o sol está só encoberto. É uma fase.
Hoje cantei aquela canção “”de repente fico rindo à toa sem saber porque...”
Era risada de eclipse, de bem com a vida, com as mesmas ou maiores preocupações cotidiana, mas estranhamente eu sentia-me potente, rejuvenescido.
Aprendi a lição maior do Eclipse. A luz voltará. Só espere um pouco mais. Só confie.
Acalma seu coração e aguenta firme, antes de raiar de um novo dia o eclipse em teu viver será dissipado.
Movida pela luz da esperança, a luz contornará as trevas e voltará a habitar em nosso viver, sempre, a qualquer hora, e até em dias encobertos por melodias sentimentais.
Deixo-vos com Villa Lobos, e a música título dessa crônica, com letra de Dora Vasconcellos, e sugiro pegarem com a interpretação de Zizi Possi.
Melodia Sentimental
Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que surge tão bela e branca
Derramando doçura
Clara chama silente
Ardendo meu sonhar
As asas da noite que surgem
E correm o espaço profundo
Oh, doce amada, desperta
Vem dar teu calor ao luar
Quisera saber-te minha
Na hora serena e calma
A sombra confia ao vento
O limite da espera
Quando dentro da noite
Reclama o teu amor
Acorda, vem olhar a lua
Que brilha na noite escura
Querida, és linda e meiga
Sentir seu amor é sonhar.

Poucos.



Muitos querem a paz, mas são de guerra.
Muitos querem a verdade, mas são da mentira.
Muitos querem ser reconhecidos, mas não reconhecem.
Muitos querem afeto, mas não afetam mais a quem gosta.
Muitos querem comunicação, mas só são monólogos.
Muitos querem a justiça, mas são injustos.
Muitos querem a ética, mas são corruptos.
Muitos reclamam tempos áridos, mas não orvalham nada.
Muitos querem ser perdoados, mas não perdoam.
Muitos querem gratidão, mas não são gratos.
Muitos querem respeito, mas não respeitam.
Muitos querem uma segunda chance. Mas não a concedem.
Muitos querem em quem confiar, mas não confiam em ninguém.
Muitos querem uma exceção, mas são para os outros a regra.
Muitos querem compreensão, mas não compreendem.
Muitos são ativistas virtuais, mas na vida real omissos.
Muitos se conectam com todos, mas no dia a dia são ilhas.
Muitos querem solidariedade, mas são insensíveis à dor do outro.

Muitos querem ser amados, mas não amam.
Abençoados os poucos que ainda não viraram muitos.
Esse punhado de gente boa, mansa, solidária e a serviço, nos quatro cantos do mundo, que são, em pequenos gestos cotidianos, a mudança que almejam para todos nós.

Audiocrônica: Aqueça teu coração.


Crônicas Anteriores