Para viver novas experiências, é preciso sair do conforto do piloto automático.


Sempre gostei de bandas de música, de todos os tipos: de jazz, de Big-Band, daquelas de acordes militar, das de coro de igreja, daquelas que tocavam nos coretos, das de marchinhas de carnaval e até daquelas de forró de pé de serra. 
Se brincar, elas tocam até em cortejos fúnebres. Os caras são bons.
É cultura, é um som misturado que produz o bom, o belo e o virtuoso.
Acho muito bonito os músicos harmonizando-se em belas piruetas sonoras.
Quando criança, perto do feriado de Sete de Setembro, o programa imperdível era ficar em cima do muro da casa esperando a banda do Senai passar,  durante os exaustivos ensaios que ao final das tardes sempre faziam. Eu ficava extasiado.

Domingo passado, num hotel fazenda em Corumbá de Goiás, senti dó da bandinha local, chamada para animar os hóspedes.
A dó foi tão grande que por 2 horas parei tudo que estava programado de fazer, inclusive descer as corredeiras do Rio Corumbá, para prestigiá-los. Não poderia deixá-los tocando para mesas vazias.
Logo cedo, perto das 9hrs cheguei à piscina e presenciei uma "negociação" acontecendo. Um jovem pedia que abaixassem o som da piscina - aquele batidão alternado pelo Safadão e a Metralhadora, ou até desligassem, aproveitando o som de uma bandinha que ali iria tocar pelas 10hrs.
A bandinha era da pequeníssima cidade de Corumbá de Goiás. Os negociadores, do lado da piscina, eram irredutíveis, e disseram que o pessoal que frequentaria a piscina queria outro tipo de som e que atrapalharia a animação, a hidroginástica, que os recreadores iriam fazer.
Não entendi bem o que estava acontecendo, e desci para tomar banho de rio. 

Notei que éramos os únicos.

Eu, JG e a Cristina. O Rio Corumbá estava delicioso, em várias partes dava pra fazer hidromassagem com suas correntes, apoiado nas suas meigas pedras arredondadas. O pessoal estava perdendo, naquela piscina aquecida.

Fiquei surpreso com tanta beleza do rio, e mais ainda com sua baixíssima frequência. De 48 apartamentos ocupados, apenas o nosso prestigiava o rio, fato que comprovei naquela manhã e nos dias seguintes. Todos estavam na piscina, teclando no celular - maldita rede wifi, ou dormindo pra vida, ou na vida. 

Tamanho desprezo e vazio de pessoas no rio, que distava uns 20 metros da piscina e com um excelente acesso, levou-me a pensar que poderia ser por ter jacaré, piranha, ser poluído ou muito perigoso. Infelizmente, nenhuma das opções acima.

Era a indiferença mesmo. A pior de todas: a de não mais se permitir viver e sentir novas experiências.
Indiferença urbana que vai secando a vida de outras possibilidades, caindo no piloto automático da existência, na sua rotina costumeira, até para o lazer. Olhos que não se assombram mais com o novo, que não se encantam mais com a vida, que perderam a capacidade de ter curiosidade para o que acontece ao lado, à margem da perspectivava cotidiana.

Deixando a filosofia de lado, lembrei-me que na enorme área de lazer coberta, e ao lado da piscina, na qual ficava o bar e ali serviam petiscos, tinha uma ancoreta cheia de cachaça artesanal.

Motivado pela prova da pinga, saí do rio e subi até àquele local. 
Foi nesse momento que vi a bela e crueldade da cena. Jovens músicos locais, esforçando-se em tocar marchinhas de carnaval e outras boas MPBS, para ninguém.
É meus amigos e amigas, vejam as fotos. Na área cabiam umas 20 mesas. No recinto, uns poucos deitados na rede, sem prestigiá-los, outros acessando celular e apenas uma mesa prestigiando, à qual juntei-me em solidariedade poética.  
Parei o tempo do que eu estava pensado em fazer. Não deixaria aquela banda ser prestigiada apenas por uma mesa. Batia tantas palmas, entre uma apresentação e outra, que as mãos ficavam vermelhas.

De vez em quando o som do batidão, ou do safadão, invadiam o local anulando o da bandinha. Uma competição insana e desleal.  Os músicos entreolhavam-se impotentes. 


Ainda ameacei uma reclamação, mas o garçom fingiu não me escutar. Afinal, éramos a minoria. 
Teria sido tudo tão mais simples se bandinha tivesse sido convidada para tocar no deck da piscina e os recreadores usassem de suas músicas para animarem a hidroginástica.

Mas, pedir isso seria pedir demais numa sociedade que desaprendeu a negociar.

Já pensaram?  Fazer uma hidroginástica, animada por recreadores experientes, ao som de marchinhas de carnaval tocadas ao vivo, e à beira da piscina.

 Seria  um luxo cultural. 
Aliás, os banhistas também poderiam ter saído de seus individualismos coletivos, após a sessão de hidro, e terem ido prestigiar a bandinha, que ainda tocou sozinha por uma hora, após a recreação.  Eram poucos degraus que separavam os ambientes. 
Safadão venceu. 
Fecho os olhos e vejo aqueles jovens tocando Acorda Maria Bonita, e sem nenhum trocadilho prévio, digo-lhes que somos nós quem precisa acordar.
Imagino o frisson que os acompanhou noite anterior, na véspera.
Imagino-lhes preparando sua melhor roupa, e dando os últimos acordes para tudo ficar bonito durante o espetáculo.
Imagino os ensaios
Precisamos reaprender a aproveitar o simples, o belo, o bom e o virtuoso, nem sempre e na maioria das vezes, longe de ser o caro e custoso, o apenas comercial.
Imaginem a felicidade daquelas crianças vendo, ao vivo, as músicas sendo "feitas" ali na sua frente. Muitas talvez nunca tenha visto uma banda. Caso seus pais tivessem tido a sensibilidade de aproveitarem o momento único.
E se permitirem a vadias experiências de vida, e únicas. Como ouvir ao vivo o som de um sax e trompete, acompanhando de um pistom. Ou tomar banho de rio.
Coisas que aqueles mais de 50 turistas não viveram. Retratos de uma sociedade que está ficando pasteurizada nos seus quereres.
Um só som, um só ritmo, um só lugar para ser. Esse tipo de postura nivela e pasteuriza tudo. Ou se ouve o ritmo global, ou nenhum. Ou se compra a roupa da moda, mesmo falsificada, ou nenhuma.
Tenho aversão a isso tudo. Na pequeníssima Corumbá de Goiás, uma loja sobrevivente, vende artesanato de palha. Quanto de seus produtos foram expostos no hotel, numa corrente de economia solidária? Nenhum.
Que pena! Quanta riqueza sendo desperdiçada e que em breve desaparecerá, e aí não haverá mais rio limpo, nem bandinha de interior para apreciar.
No final, agradeci ao jovem maestro e pedi desculpas do acontecido e pelo desprezo que sofreu a cultura local.  Venceu a metralhadora. 
Acorda, gente bonita, a vida é breve demais para ser pequena!

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