Poxa e você fala da queda e não fala da trave?


Estou no estaleiro, com uma tosse de cachorro, literalmente de cachorro.
Eu a peguei de meu labrador, que está doente com a Tosse dos Canis.
Tosse eu, tosse ele. E, partilhamos dos mesmos remédios: fluidificantes do muco e antitussígenos. Ele até se deita para que eu dê remédio. Sabe que estou cuidando dele, e que está melhorando a cada dia, assim como eu.
Mas, a madrugada de ontem foi difícil. O muco espesso escorria pelos brônquios, e a tosse tentava tirá-lo dali, sem êxito. Um negócio super-desconfortável para mim, imagine para Balu que tossia feito um condenado, como se engasgado estivesse.
Depois do almoço, não tive mais condições de trabalhar, aliado à noite insone, um dos remédios é anti-alérgico e dá um sono danado.
Vim pra casa, e após um sono reparador, fiquei na cozinha vendo o balanço do dia das Olimpíadas. Quando minha esposa chegou, comentei que até àquela hora o Brasil não tinha ganho uma nova medalha.
Ela reagiu com espanto e um pouco de decepção. Vendo sua expressão, emendei: "mas ganhamos muita experiência, e estamos no caminho".
Afinal, esse ano conseguimos que nossa equipe masculina, de Ginástica Olímpica, chegasse à final. Conseguimos até ganhar partidas, em esportes que há anos não vencíamos. Estamos no caminho.
Fiquei matutando sobre a importância de se perceber a caminho. De não para ainda, por não ter chegado ao lugar pretendido. Continuar andando, caminhando.
A importância de olhar de uma forma mais generosa para nossas derrotas, não para que nos acostumemos com ela, mas que nos vejamos a caminho, em processo, crescendo competição à competição.
Não esqueço de uma cena que vi, ao término da prova de Ciclismo Feminino. Sentada no chão, uns metros após a linha de chegada, a atleta espera algo.
Eis que ela avista alguém vindo ao longe. E corre pra ele. Mas corre mesmo.
E abre os braços e faz um Brasil nos braços de seu amado.
Daqueles digno de um filme, ou novela de TV.
Curioso para saber o motivo de tão apaixonante abraço, descobri que a atleta brasileira de ciclismo, Flavia Oliveira, esteve muito bem durante toda a competição e acabou com um excelente sétimo lugar, o melhor resultado do ciclismo de estrada brasileiro até hoje na história dos Jogos Olímpicos.
Percebem? Aquele 7. lugar tem gosto de ouro.
Temos um baita complexo de infelicidade.
Complexo de vira-lata. Que não valoriza o esforço para chegar. Apenas o pódio. É tanto que não bastava comentar a impressionante abertura da copa, tínhamos que destinar muitos minutos da reportagem para ressaltar a reação no estrangeiro.
Temos atração pelo estrangeiro, e nem sempre nos damos valor. Até que eles nos deem.
Uma pena.
Não esqueço a entrevista que a emissora SportTV fez Daniele Hypólito, logo após a classificação da equipe dela para as finais.
Repórter: Estou aqui com Daniele Hypólito, que teve uma queda no solo. E você olhando para as câmeras, após a competição, pedindo desculpas.
Daniele: [...] A gente pede desculpa por ser uma maneira de mostrar o carinho e respeito que temos pelos nossos fãs.
Repórter: De qualquer maneira, como você avalia a participação do Brasil nessas competições?
Daniele: Poxa, e você só fala da queda no Solo. E não fala da Trave?
Repórter – É verdade, você foi super bem na Trave. Desculpa Dani.
Daniele - Poxa, vocês em vez de ressaltarem a coisa boa, falam logo da queda?
Dani, ouro para você. Esse cruzado de esquerda que deste no repórter tem meu apoio.
Precisamos parar com isso, e é urgente.
Precisamos nos reeducar para aprender a ser grato pelo que deu pra fazer, diante das condições que tínhamos na oportunidade.
Temos que ampliar a percepção, para além do pódio, olhando o processo, o caminho.
Tá certo, no Solo não deu; mas na Trave ela teve sua melhor performance na série. Mas, o que temos por ele atração é pelo negativo.
Por ressaltar as perdas, contabilizar as perdas.
Aprendemos desde crianças a destacar as caídas no Solo que damos na vida. E vamos perdendo a capacidade de perceber que, ali no cantinho de nosso olhar, temos coisas boas acontecendo na Trave.
Dani, tu está certa. Tanta coisa boa acontecendo, e o cara se pega numa falha.
Fazemos assim como nossos filhos, na educação deles. Fazemos assim com nossos funcionários.
Focamos exclusivamente nas falhas. Esquecemos de valorizar o esforço, o caminho, o processo.
Esquecemos ainda de destacar o lado bom da vida, de nossa vida, como se tudo nela fosse apenas uma queda no tatame, e de bunda como foi a da Hypólito.
Isso acontece quando ficamos presos ás lembranças negativas do passado. Quando não viramos a página, ou fechamos a janela.
Presos a culpas, ressentimentos. Presos ao ruim que conosco ocorreu.
Isso acontece quando perdemos toda a graça de uma viagem de férias, por passar o resto da vida reclamando que nossas malas na chegada foram extraviadas.
Isso acontece quando cegamos ao bom, belo e virtuoso, deixamos de ser grato ao fato de estarmos vivos, deixamos de valorizar nossas sobras, no lugar das perdas.
Tal qual fez o repórter acima, mesmo tendo depois se desculpado.
Por isso gostei da corrida da Flávia, em busca do abraço de seu amado, para celebrar o sétimo lugar.
Quem aprende a celebrar o sétimo lugar, aprendeu uma grande lição na vida, entenda a metáfora.
Estamos criando uma geração de pessoas infelizes, ingratas e que estão sempre resmungando, reclamando e com uma ambição desmedida pelo pódio.
Uma geração com hábitos de infelicidade.
Que aprende a amplificar o que deu errado, a endeusar o problema e a galvanizar as aflições.
Deixando de exercitar os aprenderes da esperança, da gratidão e da visão positiva da vida.
Cultivamos infelicidades como as pragas do jardim.
Portanto, meu amigo(a) leitor(a), pare agora de colocar no altar sua dor, seu luto, aquilo que lhe fez infeliz, tal qual a queda de bunda no tatame que a Daniele sofreu.
Tire isso do altar. Bote as coisas que deram certo, que ainda estão boas, belas e virtuosas em tua vida.
Continuando na metáfora da ginástica, valorize o exercício Trave que deu certo em teu viver.
E treine para não cair de bunda novamente, na próxima vez que fizer o Solo, como hoje a Daniele fez, ao repetir na final o exercício e não caiu.
Valorize seu sétimo lugar em o que quer que seja, desde que para nele chegar tenha sido o melhor que pode, com o maior esforço e disciplina que dedicou.
Ali, naquele sétimo lugar, estava o seu ouro, o seu melhor. Então, não fique se comparando aos de lugares acima. Perdendo a chance e o encanto de celebrar aonde você já conseguiu chegar.
Lembre-se, você está a caminho. E, muitas das vezes, a felicidade estará no caminho, e não na chegada.

Veja o exemplo da comemoração dos 9 a 1, no jogo Hóquei sobre Grama Rio 2016, no qual o Brasil perdeu hoje da Inglaterra. Eles conseguiram marcar o primeiro gol do Brasil na modalidade em uma edição de Jogos Olímpicos. E tome comemoração.
Percebem como um gol que se faz, dentre os nove que se leva, ainda assim pode ser motivo de comemoração?

Tudo depende da lente pela qual se observa a realidade. Têm lentes limitantes, muito focadas só no que aparece na frente.

E têm lentes expansivas, panorâmicas,que capta as coisas para além do que elas aparentam ser, no que carregam de perdas. Esse atletas usaram estas, e nós devemos usá-las também.

Deixo-vos com um poema do Henfil que é uma aula de uma postura sábia, diante dos revezes da vida:
Se não houver frutos, valeu a beleza das flores;
Se não houver flores, valeu a sombra das folhas;
Se não houver folhas, valeu a intenção da semente.

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