Uma tocha que se ergue.

Ela vinha andando lentamente, com o apoio de uma bengala.
Naquela noite, atravessava os metros mais importantes de sua carreira, desde 1984, quando nos 200 metros rasos ganhou a primeira medalha de ouro do Brasil, numa Paraolimpíadas.
As tochas estavam no caminho da Márcia Malsar, pois luz que é, atrai luz.
Em 1984, o ano de sua redenção no esporte, no qual amealhou 3 medalhas, sendo uma delas de ouro, o símbolo da Paraolimpíadas, realizadas simultaneamente nos EUA e Inglaterra, era uma tocha.
Agora, 12 anos depois, lá estava novamente a Márcia com a tocha.
E lá vinha ela, caminhando qual um graveto soprado ao vento, equilibrando-se a cada passada, sobre a fé em si mesma que conseguiria avançar.
Altiva, seguia firme em direção á pira, até que quis erguer a tocha, como quem a saudar a multidão. E, aquilo desequilibrou seu apoio, levando-lhe a cair.
Numa fração de segundos, a tocha projeta-se pelo chão, ainda acesa. Ela, olha a situação, e ergue-se graciosa, fazendo um sinal para os ajudantes que correram para acudi-la, do tipo: eu estou bem.
Então, levanta-se, recebe a tocha novamente e segue sua missão, não sem antes abrir uma expressão confiante e sorridente, daquelas que só sobreviventes sabem interpretar, aquela do som inaudível de corações corajosos, o som da esperança, um som que diz: "vou tentar mais uma vez".
E tentou, e conseguiu. Nem a chuva e nem a queda a impediram de levantar e continuar seu caminho. Um verdadeiro exemplo de determinação.
Naquele momento o Brasil chorou, a arquibancada ficou de pé e a aplaudiu efusivamente.
Naquele momento, todo mundo que pensa em desistir - diante de situações que os levou ao chão, recebeu uma lufada de ânimo. Todo mundo ganhou um estímulo para resistir mais um pouco, tentar mais um dia, tudo outra vez.
Milhões de telespectadores do mundo inteiro não viram uma Márcia rabugenta, reclamando da chuva, do apoio, da pista, ou da situação, não viram uma Márcia desistindo, metros antes de seu objetivo final.
Ela tinha o álibi perfeito, para ficar ali mesma, para renunciar seu sonho de entregar a tocha, ao próximo atleta, num lugar determinado.
Mas, ela soube levantar-se e perseverar.

Talvez este seja um dos legados mais importantes, a lição de que talvez o mais importante não seja - nessa vida pelejante, evitar sofregadamente não cair. Mas, aprender a levantar-se depressa, queda à queda, sempre mais forte e sábio.
E, com um prazer enorme de continuar, de forma sorridente, sem culpas, ressentimentos, ou terceirizações de responsabilidades.
Simplesmente continuar nossa trajetória, nossa jornada levando nossa chama interior, a da esperança, para outros que dela precisarão, ao longo do caminho. E que em nós se inspirarão para não desistirem.
Márcia, muito obrigado. Você deu motivação a tantos que passam por doenças crônicas, por situações difíceis, ou lutos doloridos a caminharem mais um pouco, resistirem mais um bocadinho, acreditarem que sua chama não apagará, que será reerguida e ainda servirá a muitos que querem desanimar, e verão neles a força do exemplo, a coragem dos grandes, dos sobreviventes. Quem mais quererá ficar sentado à beira do caminho, chorando "o leite derramado", ou sua tocha interior caída no chão, prestes a se apagar, depois de ver o que você fez?
Quem?
Então vamos lá, é hora de se erguer. De levantar novamente seus sonhos, seus projetos, seus valores e motivação de viver.
É hora de resgatar a esperança de que o amanhã será melhor, erguendo sua chama interior de forma altiva, feliz e, passo a passo, mesmo cambaleantes, atravessar os buracos existenciais fruto dos choques do real com as fantasia.

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