Cartas ao JG - Se parar cai.




Na manhã do dia 11/09/2016, tomei uma decisão radical. Já era tempo de tirar as rodinhas de sua bicicleta, ganha dois meses atrás.

Há um tempo de tirar as rodinhas, sob pena de ficarmos para sempre delas dependentes, pensei.

Peguei desajeitadamente a ferramenta e comecei a desaparafusá-las.  Fragmentos de memórias evocaram em minha mente. Passaram 25 anos, e lá estava eu repetindo a cena. Agora, prestando mais atenção. Pais jovens demais precisam desenvolver a atenção, eu era fraco nesse item.

Perdi muita coisa da infância de meus primeiros filhos Tiago (31), Priscila (29) e rodrigo (28) por não ter prestado atenção. Corrido demais, trabalhado demais, estudado demais, igrejado demais, O-N-G-ado demais, bebido demais, dormido demais, brigado demais, estressado demais, e brincado de menos.

Como seria ensinar um filho a andar de bicicleta?  Cadê o tutorial, o vídeo no youtube, o manual?

Não adianta, têm coisas que só aprende fazendo. Ou seja, pedalando, no sentido esportístico da palavra.

Sabe JG, menos de um mês de treinos esporádicos, atravessados pelo período de luto pela tua vovó Madalena, e você conseguiu.  Estou muito orgulhoso.

Sua mãe ainda tentou convencer-me a colocá-las novamente, num dia do brinquedo no colégio, na qual podia levar a "magrela", mais não deixei. Finquei pé e você foi sem nada. Melhor do que recuperar os vícios antigos, das rodinhas, que já estava superando-os.

Faz gosto levá-lo para "treinar". É uma alegria enebriante.  Nem espera o carro parar e já sai pedalando, destemido e alegre. Sem pender para os lados, ou cair a cada metro avançado.

Rodinhas nunca mais!

Sabe meu filho, assim será com muita coisa em teu viver. Coisas que te fará delas dependente.

Que te dará uma falsa sensação de segurança, apoio e equilíbrio.

Mas, é só tirá-las que tu ficará atônito, desesperado, sem saber como avançar sozinho.

Não sei quando lerá essa carta. Nem sei se estarei contigo. Então, explico-lhe bem devagarinho.

Vou te falar de três rodinhas que precisará saber o dia de tirá-las de teu viver.  Mesmo que te deem a falsa sensação de que estás seguro e avançando.

Mentira. Elas vão tentar tirar  que você tem de melhor. A liberdade e autonomia de existir - sem apegos, ou dependências mórbidas e asfixiantes.

A primeira delas é o amor. O amor pode ser libertador, mas pode ser doentio. Amor de apego, de posse, de coisificação do outro. Não fique dependente de amor. Pegue umas ferramentas e tire essas rodinhas, antes que seja tarde.  Não quero dizer que não deve amar. Amar uma garota lhe fará bem. E te porá para frente, para o ser mais. Amar nos faz gigantes.
Mas, não falo desse amor. Falo para que você tenha cuidado com amor-cuspe. Daqueles que tiram tua identidade, tua personalidade. Daqueles que roubam você de você mesmo. E, de tão perdido no coração do outro, perdeu-se de si mesmo. Não mais sabendo viver sem suas migalhas de afeto.
A comida perderá o sabor, a auto-estima irá a zero, nada terá cor ou cheiro. Perderá a razão para sair com amigos, para ir ao cinema, por esse sofrimento desse amor dependente. Viverás na esperança de fagulhas de correspondência. Viverás na idealização do  ser amado, esperando que qualquer dia ele faça como canta a canção  Valsinha, de Chico Buarque:
"Um dia ele chegou tao diferente do seu jeito de sempre chegar. 
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar.
E não mal disse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar.
E nem deixou-a só num canto pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar.
Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar".

Esqueça isso filho meu. Nunca se entregue a amor algum assim. O preço que pagará será muito caro. E, poderá a desaprender a andar sem essas rodinhas do afeto da amada. Amor bom é o amor que não vicia. Que não oprime. Que não constrói celas, reais ou imaginárias. Amor bom, é o por si mesmo - filho meu, só assim poderá amar alguém verdadeiramente.

A segunda rodinha, na qual não deve apoiar sua vida, é a ilusão dos bens materiais, como fonte de felicidade. Conheço um monte de gente, com dois dígitos no salário, que é infeliz. Com casa com piscina, carrão do ano, viagens no exterior, e no guarda-roupa tudo de moda e de marca. Não filho meu, o dinheiro cumpre a função de prover tuas necessidades básicas; mas, nunca poderá ser as rodinhas de teu bem-estar. Tire as rodinhas do consumo, do materialismo, de medir as pessoas pelos cifrão que possuem. Esse tipo de apoio e segurança a traça come, a crise amealha, o ladrão rouba, e a enchente leva. Mas, quando aprenderes a ser feliz comendo pão com ovo, ou pastel com caldo de cana em feira livre, aí sim, estarás andando legal. Quem busca felicidade no acúmulo de coisas, na verdade está é apertando mais as rodinhas em seu ser interior. Viverá eternamente pobre, de espírito. Há muita felicidade na simplicidade de quem come uma fruta madura, de quem se permite a um balançar num parque, ou a um contemplar de por do sol. E, para isso, você não precisa ter dinheiro. Cuidado então com a vaidade e ambição desmedidas. Que farão com que nunca esteja satisfeito com nada, sempre em busca, em busca, em busca, numa corrida frenética, de rodinhas. Entende?

Por último, para não cansá-lo, cuidado com a rodinhas da família, do emprego, da cidade, dos amigos. Talvez chegue o dia em que precise romper com elas. Precise libertar-se dessa segurança, verdadeira segurança, para pedalar mundo afora. Fiz isso algumas vezes, doeu muito no início, mas hoje vejo que se não tivesse dado aquelas pedaladas não teria crescido como pessoa, mesmo na dor. Aliás, crescer dói. Têm famílias que prendem seus familiares numa amalgama que tiram deles a liberdade, e sugam energias. Famílias, infelizmente, toxicas. Viciantes nas suas briguinhas, na sua visão de mundo, bem estreitas, e até em alguns valores que cultivam. Rompa com isso, filho meu.  Não delegue seus valores.  Têm empregos que só valem pela experiência. Saiba a hora de tirar as rodinhas deles e buscar suas melhoras. Não tema recomeçar carreiras. Convivências tipo rodinhas nos dão um falso equilíbrio, e, quando as tiramos, ficamos pensos, quase caindo. Cuidado com alguns amigos. Que te farão sentir-se dependentes deles. Amigos-grude-asfixiantes. Permita-se ao espaço. Abra-se ao espaço nas relações, sem dominar ou se deixar dominar.   Pode no início ser como você que caia a cada curva, ou que andava torto. Mas passa. Logo aprenderá novamente a ter a mente abeta e a espinha ereta, como dia a canção. Por melhores que sejam os amigos e a tua cidade natal, poderá chegar um dia de partir. Voe, filho meu. Um dia você voltará, nem que seja nas férias,  e se reencontrará com eles e com tua amada cidade.
Lugar bom é o que desembarcamos emocionalmente. Portanto, nada de ficar lamentando a ausência de teu conforto e apoio anterior. No começo, em qualquer começo, é assim mesmo. Tudo mais difícil. mas é teu sonho, Siga teu sonho.  E, caso necessário bote um motor na tua bicicleta.

Uma última dica:  o melhor motor, para tornar bicicletas verdadeiros pássaros alados, é sentir em ti o amor do Senhor Jesus. É só se deixar encontrar, Ele te achará. Verá que  a espiritualidade é como essa chave da foto, é ela quem nos dará forças para nos livrarmos de todo tipo de entulho que foi se juntando ao nosso viver, mesmo que nos deem uma falsa sensação de segurança.


Filho meu, acredite, chegará um dia no qual será preciso superar apoios, muletas ou rodinhas - de quaisquer tipos. Rompendo amarras, correntes e estacas que impedem teu crescimento e inibem autonomias. E, liberto, trilhará a novas jornadas e cumprirá tua missão.
Firme e confiante de que o equilíbrio virá justamente do mover-se à frente, sem olhar a vida pelo retrovisor, ou estagnar curiosidades, pedalando em busca de si mesmo, dos outros e do sentido de tua existência. Sempre andando, nunca parando no tempo, se parar cai.
É como andar de bicicleta, lembra-se?

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