Regue seu Buxinho


Querido buxinho, replantando hoje um de teus irmãos, verdinho-verdinho, vi que falhei para contigo.
Ao novo buxinho, prometo-lhe não mais deixá-lo sem água, como fiz com o anterior, confiando apenas na sorte de chuvas erráticas.
De agora em diante, cuidarei para que todas as noites, antes de dormir, tu recebas generosa quantia de água.
Caso contrário, teu destino será igual ao daquele o que jaz ao teu lado.
Quantas coisas vão nos murchando, diariamente, em nós grudadas e sem que sobre elas façamos algo, intencionalmente para reestabelecer a vida.
E vamos ficando secos – emocionalmente falando.
Precisamos de pausas. No corre corre da cidade grande, na luta pela sobrevivência, e após um dia de peleja na selva corporativa, precisamos restaurar sentimentos, renovar valores e entrar em contato conosco mesmo, para juntar os nossos cacos que foram caindo ao longo do dia.
Uma água que jogo em mim, todas as noites antes de dormir, é rememorar meu dia.
Minutos depois em que a luz se apaga. Quando posso ouvir até o respirar de minha parceira, então brinco de soltar meus pensamentos e aguar meu ser.
Vou me lembrando do que prestei atenção, ao longo do dia, de bom, belo e virtuoso.
Hoje, ao caminhar após o almoço vi uma menininha voltando da creche, com sua babá. No caminho ia pegando varetas e brincando de fada.
Vi quatro senhores que faziam a cesta, embaixo das copas de frondosas árvores, jogarem um carteado. Vi um moço fabricando pães sírios, ao vivo e a cores, e uma moça distribuindo-os após o tempo de forno, também ao vivo e a cores, aos clientes do restaurante em que almocei.
Vi um gerente apresentar o tema de sua área, com tanta empolgação e energia que dava gosto. Antes de dormir, sempre conecto-me às coisas boas. Em algumas ocasiões, levo-me para banhar-me no barreiro de meu avô paterno, ou comer goiaba no quintal de minha avó materna.
Precisamos de momentos de água, antes de nos levar para dormir. Mesmo cheios de problemas, caso esteja, ainda assim você pode se dar as mãos e caminhar pelas suas boas lembranças, verdadeiras conservas emocionais.
Inúmeras pesquisas comprovam que o amadurecer com qualidade de vida passa pelo que habita nosso pensamento.
Se não tivermos cuidado, o que nele habita e com ele passamos o dia, vai secando nossa seiva.
Vamos ficando ressentidos, descrentes e sem esperança.
Olho para o buxinho seco, e vejo dele teimarem folhas verdes, ainda. Vou aguá-lo também, quem sabe?
Pessoas também são assim, mesmo secas e sem qualquer formosura, podem renascer, lentamente, após o tempo de aridez.
E, após renascidas, é só cuidar para não voltar tudo ao que era antes.
É preciso cultivar espaços diários de encontro consigo mesmo, de revisão de vida, para permitir que o crescer irrompa e renove-se.
Não ir para a cama com um perdão adiado. Um abraço negado. Ou, um eu te amo, nem sequer balbuciado.
Tá certo que vez por outra, a coisa pesa demais, e não tem jeito: faltará água emocional em nosso ser.
Faz parte.
Esses momentos de veranicos emocionais são importantes.
São estados de espírito que dizem a nós mesmos que as coisas não estão tão legais quando desejamos, e nem sempre podemos sobre elas agir.
Contudo, cuide para que a falta de rega no seu coração não perdure. Não fiquei ligado a função “Play Triste” por muito tempo, sem você fazer algo para reverter esse sentimento.
Aja, se ajude a não murchar.
Leia coisas bacanas. Ouça também. Cuidado com os filtros negativos do viver.
Cuidado com a descrença, em si mesmo, nos outros e na realidade.
Toda forma de desesperança é como falta de água no buxinho.
Mesmo assim, nosso ser aguenta momentos assim. O que ele não aguenta é uma eternidade assim.
Aí, morremos em vida. O que é muito ruim.
Pense em seu ser como esse buxinho verde. Ele precisa de escolhas racionais que você fará, ao longo do dia, para preservar nele a vida.
Quantas coisas durante o dia podemos sobre elas ser mais flexíveis, tolerantes, e, até relevá-las.
Deixar de lado posturas muito rigorosas, enérgicas, cheias de razões.
E, fluir. Deixar fluir a vida, em toda sua beleza e contradições.
Costumo dizer que precisamos de duas coisas, durante o dia, para manter nossa seiva e fecundidade.
A primeira delas é fazer cirurgia bariátrica de pensamentos ruins, de críticas e reclamações de todos os tipos e intensidades. Na hora que o pensamento chegar, coloque outro no lugar, debata com ele, tire dele a força do mal.
A segunda delas é a academia da alma. Representada por práticas. Ninguém faz academia, ninguém malha, lendo livros. Malhar a alma significa praticar o bom, o belo e o virtuoso.
Com ações concretas de paz, reconciliação, amorosidade, respeito, mansidão, bondade e ética.
Sim, é possível! Outro dia a Catarina mobilizou uma rede de condôminos para comprarmos presentes para os filhos dos funcionários, e a ideia bombou. Todos ajudaram. Catarina desafiou o lugar comum, a imobilidade, e nos liderou numa causa do bem.
Catarina colocou água em nossos buxinhos.
Um monte de coisas boas espera por nós para acontecerem, desde que por nós paridas.
Na vida têm regadores sobrando. É só prestarmos atenção.
Para também pegar o nosso e sair distribuindo água a corações ressecados.

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