Aos que choram, enquanto fazem as malas de si mesmos. Autor: Ricardo de Faria Barros, Ricardim

Bezerra chorava alto do banheiro da agência 0063-9, Campina Grande-PB. Em alguns momentos, ouvia-se do lado de fora gritos: "não, não, não"!
O gerente chamou-me e pediu minha ajuda, eu já era psicólogo.
Entrei no banheiro e vi que ele estava desfigurado. Abraçou-se comigo e chorou de soluçar. Ele me dizia que o choro era de saudades antecipadas, de suas duas filhas que ele só via nos finais de semana, na condição de divorciado. Ele sabia que precisaria migrar para longe do Nordeste, para agências que ainda tinham vagas, ou aderir ao famigerado PDF. Dizia-me que não era choro por medo de refazer sua vida, longe, era choro de " uma saudade agoniada". Então, passei a falar ao Bezerra, e a ouvi-lo periodicamente. Bezerra foi um dos 40.000 colegas que foram colocados como "excedentes", após a redução da dotação das suas agências, no famigerado PDF de 1996. Dias depois, consegui uma vaga na minha antiga agência Remígio-PB, mas não aceitaram o Bezerra, ele custava muito na folha de pagamento, queriam "alguém mais novo de BB". Nunca contei isso ao Bezerra, ele não aguentaria. Outro dia, uns 10 anos atrás, encontrei-me com Bezerra nos corredores de um grande shopping de Brasília. Nos abraçamos efusivamente. Ele refez sua vida, nas agências do DF, casou-se novamente, e em todas as férias suas filhas vem para Brasília, passar com ele. Nem todos tiveram esse final feliz. Nem todos...

O que disse ao Bezerra, saiu de forma empírica, não havia sido criado ainda a corrente cognitivista da psicologia positiva (1998), que não é auto-ajuda, nem otimismo alienado, muito pelo contrário.

Apliquei várias vezes, em meu viver, o que disse a ele. Por exemplo, quando tirei zero, numa redação que fiz, integrante de de um processo seletivo para Gepes-Recife, um sonho de lugar para trabalhar, àquela época em 2005, uma vez que ficaria bem mais próximo (250 KM) de meus filhos, do primeiro casamento, cuja guarda eu tinha e a renda não me permitia trazê-los para Brasília.

Então querido amigo, ou amiga, que nesse final de semana vive as dores de Bezerra. Queria abraçá-lo como naquele banheiro de 1996, e dizer-lhe algumas palavras.

Não as direi de um local de quem só andou em estrada boa no BB, ou o idolatra cegamente. Não falo de um lugar sem traumas corporativos, não andei só em estrada boa, ou na boleia. Sei muito bem a dor da angústia, da frustração de expectativas, do rompimento de projetos de vida, ou do desespero de mudar, da noite para o dia, sem muito, ou nenhum planejamento. Sei o que é ler, no telegrama para apresentação ao BB, que minha posse seria em Petrolina, cidade bacana que distava uns 600 km de Campina Grande-PB, e, na hora de entregar os papéis, a pessoa que fazia os ritos finais de qualificação dizer que "houvera um erro", que eu iria para Poções-BA, há 1.800 KM de meus pais. Sei...

Abraçado a ti, falo o que funcionou para mim e ajudou o Bezerra.

Não é pessoal, embora seja (Despersonalização) - Bezerra, não foi pessoal, foi coletivo o que lhe aconteceu. Sua dor é pessoal, e é só sua, mas você integra um grupo de outros 39.999 sofredores. Que também estão se perguntando: qual a lógica disso tudo? Não se culpe, não se chicoteei, não puna ou se julgue por essa decisão ter lhe atingido. Houve variáveis de contexto, externas a você, que precipitaram essa decisão. Coisas do mundo corporativo, com suas lógicas nem sempre lógicas. Somos assalariados, e têm horas que temos que botar a viola no saco, morder a língua e refazer a identidade de nosso crachá. Essa é a tua hora de fazer isso. Lembre-se do que falou o Senhor Jesus: "No mundo terás aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo."

Passará (permanência) - Bezerra, essa dor que está sofrendo é legítima, não banque o forte, chore, chore, chore. Mas, tenha a esperança, ela passará. Será convertida numa saudade aceitável, em lembranças que te darão sustento, nos outros vôos para onde for. Teu amor pelas tuas filhas ninguém de ti tirará, ele ficará mais forte ainda, galvanizado pelo sofrer. Diga sempre, amigo Bezerra, passará. Passará. Passará. "Eles passarão, você passarinho". Lembre-se Bezerra, do que diz a poesia. Mas, só chore uma noite e um dia. Após juntar as mil lágrimas, pare com isso. É hora de você dar uma resposta à vida. No lugar de ficar esperando respostas dela.

Não é Geral (abrangência) Bezerra, não é geral que as coisas não estão dando certo em teu viver. Você pode até estar puto em ter sido colocado como excedente, e passar a achar que tudo em tua vida não dá certo, trabalho, casamento, amor... Digo-lhe, pare com isso. Algumas coisas não estão dando certo, ainda. Mas, outras são bacanas. Você tem pais vivos, irmãos. Têm amigos. Tem saúde para recomeçar. Tem um emprego, mesmo que em regiões de alto custo de vida. Não é a redução no padrão de vida que te matará. Nem a saudade. Você pode morar num quitinete, comer num pé sujo, faltar-lhe dinheiro para coisas básicas, e até de comprar passagem para ver suas filhas. Mas, nada disso te matará. O que te matará é sua auto-profecia de si mesmo, que você dá errado em tudo. Isso te matará. Pare com isso. Não fique na posição do desamparo aprendido (vejam minha vídeo aula, link abaixo). Erga essa cabeça, não há lugar para vítima no mundo corporativo. Se dê valor, mesmo que tenha percebido que não lhe deram valor.

Amanhã será melhor (Prospectiva) Por último, querido amigo, nutra a esperança, cultive-a. Sempre dizendo para si mesmo, como um mantra: " o amanhã será melhor". A esperança não é uma amiga boba, um torpor, algo que tomamos pela manhã, quando estamos na merda, para nos sentirmos melhores. Ela não nega a dor, não nega a revolta. A esperança não ilude. Ela reconhece que as coisas estão difíceis. Contudo, a diferença dela para o desespero, é que ela altera a realidade, influenciando no destino de nossas vidas. A esperança move-se no presente, plantando neles semente intencionais, de um futuro desejado. Ela é o combustível da coragem, sem o qual não avança a humanidade. Dela se produz a força dos sobreviventes. Com ela convertem-se as mil lágrimas choradas e decantadas, em elixir poderoso, e místico, que nos faz ver possibilidades, alternativas, com o que ainda nos resta, e com o que "apesar de" ainda podemos fazer após a situação. Ela é nosso cajado existencial. Não perca a esperança em dias melhores.

Então, querido amigo e amiga, que mudará de cidade, que olha para seu cantinho com olhar de saudade, com olhar de guardar lembranças. Que se preocupa com a adaptação da família, que nem sabe para onde vai ainda. Que terá que assumir nova posição no BB, sem saber ainda qual será, se terá, e o impacto dela na sua renda. Que terá que fechar sua agência, que mais virou seu lar, e convenhamos, não é fácil fechar um lar. Que terá que fazer mudanças em sua rotina de planejamento de vida. Digo-lhe: não foi pessoal, passará, amanhã será melhor e nutra a esperança, e seu efeito colateral coragem!

Há um lugar bom esperando por você, nessa nova identidade que seu crachá receberá. Mesmo que seja mais pobre, saudoso, e tendo que fazer piruetas para administrar as mudanças. Repito-lhe, esse lugar será bom. Pessoas boas te acolherão. Outras conhecerá. Tenha força. Levante-se dessa prostração de si mesmo. A Instituição e você sobreviverão, e mais fortes, acredite.

Nota: Parte desse grupo de colegas que migrou para Brasília, em 1996, percebeu que não poderiam pagar os altos alugueis. Então, fundaram uma Associação de apoio, se cotizaram e compraram uma gleba, há uns 30 KM de distancia, e nela construiram morada. Criaram a Associação dos Moradores do Banco do Brasil, AMOBB. Essa gleba é uma das poucas regularizadas no DF. Em 2001, comprei meu lote nela, e aqui moro. A eles devo meu cantinho no DF. A eles minha eterna gratidão.

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Compartilho links de meus blogs. Fuçe neles, ali deverá ter algo que te ajude. No primeiro deles, tem a aula sobre Desamparo Aprendido.
Psicologia Positiva - Pensatas
Psicologias do Cotidiano - "Bode com Farinha"

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