Para além dos quintais.

As primeiras cenas do milagre vi numas fotos que meu filho Tiago Barrosmandou. Eu estava em Londrina-PR, numa visita familiar, e fiquei muito emocionado.
A cena do milagre era o Balu, meu labrador de 7 anos, visitando a casa da vizinha Catarina Catão, deixando-se guiar pela coleira.
Balu foi presente, de uma vizinha de rua, que mora após a casa da Catarina. Ele chegou em nossa lar com 3 meses, quando JG tinha 9 meses.
Foram criados juntos. Compartilhando inclusive as comidas. rsrs
Balu mora no quintal, num pomar com uns 200m2, bom para nele correr. Sempre foi criado solto, apesar de ter sua casa de alvenaria, na qual nunca me esquecerei do JG ali brincando. Era um de seus esconderijos. Balu não é cão de ficar preso. Com todos faz amizade, e o JG faz dele até montaria. Uma boa alma canina.
Comecei a notar que algo não ia bem com o Balu quando contratei um serviço de banho. Daqueles que pegam o cão em casa e depois o deixam, bem limpinho.
A dona ligou para mim dizendo que ele negava-se a sair do quintal. Não por estar violento. Mas por deitar-se no chão, com as patas pra cima, pedindo carinho. E que nem puxado ele aceitava andar de coleira.
Aí, há uns três anos, descobri que Balu tem pânico de tudo que é diferente ao seu quintal. E, desde então, o Pet manda o motorista mais musculoso buscá-lo, já que ele só sai nos braços, e são uns bons 30 quilos. A cada quinze dias é uma cena rara de se ver.

Balu, daquele tamanho, sendo carregado nos braços, tal bebê, até o carro.

Meu filho insistia. O Tiago ama cachorros e tem um Buldogue Francês. Meu outro filho, o Rodrigo Barros, e meu o genro Hugo Felinto também tentavam, e em vão.
Até que Tiago teve a genial ideia de botar coleiras na Duquesa, uma Golden Retriver de 4 meses, que recentemente trouxe para fazer companhia ao Balu, e no seu próprio cão, o Quitute, e ver se eles indo passear incentivavam o Balu a levantar do chão. E não é que funcionou? E foi essa a cena que vi, lá de longe de casa.
Desde que voltei de Londrina quis repetir a cena. E sempre me frustrava. Ele deitava no chão, pedindo carinho, e por mais que puxasse a coleira, mais ele virava as patas pra cima, a ponto de quase ficar enforcado, de tanto que eu puxava e nada.
Essa semana o milagre voltou a acontecer, e hoje já é o terceiro dia que se repete. Balu está criando novos hábitos.

Descobri a manhã. Tem que botar a coleira na Duquesa, e a nele, e ao subir as escadas, em direção à rua, não pode olhar nos olhos de Balu. Se olhar, ele deita e empaca. Tem que botar a Duquesa na sua frente, e ele a segue, de boa.
Consegui na quinta, na sexta e hoje. E, em todos esses dias, o prazer maior foi envolver o meu pequeno JG (7 anos) nessa caminhada.
Desde então, minha chegada do trabalho tem outro sabor.
Tenho filhos de 31, 29 e 27 e não me lembro de ter passeado com eles e nossos cães, e olha que sempre criei cachorros. Mas, minha memória não é lá essas coisas.
Fiquei matutando, nessa tarde de sábado, na força dos hábitos. e no poder que temos de transformá-los, de abandoná-los, alterá-los e até incorporar outros hábitos ao nosso viver.
Balu nunca tinha visto a rua. Acostumou com o quintal. Seu mundo era o quintal. Agora, ao sair para a rua, já não olha para o chão, com medo. Olha para os lados, estufa o peito e até corre, levando-me junto.
Como se ele descobrira uma nova realidade, que não sabia que existia e que seria capaz de nela habitar.
Quantas coisas que nos limitam moram em nós mesmos. São nossas estacas interiores. Tal qual aquelas que amarram pesados elefantes, em seus treinamentos em volta do tablado.
E nos acostumamos, criamos o hábito da permanência, sem ousar descobrir novos horizontes, sem a coragem de mudar de rumo, norte ou intensidade do caminhar.
Balu era feliz, mas havia outras possibilidades de felicidade, que o medo de ir em busca delas o limitava.
No primeiro momento ele precisava da coleira, perto de mim. Agora, até ouso tirá-la, quando mais próximo de casa e não oferecerá risco perigo, embora muito manso, a nenhum outro transeunte.
Balu reaprendeu, após seus 50 anos, pela idade dos cães.
Quanto de nós nos acostumamos com nossa vida, sem mais nos permitir a novos aprenderes, descobertas, experiências.
Vamos ficando no que já é certo, repetindo o que sempre fizemos. Para mim isso é envelhecer, perder a capacidade de "curiosidar" o mundo.
Perder a capacidade de descobrir algo novo, conhecer algo novo, renovar nossos propósitos.
Balu ensinou-me isso. Sempre podemos aprender, descobrir o que achávamos que nem era capaz.
Obrigado Balu! Ainda tenho muito a aprender, a descobrir, a aventurar e viver, lá fora. Embora o quintal seja legal!

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