Sobre mudanças de fase na vida, tipo Super Lua

Assim como a Super Lua de novembro de 2016, não pense que tudo é eterno. Que no ano vindouro se repetirá. Têm coisas que só voltarão a acontecer em 30 anos. Outras, nunca mais. O teu filho que hoje corre na praça, com 3 anos. Amanhã , que vem logo ali dobrando a esquina, já terá 30 anos. Nada é eterno. Então, aproveite o hoje, viva intensamente o agora. Perceba o bom, o belo e o virtuoso ao teu lado, pedindo um pouco de tua atenção, que nessa vida ansiosa, preocupada e corrida, nem sempre para para apreciar.
Hoje vou contar uma parte de minha história, do dia em que saí de casa.
Há 32 anos saí da casa de meus pais sem dizer adeus.
Não tive tempo.
Da data em que descobri que a minha namorada estava grávida, 26/12/1984, para o dia em que saí de casa, foram 10 dias.
E meu mundo girou, com uma intensidade trágica.
Gostava de meu quarto, de meu carrocho, um pequinês chamado Preto.
Gostava das aulas de religião que ministrava. Gostava até de umas poucas disciplinas, no curso de Eng. Civil, do qual iria inciar o 7 período, em 1985.
Até hoje não sei como paguei todos os Cálculos e Físicas daquele curso.
Na casa de meus pais nunca mais voltei, sem dia marcado para dela sair.
E, acabei sem tempo de me despedir.
Dos sons, do cheiro de casa dos pais, do aconchego deles, da comidinha caseira, das prosaicas discussões à mesa do jantar.
De um dia para a noite amadureci. Tão ligeiro como quem bota fruta no carbureto. Um produto químico que amadurece até o limão mais verdoso.
Não meus amigos, essa não é uma fala ressentida. É apenas uma constatação.
Minha vida mudou e acredito que para melhor. Tenho 3 filhos lindos desse primeiro casamento que são muito amigos e amados. Aliás, meus tesouros, junto com JG.
Trata-se apenas de uma consideração, inspirado por esse tempo frio, nublado e com a chuvinha mansa, que me lembrou de meu quarto, quando nele ficava ouvindo o som da chuva, caindo no beco, bem na janela do 1 andar de meu beliche. Onde dormia. Meu irmão dormia no térreo dele.
Não sou de julgar passados. Julgar o passado com olhos do presente é fácil. E, não serei eu quem me botará no banco dos réus. Aconteceu. Um caminhão passou por cima de mim, quando naquele dia 26 o resultado do exame deu positivo para gravidez.
Não meus amigos, nós não fazíamos sexo regularmente. Nem esporadicamente. Nem nunca. Acreditem se quiserem.
O danado do espermatozoide nadou, pelo muco vaginal, atravessando uma floresta de pelos pubianos para "conhecer" seu óvulo.

Têm mudanças na vida da gente que são como quem entra num carrossel do destino, e quando dele descemos percebemos que nem ele, nem a posição em que dele saltamos, e nem nós, somos os mesmos.
Ontem, inspirado pela tal da Super Lua, e seu conceito de tempo, lembrei-me de ritualizar aquele instante. E passei um bom tempo na varanda, brincando com ela de esconde-esconde, que teimava em habitar entre nuvens carregadas no planalto central de meu país.
Em 26/12/1984, uma quinta feira, aconteceu uma das Super Luas de meu viver. Aquele fato que será descrito, pelos livros de história, como antes e depois dele.
A partir daquele dia entrei no mundo adulto, com 20 anos, e de forma abrupta.
Dez dias depois, eu era já o Sr. Ricardo. Homem no cartório e na igreja, como mandava os bons figurinos da época.
Eu a amava. Não foi dolorido construir casa com ela. Com ela passei dez bons anos de meu viver e tive três lindos filhos. Belos, amados e amigos filhos.
A dor que engoli e que com ela botei a viola no saco e parti foi a de sair da barra da saia de minha mãe e do olhar protetor de meu pai. Sair de uma vez, sem abraços saudosos. Todos bancavam o forte. Não era hora de apertos afetivos.
No dia em que saí de casa não houve despedidas. Não voltei ao meu beliche e dormi mais um pouco nele, olhando pela janela da parede, que faceava com a cama, para o beco da casa, onde tinha um criatório de peixes ornamentais.
No dia em que saí de casa, não voltei ao quarto de estudos e fotografei, nas memórias de meu coração, cada livro comprado com tanto esforço pelos meus pais.
No dia em que saí de casa não dei um abraço apertado em meus irmãos, não me deitei mais uma vez no colo de minha mãe, nem tomei uma cervejinha com meu pai, lá no quintal, ouvindo-lhe pela enésima vez contar as aventuras de sua profissão.
No dia em que saí de casa não caminhei pela última vez com meu cachorro, que comigo não seguiu.
Não me deliciei com os quitutes da Nininha, nem tão pouco visitei meu melhor amigo, o Preto, que nunca deixou que eu brincasse sozinho.
No dia em que saí de casa, peguei minha Certidão de Casamento e segui para meu lar.
Não tive tempo de chorar, de arrumar lembranças, de fotografar emoções, ou de prover mil despedidas.
Naquele 26/12/1984, descobri que estava grávido. Sem ter havido sexo. Uma gravidez “nas coxas”.
A ficha demorou muito para cair. Aliás, acho que caiu ontem, vendo a lua. Afinal, só daqui a outros bons 30 e pouco anos a veremos novamente, nas dimensões de ontem.
Ontem tive a dimensão de mudanças de fase, que são dialética. Depois delas não somos mais os mesmos, nova dimensão alcançamos.
Como gostaria de ter retornado àquele sótão rústico, esconderijo perfeito, em dias de agonias juvenis.
Parece que só vamos percebendo que nada virará para sempre ao envelhecer.
Quando jovens achamos que as coisas sempre continuarão sendo elas mesmas.
Que o colo da mamãe estará sempre ali. Que suas gargalhadas à mesa do jantar estarão sempre por perto.
Parece que a dimensão da saudade não se faz muito presente, muito sentido, pois há um mundo a se descobrir, a se conquistar.
Acho até que é uma estratégia da psiquê, para que o apego não cole nossas asas, na realidade costumeira, inviabilizando maiores voos.
Não sei.
O fato é que estou na envelhescência e amando recordar.
E, amando avaliar por onde passei e o que faria diferente, caso tivesse a compreensão que tenho hoje.
Sairia de casa de forma diferente. Sim, eu sairia sim!
Mas, sairia de forma diferente. Não em dez dias, talvez em 100.
Acreditava que a casa estaria sempre lá. Ledo engano! A casa é uma metáfora. Nela habitam os quatro amores: o de apreço, o de afeto, o de apego e o de afago que são talhados pelo tempo.
E o tempo é uma fantasia de um alquimista misterioso.
Ele nos ilude a achar que tudo é eterno. A, de forma insana, pensar que presente estará sempre disponível. Mas, quando acordamos, quem sabe um dia, veremos que ele amanhã já será um monte de lembranças, nem sempre evocadas, pela falta de percepção do valor do aqui e agora.
Afinal, o tempo é uma construção de um alquimista poderoso que em tudo que toca torna ontem.
Então, para que o ontem não chegue e nos pegue desprevenido, temos que viver e degustar, lentamente e com prazer, o agora.
Entendem?
Em dez dias meus pais montaram casa para mim e me deram asas. Nunca esquecerei, eternamente grato.
Em 6 meses já tinha uma conta de água e luz em meu nome, um crediário de um conjunto de cadeiras de varanda e uma radiola sonata, e um patrão para chamar de meu.
Aos 20 anos virei homem feito. Amadurecido às pressas. Sem tempo para ficar chorando à margem do caminho.
Esse texto é para que você que me ler, quando sentir quem vem chegando uma mudança em teu viver, do tipo Super Lua, viva os ritos de passagem com intensidade.
Pode chorar, pode abraçar, pode fazer festinhas, pode guardar recordações, pode fotografar lugares e pessoas. Pode fazer e desfazer as malas, centenas de vezes.
Não apresse esse momento, a hora da partida, da despedida. Mas, não empaque!
Você precisará ser forte, para sair da gaiola e voar para outros objetivos. Não empaque, siga tua jornada. Até entrando noutras gaiolas, mais à frente. Afinal, todos vivemos em gaiolas, a diferença é que uns sabem disso, outros fingem que não.
Só hoje tenho a noção da agressão emocional que passei, do trauma do vôo abrupto.
Do tipo: “joga lá do alto, mesmo sem asas formadas, se ele conseguir voar vai sobreviver.”
Eu consegui, mas tive o apoio de um monte de outras asas. Inclusive divinas.
A elas, nessa noite enluarada agradeço.
Não terceirize seus ritos de passagem. Menos ansiedade e correria para mudar de fase.
Viva as etapas de seu viver, daquelas como uma Super-Lua, fazendo com elas compotas, ou conservas emocionais.
Para mais à frente, no tempo das lembranças, poder abri-las e degustá-las lentamente.
Eternize seus momentos tomando mais consciência da beleza deles, enquanto estão acontecendo.
Não faça como fiz, que simplesmente bateu a poeira, engoliu o choro, e fechou a porta do quarto para nunca mais voltar, da forma que dele saiu.
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Ps. Na foto, de 1981, minha turma de estudo do Colégio Diocesano Pio XI. Estamos sentados no muro da casa de meus pais, que ainda moram lá. Na Antenor Navarro, 321, por trás da Igreja do Rosário. Da esquerda para direita: Barreto, Marilene, Ângelo, Ismenia Mangueira e a amada prima Digna Mariz que morava conosco, ao meu lado.

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