Apeando do Carrossel do Destino (Autor Ricardo de Faria Barros)



Dirigindo de João Pessoa para minha cidade natal, Campina Grande-PB, pela BR 230, sinto um frêmito de emoção, como daquela do primeiro beijo tão ansiado.

Volto livre de um CNPJ a ditar a ocupação de meu tempo, após 34 anos de carteira assinada.

A estrada está vazia, a metade dos campinenses já deve estar na praia. Nosso segundo lar, em janeiro.

Passo por campos abertos, com relva miúda, primeiras babujas (tenra grama) das tímidas chuvas.

Ao longe, avisto as torres de rádio e TV, na Serra do Cajá. Elas marcam o meio da estrada, sei que só faltam 60 KM.

Minha Paraíba querida, da qual um dia saí com a minha vida entrando num carrossel, tão jovem, e nunca nela voltei do mesmo jeito, sem se sentir liberto.

Agora sim, sentia-me livre. Aumentei o som do carro e até com as propagandas me encantei.

Aqueles quilômetros percorridos iam selando um reencontro com minha vida, largada em algum lugar perdido de mim mesmo, restabelecendo conexões interrompidas, em relação ao destino de meu viver.

Amadureci às pressas e nunca mais fiquei verde novamente. Agora me sinto retomando o frescor da juventude, um garotão.

Após uma curva descortina-se à minha frente a "cordilheira da Borborema". Uma serra que se estende por 200 KM, como quem represasse os ventos que vem do litoral, em direção ao Sertão.

Minha cidade também é chamada de Rainha da Borborema, pois fica encravada no alto da serra, uns 600 metros e tem um clima muito bom.

Olhava para aquela Serra tentando imaginar quantas cidades estarão à sua jusante e à seu montante, espraiando-se pelo costelão de morros e vales.

Perto da cidade do Riachão, sei que estou a 30 KM de casa, e vejo os campos abertos com suas frondosas algarobas e umbuzeiros, que servem de sombreamento para o raro gado, ovelhas e bodes.

São imensos umbuzeiros, juazeiros e algarobas, que viram verdadeiros chalés, lugar de descanso e alimentação, para homens e animais que se escondem do tórrido sol.

Das primeiras damas do Sertão, só me falta o Juazeiro. Mas, já tenho uma muda prometida pelo Marquinhos.

São paisagens impressionantes de belas. Aqui e acolá, um maciço de rocha eclode do nada, ao que as chamamos de lajedo, dando um ar mais bonito ainda ao conjunto da cena.

Os açudes estão com solo rachado, e vejo um bando de garças, disputando minguada água que lhe restam.

Estou voltando pra casa.

Como é boa essa sensação. Chego na casa dos meus pais e a festa se completa.

Pego meu velho e saímos para fazer o tour de uns pé-sujos históricos que eu frequentava. Damos sorte, os dois proprietários, já uns setentões, estão nos estabelecimentos.

Nos cumprimentamos efusivamente, como velhos amigos.

No outro dia, perambulando pela feira, encontro o Bar da Tereza, com uma inscrição na parede: Reduto de Poetas e Cantadores.

Agora a festa seria completa. Entro nele e começo uma gostosa prosa com cantadores que iam chegando: Zé Balaeeiro, Ascendino, Dona Joana, e Dona Tereza, a idealizadora e proprietária do local.

Nele, um mini palco, caixas de som montadas e microfones, e umas poucas mesas.

Todo sábado tem show, mas começa 11hrs e precisava partir.

Não sem antes fazer amizade e juras de um retorno em breve.

Gosto de povo simples, de poetas e repentistas.

Volto para João Pessoa e dirijo em estado de graça. Contemplo a paisagem com olhos de quem as ver por inteiro, e pela primeira, vez. O que não deixa de fazer sentido.

Em vários lugares quis parar o carro, para fotografar e senti o perfume da caatinga, mas estava com tempo marcado, para casamento das 15hrs.

Eu não estava pronto para aquela paisagem. Agora, sinto que qualquer lugar pode se tornar um infinito particular. Do bar de Dona Tereza, ao encontro com amigos no Fulanos Bar.

Tudo vai se revestindo de um outro olhar. Mais amoroso e atento.
Tudo agora é presença novamente, não mais de uma ausência dolorida.
Tudo se acalma e pede preces.

Essa estrada, com suas léguas tiranas, humanas e profanas, suas chegadas e partidas, e os encontros e despedidas, místicas e mágicas, foi para mim uma epifania dos novos tempos.

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