Raízes da Amargura (Autor Ricardo de Faria Barros)


O dia seguia mansamente. No escritório, preparava a crônica Case-se, para minha afilhada Suzana que celebrará suas bodas em janeiro.
Até Cida irromper no escritório, atabalhoadamente, dizendo: o esgoto da pia está subindo.
Ergui as sobrancelhas, daquele tipo de quem diz: "Agora lascou, Inês, Maria e Preá". Trata-se de uma expressão nordestina para quando uma coisa sai dos prumos, e de forma grave!
Botei minha capa de AFDT (Aposentado Faz de Tudo) e saí lá fora para encarar o problema. Primeiro, verifiquei se as caixas de passagem do esgoto estavam cheias. A da varanda estava sequinha sequinha, com um filete de água escorrendo lá embaixo.
Pedi para Cida dar descargas e nada da água chegar até ela.
Bem, deveria ter algo entre a caixa e os canos, impedindo o fluxo.
O caso era mais grave ainda, não era a fossa cheia.
Para fossa cheia, Limpa-Fossa resolve.
Aqui não temos ainda rede pública de esgoto, e as casas têm fossas.
Lembrei-me que havia uma outra caixa de passagem, perto do quintal, e fui em direção dela. Quando abri, não vi os canos que nela desaguam. Estava tudo tomando por uma espécie de raiz-musgo. Uma relva das trevas. Nojenta, escura e fétida. Que se alimentava das fezes, qual um monstro gosmento.
 Botei umas luvas, peguei uma faca, e movido de súbita coragem, comecei a rasgar aquele tapete de "grama" para que os canos pudessem novamente deixarem fluir suas próprias merdas.
Um a um fui liberando o fluxo deles, sentindo uma paz tremenda.
Vi agora a água correr límpida, varrendo toda a imundície para ser naturalmente decomposta, em receptor próprio.
Fiquei orgulho e feliz.
Que tipo de organismo é aquele que se alimenta de tudo que não presta e se desenvolve sem luz, impedindo que a sujeira seja processada, em local apropriado.
Se não sabe, direi: são as emoções negativas. Aquelas que impedem o processamento do luto, da tristeza e decepção,a cumulando-as num recanto de nosso coração e fazendo-lhes crescer.
Aquela relva que se desenvolveu nas trevas, alimentada pelo que temos de pior, é a inveja ensimesmada, a mágoa encardida, e a falta de esperança em si mesmo, no outro e na vida.
As emoções negativas produzem isso em nosso coração. entopem as artérias do amor. Da paz, da mansidão, da bondade.
Tiram-nos de nossa essência amorosa e fraterna.
Escondida, no mais interior, elas vão criando raízes em nosso viver, a cada re-sentimento das mesmas, ou projeção noutras situações e pessoas.
Um dia, a caixa de nosso coração, pela tampa que ficou de sujeira, explode e perdemos definitivamente a luz de viver.
Não há mais como sentir-se alegre com a alegria do outro, ou confiar nele, mais uma vez.
Tudo passa por essa fétida caixa de gordura entupida de nosso coração e passamos a ver a vida por esse prisma.
Ninguém presta, nada presta, todos são ruins, maus, e ameaçadores, objetos de nossa desconfiança.
Expectativas irreais, decepcões ou frustrações de expectativas, comparações com o mundo do outro, tudo vai alimentando essa relva maligna.
E perdemos o encanto de viver. Perdemos a ternura de acolher o outro como ele é, aliás, como nós somos, imperfeitos.
Perdemos capital emocional positivo, tornando-nos escravos de nossos pensamentos negativos sobre nós mesmos, eles e a realidade.
É preciso ter a coragem para nos autoconhecermos e parar com isso.
Parar de buscar coisas para ser infeliz, no que o outro tem que lhe falta.
Parar de julgar o outro pelo seu lugar de ser.
Parar de arranjar justificações para justificar sua razão de estar chateado e triste para com ele.
É preciso coragem para deixar-se ir, cano adentro, as pancadas que levamos da vida.
Sem ficar idolatrando-as, ou criando-as como erva daninha, nos recônditos de nosso ser..
Não deixando que se fixem em nosso coração, como raízes da amargura.
“Atentando, diligentemente, por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus; nem haja alguma raiz de amargura, que, brotando, vos perturbe, e, por meio dela, muitos sejam contaminados”. (Hebreus 12. 15)
Ser + feliz é uma escolha racional, daquilo que realmente queremos alimentar, valorizar e guardar dentro de nós mesmos.
A faca que usei para retirar as raízes da amargura chama-se aceitação do outro como ele é. Com suas pisadas de bola, carências, limites e jeito de ser.
Libertando-as, essas raízes malignas, de você mesmo pela força do perdão. acolhimento e aceitação!
Sendo maior que elas.
É preciso muita coragem para ser livre. De si mesmo, dos outros, ou das circunstancias.

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