Vamos falar de Amor (Por Ricardo de Faria Barros)


Ele chegou na consulta animado, tinha muitas coisas para contar, da tarefa para casa que passei e que realizara, com maestria.
À medida em que falava, mais eu me emocionava, estava ali uma vida humana tão rica, como a minha, como a sua...
Com seus erros, acertos, escolhas, renuncias, portas abertas, portas que não deveriam ser trancadas, ânimo, desânimo, fé, descrença, amor ou indiferença, junto e combinados em cenas tão humanas.
Não tive coragem de bater o cronometro, nos 60 minutos, e deixei a sessão correr. Dei-me licença psicológica para cometer esse “ultraje” do rigor.
Ele contou-me que no dia em que foi disputar um importante tornei de vôlei, seu maior hobby, ela não quis ir. E que aquilo o matou por dentro.
Ela precisava estar naquele momento.
Para ela, “era só mais uma partida de vôlei, das tantas que fazia. Para ele, seria a primeira disputa oficial, após um longo processo de perda que sofrera”.
Minutos depois, revela-me que voltou a andar de patins, após recuperar uma lesão no joelho. Ele já tinha patinado na juventude. E estava feliz da vida com aquele retorno às rodinhas.
Mas, não foi qualquer retorno. Ele precisava de incentivo para a reabilitação no joelho, e pensou que os patins seriam ideais. Tentou uns amigos, que praticavam, mas todos já estavam compromissados com os treinos, e não queriam perder tempo com um quase “inválido”.
A esposa ouviu seus telefonemas, se escalando para andar com os amigos, para voltar a treinar. E as desculpas que estes inventavam, “sempre adiando para um depois”.
Aí, vejam o que ela lhe disse:
“Amor, eu nunca andei de patins na juventude. Até acho que não gosto de me sentir desequilibrada sobre rodinhas, tenho medo. Mas, por você, eu quero aprender. À medida em que você me ensina, você vai voltando a saber. Que tal? Eu quero patinar ao teu lado, durante tua recuperação.”
UAUUU!!!
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Nota: Aos que me leem até agora, o relato acima na intenção é verídico, mas alterei as formas, para preservar a ética clínica.
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Aí contei-lhe de meu final de semana. Confesso que vi cenas de fazer chorar as pedras, mais insensíveis, de tão belas.
Eu vi um grupo de senhorzinhos comendo pizza no domingo à noite, numa mesa ao lado da nossa. Era um casal e seu amigo, todos de cabelos bem grisalhos.
Ao pagarem a conta e saírem, notei que um deles usava uma bengala e se locomovia com dificuldade, um passo por vez. Quando sua esposa lhe ajudou a se levantar, amarrou na sua cintura uma faixa de pano, daquelas de tecido bem grosso, como se fosse um cinto.
Depois, segurou na alça que tinha atrás dessa cinta, como uma argola. E, á medida que ele avançava, ela ia fazendo o contrapeso, segurando-o por trás.
UAUU!!!
Eu vi Deus agindo, naquele carinho de esposa, naquele cuidado. Vocês têm ideia da beleza dessa cena?
Conseguem imaginá-la. Ele caminhando, passo a passo em direção à autonomia, e ela segurando-o, discretamente, para que se ele pendesse para frente ela estivesse ali, para não deixá-lo tombar.
Eu queria sair de minha mesa e ir beijar aquela senhora, e aquele senhor.
Queria dizer-lhes o quanto mudaram meu dia, o quanto me senti abençoado por ver tanto respeito, cuidado, atenção e amor, um para com o outro.
Diferente do meu paciente, o inteiro teor e forma é esse mesmo do que vos relato.
Hoje recolhi as fotos do final de semana, nelas têm quatro cenas que mostram que amor bom é amor de cumplicidade, de intimidade, de companheirismo.
Eles jogavam xadrez, minha filha e nora. E estavam perdendo feio de meu cunhado. Então, agora passaram a jogar de dois, contra ele, na maior farra amorosa. Perderam o jogo do xadrez, ganharam o jogo do relacionamento.
Na outra cena meu irmão está cozinhando, e sua esposa vira sua assistente de cozinha, e os dois se deliciam naquele salmão que faziam, e que agora não era qualquer salmão, era o salmão que a Patrícia não deixava secar a manteiga, enquanto o Guga ia trocando de posição os peixes. Quanta parceria!
Na outra foto, a Sandra passa protetor solar no seu marido, o Deja. Mas, com tanto amor, com tanto cuidado, que até do sol senti cair uma lágrima de emoção.
Por fim, durante a celebração da páscoa, no domingo pela manhã, na casa do Duque, o sol das 10hrs, daqui do Cerrado, estava de muito mau humor. Uma senhora cadeirante, escolheu um local para acompanhar a cerimônia, embaixo de uma sombra, junto com sua amiga. Seu esposo estava mais à frente, noutra área. Contudo, à medida que o sol se elevava a sombra em que ambas estavam fenecia. Eu fotografava o evento, e percebi que ele notou a situação e a dificuldade que elas enfrentavam. Então, ele saiu de seu lugar, deixou de participar dos cantos e preces, e resgatou sua esposa para lugar ameno e arejado, fazendo o mesmo com a amiga dela. E Deus apareceu ali!
Então, ele empurrou a cadeira dela para um local mais sombreado. Deixando para trás os ritos da celebração em que se envolvia, para dar-lhe toda a atenção do mundo.
Depois, ele veio buscar sua amiga, para também levá-la para a sombra.
Acho que esse é o sentido maior do amor.
Ter alguém para patinar ao nosso lado;
Alguém para segurar a alça de nossa cinta, enquanto reaprendemos a andar;
Alguém para perder uma partida juntos;
Alguém para botar manteiga na frigideira, enquanto fritamos o peixe.
Alguém para nos proteger do câncer de pele, besuntando cada centímetro e nosso corpo com filtro solar. Com uma dedicação de quem faz uma obra de arte.
Alguém, para perder minutos consigo mesmo, para prestar atenção aos lados, enquanto ora, e servir o seu próximo, tirando-os do sol.
Se fosse professor de curso de noivos, esse seria meu único texto para eles! Minha única lição, extraída desse texto, seria: " aprenda a cuidar e a admirar aquele(a) com a(o) qual dividirá as escovas de dentes."

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