Raspa de Tacho (Por Ricardo de Faria Barros)


Tomava meu cafezinho de feira livre, quando o Sr. Francisco, vizinho da banca de onde me sento para comer pastel, se aprochega e me aborda com um potinho de margarina, cheio de umas coisinhas amarelas.
Ele me diz, pode comer, é coisa fina e com café combina bem.
Sr. Francisco me disse que era a raspa do tacho de onde fizera requeijão. 
E, de fato, um manjar de encher os olhos.
Mas, o que me fez mesmo encher os olhos, dessa vez marejados por lágrimas rebeldes, foi o gesto dele.
Há quanto tempo você não recebe de alguém as raspa da panela?
A raspa da panela é o que tem de melhor, em inúmeros pratos.
É aquele gostinho de quero mais, é aquele cozimento perfeito.
Receber a raspa de panela de alguém, é recebe um grande abraço, é receber amor, e faz-nos sentir o amor.
Passei a saboreá-la aos poucos, entre um golinho e outro de café.
Já percebeu que têm pessoas que sua presença em nossa vida é como raspa de tacho?
Que nos dão de seu melhor, que não se poupam para nos ajudar, que nos apoiam, nos estimulam, nos reconhecem, nos amam incondicionalmente, apenas por não saberem ser diferentes, quando estão em nossa presença.
Pessoas raspa de tacho, quem tiver algumas delas em seu viver é um abençoado.
Quantas vezes vamos guardando nossas raspas de tacho, sem doá-las para ninguém?
Creio que uma raspa de tacho, só se torna verdadeiramente uma raspa de tacho, quando é comida com gosto, com colher, sem medo de se lambuzar.
Como fazemos quando deliciamos da presença do afeto, em forma de gente, em nosso viver.
Ganhei raspas de tacho no domingo, e aquele gesto, de me doar o que o Sr. Francisco tinha de mais precioso, e raro, em seu precário tabuleiro de feira, me fez sentir a força do amor.
Quando somos amados, recebemos raspas de tacho. Quando amamos, damos raspas de tacho.
Delícia.
O tacho somos nós, a raspa é o que temos de melhor no relacionamento com o outro.
É a mansidão, é a generosidade, é a gratidão, é o respeito e apoio.
Isso tudo, torna a vida saborosa.
Então, caro amigo(a), preserve, cuide e admire a sua raspinha de tacho, caso tenha uma.
E, caso se sinta assim, para com alguém, deixe-se raspar por ele (a), entregue-se gratuitamente e generosamente à raspada, pois, ao raspar teu interior, eles não ficarão os mesmos, ficarão melhores e mais doces.

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