Cartas ao JG. Na dor, vá para a margem! (Autor Ricardo de Faria Barros)


Sabe filho, quando você estiver passando por um processo difícil, vá para as margens do rio de tua vida.

Eu aprendi isso com os comandantes das embarcações que chegam, ou partem, de Iquitos que é  considerada a capital da Amazônia Peruana.

Iquitos é a maior cidade do mundo, com seus quase 500.000 habitantes, que não se pode chegar nela por terra: só por ar e água.

Então, o Rio Amazônia vira a BR principal para chegar à Iquitos, que fica à sua margem.  Dependendo de onde os barcos saem, eles subirão o Amazonas, ou descerão.

E, o maior cuidado dos marinheiros é não bater em troncos flutuantes, ou errar o caminho, entrando nos enormes afluentes de Nanay e Itaya, que desaguam no Amazonas.

A viagem leva em média 8 dias, tempo suficiente para se pensar muito na vida.

Pois bem, quando as condições do clima pioram, com chuvas torrenciais e neblina, dificultando a navegação, pela pouca visibilidade à frente, os comandantes tomam uma drástica decisão.

Eles reduzem ao máximo a potência, e dirigem suas embarcações para bem próximo das margens do Amazonas, e seguem mirando nela, que funcionará como uma guia.

Quando você tiver sofrendo muito, passando por um aperreio grande, vá para as margens de tua vida.

Diminua a potência, e siga sua jornada, apoiando-se na na margem.

Hoje eu fui para a margem. Tomei a decisão de sacrificar Duquesa, que contrariou Leishmaniose. A orientação sanitária é para sacrificar, pois o mosquito pode picar nela e infectar humanos.

Duquesa é minha amiga, aquela que me muita companhia no Recanto do Guerreiro. Eu estou sentindo muito.  E fui para a margem.

Na margem eu me fortaleço, para encarar a realidade de não mais acariciá-la, quando ia te pegar.

Na minha margem existe a espiritualidade, existe um amor de cuidado e admiração, existe meus filhos, irmãos e pais, ou seja, minha família.

Na minha margem, existem amigos fieis.  Daqueles que falamos a mesma coisa, como disco repetido, e eles ouvem como se fosse a primeira vez.

Na margem eu acolho minha dor, compreendo-me no sofrer e não me apresso para voltar ao centro do rio de minha vida.

Na dor, procure suas margens. Eu posso ser uma delas, conte comigo.

Ser margem é exercitar o dom de acolher o outro. De apenas abraçá-lo e deixá-lo aninhar-se no seu peito.

Ser margem é não parar de acreditar que aquele barco, da pessoa amada que em ti se conectou, logo voltará a navegar, e em melhores condições, assim que o mau tempo passar.

Ser margem é não apressar o rio. É ter paciência com o lento desabrochar para a vida, novamente, da pessoa amada. Estando 100% presente, mas evitando fazer a travessia por ele, pois não funcionará.

Ser margem é reduzir a ansiedade de ver a pessoa amada melhor, pois isso só a fará sentir-se pior ainda.

Ser margem é semear esperanças que dias melhores virão, e que "isso também passará". E para isso não precisa dizer nada àquele que em tua margem procurar uma guia, seja apenas amor. E o amor nem sempre pede palavras. 

Filho meu, quando tudo estiver difícil à sua frente. Quando as coisas estiverem sem um horizonte, cobertas pela neblina ou temporal, vá para a margem.

Ali, reduza a potência de seus motores existenciais, mas não ancore. Siga devagarinho, em direção à Iquitos.

Devagarinho, um dia de cada vez, sem querer apressar a libertação da dor e luto.
E se aceitando, não tão mais disposto como antes do temporal existencial que fechou caminhos em teu viver.

E chore!  Não banque o forte. O luto precisa de angústia. E a angústia precisa de tempo de maturação.

Cuidado para não se perder, entrando nos afluentes do Amazônia. Quando estamos tristes e vivendo processo de luto é bom não tomar decisões precipitadas, nem procurar falsas ajudas. Esses atalhos só farão você se perder de si mesmo, e será mais difícil retornar ao curso do rio de tua vida.

Na dor, cuidado com os falsos oráculos, as receitas mágicas, as coisas que aparentemente te farão esquecê-la, mas que ao passar o efeito delas, a dor virá mais forte ainda.

Portanto, não anestesie tua dor.  E, cresça na dor. É filho meu, a dor nos aquebranta, nos faz mais humildes, humanos, mais gente.  Ninguém supera um momento de dor, sofrimento ou luto, saindo da mesma forma.

Quando essa pessoa volta a leito do rio, de seu viver, está bem mais forte. Quem já sofreu e superou sabe do que falo.

Serei tua margem, mas tu terá muitas outras. Talvez uma namorada do tipo brisa aracati, ou a rara borboleta azul, para te dar forças. Caso tua margem não seja pessoa amada, ainda assim tu poderá botar os joelhos no chão e pedir a paz, Ele não te faltará!

Agora, papai vai se recolher um pouco, pois estou sentindo a falta da Duquesa, sempre tão alegre e amiga. Papai foi para a margem, desliguei os motores e desço para Iquitos devagarinho. Sem drogas de qualquer espécie, nem outras fugas de minha dor. Que é só minha, e de mais ninguém, e que preciso passar por ela.

E passarei, pois que no amanhã dias melhores virão

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JG = João Gabriel, meu quarto filho, hoje com 8 anos.

Obs: Na foto Duquesa, uma Golden Retriever fazendo o que amava, tomar banho de mangueira.

Um comentário:

  1. Precisava ler um texto como esse hoje. Genial e, mais do que isso, emocionante! Sem mais palavras...

    Do seu discípulo Luciano Moura.

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