Os sons do silêncio

Antes de ir para a cama, JG me perguntou sobre o que eu iria sonhar.
Não lhe respondi de pronto.
Desconversei.
Na verdade, eu não tinha um sonho na ponta da língua para oferecer-lhe, como uma resposta sabida.
É que fui pego de surpresa com a singular pergunta.
O que queria sonhar?
Fui dormir pensando nisso. 
Acordei com insônia de mim mesmo. Eram umas três da manhã. 
Algo me incomodara e acordei.
Recobrando a consciência descobri o que me incomodara era o profundo silêncio da madrugada.
Houvera chovido bastante, na entrada do novo dia. 
Agora a natureza como que adormecera.
Tudo era silêncio.
Não ouvia nenhum som. Não havia grilos piando, sapos coaxando.
Não havia vizinhos arrastando vidas.
Nem um som sequer de um distante motor de automóvel, ou o ronco de um avião na sua aerovia, que passa por cima aqui de casa.
Não havia nem o ressonar da parceira.
Um galozinho cantando, um cachorro latindo, um gato miando. Nada!
Tudo era silêncio.
Um silêncio que me apavorava.
O som do silêncio. O que houvera acontecido com todos os sons?
Até os imperceptíveis como o de uma flor desabrochando, ou o de um orvalho, orvalhando? 
Num movimento interior tentava contrair meus ouvidos, tentando extrair deles um som sequer, e nada.
Silêncio. Nada se movendo. Nada movendo a vida.
Silêncio. Temi todos meus sons interiores que agora se exasperavam em coro.
Ante tal sinfonia, até o vento calara.
Nem o tradicional som do pingo do chuveiro, sempre com folga ao fechar. 
Ou, o tique taque do relógio de mesa eu ouvira.
Silêncio total.
Nem uma moto fazendo a ronda sequer.
Só ouvia a mim mesmo.
Talvez, aí estivesse a razão da insônia. 
Ouvir minhas contradições.
Meus medos.
Meus não-ditos, desditos, malditos.
Ouvir minhas melecas interiores.
Minhas fraquezas.
No breu do quarto procurava um som ao longe, um som que me acalmasse.
Então, lembrei-me do sonho.
Este seria meu sonho.
Sonharia com sons.
De água correndo. De mar batendo em ondas na praia.
De palhas de coqueiro balançando. 
De uma velha cadeira de balanço.
De uma rede dolente.
De um pássaro-ferreiro grasnando ao longe.
De uma criança chorando.

De uma vitrola - de fim de feira, tocando uma seresta de qualidade duvidosa.
De um batidão Rave há quilômetros de distância.
De uma troca de marcha de um caminhão.
De camas rangendo com o calor de amantes.
Sonharia com sons.
Inebriado na fantasia, escuto o JG falando alto enquanto dorme.
Sua fala irrompe o silêncio, qual flecha amorosa.
Acalma-me.
Resgata-me.
Ao longe um galo canta.
Um grilo pia.
Um carro acelera.
A vida lentamente sai do modo pause.
Já não durmo. 
Num estado de semi-consciência, testemunho o acordar dos sons da vida que me cerca, um a um.
Vou colecionando-os: o galo; o grilo; a moto; o JG; o vento e meu coração.
De todos, os de meu coração, são os mais belos.

Sons do que fui, sou e serei!

Sons de compaixão, misericórdia e esperança!
Sons de luta e sobrevivência.
Sons de amizade. Sons de choro e riso. 
Sons de acalento, de doçura, de aconchego.
Sons de minha alma cansada, que agora embalada pelo meu viver, revigora-se para mais um dia de acontecenças, no arriscoso processo de amadurecer.

Uma antiga canção de ninar ouço ao longe. Estarei sonhando?

Sonhei JG...

Ciclos


Caem as brumas e a noite avança. Lá fora, casais enamorados juram eterno amor. Nas casas mais singelas, uma sopa, um pão, um pedaço de família. Nos shoppings, um burburinho gostoso, tal sons de pássaros grasnando. Nos altares, promessas de dias melhores. No silêncio de uma enfermaria, após a hora da visita, um ou outro gemido. A vida segue seu curso, renova-se a cada domingo. Como sementes sequiosas, ávidas da chuva benfazeja, cada ser carrega em si propósitos a realizar na semana que inicia. Desabrocha a esperança, contida em cada coração. Esculpe-se assim - em argila vital, o coletivo de sonhos, com traços marcantes de dedicação, suor e perseverança em ser, fazer e acontecer.

Uotzape

Meu chefe ligou-me pergutando pelo meu “uotezap”.
Eu disse: “uot” o que?
“Uotezap”, Ricardim.
Pela entonação de meu "uot", ele viu que eu era um analfa.
Mas, educado que foi, sorriu e desconversou.
"Tu não tem? Criei um grupo na gerência e você é o único que não faz parte.
Não te localizei para adicionar."

Disse-lhe que amanhã mesmo providenciaria. Quem tem, tem medo. rsrs
Naquela hora me senti deslocado.
Meu mundo caiu, que diabos era aquele uot qualquer coisa que todo mundo falava dele.
Senti-me como meu pai quando falei para ele o que era a máquina de telex que eu operava, primeira função ao entrar no BB.
Dizia, “papai, você digita de uma cidade e ele escreve na outra, e vice-versa".
Ele dizia: “mas quem está do outro lado?”

Cri cri cri

Logo de pronto procurei socorro no Lyra. Ele ficou tirando uma comigo, pois ele tinha o tal do uot.
Mas, pelas suas dúvidas, vi logo que ele era daquela espécie que tem e nunca fuça.
Ou seja, estava mais vendido do que eu, pois não vinha respondendo às mensagens do chefe, enviada para seu uot, pois já o adicionara.
rsrsrs
Logo acorreram as meninas-Y e num passe de mágica lá tava eu com meu uotzapi instalado.
Até com foto e tudo mais.
Agora eu existia.
Fiquei pensando que assim como para mim foi o WhatsApp, é o acesso a um monte de coisas que muitas pessoas desconhecem, ou pelo apartheid social não têm direito.
Algumas dispensáveis, outras, após a conhecermos nunca mais passaremos sem elas.
Gosto de tecnologia. Depois que descobri para que servia o negócio, vi que ele era um chat dentro do telefone.
Forma-se um grupo e pronto, tá todo mundo na tela de seu celular numa grande sala de bate-papo, a la-ZAZ, saudosa, ZAZ.
Precisamos de mais WhatsApp humanos, menos uotzaps digitais. Como seria bom se pudéssemos voltar a nos conectar novamente. Famílias conectadas. Amigos conectados, vizinhos conectados, colegas de trabalho conectados. Mas sem ser pelas ondas da internet das coisas, mais sim pela banda larga humana. A vida anda tão agitada, trânsito, III turnos de estudo, agenda de filhos, cobranças no trabalho, que de tão ofegantes vamos ficando ilhados.
Socialmente ilhados. Juntos e separados. Talvez, por isso mesmo, o sucesso de tecnologias que aproximam pessoas, que rompam cadeias de isolamento e construam redes relacionais.
Hoje meu whatsapp afetivo não conectou ninguém.
Amanhã vou esforçar-me mais para conectar corações ao meu grupo existencial.
Mais amor. Mais carinho. Mais perdão. Mais aproximação.
Quem adicionarei ao grupo whatsapp de meu coração amanhã?
A quem perguntarei como vai? Como está passando? Como se sente?
A quem...?

Dê vida aos invisíveis

Ela pacientemente limpava o chão da praça de alimentação. Deveria ter uns 60 anos. Ou parecia mais velha pela vida difícil que levara. Magrinha, cabelos tingidos de branco, rugas de expressão. Uma touca na cabeça. Um uniforme azul. Um carrinho com água, esfregões, panos e produtos de limpeza. Numa mesa perto eu a observava, enquanto JG devorava um MAC, mais pelo brinquedo que ganhara, do que pelo seu sabor. Ela tinha algum dom. Algo misterioso. Era invisível. Ninguém a via. Ou dirigia-lhe a palavra. Mesmo quando esbarravam nela, quando saiam esbaforidos com suas bandeijas - aflitos e esfomeados, como animais quando perseguem suas presas, não a viam. Para eles, bateram num móvel qualquer. Pessoa-móvel.
Quem ela era? Será que já tinha comido algo naquela Praça de Alimentação?
Até que horas trabalharia, nessa lida pesada, de esfregar o chão, numa sexta à noite, num movimentado shopping? Quais seus sonhos? Será que ainda os tinha?
A vi passando o esfregão no chão ao lado da mesa na qual estavam duas vovós. Agora eram três de cabelos brancos. Duas não a viram. Achei que as vovós a cumprimentariam. Dariam um "boa-noite". E nada. Para se vingar de ser invisível, vez por outra ela fechava algum acesso com o rodo. Com a cara brava de quem se arma de esfregões e baldes, deveria dizer, por aqui ninguém passa até eu limpar. Aquilo deveria fornecer pra ela um pouco de dignidade, poder e autonomia.Na saída, olhei-a fixamente. Ela baixou a vista, com medo. Eu então lhe disse: "boa noite!" Torço para não ter sido o único dessa noite de sexta-feira 13.
A invisibilidade dos "pequenos trabalhadores" é o produto mais cruel da sociedade consumista, excludente e individualista que estamos criando.Convido-lhe a quebrar esse desencanto. Convido-lhe a ver, com olhos renovados, aquele que te serve sem tu perceber. O copeiro, a recepcionista, o vigilante, o zelador, a faxineira. Tua diarista, mensalista, qualquer que seja o humilde profissional que te serve.Pingue um colírio de vida nos teus olhos opacos pela indiferença. Veja o inaudível. Ouça o invisível. Toque o infinito. Não seja mais um sequestrador de sonhos e vontade de viver do outro. Talvez o que esse outro precise, por menor que seja na "cadeia alimentar" do poder, seja teu reconhecimento, empatia e solidariedade. Só você tem o dom de trazer-lhe ao mundo visível, à vida, pois que muitos já acostumaram-se a serem vistos como coisas. Protegem-se de olhos frios, rudes, esnobes, sendo coisa, equipamentos. E assim, vão morrendo naquilo que tem de mais precioso, a dignidade. Dê vida aos invisíveis. Ame-os!

Vidas Editadas



Tem dias difíceis de pegar o fio da meada e recomeçar. Dias que tudo se avoluma, tudo preocupa, tudo agita, tudo parece tão grande que não daremos conta. Dias de ressaca existencial. Dias nos quais ao folhear um Best Seller qualquer de auto-ajuda parece mais uma coleção de piadas de duvidoso gosto.

O sol brilha menos. As mulheres parecem malvadas. O canto dos pássaros incomoda. Dias de infeção emocional.

Dias que gritam em nosso ser que não conseguiremos superar os desafios. Dias de pânico, de tristeza, de angústia. Na vida editada, postada no Facebook, eles não aparecem. Por aqui não há lugar para postar aperreios. E eu compreendo.

Recebi um pedido de socorro de um leitor de meu blog, o bode com farinha. Para ele escrevo nessa manhã dizendo-lhe, calma, tambéem passamos por isso.

Só não divulgamos ou escrevemos como você. Mas também temos medo, temos crises, temos momentos de revolta, daqueles que algo entrou errado em nosso sistema operacional. E que, para sobreviver, precisaremos restaurar nosso sistema à configuração anterior. Tenho dias assim. Só evito postá-los. Então caro amigo virtual, minha vida não é mais feliz que a sua. Minha vida também tem momentos trevas, momentos de impotência. Por analogia, JG, meu quarto filho de quatro anos nem sempre está sorrindo. Tem dias de birra, muitos dias de birra. Só edito os momentos dele e prefiro, opto, por escolher seus melhores momentos para compartilhar.

Quem tem filho birrento e vê as fotos do JG pensa que com ele é diferente. É nada. Tem dias que ele está um porrinho. Vidas editadas são parecidas com aqueles melhores momentos de um jogo de futebol, que tarde da noite são passados em algumas emissoras. Vendo aquele taipe achamos que o jogo foi maravilhoso. Vendo-o na sua integridade percebemos que houve momentos monótonos, chatos, de pouca expressão futebolística. Assim é com nosso viver.

Então deprimidos do mundo todo, tristes dessa manhã, infelizes por qualquer dor interior... calma!

Você não está só! Todos temos problemas parecidos. Todos temos nossos monstros interiores, imaginários ou não.

Uma coisa me ajuda, quando vivo esses momentos de TPM interior. Penso que meu espírito está malhando numa academia existencial. Que as pancadas, as dores, os sofreres e o luto, estão queimando calorias da minha alma e me tornando mais forte para as próximas batalhas. Não me apresso para sair da angústia. Também não a alimento. Deixo que ela evolua, como uma infecção emocional. A própria vida possui os antibióticos para curá-la. Eles estão nas pessoas que gostam de você. E, um belo dia, ao se olha no espelho você voltará a sentir prazer em fazer a barba, em botar um perfume, em se sentir bonito. Verá flores em cada calçada. Extasiará-se com o canto dos pássaros. Todas as mulheres lhe serão bondosas. Dias de júbilo. E, entre a angústia e o júbilo, componentes do mesmo fio do qual é feito o tecido do viver, vamos avançando no precioso processo de amadurecer.

Otimistas Sociais




Todos os dias precisamos desenvolver a arte de jogar frescobol. Frescobol relacional. Cuidar ao lançar a bola para o outro. Ajeitar uma situação e entregá-la mais redonda. Não querer diminuir ou derrotar o outro. Dar prosseguimento ao diálogo, à construção coletiva de espaços solidários.
Todos os dias somos ensinados ao contrário. A ser fortes e dominadores. A vencer o outro. Derrotá-lo com nossas atitudes e comportamentos. A desconfiar do outro. A incriminar o outro. Ambos são jogos. Ambos geram resultados. Um na cooperação, outro na competição. Mas qual deles gerará uma felicidade genuína? Duradoura, daquelas que sobrevive até às crises e "mudanças de hábito"? Afinal, seres humanos, ou teres humanos? De que lado queremos ficar? Essa sociedade vai explodir de tanto individualismo e competição. De tanto esnobismo e narcisismo. Tempos de paz virão, mas só após a destruição total de um modelo de sociedade perverso e excludente. Precisa-se de revolucionários de um novo tempo. Nem que seja revolucionários digitais. Precisamos articular as tribos do bem, da justiça, da ética para o mutirão da construção dos alicerces de um mundo novo que está apenas amanhecendo. Precisa-se urgente de otimistas sociais, gente que cultive o valor da amizade, do perdão, da esperança.

Jogos Dramáticos

Há dois jogos psicológicos que não levam para nenhum lugar no crescimento do ser.
O primeiro é o Jogo da Acusação.
O menino deixa cair um copo de refrigerante sobre a toalha da mesa e leva um puxão de orelha. A pai o acusa de ser desastrado. A namorada espera o namorado que se atrasa muito. Ela o acusa de ser sempre o atrasado.
Esse jogo se propaga por anos a fio. E em várias realidades. A "brincadeira" é acusar o outro. Nunca procura atenuantes para inocentá-to, como um bom advogado de defesa.
O outro jogo é o da Culpabilização. Aqui a diferença é que não é o outro que faz algo que nos desagrade. Estamos sempre certos. O errado é o outro. É algo que acontece conosco que atribuímos ao outro a responsabilidade por tudo que nos acontece de ruim. Batemos no carro. Foi o carro da frente que nos trancou. E, não nós, que não praticamos a direção defensiva. Tirei nota baixa na prova. Foi a prova que estava difícil, e, não nós que não estudamos. Não passei numa entrevista. Foi a banca que me perseguiu.
A brincadeira aqui é encontrar quem é o culpado pela nossa própria infelicidade, ou por fracassos em alguma situação da nossa vida.
Culpa-se a Instituição, o vizinho, o outro, a mulher, os filhos, o chefe, o colega, o parceiro, o Estado, a escola...

Ambos os jogos psicodramáticos nos enclausuram numa gaiola existencial que inibe nosso crescimento. Estaremos sempre dependentes de achar um culpado, ou de acusar alguém.

No primeiro, ficamos intransigentes e com baixo nível de aceitação dos deslizes do outro. Como se fôssemos perfeito.

No segundo, somos perfeitos. Nunca falhamos por nossas próprias limitações, mas por obra e graça do outro, para o qual atribuímos o dom de nos fazer menor.

Acuse menos. Procure evidências que inocente o outro. Antes de julgá-lo. E se fosse com você? Qual seria o limite da sua aceitação? De seu perdão. De sua tolerância. De sua aceitação dos limites do outro?

Culpe menos. Muita coisa acontece conosco que pode contribuir com nossos fracassos, ou com o não atingimento de metas. Pode. Mas, ao direcionar só para o outro, perde-se um momento riquíssimo de se fazer uma auto-avaliação e crescer com a experiência. E, sem pausas interiores, sem revisão de vida, não há metanoia.

Celebre

Uma Quase Coletivo-Ajuda

Não procure o sentido no trabalho, o sentido na vida.
Inverta a ordem natural das coisas. 

Subverta realidades.
Procure sim, um perceber no trabalho o sentido. 
Na vida, o sentido.
Não o sentido da vida. E sim a vida com sentido.

Sentido = Significado = Propósito = Algo para que viver
Não delegue aos outros a percepção wireless de atribuir valor e reconhecer o que faz.

Nem pai, nem filhos, nem chefe, nem cônjuge será responsável pela sua motivação. Ninguém motiva ninguém.
Pode desmotivar. Mas, motivar não motiva. Motivação é uma decisão, uma escolha, uma postura diante da vida. 
Esteja aberto às possibilidades de novas conexões,novos padrões de comportamento e aprenderes assim como uma entrada USB sempre disponível, a um artefato qualquer.
Não terceirize seu sistema operacional, repassando culpas, sofreres, responsabilidades que também são suas. Procurando culpados para remir sua dor.
Sempre procurando num ente qualquer a expiação de seu próprio processo de acontecer, que é dolorido. Crescer dói.
Assuma suas fraquezas, trabalhe suas fortalezas. 
Saia da posição de promotor de acusação do outro, para a de seu advogado de inocência. 
Lamba suas feridas, afague-se e leve-se para passear. Saia do papel de vítima. A vida passará, você passarinho. Aquilo em que fixamos a atenção, cresce.
Curta e compartilhe sua vida com os outros. Publique-a, você tem valor. 
O valor que atribui a ela está em você mesmo. No gosto de realizar, de superar, de crescer, de encarar os desafios, de apresentar o melhor trabalho possível, dentro das condições dadas. Até num ambiente inóspito e de difícil trocas relacionais, com baixa intensidade subjetiva e emocional, pense num ambiente cartesiano e frio, você pode encontrar sentido no simples fato de resistir, de não se deixar abater. Encontre prazer nas pequenas coisas. Como liberar a cadeira ao lado, na qual colocou sua bolsa - para não sujá-la, ocupando um lugar que poderia ser do outro. O sentido e a vida confundem-se no senso de missão, de oferta de algo que pode nos mudar, da contribuição genuína e gratuita com o outro. Quando mudamos nossa perspectiva e crenças de como vemos a vida, as lutas, os pequenos prazeres, as tarefas, mudamos comportamentos. Afinal, todos nós somos sobreviventes e já chegamos longe demais, assim sendo, celebre!

A Matrix nossa de cada dia!



Nessa última semana recebi três pedidos de socorro que rondam o mesmo tema: a perda do sentido do trabalho.

No primeiro, um amigo quer interceder por uma amiga, que acha que sofre assédio moral. Ela reclama que o chefe passa bolas quadradas para ela resolver no trabalho querendo-a prejudicar lhe em processos seletivos, avaliando-a na sua incapacidade de resolvê-las.

Ou que sente que o chefe não gosta dela e faz de tudo para tirá-la da equipe.

No segundo, um amigo desabafa que toda a energia que ele sentiu quando foi recebido na nova área de trabalho, toda sua alegria, todo seu vigor, estava fenecendo. Murchando.

Ele já não era mais o mesmo e passou a ver contradições, incoerências, e opressões aonde não via.

No terceiro, um colega retrata assim a sua percepção dos sentidos do trabalho:

“O rótulo de vendedor com o qual a organização nos adesivou é ridículo. É óbvio que temos que sê-lo, mas não somente isso. Somos muito mais, somos competentes profissionais. Mas, a Organização nos minimiza à condição de vendedores. E olhe que eu sou um excelente vendedor, mas não é só isso que eu quero ser”.

Eles estão certos ou errados? Estão certos e errados.

Certos em suas percepções, errados em suas reações.

Ao assim dizer, não defendo que vejamos o mundo por lentes irreais, alienadas, “Polianas”.

A velha história do copo meio cheio ou vazio.



Defendo uma posição sobre os sentidos do trabalho diferente. Para mim o sentido não está no trabalho, está em quem o faz.

Já vi animadores de festa infantis infelizes, loucos para que aquilo acabasse logo.

Ontem vi animadores que mais pareciam crianças brincando, enquanto trabalhavam.

O trabalho era o mesmo.

Já vi recepcionistas de hall de entrada de organizações infelizes. Já vi outras que a cada cliente que chegava era uma festa, um encontro, uma possibilidade de realização.

Já vi caixas de banco infelizes. Que passavam o tempo contando os minutos para que a agência fechasse. Já vi outros que a cada atendimento era um dedo (por um segundo) de uma prosa. De um genuíno interesse por aquele que pagava uma simples conta de água. Um deles me disse: “posso ser a única coisa boa na vida desse senhor que trouxe suas moedinhas num saco de embrulhar pão, para pagar a conta de luz. Então não reclamo ter de também contá-las uma a uma. Enquanto conto, aproveito para perguntar-lhe coisas triviais da vida e estabelecer uma conexão. Assim, ao final do dia conheço um monte de gente e saio melhor do que entrei.”

Bingo!

Parece que a felicidade no trabalho não está no resultado final, na venda, na meta, no produto acabado, feito, entregue. Está no processo de fazê-lo, de soprar nele nosso hálito da vida e torna-lo diferente. Mesmo que seja o de bater pregos numa tábua de construção.

E o que pode nos adoecer e deturpar nossa visão do trabalho?

A hiperreflexão. A hiperreflexão é uma doença do eu. Achamos que tudo gira em torno de nós. Que todos precisam nos dar atenção, reconhecimento. Passamos a buscar o sentido do trabalho pela atenção que recebemos dos clientes, do chefe, dos colegas.

Deslocamos nosso sentido para os outros.

Aí já viu né?

Voltemos para o caso 1.

Ele foi sendo agredido pela realidade. Venderam-no uma realidade cor de rosa e ele achou que não precisava fazer nada para manter o rosa. O rosa está dentro de nós.

Então foi consumindo seu estoque de felicidade, levando uma pancada aqui, outra acolá, e ficando resignado, azedo, descrente das pessoas, do trabalho e da organização.

Adoeceu. Ele parou de selecionar rosas ainda existentes, só conseguindo agora captar, com as lentes da emoção, os tons cinzas e escuros do desgastante processo do sobreviver.

A vida é uma história que contamos para nós mesmos. A cada contada vamos aumentando, diminuindo, inserindo cenas, excluindo cenas, vamos moldando-a à nossa capacidade de responder. Refazer essa história e renová-la diariamente é dom, é arte, é aprendizado. Escolher as melhores cenas e contar a história a partir delas é uma possibilidade, e não uma expectativa.

Posso contar minha história de ontem à noite assim.

“Puxa, após uma semana intensa de trabalho, inclusive no terceiro turno, não contava que minha esposa me chamaria para ir á noite a uma festa de aniversário infantil, será que ele não percebe que estou um bagaço”?

Ou assim:

“Cheguei morto de cansado em casa. Era perto das 19hrs. Logo após, minha esposa chegou e disse-me que levaríamos nosso filho para uma festinha de aniversário, naquela noite. Aí pensei: “é tudo de que preciso agora”. Obrigado meu Deus Sair de casa com minha família, ver as crianças brincando, rever familiares, tomar uns uísques no 0800, cantar parabéns, e correr atrás do JG com a câmera a postos me revigorará e poderei me dedicar um pouco à família tão esquecida pelos trabalhos que toquei nessa semana.”

Percebem?

A realidade é a mesma. O que muda a inteligência emocional (IE) investida na interpretação da mesma. Na primeira história o nível de IE é muito baixo. É do caráter apenas da sobrevivência, do instinto. E meu instinto pedia sono. Na II a IE é alta, ela transcende a existência poetizando-a, encontrando um significado diferente para uma noitada coma família, após uma semana exaustiva. Ela remodela o perceber.

No caso 2

A jovem percebe o serviço difícil, quase findando o tempo para entrega-lo, como uma bola quadrada.

Pode ser.

Mas pode ser também uma oportunidade, uma possibilidade para exercer o cargo de descascadora de abacaxis, altamente valorizados por todas as espécies de gestores, humanos ou não.

Há duas formas de reagir. Uma, espero da vida uma resposta. Na outra dou à vida uma resposta.

São escolhas. Numa fico esperando que o chefe me veja e me estimule. Noutra, encontro estímulo no processo que realizo. A atenção e consideração de chefes e colegas passam a ser subsidiária. Até minha relação com as políticas da empresa passam por isso. Posso ficar puto com normas internas, mas ainda assim encontro felicidade no que faço e dali extraio a razão para continuar respirando.



No caso 3. O colega adoeceu de tanto absorver as intempéries do meio. Intoxicou-se, a ponto de ver a sua própria função, embora declarada por ele como de exemplar maestria, a de vendedor, com pouca importância. Ele passou a direcionar seu GPS existencial pela não realização no ato de vender. Está certo ou errado? Mais uma vez, nem certo nem errado.

É a forma que ele aprendeu a perceber-se. Ele se vê como vendedor de coisas. E não de sonhos. Qualquer venda é uma venda de um desejo, de uma fantasia, de um sonho. Muito mais do que a coisa. Mas, para assim ver precisa de outro olhar sobre a profissão. Quando vendo um seguro de vida a um resistente operário da construção civil. Não vendo um seguro para a sua vida. Vendo vida para sua família, caso ele venha a falecer, entendem?

Viram como “engano” meu cérebro e passo a remodelar a forma como a realidade o ataca? Não “empurro seguro de vida a um pobre pedreiro”. Vendo vida para os seus familiares e pessoas que ele ama, e que precisarão de recursos para continuar a lida, após a sua morte, ou terem algum recurso para continuarem a tocar suas vidas. Não vendo seguro de vida pessoal. Vendo seguro vida para pessoas. Entendem?



O que mais vemos nos ambiente de trabalho são pessoas felizes. Sim, pessoas felizes.

Visite qualquer setor numa sexta-feira. Verá pequenos lanches, pequenas celebrações. Sim, há felicidade no trabalho. E por que não haveria de ter?

O que mais vemos no ambiente de trabalho são pessoas tristes. Sim, pessoas tristes.

Veja qualquer blog interno de sua empresa, no campo comentários, e verá o quanto de insatisfação, de negativismo, de pessimismo ali é veiculado.

Filme a entrada do prédio numa segunda-feira pela manhã e verá o quanto algumas pessoas chegam como quem arrastasse grilhões imaginários. Ou navegue pelas páginas do FB no domingo á noite, ou na sexta. Numa parece um velório, afinal amanhã é segunda e vamos ao trabalho, noutra é só felicidade, afinal é sexta e estaremos livres da prisão.

A realidade está grávida de seu contrário. Esse é o movimento dialético das coisas da vida, podem ser ou não ser.

Então o trabalho, a escola, a família, todos os nossos habitares do ser podem ser luz ou travas, ou luz com trevas, ou trevas com luzes...

O que tenho aprendido é a reescrever a forma pela qual percebo.

Descobri que a percepção, as crenças interiores, altera comportamentos e o posicionamento frente à realidade.

Quando me separei do primeiro casamento namorei Adriani. Adriane era um psi-hippie. Ela fazia trilhas, acampava, gostava de músicas estranhas.

Aprendia fazer tudo isso.

Um dia fomos a Natal de carro. Ao passear pelas praias ela soltou um:

“Nossa, aqui é o paraíso das 4 x 4 e suas associações de ecoturismo e trilhas”.
Eu disse: “Oxe, não vi ainda nenhuma Grand Cherokee ou um Ford Jeep”
Ela, com seu jeito manso e risonho disse. Agora tu vai ver um monte, preste atenção. Adriane amou Natal. Amou acampar perto de Genipabu, amou cada duna e passeios “com emoção”. Amou o sol, amou o vento, amou os burburinhos das barraquinhas à beira-mar, na praia do Morro do Careca. Amou a musicalidade do Potiguar, “que fala cantando”.
E passei a amar mais ainda Natal, vendo-a agora pelos olhos dela.
Não precisa nem dizer que passe a ver jeeps em todas as esquinas.
Corta a cena de Adriane. Outro dia recomendei a ida para Natal para o amigo Afonso. Tempos depois o vi pelos corredores, e perguntei se ele tinha gostado. Ele disse-me que “ventava muito, o calor era sufocante o que muito o incomodou, que havia córregos de esgoto à céu aberto saindo das barraquinhas da praia do Morro do Careca, e que achou o bugueiro muito espaçoso, sem discrição e metido”. Por fim, falou que no hotel as crianças não respeitavam o silêncio, brincando até altas horas na piscina, cuja varanda de seu quarto abria para ela.
Percebem?
Aqui quero que preste mais atenção nessa parte do texto. Tome um café para voltar a ler.
Existem pessoas Adriane, que nos levam a ver jeeps. E pessoas Afonso, que nos levam a ver bugueiros metidos, crianças barulhentas, esgotos...
Quem está errado?
Adriane ou Afonso?
Nenhum.
Tudo é uma questão de qual pessoa deixaremos habitar em nós. As duas estão certas.

Preste atenção às pessoas que estão te influenciando.

As pessoas que te influenciam são do tipo Afonso, ou Adriane?

Há pais e mães Afonso. Há colegas de trabalho, idem.

Há chefes e pastores Afonso.

Há famílias inteiras Afonso.

Mas, te alerto, há também as Adrianes.

Aí você me diz que tem consciência, que não se deixa influenciar e coisas do tipo.

Eu te digo. Besteira.



Somos altamente influenciáveis. Se eu te disser que uma pessoa é boa, que conheço a suada e sofrida história de vida dela, por mais que essa pessoa te trate com frieza você dará um desconto.

Agora se eu te disser o contrário. Que ela é uma víbora, uma filha de uma puta, no primeiro contato que você tiver fará tudo para que essa informação faça sentido. Ela poderá ser Madre Teresa de Calcutá, tu só verá e filtrará coisas ruins emanando dela.

A percepção altera o olhar, altera a consciência e a realidade.

Um psicólogo social alemão de nome Ash interessou-se profundamente sobre a influência que causamos nos outros. Influência que aquele que temos em estima e consideração nos causam.

Ele pediu para que 4 líderes, apontados pelo próprio grupo, ficassem em posições diferente num círculo de 30 pessoas, que conviviam com eles. Aos 4 líderes combinou que quando passasse por eles um tubo de ensaio com água destilada eles o aspirassem e dissessem que tinha uma leve fragrância de rosas, de cassis, de café, de alfazema.

Em vários testes, não só os 4 líderes previamente combinados sentiam esses aroma falsos. Um bom número de pessoas era influenciado, sugestionada, por eles e também sentiram aromas, dos mais estranhos possíveis.

Cuidado com quem te rodeia e o tipo de influência que te causa. Existem pessoas Afonso, pessoas tóxicas. Que são altamente criticas, pessimistas, negativistas. Pessoas que no convívio diário contigo vão te contaminar.

Vão te influenciar e tu verás agora os esgotos à Céu aberto, somente eles.

Entende?

Mas, você e eu não somos fascistas. Não queremos uma raça pura, uma nação de pessoas “do bem” e outra expurgada habitando nelas as do mal. Temos dentro de nós, todos sem exceção, luz e trevas. O mal e o bem são frutos do mesmo acontecer. Estão na mesma realidade.

Na mesma pessoa. Não é saindo do mundo e ir viver em cavernas que você se protegerá.

A única forma de antídoto a pessoas infelizes, mal resolvidas, gananciosas e pessimistas é criar um jardim dentro de si.

É compreender qual Natal aquela pessoa estar vendo e aceitá-la, como quem aceita mais um ponto de vista, ou vista de um ponto, sem, contudo deixar de nutrir em si, no mais profundo de teu interior, um jeito Adriane de selecionar os aspectos de teu trabalho e realidade que te causam satisfação.

A alegria do burburinho de um barzinho à beira-mar, por exemplo.

Ou seja, não temos como evitar de conviver com pessoas que adoeceram, que empobreceram sua visão de mundo, tirando dela a fantasia, a poesia, as bonitezas das “acontecenças” simples cotidianas. Pessoas que não possuem mais sentidos e propósitos do trabalho.

O que podemos é desenvolver nosso senso crítico, nossa autonomia, para decidir que extrato da realidade vou filtrar e deixar me posicionar em comportamentos e atitudes por ele.

Todos vivemos numa Matrix. Não percebemos a realidade. Percebemos a realidade que habita em nós. Assim sendo, a realidade é uma Matrix que amplia, distorce, ilude e cria outras realidades reais, porém imaginárias. Nosso mundo percebido, nossa vida lida, é o produto de representações sociais, historicamente construídas e da forma como selecionamos, interpretamos, avaliamos e agimos com as informações e estímulos que nos rodeiam.

Não se deixe adoecer. Há trevas e luz. Alegrias e tristezas. Há puxadas de tapete e reconhecimentos. Há hipocrisias corporativas e consistência entre o falar e agir.

Há tudo junto e misturado.

Quem separa o que lhe faz bem é você. Sem desprezar que existe o outro lado, a contradição, sem ser um alienado.

Apenas por uma questão de principio, de escolha, de postura diante da vida.

No fundo, o velho copo “meio cheio e meio vazio” está todo dia ao nosso lado.

Decidir qual dos dois tomaremos, é uma opção que nos levará á vida ou a morte.

Morte de nós mesmos e de tudo aquilo que um dia acreditamos.

Não delegue sua felicidade ao chefe, ao colega, á empresa, aos filhos, ao cônjuge, aos pais.

Não delegue.

Ela é produto de sua consciência e agir no aqui e agora.

Não feneça ou murche frente aos desafios e coisas não belas com as quais eventualmente tem que conviver ou já sofreu.

Elas passam, você passarinho!

“Tudo é uma questão de manter
A mente quieta,
A espinha ereta
E o coração tranquilo”

Despedace dentro de si tudo que é velho e morto

"Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo prá você: não pense. Nunca diga estou envelhecendo ou estou ficando velha.
Eu não digo. Eu não digo que estou ouvindo pouco. É claro que quando preciso de ajuda, eu digo que preciso.
Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida.
O melhor roteiro é ler e praticar o que lê. O bom é produzir sempre e não dormir de dia. Também não diga prá você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais.
Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima. Eu não digo nunca que estou cansada.
Nada de palavra negativa.
Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica. Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. Então silêncio! Sei que tenho muitos anos.
Sei que venho do século passado, e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha não.
Você acha que eu sou? Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.

O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.
Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço com fé. Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende."

CORA CORALINA (poeta goiana que viveu até 95 anos)

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