A Arte da Resiliência (Autor Ricardo de Faria Barros)


Era uma noite de quarta-feira, e naquela aula se apresentaria uma das últimas duplas da disciplina Qualidade de Vida e Desenvolvimento Profissional, da Pós Graduação em RH (UNIP-DF).

Confesso-lhes que já ficava feliz nas noites anteriores antecipando as doses de satisfação que teria com eles, e o quanto de crescimento me proporcionariam.

A cada dupla que se apresentava, dizíamos que a situação ia se complicando para as demais, pela riqueza das atividades pedagógicas propostas por eles, e pela troca de saberes nelas proporcionados.

Todos voltavam para casa nas nuvens, entre eles eu.

Na noite, apresentavam-se o Fagner Barros e o peruano Jesús Vera Ipenza. O Fagner, parodiando seu nome, trouxe um violão e enquanto o Jesus "pregava" rsrs, ele dedilhava um som ambiente, daqueles que nos elevam a alma.

A aula seguia a metodologia proposta: uma reflexão, baseada num dos textos do Bode com Farinha, uma dinâmica de grupo ou vivência, e a entrega de um "mimo" de presente pra turma, nada caro, e que se relacionasse com o aprendizado da noite. Jesus nos ajudava a refletir com base no texto: 
"Cartas ao JG - Na vida, mesmo achando que perde de goleada, continue em campo." (https://bodecomfarinha.blogspot.com/2018/05/cartas-ao-jg-na-vida-mesmo-achando-que.html)

E a reflexão era sobre o valor da Resiliência.  Após a reflexão, o Fagner deu início à dinâmica.
Pediu a cada participante que se aproximasse de uma mesa, e ali escolhesse quatro barrinhas de massa de modelar, de cores diferentes.
Ele nos pediu que fizéssemos uma obra de arte, com os quatro bastões de massa de modelar, de cores diferentes. 

A arte deveria representar aspectos de nossa vida: tesouros, conquistas, sonhos, projetos, etc. 

Animados, a turma embarcou com gosto na proposta. 


Depois do tempo de produção, abriu-se uma roda de compartilhamento das obras de arte e o que elas significavam, não sem antes promovermos uma votação e a premiação daquela mais bonita, com um lindo prato da cultura peruana, de Machu Picchu. 

Eu queria ter ganho o prato, mas minha obra de arte foi sofrível, confesso-lhes.  Mas a da Eliete estava linda, e ela ganhou justamente a eleição, levando para casa o belo prato peruano, presenteado pelo Jesus.

Foi um momento mágico e místico. 

Depois, os alunos condutores da dinâmica colocaram um papel celofane sobre as obras de arte, feitas com massinhas de modelar, e pisaram sobre elas.

A classe calou atônita.


Os condutores pediram então que então fizéssemos uma analogia do ocorrido com a vida e com o valor da resiliência.

Aí a Paula tomou a palavra e nos fez chorar. Contou-nos que teve um câncer e que o mesmo se propagou em metástases pelo corpo dela, tendo que combatê-lo em vários órgãos.
E que era como a pisada nas massinha, que ela se sentiu. Mas que, logo depois do luto da notícia, dos aperreios que teve, viu que era hora de juntar os cacos do que sobrara, e se refazer.
Juntar as massinhas que ainda tinha, mesmo pisadas, e se recompor. 
Ela disse que olhou para a filha e falou: "Filha, eu só tenho duas opções. Ou lutar pela minha vida, enquanto vida tiver; ou desistir de viver e cair prostrada numa cama, e sua mãe não é mulher de desistir". 

Depois foi a vez da Thaís que nos fez verter lágrimas. Contou-nos dos aperreios dela com uma casa própria que construía, fruto das economias de anos, e que seria o lar para seu filho, ainda no ventre, e o local onde iria, após casar com seu noivo. Faltavam três meses para o término da obra, quando a mesma foi amealhada, numa disputa judicial. Ela a perdeu por inteiro, sem direito a recurso. 
Então pensou: "e agora, grávida, prestes a casar, sem economias, sem a casa, e tudo por comprar ainda...."
Então, lembrou-se que o bem mais precioso estava no ventre dela, e que o amor dela e do noivo, seria uma força para que juntassem os cacos e procurassem outro ninho, mais simples, porém ainda dentro do  sonho deles de ter um lar, pra chamar de seu, e assim ocorreu.

Em lágrimas, lembrou-nos o quanto ela e seu noivo tiveram que ser resilientes para não desanimarem, após o imenso prejuízo que tomaram, e não se deixarem destruir pela tristeza de não poderem realizar, naquele momento, o sonho daquela casa. 

E assim por diante, cada um que falava, fazia-me crer na humanidade, na força que temos de superação e sobrevivência. 
São os saberes da resiliência, de um povo que não se deixar quebrar, pode até vergar, mas quebrar nunca!
Aprendemos que na vida, mesmo que pisem em seus sonhos,
mesmo que destruam teus projetos e tesouros,
mesmo que caia e sofra,
e fique se achando deformado em relação ao que era antes, 
sem viço, formosura alguma e sem luz, 
é preciso lembrar que a massinha continua lá.
Mesmo pisada.
E que você pode, com o que restou dela, ainda assim se refazer 
e com ela moldar novos tesouros, sonhos, projetos e até futuros. 
Ao adaptar o seu existir, após o choque, o luto, flexionando-se e dando cambalhotas existenciais, fazendo da queda um passo de dança. 
Todos perceberam, recuperando-se do choque de verem suas obras destruídas, que as quatro massinhas coloridas ainda estavam lá, mesmo misturadas.

E que com elas poderiam começar tudo novamente, sem ser outra vez.

Eu creio com convicção e força que a resiliência é um conjunto de quatro valores entrelaçados, tal qual as cores das massinhas ficaram. São eles: a esperança, a espiritualidade, o amor e a coragem. 

Com esta matéria prima de valores, estaremos sempre nos reinventando, e dando respostas à vida, e assumindo o protagonismo de nosso viver, saindo da posição de luto e renascendo com o que sobrou. 

Às vezes mais fortes e bonitos do que éramos antes, pelo efeito das cicatrizes em nossa alma. 

Efeito que nos lembra do quanto fortes já fomos.

Crônicas Anteriores