Horda, Selvageria e Barbárie (Por Ricardo de Faria Barros)

Arte: Gleriston , Heber ,  Iolanda  e Thiago (Alunos da Nova Faculdade de Contagem-MG)

Uma horda de prefeitos invade os restaurantes de Brasília, após participarem de uma Marcha reivindicatória pelos seus municípios.

Alfredo, garçom amigo, conta-me que o problema não foi o atendimento deles. Foi o fechamento das contas. Não de todos. Mas, de vários. É que um grupo deles insistia em tirar das contas os uísques que tomaram, ou vinhos da melhor qualidade, substituindo o valor do consumo deles por pratos fictícios de comida. Outros, mais raros e mais éticos, pediam contas separadas das bebidas alcoólicas e das comidas. As bebidas eles pagavam com recursos próprios.  As comidas com os da prefeitura, para posterior prestação de contas.

Ele contou que o geral era isso que ouvia:  "Coloca aí tudo como comida, a prefeitura não paga bebida, nas ajudas de custo para missão..."

Alfredo então voltava com as NF para "retificá-las". Outros, mais ousados ainda, pediam que ele colocasse nelas um valor bem acima do consumido, dizendo que o reconheceriam, "pela compreensão e apoio", com uma farta gorjeta.  Alfredo negava-se a fazer isso, e era hostilizado.

Alfredo, naquela noite de quinta, precisava desabafar. Ele estava se sentindo violentado. E eu também. E você que me lê, idem.  Se não somos éticos nas pequenas coisas, como queremos ser nas maiores? Na minha escala de julgamento, quem lesa a "viúva" por uma dose de uísque, fará o mesmo nos contratos de fornecimento, com preços superfaturados para desvio de recursos.

Corta a cena e escuto um apitaço. São carros se acotovelando para abastecerem, mutos ainda com meio tanque de combustível, mas temem o pior e querem completar.  Os apitos são gritos para alguns "espertos" que descobriram que se levarem recipientes plásticos de 30, 40 litros, poderão evitar as filas e se apresentarem diretamente nas bombas. E a confusão se estabelece, cada vez que um desses "sabidos", toma o lugar de quem por muito tempo espera seu abastecimento.

Na frente da fila, um prosaico frentista, atendendo a ordens de seu patrão, sobe na placa que anuncia os preços e altera, sem o menor pudor, majorando-a em 100%.  O apitaço aumenta. Alguns descem do carro, gritam palavras de ordem. Mas quem os ouve?

Volto pra casa e ligo a TV.  O jornal mostra cenas de selvageria, por todo país, nos mercados e postos.

Numa delas, uma senhora sai com o carrinho abarroado de saquinhos de dois quilos de arroz. O repórter pergunta se é para um restaurante. Ela diz, candidamente, que é para seu lar. "Pois, pode faltar".

Produtos faltam nas gôndolas, pela sua compra maciça, para além das necessidades de uma semana.

Todos os entrevistados justificam a atitude de usura consumista: "é o medo!".  Mas, quando uma única pessoa leva para casa dez latas de leite, para uma família que consome 5 por semana, alguma outra ficará sem. Este é o principio da anomia e anti-solidariedade social. "Primeiro eu, segundo eu, terceiro eu... e quem vier atrás que fecha a porteira. "

Imaginar que nos países asiáticos, vítimas de calamidades climáticas (tsunamis, terremotos), as pessoas só levam dos mercados que ainda funcionam o que precisarão comer e beber naquela semana, pois se levarem a mais faltará para outros. E não tem policia dizendo isto, não tem cartaz.  É uma questão de aprendizado social, de educação cidadã para o coletivo.

Selvageria e barbárie. Tanto no microambiente, o das relações cotidianas com o outro. Desde furar fila, bancar o esperto,  ou se apropriar de todo o estoque de arroz, água e até sal, sem se preocupar com as necessidades alheias.  Tanto no macroambiente econômico, com espertalhões vendendo um litro de gasolina por R$ 10,00 (cinicamente colocado R% 9,99). Como no contexto institucional político, com líderes que precisavam ser exemplos de cuidado e zelo pelo bem público, torrando nosso dinheiro em seus próprios interesses, confundindo o público com o privado, no que se chama de patrimonialismo.

Uma horda, repleta de atitudes de selvageria e barbárie, é nisso que uma população se transforma quando falta-lhe exemplos virtuosos para seguir na gestão pública,  uma educação para valores e práticas éticas de coletivo-vivência, para além de belos discursos a cada eleição.

Como seremos uma verdadeira nação com práticas no nível individual, comercial e pública desta natureza?

Obs: Alfredo existe, mas não com este nome!

Cartas ao JG - Na vida, mesmo achando que perde de goleada, continue em campo. (Por Ricardo de Faria Barros, pai do João Gabriel, 8 anos)

Sabe JG, naquele manhã de sábado tu estava muito empolgado com a escolinha de futebol. teria um amistoso, com outras crianças, que vinham de São Sebastião-DF. Tu foi o último a perfilar, antes do Hino Nacional. Teu técnico, tão cuidadoso, estava arrumando tua tornozeleira e chuteira, e todos esperavam por vocês. Agora, pronto para o embate, você correu para sua posição na fila, a dos atacantes. Nós, os pais, ficamos sentados na "arquibancada de grama", cada um mais ansioso que o outro. Os meninos do outro time tinham cara de bonzinhos. Com suas camisas desbotadas, e chuteiras esfarrapadas, dava para notar que eles eram apoiados como projeto social da PM, e o fato de chegarem no micro-ônibus dela reforçou minha tese. Não havia pais deles com potentes câmeras fotografando ou filmando. Não tinha pose de antes. Eles estavam praticamente sós, para aquele embate, confiando apenas no seu treinador. Todos deviam ter entre oito e dez anos. O hino começou a tocar e era visível a emoção. Pela primeira vez eu te via perfilado e cantando o hino, e cantou direitinho. Aí começou o jogo. Da arquibancada prometi dez pacotes de figurinhas, caso fizesse um gol.
Ao que os demais pais seguiram, numa gostosa algazarra. De sorvete, figuras á pizza, tudo prometemos. No primeiro minuto de jogo, vocês tomaram um gol. No segundo, outro. No terceiro, outro. Mas, os meninos do time adversário respeitavam vocês. Não ficavam tirando onda. Nós, seus pais, ficávamos incrédulos. Não sabíamos o que ocorria em campo. Pois, vocês não conseguiam passar da linha central, em direção ao gol deles. Aos berros, reduzimos nossas premiações para um único ataque fulminante, daqueles que conseguisse botar o goleiro deles para trabalhar. Terminou o primeiro tempo e vocês não conseguiram cruzar a linha central. E o placar, muito pior que o do Brasil x Alemanha, 10 a zero para os meninos de São Sebastião-DF. No intervalo, você veio me abraçar. Os seus amigos, idem.
Você precisava daquele abraço. Seus adversários não tripudiaram em cima da aparente derrota de vocês. Não havia provocações, ou comemorações humilhantes. Respeitosos, baixaram a cabeça, num círculo, enquanto recebiam instruções para o segundo tempo. E começou o segundo tempo. Gritamos que o placar tinha zerado. Que considerassem 0 a 0. Vocês sorriram para nós. Em pouco tempo o time deles fez o 11 gol. Mas, num ataque digno de Seleção Brasileira, vocês empataram. Ops, fizeram 11 a 1. Ainda faltavam uns bons minutos de segundo tempo, e vocês estavam tomando tomavam uma média de um gol a cada 4 minutos. E o placar avançava em prol do time visitante: 12 a 1. 13 a 1. 14 a 1. 15 a 1. Contudo, eu e um monte de pais, nos emocionamos de ver que vocês não desanimavam em vim buscar a bola na defesa, e tentarem partir para o ataque. E o goleiro de seu time passou a ser uma atração a parte, evitando muitos gools com defesas precisas.


Vocês sabiam que era impossível reverter aquele resultado, mas honraram o adversário. Não desanimaram. Não esmoreceram, ou penduraram as chuteiras antes do apito final. Jogaram aqueles 20 minutos do segundo tempo como heróis legendários. Ao apito final, ficaram em fila e cumprimentaram todos os jogadores que por vocês passavam, apertando suas mãos, e olhando de frente para eles. Que exemplo para nós! Você subiu o gramado da arquibancada, em minha direção, abriu os braços, e chorou baixinho.

Eu te disse que tu me deu uma linda lição de resiliência, ensinando-lhe o sentido do termo. Que o fato de continuarem em campo, e correndo, e fazendo o que podiam, mas nunca desistindo do jogo, foi um ensinamento para toda a vida. Vocês não queriam mais empatar o jogo, pelo menos, queriam não tomar gols, ou fazer mais um. E isso foi muito lindo. Te disse que uma das mas célebres lições que a vida nos ensina, é que para ganhar temos que perder. Você não entendeu direito e eu disse te ensinei. Que na vida podemos perder muitas batalhas, mas o importante é não sair da guerra. Que não se faz um bom atleta, um bom time, ou uma vitória, sem vez por outra ele, não conseguir o primeiro lugar, a classificação, ou vencer o adversário - na primeira tentativa. Sabe filho, um traço que os fortes têm em comum é a coragem. Eles se levantam após as derrotas, e continuam acreditando que dias melhores viram. E é um acreditar transformador, pois enquanto acreditam eles ajudam a si mesmos, tornam-se mais focados e disciplinados, e perseguem com mais afinco ainda seus objetivos.
Recentemente, ouvi várias mães com problemas de relacionamento com seus filhos. Elas não sabiam como fazer com seus jovens-adultos-filhos, ainda dentro de casa, e sem um propósito de vida. Muitos estão passando o dia jogando no computador, teclando em redes sociais, ou enclausurados em seus quartos-hotel, com toda a auto-suficiência para dali não precisarem mais sair. Filho, são jovens que estão perdendo o sentido do jogo da vida. Estão deixando de correr atrás da bola, de se esforçarem em busca de seus próprios sonhos. De sua própria autonomia. Levaram umas boladas, uns gols, seja na vida afetiva, seja na vida acadêmica, ou até no primeiro emprego, e desistiram de continuar jogando. Foram para os "vestiários" de sues quartos superpoderosos, alienando-se da vida real, como ela é. Com muita ralação, aborrecimentos, dificuldades, e vez por outras, divinas e saborosas alegrias, talvez por isto mesmo. Então, querem chegar à janelinha, mas sem esforço. E, qual o sentido de chegar a algum luga sem ser como fruto de nosso esforço?
E a depressão juvenil, por falta de sentido na vida, avança em nossa sociedade. São filhos de uma classe social que enchem eles de bens, viagens, para os quais não lhes faltam nada. E tornam-se ambiciosos demais, querendo soluções rápidas, prontas e acabadas, de preferência que não precise, para o alcance delas, se esforçarem. E, viram pequenos tiranos dos seus pais. Que passam a limitar suas próprias vidas, preocupados com o filho que não reage. Que larga todo emprego que consegue. Que troca de curso superior como quem troca de boteco. que acorda três da tarde, ao virar a noite jogando. Que não arrumam nem seus quartos, e ainda culpam os pais pela infelicidade deles. Não filho meu. a vida boa não se faz assim. Na vida, temos que aprender a perder, não saindo do campo.
De que adiantaria para vocês se nós pais tivéssemos "comprado" umas molezas - do time adversário, para que a vida de vocês ficasse mais fácil no segundo tempo? De que adianta fazer gol assim, com o outro time facilitando? Então, filho meu, não sei onde estarei daqui a vinte anos, quando você tiver 28 anos. Mas, peço-lhe que se lembre daquela partida na qual perdeu de 15 a 1 e não desanimou. E continuou vindo buscar a bola na defesa, e partindo para o ataque. E, caso esteja lendo essa carta dentro de seu quarto, deprimido. Sem sentido na vida. Achando que tudo e todos tramam contra tu. Que a vida é má. Mesmo, com com comidinha na boca, remédios e roupa lavada, te digo: saia logo daí e venha para a vida real. Deixe de reclamar da vida, que a vida não é boa para você, que não arruma namorada, que emprego dentro de sua área está difícil, que o curso superior que faz não é bom...
Deixe de passar o dia entocado nesse quarto, achando que assim, que dentro dele, a vida acontecerá. Busque sua independência, com coragem. Não ache que tu terá essa estrutura de apoio para sempre.
E, paradoxalmente, é esta estrutura que não te deixa faltar nada, quem está sufocando em tu o ânimo e a coragem de ser. Um pouco de desequilíbrio, de falta, te fará bem. Pois, é na falta que corremos atrás para conseguir algo, que nos esforçamos. E, ao conseguir aquilo, como fruto de nosso esforço, nos sentimos muito bem. Então, continue assim. Correndo atrás. Se esforçando para ser o melhor para o mundo, e não o melhor do mundo.
Tendo consciência de que o que possui é muito superior a jovens em vulnerabilidade e risco social, como teus adversários. Que nem por isso desanimaram, ou amarelaram diante de vocês, todos de cara boa, e estatura superior, pelo que comem. Eles não são garotos-Nutrella. Fiquei sabendo que muitos catam latinhas, fazem pequenos trabalhos em feiras-livres e que seus pais são ausentes, pelo álcool, abandono do lar, ou estão apenados. E, mesmo assim, eles vieram e enfrentaram os meninos da classe média. Respeitaram vocês, mas não se intimidaram, mesmo não tendo uma voz seque nas arquibancadas gritando pelo nome deles.
E, aquela vitória talvez seja a melhor alegria que tenham nesse mês. Eles aprenderam o valor da superação, da conquista de seus ideais, mesmo sem terem a mínima possibilidade de premiação, pelas "Vidas-Severinas" que enfrentam, de um sorvete, um pacote de figurinhas, ou uma deliciosa pizza, ao final do jogo. E, caso faça um gol no próximo amistoso, nada de eu te prometer qualquer coisa em troca do feito. Vou te ensinar o valor de conseguir algo, sem prêmio material algum como alvo.
Aliás, os melhores prêmios que a vida me deu não foram materiais, foram um abraço sincero, um eu te amo vadio, um que bom que chegou. Ou, um: você fez falta por aqui!. Esse tipo de premiação não tem preço! E era um sentido na vida e uma satisfação interior, pela conquista de algo pelo teu próprio esforço, que durarão um monte de tempo em tuas lembranças. Sem para que isso ocorra, precise existir um prêmio material esperando-lhe na esquina da vida. Sabe filho meu, você não merece nada por fazer um gol, apenas um abraço. E será o que melhor receberá na vida. Dentro de um abraço, não há tempo ruim, e ao sair dele, tu estará sempre mais forte e mais corajoso, para enfrentar outras partidas do tipo 15 a 1, sem desistir após o primeiro tempo.
Muitas das coisas boas que fazemos e recebemos da vida, a premiação delas acontece no mundo das emoções e sentimentos positivos, ou no da razão como o de uma consciência limpa, o sentido do dever cumprido. E, chegará o dia em que saberá o valor de um abraço, após um gol que marque no jogo da vida!

O Compositor do Tempo, Artesão de Esperanças Vadias (Autor Ricardo de Faria Barros)

Era manhã do dia do trabalhador e resolvi investir o dia visitando Sr. Valdecir, e de lá ir até a casa de meu irmão.

Sr. Valdecir estava agitado, gesticulava com o celular que estava sem créditos, só recebendo notícias do mundo de lá,  deixando-lhe muito ansioso por uma informação que esperava. Ameacei colocar créditos no celular dele, acessando meu banco de bolso. Mas, irritado, ele me disse que todo dia primeiro uma pessoa amiga o faz, e que naquele dia estava demorando mais que o costume. E que, em questão de minutos tudo se resolveria.

A razão pela qual este paraibano de 75 anos, viúvo, pai de 7 filhos, todos vivos, e muitos netos, estava nervoso, era por notícias de um dos filhos. Que na noite anterior bebera, e que nesta manhã precisava ir trabalhar, e tocar um serviço, com ele contratado.

Sr. Valdecir é como madeira de aroeira, pode até vergar com o peso, mas num quebra não.
Sua vida só está boa quando a dos filhos, netos e agregados está.

Naquela manhã ele não estava com a vida boa.  Os netos andam se metendo em confusão, e um filho luta contra o vício do álcool, que causa estragos na vida profissional.

Sr. Valdecir olhava para mim, como quem diz, só mais uns minutos e já consigo ligar. Mas, antes disso, o telefone dele toca, e é uma das filhas, avisando que o irmão foi para o trabalho, e que ele pode ficar despreocupado.

Pronto, o tempo se encontrou com as horas, e o alívio se fez naquele senhor. O tempo teima em brincar com nossas marcações dele.

Para quem espera a cura de uma infecção, sete dias pode ser um parto. Para quem aguarda um encontro amoroso, sete dias pode ser um raio. Raio que lhe parta, grilhões da saudade, e amarras da doença.

A noção de tempo alcança uma outra dimensão, na perspectiva de uma espera.

Sr. Valdecir me chama para tomar um café na casa da filha dele, a Linda, e aproveitar para conversar com outra de suas filhas, a Edvânia, que passa por problemas pessoais.

Em lá chegando, encontramos a Edvânia muito chorosa e cheia de pesar. Um de seus filhos foi preso, por causa de uma briga em que se meteu. E ela sente saudades dele, e muito aperto no coração, daqueles apertos em coração de mãe, que são inclementes de dor e força.

Ela estava conversando com a amiga Cristina, que veio lhe consolar. A visita que conseguiu fazer na penitenciaria só será possível na semana que vem, e já fará quinze dias que ela não vê o filho de 18 anos.  E sofre, sofre muito.  Em sua cabeça habitam monstros, fantasmas, e todo tipo de assustamento. Não é fácil ficar tanto tempo sem contato com quem se ama, principalmente sabendo que a pessoa está num lugar perigoso, e sofrendo.

Estes dias que faltam para a visita são anos, na percepção daquela mãe.

Cristina entrou na conversa. Disse que amanhã fará uma das últimas sessões de quimioterapia, de um tumor que tirou de um dos seios. Ela já fez muitas sessões de quimio. Agora só faltarão duas sessões, a contar com a de amanhã. Em dois meses, ela estará livre desse tratamento tão cheio de efeitos colaterais, e poderá celebrar a vitória da cura. Ela espera esses meses com visível alegria estampada no rosto. O médico que lhe acompanha disse que pelos exames tudo está correndo muito bem.
Então, esta espera é de júbilo, de celebração.

É daquelas que o tempo vira brincante, e no lugar de incomodar, ele sussurra palavras de esperança no coração que espera.

Um pai que espera notícias de um filho, uma mãe que anseia em chegar a data da visita de um filho, uma senhora que marca no caderno os meses que faltam para o final de um tratamento exitoso.

Algo queria me falar naquela manhã. O tema tempo estava presente na história de vida daquelas três pessoas.    E, em cada um delas, fazia um efeito diferente.  O tempo que um filho leva sem beber. O tempo que falta para visitar um filho, o tempo que falta para uma medicação completar seu ciclo.

Mas, o que mexeu comigo nos relatos de Valdecir, Edvânia e Cristina foi a forma pela qual descreviam suas penas.

Não havia traço de desânimo algum, embora estivessem - cada um à sua maneira, carregando suas cruzes.

Sr. Valdecir tinha esperança por mais um dia que o filho conseguiria fazer suas atividades profissionais, sem estar alcoolizado num leito de uma cama.  Edvânia tinha esperança que veria o filho vivo, e ainda saudável, na medida do possível de quem está preso.  Helena tinha esperança na cura de sua doença.

E, enquanto esperavam eles agiam. Sr. Valdecir monitorava o filho por uma rede de pessoas próximas, já que ele não tinha mais celular, perdido no álcool.  Edvãnia fazia contatos com pessoas que conheciam advogados, para entender o que a juíza tinha feito, ao decretar a prisao do menino, durante uma audiência. Cristina deslocava-se de longe, enfrentava filas e aperreios, mas num faltava a nenhuma sessão das quimio.

Eles têm em comum a esperança corajosa. Não qualquer esperança, como muitas daquelas que temos, das que não alteram o carrossel do destino de viver, por serem anêmicas em seus propósitos de ação. São esperanças fraquinhas.

As deles não. São esperanças potentes, que enquanto esperam, atuam na natureza das coisas, mudando-lhes formas e cursos de ação.

Na terceira rodada de café, todos estavam animados e sorridentes. Nosso povo mais pobre aprendeu o segredo da felicidade.
Que não passa pela busca de algo para ser mais feliz, e sim pela valorização do que possuem, que os tornam menos infelizes.
Um celular que toca e é uma notícia boa do filho. Uma visita finalmente autorizada. Um remédio tomado na rede pública de saúde.
As conversas agora refletiam esse mote. Sr. Valdecir contava que o filho iria conseguir passar o dia sem beber, e entregaria uma pintura de uma casa que estava tocando.  Edvânia, agora até se consolava pelo filho estar preso. Pois, a briga em que se meteu poderia ter causado a morte de alguém, inclusive a dele mesmo. E, quando isto ocorre, o Compositor do Tempo altera a partitura do presente, deixando no seu lugar uma dor irremediável pelo luto do ausente. Já Cristina, alegrava-se de não precisar de mais sessões, ou de outra intervenção cirúrgica.

A paz era tão grande naquele lar que esqueci complemente o tempo que urgia, para levar um ingrediente de uma  receita que meu irmão fazia.

Sim, caros amigos(as), o tempo tem dessas peraltices que nos faz alterar agendas, repriorizar situações, enfocar enquadramentos, tornando-o elástico, ou sem mais necessidade de sorvê-lo ansiosamente, pelo simples fato de ali ele estar se multiplicando.
Não me perguntem como, mas que se multiplica, se multiplica.
Ah! como os que vivenciam algo bom, ou por aquilo esperam, entendem do que falo.

Crônicas Anteriores