Cartas ao JG – Não se acostume ao que te faz mal (Autor Ricardo de Faria Barros)


Era uma tarde de quarta, e você entrou no meu quarto, bastante exaltado, com uma dificuldade na tarefa de Ciências.
- Pai, por que o peixe palhaço e a anêmona são amigos inseparáveis?
Eita, pensei comigo.
- E é meu filho? Eu nem sabia que eram amigos, perdi esta aula no meu colégio.
Você sorriu, e juntos fomos pesquisar no Dr. Google.
Aí descobrimos uma coisa linda. A anêmona funciona como um berçário para a desova das mães peixe-palhaço. Dentro das anêmonas, os peixe-palhaços se escondem dos predadores.
Já as anêmonas, têm muita dificuldade de conseguirem se alimentar, e se não fossem os restos de peixes capturados por eles, e trazidos para os esconderijos de seus tentáculos, elas morreriam de fome. Além disso, os peixe-palhaços fazem a limpeza dos fungos, sujeiras e pequenos invasores que se afixam nas anêmonas. Chama-se a este relacionamento entre eles de Mutualismo.
Assim, filho meu, olha que bacana a relação entre eles, pois eles se protegem, ajudam e crescem sem um tirar o brilho do outro, ou a autonomia.
Na manhã de quinta, fui te deixar no colégio e de longe vimos a beleza desta árvore.
Tentei descobrir o que seria, mas não consegui. Despedi-me de você, no estacionamento do colégio, e fui caminhando até ela, seguindo pela rua à frente.
Quando cheguei perto, eu vi que maravilha era aquilo que testemunhara. Tratava-se de uma Paineira Rosa, que já perdera boa parte de suas folhas e flores.
Cujo troco e galhos servia de suporte para uma linda Bougainville (primavera) violeta que por eles se enramava. (a da foto)
Então, eu estava diante de uma nova espécie da natureza, uma Paininville. Rsrs
Lembrei de nossos estudos do dia anterior, e ali, diante de meus olhos, também havia uma relação Anêmona - Peixe Palhaço.
O bougainville, para florir precisa de sol. E se enramou pelos troncos e galhos da paineira, para deles captar melhor a luz.
A paineira, por sua vez, tinha perdido todo seu esplendor e graça, pelas folhas e flores que caíram, neste outono tão agressivo no DF, e ela estava exposta à inclemente secura de Brasília. Então, a proteção dos tenros ramos, folhas e flores da bougainville, sobre os ressecados troncos e galhos da paineira, evitava que ela ficasse exposta ao sol, melhorando as condições de circulação da seiva por eles.
Sem falar na beleza que agora, ambas formavam. Acho que nunca vi um bougainville tão alto, e nem uma paineira tão florida.
Sabe filho, esta carta para ti não é somente sobre anêmona, peixe-palhaço, paineira e bougainville é sobre o encontro de seres humanos, pela força do amor.
Sabe filho, quando você tiver um verdadeiro amigo, ou um amor, entenderá de que falo.
Um amor em nossas vidas funciona tal qual a relação anêmona – peixe palhaço, e paineira – bougainville. E falo em amor maior, e de todos os tipos e matizes. Não só em amor entre enamorados, mas este também.
Falo de relacionamentos saudáveis e significativos entre seres humanos. Não falo de relações tóxicas, insalubres ou do tipo vampiro de beira de cemitério.
Todos os estudos sobre longevidade com qualidade de vida, ou sobre a ciência da felicidade (florescimento) chegam às mesmas descobertas: o ser humano é mais feliz quando participa de grupos sociais nos quais se sente apoiado, reconhecido, valorizado e estimulado ao seu Eu Maior. E, uma relação com tua namorada, é um grupo social. Assim como a relação com teus irmãos, amigos, filhos quanto tiver, colegas de trabalho, lazer, credo religioso ou qualquer outra forma de ajuntamento humano.
Escolha anêmonas para com elas cultivar relacionamentos. Pessoas anêmonas vão acolher e propiciar boas condições para que os ovos de teus sonhos eclodam, gerando belos filhotes de projetos e propósitos par ao amanhã. Elas te darão proteção, segurança, te darão aquela sensação de paz que ao lado delas, só delas, você sentirá. Não é todo mundo que saberá respeitar teus sonhos e projetos de vida, elas saberão.
Escolhas peixes-palhaço para com eles cultivar relacionamentos. Eles te alimentarão de valores, e limparão teus fungos e feridas emocionais, caso necessários. Estas pessoas especiais que venha a descobrir em teu viver terão o dom de te reinicializar, ao sair do abraço que levará delas. Verás que ao seu lado poderá depositar também seus medos, desânimos, frustrações, e perceberá o quanto sairá melhor, ao delas se despedir. Mais limpo de tranqueiras que em ti se afixaram. Qual aquelas que nos tentáculos das anêmonas se afixam, sendo limpas pelos peixes-palhaço. Nem todo mundo lhe alimentará de esperança e te ajudará a sarar os sofreres.
Escolha paineiras-rosa para com elas cultivar relacionamentos. Pessoas paineiras-rosa te darão suporte, apoio e firmeza de coragem para que tu possas crescer. Elas doarão os próprios troncos e galhos, se preciso for, para que tu se desenvolva teu melhor potencial humano.
Escolha bougainvilles para cultivar com eles relacionamentos. Pessoas-bougainvilles têm o dom de nos fazer belos também, quando de nós se fazem morada. Perto delas, antes sem cor, galhos secos e sem flores, agora nos tornamos revitalizados, renovados, sua presença em nossa vida nos faz brilhantes e belos como as auroras boreais. Ao lado delas, nossa alma se alumia.
Então filho meu, saiba cultivar seus relacionamentos significativos. Saiba se afastar de relacionamentos predatórios.
Você encontrará estas pessoas em teu viver, mas tem que saber procurá-las, tem que saber cultivá-las, tem que saber valorizá-las.
E, quando achá-las, cuide bem delas e as admirem. Seja-lhes grato, sinta por elas gratidão e diga-lhes isto também, expressando gratidão por elas existirem.
O maior perigo de relacionamentos é nos acostumarmos com aqueles que nos fazem infelizes, nos diminuem, roubam nossa essência, autonomia e liberdade pra desenvolver nosso potencial humano.
O maior perigo de relacionamentos é ficar dependente de pessoas más, pequenas, sem luz, e que vão te sugar, enquanto tiver algo para lhes dar, depois vão te cuspir pra fora, sem nenhuma consideração. O pior deste tipo de relação é que ele se molda ao longo do tempo. É a mesma coisa de cozinhar uma rã numa panela. Botando-lhe viva numa água fria e acendendo a chama. Ela vai ficar ali e morrer, pois, foi cozida em fogo lento, e vai se acostumando ao calor até não ter mais forças para reagir.
Agora se você colocar uma rã viva, numa panela com água fervendo, ela irá pular para fora do fogão, e sobreviverá. Nenhum relacionamento doentio começa assim, doente. Se assim fosse, a pessoa vítima dele pularia fora, na primeira manhã.
A maior parte de relações doentias entre liderados e seus chefes, amigos e amigos, pais e filhos, namoradas e namorados, maridos e mulheres, etc. não aplicam o mal, o calor da chama da metáfora acima, de forma explícita e intensa. É devagarinho, um dia tu perceberás que está completamente dominado, subjugado, a esta forma de poder doentio que sobre ti opera.
Os anos se passaram e onde estará aquele João Gabriel de antes? Virou um zumbi?
Cadê aquela pessoa amorosa, risonha, que acreditava na sua própria capacidade de empreender projetos?
Infelizmente meu filho têm pessoas que se alimentam umas das outras. Elas pensam que para crescerem, por não terem luz própria, precisam escalar os outros, ou roubar-lhes sua luz.
Mas, mas fazem isto devagarinho. Por isso nos acostumamos a elas, e sua influência perversa em nosso viver.
E vamos cedendo nossa essência e luz, até que nos percamos de nós mesmos, ficando completamente dominados e dependentes delas.
Não se acostume a nenhuma gaiola que te faça mal. Nem deixe que as pessoas que habitarem teu ecossistema social sequestrem tua alma. Cuidado com amores dependentes e opressivos. Daqueles que só você dará afeto, ternura, paz e bondade; sem nada receber em troca. Acostumando-se a receber migalhas de reciprocidade, e ainda assim, iludindo-se de que tudo está bem.
Por último, filho meu, assim como você pode tem a bênção de achar pessoas anêmonas, peixe palhaço, paineiras-rosa ou bougainville, você também poderá ser este tipo de ser para muita gente.
Você poderá ser abrigo, sombra, conforto, fonte de esperança, ética, respeito, amor, perdão e otimismo para muita gente que de ti fizer morada.
Aí tua missão e propósito nesta vida terá um sentido maior. Quando se sentir numa relação mutualista com várias pessoas. Aí será bênção! Pois, todos os dias elas te reinicializarão para a vida. E tu a elas, apenas ao receber delas um bom dia, lindo dia...
Pense nisto!

Foco na Maniçoba (Autor Ricardo de Faria Barros)

Era uma noite aprazível de quarta-feira em Brasília. O clima, a presença de meu filho mais novo - o João Gabriel de 9 anos, e um punhado de estrelas, emolduradas por aquela lua em faixa de luz brilhante, convidavam à caminhada.
Saí com o JG em direção à feirinha da 406 Sul.
Nela chegando vi que tinha barraquinhas de legumes, de queijos, pães caseiros, linguiças defumadas, de um tudo.
Caminhando para a ala das comidas, paguei um churrasco de gato pra JG, que me seguia se deliciando com aquele petisco
Logo avisto uma barraca com uma faixa anunciando iguarias do Norte: maniçoba e pirarucu.
Escolho uma mesa, e libero o JG para ir brincar no pula-pula que fica bem próximo.
Peço uma porção de Maniçoba. Trata-se de uma iguaria para poucos. São folhas do pé de macaxeira (mandioca) fervidas por muitos dias, juntas à carnes, linguiças e costelas. Como se fora uma feijoada na qual no lugar do feijão come-se folhas.

Era a segunda vez que a comia. E aquilo tinha um sabor das boas lembranças, de quando estive em Belém, em 2007, ministrando um curso pelo BB.
Numa das esquinas, de perto do local do curso, os ambulantes a comercializavam em largos e fartos caldeirões. As pessoas ali paravam, e sem cerimônia pediam uma tigelinha daquilo lá, e a comiam  com expressão de satisfação, ou em pé, ou sentadas em improvisados e toscos banquinhos.
Tudo temperado pela poeira, poluição e resto de povo que por ali passava.
Permiti-me viver aquilo também, e foi muito bom. Desde então, nunca mais houvera comido maniçoba.

Tanta coisa ocorreu em meu viver nestes dez anos, pensei...

O prato chegou e estava cheiroso. Dei uma garfada e quase ajoelho agradecendo de tão bom. Aí uma onda cerebral de preocupação entrou minha mente, dissipando aquele bom omento, quase como uma gema de ovo que escorre pela chapa de teflon.
Algo ocorrera durante o dia que me deixou ansioso e aflito, coisas do mundo do trabalho e dos relacionamentos humanos. Você deve ter este tipo de ruído também  o cérebro.

Lembrei do Velcro e Teflon, metáforas apresentadas no livro O Cérebro e a Felicidade, do Neuropsicólogo Rick Hanson, bem apropriadas para o que vou compartilhar.

Nossas lembranças positivas precisam de tempo para se instalarem na nossa mente. Já as negativa não. É isso que Hanson prova, usando os princípios da neurofisiologia cerebral.

Nosso cérebro é programado para agarrar e arquivar as vivências negativas, como se fora um tecido de Velcro.

E, para com as vivências positivas ele é programado para não retê-las, no comando de primeira ordem do processamento cerebral.  Como se elas fossem algo que cozinha num tacho de teflon, que após o cozimento não deixará marcas na panela. Imagine aquele tacho como a vivência positiva, e o teflon como os armários do armazém de lembranças ou memórias positivas.

Esse armário tem seu fluxo prioritário de acondicionamento de todas as vivências que em nós geraram um sentimento de ameaça, medo, risco, desconfiança, traumas, dor, sofrimento, luto e perigo.

Somos programados para sobreviver, e isto faz todo o sentido na evolução da espécie.  Então, se não fizermos uma anatomia na qualidade de nossos pensamento e emoções, sempre o viés negativo do cérebro vai se instalar primeiro, desqualificando as vivências positivas, jogando-as ao teflon da frigideira, que após estralar os ovos, poucas marcas dele ali ficaram..

Era aquilo que ocorria comigo, ao comer a maniçoba, contemplando meu filho a poucos metros num alegre "pulamento"  de pula pula.

Eu não conseguia me concentrar na vivência legal que estava tendo,  pois o processamento de coisas preocupantes, ou negativas, que ocorreram ao longo do dia me açoitava, e empurrava as vivências positivas para bem longe.

Hanson ensina uma técnica no livro para que possamos diminuir a capacidade teflon de fazer deslizar memórias positivas para longe das áreas de sua instalação e incorporação pelo cérebro.

É trazer á mente aquele momento, esforçando-se em focá-lo de forma intensa, desligando as ondas de ruídos negativos que teimam em querer furar a fila do processamento cerebral.

Usando a metáfora de uma frigideira de teflon que faz uma fritada de ovos mexidos.  Se você deixa a frigideira por mais tempo, mexendo os ovos, mesmo que perca a comida, por ter passado do ponto e assado, você conseguirá deixar marcas dela na chapa de teflon, por melhor que seja o teflon.

Do mesmo modo ocorre com as vivências positivas. Elas precisam de um maior tempo para serem instaladas nas memórias. Precisam que fiquemos atentos ao momento, 100% presentes aos vivê-lo, degustando-lhe com intensa fome.

No meu caso, eu desligava propositadamente as ondas cerebrais negativas que vinham à minha mente, focando na textura das folhas, na cor do prato, no sabor de suas carnes, entremeadas pelo exótico sabor de suas misturas e temperos.

Ou concentrava no JG pulando, tentando adivinhar para qual lugar se daria o próximo movimento, ou tentar de longe enxergar sua expressão de felicidade.

Degustar o momento bom que se vive, dando-lhe total prioridade no processamento de nossas emoções e pensamentos, é um aprendizado para o resto da vida, e que vai remodelar o cérebro, tornando-lhe mais receptivo á fixação do bom, belo e virtuoso. A atenção plena, e a percepção seletiva do bom, belo e virtuoso, funciona como um fixador, para quem fabrica compotas emocionais positivas.

Quem gosta de fazer compotas, geleias, ou musse de morango sabe que um dos maiores desafios este prato é manter a cor do morango.

O calor cataliza uma reação que descolore o morango e os pratos ficam sem expressão.

Uma dica é colocar uma colherzinha de bicarbonato de sódio, durante o cozimento.

O bicarbonato funcionará como fixador da cor do morango, e os pratos ficarão lindos, após o preparo.

Nossas vivências legais precisam deste fixador, que no caso da mente, é o tempo de atenção plena e focada que a elas destinamos, quando as saboreamos.

Sem este tempo de degustação elas vão se volatizar, ao menor aperreio que se nos aconteça, ou serão degradadas pelas ondas de preocupação, desgosto, medo, raiva, incertezas de coisas que nos ocorreram, e que teimam em querer acessar os bancos de memória e ali serem arquivadas.
Sejam reais, sejam fruto de nossa imaginação, para o cérebro não importa, elas têm livre acesso aos armazéns de memórias. Que ao longo do tempo, se não cuidarmos, vai ficar entulhado de tranqueiras negativas que nele foram sendo depositadas.

O maior tempo de degustação, estando 100% presente ao bom momento vivido, ampliando sua instalação e apreciação. Funciona como o bicarbonato de sódio, fixando em nossos corações as boas lembranças, mantendo-as vivas e coloridas em nossos bancos de memória.
Ou, seguindo a analogia do texto, como o maior tempo de algo  na frigideira de teflon, para que o produto que nela está sendo feito, deixe suas marcas.

Enquanto comia aquele manjar, o WhatsApp pingou uma mensagem, era mamãe desmarcando um passeio que faríamos, por querer pintar o cabelo naquele horário.

Logo uma onda de frustação pede passagem na fila de processamento cerebral. Eu sei de seu poder, ela vai destruir o sabor da maniçoba, do filhote pulando, e da cerveja geladinha que tomo.

Aí eu digo para ela mesma. Depois você venha. Dê licença. Agora estou em paz, feliz e me satisfazendo com esta delícia. Aguarde sua vez no fundo da fila.

Entenderam como podemos ser mais felizes, só com esta anatomia que temos que fazer sobre o pensar. O que chamo de pensar sobre o pensado.

Acordei da noite de ontem e vim escrever esta crônica. Fecho os olhos e evoco aquele prato, escuto os sons do JG pulando, sinto a textura das folhas entremeadas com a carne daquela suculenta maniçoba.

Têm muitas coisas ocorrendo na tua vida, tais como as que descrevi de minha noite de ontem, da maniçoba e de um filho brincante. Mas, para serem vistas precisamos diminuir o ritmo, desconectar, reduzir a pressa, a ansiedade e contemplar o momento.

Elas estão em todo lugar, as maniçobas, só precisam de capacitar o olhar para vê-las, e aboca para degustá-las lentamente, antes de as engolir. Pode ser numa copa do local de trabalho, ao saborear um delicioso café em boas companhias Pode ser dentro de um abraço, daqueles que têm o dom de nos reinicializar.

Pode ser ao voltar pra casa e mirar o horizonte enluarado, ou o vermelho pôr do sol. Há de se ter tempo para valorizar e degustar com calma as maniçobas de nosso viver, para que por nós elas não passem sem deixar boas lembranças, sem nos marcar positivamente. Marcas que nos ajudarão a florescer, mesmo habitando tórridos e pobres solos comportamentais dos tempos presentes.



Viva, consegui gerar conservas emocionais daqueles bons momentos. Agora, vamos enfrentar as preocupações do dia! Agora vou tratar de achar outra coisa legal para fazer com meus pais, após a pintura do cabelo de minha mãe.

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