Foco na Maniçoba (Autor Ricardo de Faria Barros)

Era uma noite aprazível de quarta-feira em Brasília. O clima, a presença de meu filho mais novo - o João Gabriel de 9 anos, e um punhado de estrelas, emolduradas por aquela lua em faixa de luz brilhante, convidavam à caminhada.
Saí com o JG em direção à feirinha da 406 Sul.
Nela chegando vi que tinha barraquinhas de legumes, de queijos, pães caseiros, linguiças defumadas, de um tudo.
Caminhando para a ala das comidas, paguei um churrasco de gato pra JG, que me seguia se deliciando com aquele petisco
Logo avisto uma barraca com uma faixa anunciando iguarias do Norte: maniçoba e pirarucu.
Escolho uma mesa, e libero o JG para ir brincar no pula-pula que fica bem próximo.
Peço uma porção de Maniçoba. Trata-se de uma iguaria para poucos. São folhas do pé de macaxeira (mandioca) fervidas por muitos dias, juntas à carnes, linguiças e costelas. Como se fora uma feijoada na qual no lugar do feijão come-se folhas.

Era a segunda vez que a comia. E aquilo tinha um sabor das boas lembranças, de quando estive em Belém, em 2007, ministrando um curso pelo BB.
Numa das esquinas, de perto do local do curso, os ambulantes a comercializavam em largos e fartos caldeirões. As pessoas ali paravam, e sem cerimônia pediam uma tigelinha daquilo lá, e a comiam  com expressão de satisfação, ou em pé, ou sentadas em improvisados e toscos banquinhos.
Tudo temperado pela poeira, poluição e resto de povo que por ali passava.
Permiti-me viver aquilo também, e foi muito bom. Desde então, nunca mais houvera comido maniçoba.

Tanta coisa ocorreu em meu viver nestes dez anos, pensei...

O prato chegou e estava cheiroso. Dei uma garfada e quase ajoelho agradecendo de tão bom. Aí uma onda cerebral de preocupação entrou minha mente, dissipando aquele bom omento, quase como uma gema de ovo que escorre pela chapa de teflon.
Algo ocorrera durante o dia que me deixou ansioso e aflito, coisas do mundo do trabalho e dos relacionamentos humanos. Você deve ter este tipo de ruído também  o cérebro.

Lembrei do Velcro e Teflon, metáforas apresentadas no livro O Cérebro e a Felicidade, do Neuropsicólogo Rick Hanson, bem apropriadas para o que vou compartilhar.

Nossas lembranças positivas precisam de tempo para se instalarem na nossa mente. Já as negativa não. É isso que Hanson prova, usando os princípios da neurofisiologia cerebral.

Nosso cérebro é programado para agarrar e arquivar as vivências negativas, como se fora um tecido de Velcro.

E, para com as vivências positivas ele é programado para não retê-las, no comando de primeira ordem do processamento cerebral.  Como se elas fossem algo que cozinha num tacho de teflon, que após o cozimento não deixará marcas na panela. Imagine aquele tacho como a vivência positiva, e o teflon como os armários do armazém de lembranças ou memórias positivas.

Esse armário tem seu fluxo prioritário de acondicionamento de todas as vivências que em nós geraram um sentimento de ameaça, medo, risco, desconfiança, traumas, dor, sofrimento, luto e perigo.

Somos programados para sobreviver, e isto faz todo o sentido na evolução da espécie.  Então, se não fizermos uma anatomia na qualidade de nossos pensamento e emoções, sempre o viés negativo do cérebro vai se instalar primeiro, desqualificando as vivências positivas, jogando-as ao teflon da frigideira, que após estralar os ovos, poucas marcas dele ali ficaram..

Era aquilo que ocorria comigo, ao comer a maniçoba, contemplando meu filho a poucos metros num alegre "pulamento"  de pula pula.

Eu não conseguia me concentrar na vivência legal que estava tendo,  pois o processamento de coisas preocupantes, ou negativas, que ocorreram ao longo do dia me açoitava, e empurrava as vivências positivas para bem longe.

Hanson ensina uma técnica no livro para que possamos diminuir a capacidade teflon de fazer deslizar memórias positivas para longe das áreas de sua instalação e incorporação pelo cérebro.

É trazer á mente aquele momento, esforçando-se em focá-lo de forma intensa, desligando as ondas de ruídos negativos que teimam em querer furar a fila do processamento cerebral.

Usando a metáfora de uma frigideira de teflon que faz uma fritada de ovos mexidos.  Se você deixa a frigideira por mais tempo, mexendo os ovos, mesmo que perca a comida, por ter passado do ponto e assado, você conseguirá deixar marcas dela na chapa de teflon, por melhor que seja o teflon.

Do mesmo modo ocorre com as vivências positivas. Elas precisam de um maior tempo para serem instaladas nas memórias. Precisam que fiquemos atentos ao momento, 100% presentes aos vivê-lo, degustando-lhe com intensa fome.

No meu caso, eu desligava propositadamente as ondas cerebrais negativas que vinham à minha mente, focando na textura das folhas, na cor do prato, no sabor de suas carnes, entremeadas pelo exótico sabor de suas misturas e temperos.

Ou concentrava no JG pulando, tentando adivinhar para qual lugar se daria o próximo movimento, ou tentar de longe enxergar sua expressão de felicidade.

Degustar o momento bom que se vive, dando-lhe total prioridade no processamento de nossas emoções e pensamentos, é um aprendizado para o resto da vida, e que vai remodelar o cérebro, tornando-lhe mais receptivo á fixação do bom, belo e virtuoso. A atenção plena, e a percepção seletiva do bom, belo e virtuoso, funciona como um fixador, para quem fabrica compotas emocionais positivas.

Quem gosta de fazer compotas, geleias, ou musse de morango sabe que um dos maiores desafios este prato é manter a cor do morango.

O calor cataliza uma reação que descolore o morango e os pratos ficam sem expressão.

Uma dica é colocar uma colherzinha de bicarbonato de sódio, durante o cozimento.

O bicarbonato funcionará como fixador da cor do morango, e os pratos ficarão lindos, após o preparo.

Nossas vivências legais precisam deste fixador, que no caso da mente, é o tempo de atenção plena e focada que a elas destinamos, quando as saboreamos.

Sem este tempo de degustação elas vão se volatizar, ao menor aperreio que se nos aconteça, ou serão degradadas pelas ondas de preocupação, desgosto, medo, raiva, incertezas de coisas que nos ocorreram, e que teimam em querer acessar os bancos de memória e ali serem arquivadas.
Sejam reais, sejam fruto de nossa imaginação, para o cérebro não importa, elas têm livre acesso aos armazéns de memórias. Que ao longo do tempo, se não cuidarmos, vai ficar entulhado de tranqueiras negativas que nele foram sendo depositadas.

O maior tempo de degustação, estando 100% presente ao bom momento vivido, ampliando sua instalação e apreciação. Funciona como o bicarbonato de sódio, fixando em nossos corações as boas lembranças, mantendo-as vivas e coloridas em nossos bancos de memória.
Ou, seguindo a analogia do texto, como o maior tempo de algo  na frigideira de teflon, para que o produto que nela está sendo feito, deixe suas marcas.

Enquanto comia aquele manjar, o WhatsApp pingou uma mensagem, era mamãe desmarcando um passeio que faríamos, por querer pintar o cabelo naquele horário.

Logo uma onda de frustação pede passagem na fila de processamento cerebral. Eu sei de seu poder, ela vai destruir o sabor da maniçoba, do filhote pulando, e da cerveja geladinha que tomo.

Aí eu digo para ela mesma. Depois você venha. Dê licença. Agora estou em paz, feliz e me satisfazendo com esta delícia. Aguarde sua vez no fundo da fila.

Entenderam como podemos ser mais felizes, só com esta anatomia que temos que fazer sobre o pensar. O que chamo de pensar sobre o pensado.

Acordei da noite de ontem e vim escrever esta crônica. Fecho os olhos e evoco aquele prato, escuto os sons do JG pulando, sinto a textura das folhas entremeadas com a carne daquela suculenta maniçoba.

Têm muitas coisas ocorrendo na tua vida, tais como as que descrevi de minha noite de ontem, da maniçoba e de um filho brincante. Mas, para serem vistas precisamos diminuir o ritmo, desconectar, reduzir a pressa, a ansiedade e contemplar o momento.

Elas estão em todo lugar, as maniçobas, só precisam de capacitar o olhar para vê-las, e aboca para degustá-las lentamente, antes de as engolir. Pode ser numa copa do local de trabalho, ao saborear um delicioso café em boas companhias Pode ser dentro de um abraço, daqueles que têm o dom de nos reinicializar.

Pode ser ao voltar pra casa e mirar o horizonte enluarado, ou o vermelho pôr do sol. Há de se ter tempo para valorizar e degustar com calma as maniçobas de nosso viver, para que por nós elas não passem sem deixar boas lembranças, sem nos marcar positivamente. Marcas que nos ajudarão a florescer, mesmo habitando tórridos e pobres solos comportamentais dos tempos presentes.



Viva, consegui gerar conservas emocionais daqueles bons momentos. Agora, vamos enfrentar as preocupações do dia! Agora vou tratar de achar outra coisa legal para fazer com meus pais, após a pintura do cabelo de minha mãe.

3 comentários:

  1. Muito bom o texto! Podemos concluir que a vida nos proporciona pequenos momentos que podem nos trazer uma enorme felicidade. A gente que acaba perdendo essa chance de ser feliz por vivermos no amanhã! Parabéns!

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  2. Sim amigo, este foco no "SE", ou no "Quando", deixa-nos órfãos do agora.

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  3. Maravilhoso texto! Gosto da expressão em latim " Carpe Diem" q significa "Aproveite o dia". Tem muita gente só passando pelo dia sem saboreá-lo.

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