Carta aos Netos – Lucas, acolha tuas cólicas, elas são prenúncios de crescimento (Autor Ricardo de Faria Barros, avô do Lucas)

Sabe meu neto Lucas, neste domingo eu fui te visitar e reinava no teu lar um ambiente de paz aliviada. Tua família tomava um delicioso café da manhã e um clima de serenidade invadia toda a tua casa.
O motivo para aquele ambiente, quase angelical, era que finalmente você conseguira dormir, após se contorcer com cólicas por um tempão.
Teu corpinho está se desenvolvendo rapidamente. E, agora, chegando ao 1 mês de idade, teu intestino vai quase que triplicar de tamanho, e as cólicas dos movimentos peristálticos vão incomodá-lo um pouco.
O bom é saber que logo que passam, e bate a fome, tu se lambuzas novamente de leite, ao ponto de escorrer pela boca, como esta foto registra.
E aqui, neto amado, eu deixo uma reflexão para um dia tu ler.

Há um montão de coisa boas em nossa vida, que só aprenderemos sobre elas ao crescermos, e que nos provocarão cólicas. Mas, não podemos nos afastar delas pelas cólicas que geraram. Como tu não se afasta dos peitos de minha filha para amamentar com gosto, mesmo sabendo que logo depois irá se contorcer de dor.

Tu terás as cólicas amorosas. Eita que quem nunca as sentiu não sabe ainda o que é viver. Elas aparecem quando tu esperas a hora de ir ver tua paixão. Quando está esperando ela chegar de viagem. Quando ela demorar para responder a uma mensagem tua. Ou quando ela adoecer e tu cuidar dela. São as cólicas amorosas. Das melhores que terá. Sei que algumas delas irão te fazer sofrer, que pensará até em desistir deste negócio de afeto a dois. Algumas delas te farão arrotar, um arroto choco, outras te farão chorar de dor. Mas, amado neto, como provar o saboroso leite do amor sem passar pela dor? Então, não desista de amar, só por causa das cólicas que poderá sofrer.

Tu também terás as cólicas estudantis. Como eu me lembro delas. Antes de uma prova, antes de um vestibular, antes de uma pergunta que o professor está fazendo para a turma. Ou, quando tiver que apresentar um trabalho. Estas cólicas te farão sentir-se vivo, atento, pronto pra responder ao desafio. Algumas poderão querer gerar em ti um certo pânico, te fazer ficar muito nervoso, e até esquecer o que tinha estudado, dando um branco. Tenha calma consigo mesmo. Nem se cobre mais do que a conta. Não quero um neto que tire sempre 10, nem um neto perfeito. Muitas das vezes um 7 já estará de excelente tamanho. Então, cuidado para não estar gerando cólicas desnecessárias, procurando atingir a perfeição.

Tu também terás as cólicas profissionais. Aquelas que aparecerão quando precisar lidar com pessoas insalubres, inclusive chefes. Ou quando estará prestes a terminar o prazo de alguma meta ou projeto, e ainda veja que falta muito para alcançar. Estas cólicas profissionais nos açoitam muito. É quando nos colocamos diante de desafios de carreira, ou até mesmo quando participamos de processos seletivos. Aí elas aparecerão no antes, no durante e no depois. Mas, não tem jeito, como crescer profissionalmente sem passar por estas cólicas? Só não as sente que não gosta do trabalho, ou vai naquele lugar só bater o ponto, sem se envolver e sem se engajar.

Tu também terás as cólicas existenciais, aquelas provocadas quando estamos na iminência de tomar decisões que poderão mudar o curso de nossa vida. Aiaiai, neto amado, como estas cólicas doerão! Quem te dará a certeza sobre o decidido? Quem te dirá que optar por um curso superior, em detrimento do outro, será a decisão mais correta? Quem te dirá que optar por mergulhar em um novo amor será de fato bom para ti? Quem te dirá sobre a mudança de cidade, de emprego... Só o tempo. Mas, lembre-se que nada é pra sempre. Nem as decisões que tomou e que não foram as mais corretas. Ainda assim poderá ter novas cólicas para tomar novas decisões, saindo deste estado de insatisfação. E, de decisões existenciais em decisões existenciais tu vai achando teu caminho. Aprenderá que ele se faz é no caminhar. E que é melhor uma vida com cólicas existenciais do que uma vida apática, desanimada e sem nada que te faça perder noites de sono. Que se angustia prenuncia mudanças. E sem mudanças não há crescimento, assim como as tripas de teu intestino estão fazendo. Crescendo para que tu cresças também. Mas, cuidado com este tipo de cólica. Elas pedem um tempo para serem avaliada, maturadas, mas não fique a vida toda em cima do muro. Decida-se, corra os riscos. Se pegue no peito da vida e mame com gosto. Assumindo as rédeas de teu viver e das escolhas que venha a fazer.

Por último, e não menos importante, tu viverás as cólicas familiares. São cólicas maravilhosas. Porque nos fazem sentir que estamos conectados a algo maior, a uma família. Tu as sentirás quando teus filhos, meus bisnetos, tiverem um cólica, como as tuas de agora. Ou quando forem participar de um campeonato estudantil, como o teu tio, o João Gabriel (JG), participou no sábado, véspera de minha visita a ti. E atuou no goleiro. Qual pai não sente cólica neste momento? Tu também terás estas cólicas quando estiver grávido, e serão bons 9 meses que te acompanharão com elas. Tu as sentirás quando um dos teus for participar de algo importante na vida deles, até na de teus pais. Ser pais e mãe é viver sempre tendo cólicas pelos filhos.


Sabe Luquinhas, tem uma música que acho muito bonita e se relaciona diretamente com esta minha cartinha pra ti, ela é do Vinicius de Moraes e chama-se “Como Dizia o Poeta”. Veja que letra bacana:

Quem já passou por essa vida e não viveu,
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu.
Porque a vida só se dá pra quem se deu,
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu.

Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não.

Não há mal pior do que a descrença,
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão.

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair.
Pra que somar se a gente pode dividir.
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer.

Ai de quem não rasga o coração,
Esse não vai ter perdão.
Quem nunca curtiu uma paixão,
Nunca vai ter nada, não.



E viver significa fazer o que precisa ser feito para ser feliz. Seja nos amores, nos estudos, no trabalho e na família. E tu não poderá terceirizar tuas cólicas nestas áreas da vida. Elas são tuas e terá que passar por elas.
E, continuar mamando, após superar a dor, de forma generosa, intensa e gostosa, mesmo sabendo que poderá ter cólicas depois.
Se tu não mergulhar na vida não a viverá em todo seu esplendor. Pode até não vir a sofrer com as cólicas, mas também não amará, não será um bom profissional, não crescerá!
Aprenda esta dica, o foco é no leite, na gostosura da fome de viver saciada! Mesmo que venha a sofrer com isto. “Porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu...”


Na vida, para ser mais feliz, aprenda a também celebrar a Prata. (Autor Ricardo de Faria Barros)


Era dia de final do torneio de futebol Sub-10, um campeonato interescolar do qual você participava.
Estávamos muito ansiosos. Cada um por suas razões. Você por atuar no gol. Eu, por ser pai de goleiro, que só perde em aflição pra mãe de juiz, antes do VAR.
Chegamos bem cedo, umas duas horas antes, e você disse que iria treinar com os colegas.
Fiquei no carro ouvindo música, esperando mais um pouco para ir torcer, já que o jogo só começaria 19h30.
Pelas 18h30, encostou outro carro ao lado do nosso. Dele, saiu um menininho, de tua idade, mas com o padrão de outro colégio. Puxei conversa com ele, perguntando se iria jogar contra o teu time. Ao que a mãe dele, toda orgulhosa, disse que não. Que o seu filho iria disputar o terceiro lugar, na outra final.  Ahh, esclareci então que o teu jogo era a disputa do primeiro lugar.
Teu jogo começou e o resultado não nos foi favorável. Embora você tenha defendido muitas bolas, de tanto eles tentarem conseguiram fazer dois gols. E, o ataque de teu time não conseguia passar do meio do campo.
Na hora da premiação, parte dos teus amiguinhos choravam. Você estava de cabeça baixa. O técnico distribuiu as medalhas de segundo lugar para os pais presentes, e eu tive a honra de te premiar com uma delas.
Tentei te animar, mas vi que era melhor te deixar quieto, na tua sofrência.
Por uma das coincidências da vida, ao retornarmos para nosso carro ao nosso lado também retornava o menininho do estacionamento e sua mãe. Vi que no peito dele estava a medalha de terceiro lugar. Cumprimentei ele, ao que fui correspondido com um sorrisão do mesmo, que era todo alegria. Nem me fale da mãe dele, que não se cabia em tanto orgulho.
Voltamos silenciosos. Então, te perguntei qual dos dois times venceu mais partidas durante o campeonato. Se o teu, ou o dele.  Tu fez as contas e chegou a conclusão que ambos. Só que em momentos diferentes.  As vitórias do teu time, o percurso que trilhou, permitiu chegar ao 2 lugar. A do outro time, permitiu chegar ao terceiro lugar.
Mas, parece que o time que consegue a medalha de bronze vibra mais do que o que perde a de ouro.
Não é?
No de bronze, fica o sabor da vitória. E valorizam ter chegado ao pódio.
No de prata, fica o desgosto da derrota. E desprezam ter chegado ao pódio.
Esta metáfora vale pra nossa vida. Temos esta característica também, de desvalorizar os feitos ao longo da jornada.  Assim como tu esqueceu todas as vitórias que te levaram chegar ao segundo lugar, também esquecemos as nossas.
Basta que algo de ruim nos ocorra, num fechamento de um ciclo, numa transição, que pegamos aquela cena e a extrapolamos para todo o conjunto de nosso viver. Ampliando, ecoando e reverberando a intensidade daquele sofrer.
Vamos dizer que em tua carreira você progrediu em 10 anos por cinco níveis, sendo três neles na carreira técnica e dois na carreira gerencial. Aí, tu vai participar de uma seleção para o próximo nível da carreira gerencial, e não passa na entrevista.
Aí tu passa um tempão de tua vida com esta mágoa remoendo teu viver. Tu fica ruminando a seleção que não passou. Esquecendo as vitórias que já teve e o lugar que já chegou.
Do mesmo jeito que tu ficou em relação ao segundo lugar. Esquecendo que o segundo lugar é melhor que o terceiro.
Se tu pode aprender algo é esta lição. Nada na vida é para sempre. Nem a alegria, nem a tristeza.
A vida não pode ser medida como quem mede uma safra de inverno. A vida precisa ser avaliada numa perspectiva temporal maior, e sempre em referência social, para poder ser contextualizada.
É preciso intervir no processamento cerebral, modulado para sintonizar no negativo, sempre que algo de ruim ocorrer que possa querer tirar o brilho da jornada até então percorrida. Focando com força na cena atual que não é boa, que causa desprazer, mas perdendo de vista as anteriores, que num somatório causam tanto orgulho em teu existir.
Isto é arte. Exige treino. Nessa sociedade somos treinados para sermos os melhores, maiores e mais fortes. Uma sociedade que diz que o segundo lugar é do primeiro perdedor. Uma sociedade que não perdoa o fracasso, e que vive querendo nos iludir com promessas de prosperidade a todo custo, com frases ditas desde a infância:  
“Você é o mais demais de todos...”
“Você merece tudo!”
“A natureza conspira para você, é só mentalizar.”
“Você é o cara e logo vai arrebentar!”
Filho, você não é demais de todos. Não merece tudo Não adianta mentalizar, não funciona assim, precisa se esforçar. E nem vai arrebentar logo, e talvez nunca.
Mas, mesmo assim, pode encontrar a paz, o sentido na vida, se sentir bem em ser quem é, sem precisar viver personagens para ser aceito.
Verá que nem todos ganham, e que perder faz parte do processo de aprendizado. E, que muitas vezes, aquilo que almejava tanto, talvez não tivesse sido tão bom para ti.
A vida vai nos ensinando isto,  pouco a pouco, mas é preciso estar na frequência certa, para aprender isto.
É preciso aprender a carregar menos fardos. Deixar de perseguir um estilo de vida insustentável, cheio de ambição, inveja e cobiça.
O preço disso é a nossa saúde emocional. E é um preço caríssimo.
Então, da próxima vez que ganhar uma medalha de prata, valorize-a. 
Lembre-se que do ponto de vista do pódio, ela está mais no alto do que a de Bronze!

Para quem já se sentiu como um bolo que queimou. (Autor Ricardo de Faria Barros)


Era um dia de aula especial para a Milena, lá no IBMEC-DF.
Ocorre que o professor autorizara que naquela noite os alunos poderiam levar seus amigos, para junto com eles refletir sobre o papel do Bem Estar Subjetivo Positivo, uma das mais importantes descobertas da psicologia positiva.

Os alunos, Milena e Jean, convidaram seus pais.
Milena, depois de um dia super atarefada no trabalho, e umas duas horas antes da aula, teve a ideia de preparar uma de suas especiarias culinárias, para fazer um mimo pra turma, levando um delicioso bolo.
Mas, era muita coisa pra Milena pensar. Banho, unhas, cabelo e o bolo.
E, de tanto pensar, eis que enquanto toma banho um odor de bolo queimado invade o chuveiro.
Jean, seu irmão, grita: 

- Milena, o bolo tá queimando, acuda!

Ela, sai do banho correndo, pingando água por toda a casa, desliga o forno, e olha desolada para o que sobrou do bolo, totalmente esturricado.
Sentada na cozinha, desconsolada, não sabia como reagir a tamanho infortúnio, que quebrou suas expectativas de mimar a turma com um de seus quitutes.
Jean, sai de perto. Deixa a irmã viver seu próprio luto. E até pensa em passar numa padaria.
Mas, não seria a mesma coisa. Não era o bolo da mana.
Milena, levantou a cabeça, e lembrou-se da aula anterior, de Capital Psicológico, na qual um dos temas foi a Resiliência Sábia. Que é a capacidade de se adaptar à determinada situação, meio que dar um passo para atrás, avaliar a situação, aprender com ela, e saltar à frente.
Saindo da posição de vítima das circunstâncias. Saindo da posição de esperar respostas da vida, e, no lugar, oferecer respostas à ela.

E foi o que a Milena fez.

Ela tirou o bolo do forno. Avaliou os estragos. E percebeu que talvez o recheio tivesse escapado do fogaréu.
Então, raspou uns 10 cm da crosta queimada, e percebeu que o seu interior ainda estava perfeito, sem ter passado do ponto e com uma aparência deliciosa.

E, convenhamos, o bom do bolo é o recheio, não é?

Aí, ela pegou uma lata de Leite Moça, que era como eu a chamava antigamente, misturou com flocos de coco, e criou uma nova cobertura.
Ao chegarem na aula, ela e seu mano, sorriram pra mim e disseram: “Professor, trouxemos um bolo e os nossos pais como convidados.”
A ideia era que os convidados fossem recebidos com uma espécie de lanchinho de boas-vindas.
Aí, ela toda feliz foi logo me dando uma fatia de seu bolo.
Confesso que hesitei, por alguns segundos. Desde pequeno não como doce. Não porque meus pais não me deram. Mas, algo em mim não sente muito prazer em doces.
Mas, como não comer o bolo da Milena? Peguei minha fatia, deixei em cima da mesa, e disse que abriria uma exceção pelo gesto tão bonito dela, o de fazer um bolo para nós.
Comi e estava delicioso, molinho, suculento, com um sabor de carinho.

Aí, no meio da aula, ela compartilhou a história daquele bolo. E ficou melhor ainda. Agora, com o contexto, não era qualquer bolo. Era o bolo da redenção, quase uma fênix.
Um bolo com sabor dos que se reinventam, após as dores, sofreres, decepções e lutos.
Um bolo que se chama Resiliência.
Um bolo que nos representa.
Então, se você que me lê está passando por um momento difícil em teu viver.
Se acha que teus sonhos e projetos de vida mais especiais queimaram, enquanto tomava banho.
Faça como a Milena.
Raspe a parte queimada, mergulhe no fundo de si mesmo (a), e veja o quanto de coisas boas ainda lhe resta, lá no recheio de teu viver, naquele lugar onde as coisas realmente importam.
O resto e a casca são aparências.
Tem um monte de coisas boas no recheio de tua vida. Bote por cima delas um pouco de Leite de Moça, e tá feito novamente a beleza de teu degustar da vida e do viver.
Se ficarmos focando na parte queimada, acharemos que não tem saída. Que acabou. Que não tem mais jeito.
Se olharmos para nossa força interior, para nossa essência, encontraremos lá dentro a coragem de recomeçar, de nos reinventar, de nos transformar em algo melhor ainda, do que o antigo bolo, caso não tivesse sido tostado.
Porque agora temos o sabor de quem joga o jogo da vida, e quem joga o jogo da vida se sente vulnerável, muitas das vezes.
Se sente perdido, desencantado, desanimado. Mas, são sentimentos volúveis. Que se dissolvem tão rápidos quanto à corrida do chuveiro da Milena, para desligar o forno.

Porque os que encaram a vida com bravura não tem tempo, nem disposição, para ficarem chorando o leite derramado, à beira do caminho. Eles são daqueles que se levantam e voltam pra casa, embora tristes, mas cheios de esperança, que num amanhã possível as vacas darão leite novamente, e que ele não mais deixará o vasilhame cair.
Bora gente, vamos tratar de raspar a parte do bolo da vida que queimou. Tratar de arrumar uma nova cobertura. Acredite, teu recheio continua bacana!
Obrigado Milena, a aula foi você!

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