Longevidade Saudável e Amorosa (Por Ricardo de Faria Barros.)

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Muito dos valores de uma sociedade se refletem no seu comportamento numa fila.
Recentemente, observei pelo menos três deles. Tomando um café, bem próximo de um dos portões de embarque, pude contemplar de forma privilegiada parte da miséria humana que se revela numa fila.  Naquela sala de embarque havia quatro filas. Os sem bagagem de mão, os com bagagem, os com assentos das filas de 1 a 5, e os Preferenciais.

Observei os que entravam na menor das filas, aquela destinada a quem tinha comprado bilhetes para o setor vip daquela empresa de aviação (as de 1 a 5).
São poltronas nas quais qual podemos apanhar algo que caiu à nossa frente, ao nos curvar para tal.  Nas outras não dá, pois que nelas viramos sardinhas, e sardinhas não se curvam.
Muitos entravam naquela fila dando uma de espertos, já que não estavam nas poltronas das fileiras de 1 a 5, e quando passavam pela conferente, olhavam pra nós – os que estávamos na imensa fila dos sem-bagagens, com olhos vitória.
Um ou outro era barrado, pela outra conferente mais exigente, e voltava vociferando coisas, e olhando para nós com raiva. Como se os que na fila certa estavam, fossem seus inimigos, já que ele teria que ir lá para o fundo da fila.

O segundo comportamento, era o dos que insistiam em ficar com suas bagagens, na fila dos Sem Bagagem, já que era a terceira menor. Eles davam uma do famoso: “se colou, colou”, e ficavam ali, desconsiderando os avisos sonoros de despacharem antecipadamente suas bagagens, ou para se colocarem nas filas devidas.
Então, muitos acabavam passando pela triagem do embarque, mesmo estando fora de conformidade. O que irritava aqueles que estavam certos e aguardavam sua vez. E, assim como no exemplo anterior, eles saiam com um sorriso maroto no rosto, daquele de quem se acha superior aos outro, e de quem quer levar vantagem em tudo, independente dos meios que se utilize.

Mas, é o terceiro comportamento o que me causou muita estranheza. Os acima me causaram revolta e preocupações éticas.

Ele ocorreu na fila preferencial. Ali têm pessoas enfrentando doenças crônicas, pessoas com mobilidade reduzida, dificuldades visuais, gestantes, pessoas com autismo, têm crianças de colo, e seus responsáveis, e têm aqueles com mais de 80 anos.

Eis que chega bem próximo da ponta da fila Preferencial, um senhor de cabelos bem branquinhos, aparentando ser da geração dos idosos saradões.   
Aí faz uma avaliação do tamanho da fila Preferencial e segue decidido para o início dela.  
De porte altivo, todo empinado, durinho, bem vestido com roupa de roupa de quem cultua o corpo, ele se esgueira na frente, empurrado uma mãe com uma criança.
Aí o resto da fila protesta, e ele diz que é prioritário por lei, e que tem 80 anos.
Os protestos continuam, já que não existe a fila dos prioritários dos prioritários.
E, se acaso existisse, ela deveria ser dos doentes.
Todos vão se calando, ficando resignados, e o embarque começa.
E aquele ancião segue todo confiante pelo corredor adentro. Certo de que fez cumprir seu “direito”, ao dar uma carteirada de RG. Imagino-lhe chegando em casa e contando isto, todo orgulhoso, aos filhos e netos. Tadinho dele. Pois que está totalmente errado.
E não sabe o contra-exemplo que estará dando ao seu clã.
Não!
Mas, não acho que ele ficou assim por ser idoso. Acho que ele é o mesmo que um dia tentou entrar na fila dos Vips, ou que com mala de rodinha ficou na fila dos sem bagagem, e sem querer despachá-la antes, por mais que a moça anunciasse este benefício para agilizar o embarque.
Precisamos cuidar da nossa cuidar da salubridade social, comportamental e emocional de nossa jornada por esta vida. Caso contrário, ficaremos emocionalmente insustentáveis.
Pessoas que degradam o ambiente com a presença delas.
Outro dia li um artigo sobre os malefícios que um coração rabugento, cheio de murmuração e mágoas encardidas causam vários problemas ao sistema cardio-vascular.
E estes estados de humor na sua versão críticas são gatilhos pra o Desamparo Apendido, e este para a depressão.
Pesquisadores identificaram que os riscos de adoecimento do sistema cardio-vascular-respiratório são superiores ao tabagismo.
Será que também existe um risco para quem convive com esta pessoa de forma intensa e permanente, tal qual o risco dos fumantes passivos?
Creio que sim.

Quero envelhecer tendo muito cuidado para não me tornar um chato, um arrogante sabe-tudo, uma daquelas pessoas cheias de conselhos, na ponta da língua, e que se acham no direito de se meterem na vida de todo mundo.

Quero não!

Quero manter a cabeça boa, sem usar os anos de vida como carteirada pra ninguém. Nem pra furar a fila, nem pra bancar o sábio, desqualificando as vivências dos mais jovens.
Quero ser um velho cheio do sabor da juventude.
De bem com a vida, sem ficar empunhando minha verdade pra ninguém.
Quero continuar a desenvolver uma visão poética da vida e do viver.
Mesmo que possam me ter como tolo.
Quero continuar a acreditar na força do amor, na bondade, na solidariedade, nas coisas que nos elevam a alma, como aquelas que a cultura nos traz.
Quero continuar acreditando em coisas simples como o valor do aconchego da família, como a capacidade de sair de situações difíceis, como a revolucionária crença de que o amanhã poderá ser melhor.
Não quero ser nem ácido, nem azedo. Quero ser gente boa, tal qual uma compota de doces.  

Uma pergunta que não quer calar é de que vale queimar todo que é gordura, malhar muito todos os dias, ficar saradão, se não fizer isto também no cérebro. Se não cuidar da qualidade das emoções, dos pensamentos e dos comportamentos para consigo mesmo e para com os outros.

Que meus grisalhos cabelos não me afastem deste propósito, seja pelo acúmulo de notícias não legais, que observamos na rotina dos dias, e que turvam a lucidez de nosso ser.

Seja pela indiferença ao que se tem, e aonde já se chegou, fruto do costume de viver, que amansa e dopa a visão sobre nós mesmos, sobre os outros e acerca da realidade, contaminando-nos com o mais letal dos vírus, chamado de IAV, a Indiferença ao Assombro de Viver.

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