Balões ao Vento: Sobre a Vida que Permanece


O céu de Brasília tinha um tom de azul profundo, quase infinito, como se quisesse abraçar o Campo da Esperança em um gesto silencioso de conforto. A brisa vespertina sussurrava entre os galhos das árvores, espalhando pétalas que teimavam em florescer, mesmo em meio à tristeza. Era como se as flores soubessem que a despedida não era o fim, mas um recomeço. Lágrimas discretas escorriam pelos rostos, silenciosas, mas intensas, irrigando os canteiros de brevidades. Naquele campo sagrado, a eternidade parecia tocar o chão com delicadeza, enquanto o vento balançava suavemente os balões brancos que se preparavam para subir.

No Campo da Esperança, cada adeus era um sopro de saudade, e o vento se encarregava de levar as preces, os pensamentos e os gestos de carinho até onde nossos olhos não alcançam. Os balões, leves e flutuantes, carregavam consigo mais do que apenas ar: levavam histórias, sorrisos, abraços e toda a imensidão que Ronaldo deixava para trás. Não era apenas um ritual; era uma celebração da vida que permanece, mesmo após o último suspiro. Vida que se perpetua em legado, em afeto, em lembrança.

Sabe, Ronaldo, eu nunca tinha pensado em balões brancos como símbolos de despedida. Para mim, eles sempre foram sinônimo de festa: aniversários, formaturas, batizados, casamentos. Mas, naquele dia do seu adeus, eles ganharam um novo significado. Balões ao vento, subindo aos céus, também podem ser celebração da vida – da vida que não morre, da vida que deixa um legado e permanece conosco. E a sua é uma dessas vidas que não se apagarão.


Os balões brancos no céu celebravam sua entrega para a mãe-vida, em um estado de evolução contínua. Você evoluiu até o último minuto, Ronaldo. E só fez o bem. Agora, nos deixa um vazio imenso, pois sua presença transbordava alegria e fazia tanto bem a todos nós. Mas, olhando para o alto, eu tenho certeza de que você estará lá, entre as nuvens, sorridente, esperando um dia nos reencontrarmos.

Fiquei muito comovido com as inúmeras mensagens que seus colegas de trabalho compartilharam. Às vezes pensamos que o mundo corporativo é frio, impessoal, especialmente no relacionamento com os gestores. Mas você, Ronaldo, provou que pode ser diferente. Gerente de TI na ANABB, você mostrou que é possível liderar sem ser autoritário, sem ser truculento, sem perder a ternura. Na sua área, sempre tão exigida e cobrada, você conseguia manter a leveza. Sua presença zen e seu sorriso acolhiam a todos, quebrando o estereótipo do gestor distante e insensível.

Você, Ronaldo, era uma estrela rara no céu corporativo. Enquanto muitos profissionais antigos se tornam ranzinzas e descrentes, você permaneceu doce e amigo de todos. Em um curso de Psicologia Positiva que fizemos juntos, lembro como você participou com entusiasmo, provando que o coração também cabe na TI. Seu exemplo foi um alento para os colegas, mostrando que ser líder é, antes de tudo, acolher e incentivar.

Perto de você, todos ficávamos melhores. Sua casa, especialmente na época de São João, era um porto seguro de acolhimento e alegria. Você fazia questão de reunir pessoas, compartilhar histórias e fortalecer amizades. Até no ambiente de trabalho, sua capacidade de encantar e agregar pessoas fazia toda a diferença.

Eu queria balões no meu velório também, mesmo que seja depois da fogueira, mas não sei se merecerei tanto carinho. Hoje, aposentado, não tenho mais tantos colegas por perto como você tinha. Ainda me lembro da foto no Libanus, no encerramento do treinamento da ANABB em Psicologia Positiva. Naquele dia, planejamos tantas coisas juntos. Mas, pouco depois, veio a pandemia e o mundo entrou em compasso de espera.


Ronaldo, meu amigo, obrigado por tudo que você nos ensinou. Sua falta será sentida por aqui. Mas o legado que deixou sempre será inspiração. E, por favor, mande lembranças ao Papa Francisco, ao Mujica Pepe e ao Divaldo Franco. Agora vocês já podem jogar um carteado, porque formaram-se as duplas.

E quem disse que só existem poucos Ronaldos? Talvez a lição que ele nos deixa é justamente essa: cada um de nós pode ser um Ronaldo, doando paz, amizade e respeito por onde passar. Podemos ser aquele sorriso acolhedor, aquele abraço que conforta, a palavra que incentiva. A vida é curta demais para ser pequena, e Ronaldo nos provou isso. Que possamos inflar nossos balões da generosidade, soltar ao vento as amarras da indiferença e celebrar a vida, todos os dias, com a grandeza de quem sabe que amar é o verdadeiro legado. Até um dia, amigo.

Que o reencontro seja tão leve quanto os balões que te levaram, Ronaldo. Que o vento nos traga o sopro da tua paz, e que um dia possamos celebrar, juntos, o grande abraço que a eternidade promete.

E aqui, no Campo da Esperança, o canteiro de brevidades, irrigado pelas lágrimas, faz nascer frutos de amorosidades, que fortalecem a jornada dos que por aqui ficaram.

"A morte não é nada. Apenas passei para o outro lado do caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, continuarei sendo. Me deem o nome que sempre me deram, falem comigo como sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador." Santo Agostinho

O Vigilante da Esperança e as Goteiras da Capela Sistina


Tem uma telha fora do lugar, e um pássaro alado, no telhado da Capela Sistina.

Na majestosa Capela Sistina, onde as obras de Michelangelo dançam sob o olhar atento dos fiéis e curiosos, uma goteira solene nos recorda a fragilidade das estruturas, tanto físicas quanto emocionais. Uma telha, solapada pelo vento, escorregou de seu lugar, permitindo que a água se infiltrasse, uma metáfora perfeita para as fissuras que surgem em nossos próprios sentimentos e pensamentos.

Perto da chaminé, um pássaro, incansável em sua vigília, parece ser um guardião da esperança. Ele pousa ali, como se soubesse que mesmo o mais belo dos templos pode enfrentar a erosão do tempo e das tempestades da vida. Sua presença nos lembra que, assim como as telhas, nossas emoções também precisam de manutenção. Não podemos permitir que as dificuldades nos tornem aborrecidos, rabugentos ou negativos. Precisamos, ao contrário, aprender com as pancadas que a vida nos proporciona.

Este pássaro, em seu voo gracioso, nos ensina a poetizar nossa existência, a olhar para a fragilidade humana com compaixão e misericórdia. É um lembrete de que não temos controle sobre tudo; os ventos da vida podem, a qualquer momento, deslocar nossas telhas emocionais. Assim, é imperativo que façamos revisões periódicas de quem somos. O autoconhecimento é a chave que nos permite evoluir e tapar as goteiras que ameaçam nosso bem-estar.

Por mais admirável que seja a versão de nós mesmos que apresentamos ao mundo, sempre há espaço para melhorias. Às vezes, é preciso que um olhar externo, um feedback amoroso, nos aponte as falhas que não conseguimos enxergar. Como é bom avisar ao Vaticano, por exemplo, que ali vem água, prestes a danificar o madeiramento do telhado. Esse gesto de cuidado é um ato de amor, tanto para com a estrutura física quanto para com nós mesmos.

A vida exige que não parem os aprimoramentos. Assim como um monumento grandioso, que requer atenção constante para preservar sua integridade, nossa essência também demanda carinho e revisão. Precisamos nos permitir olhar para dentro, aceitar a fragilidade e, a partir dela, construir um ser mais forte e resiliente. A cada goteira consertada, a cada telha realocada, encontramos um novo sentido, uma nova esperança.

Portanto, que possamos sempre lembrar do pássaro na chaminé da Capela Sistina. Que ele nos inspire a sermos guardiões da nossa própria esperança, a não temer as goteiras que aparecem em nossa jornada e a buscar sempre a beleza na fragilidade. Pois, a vida é uma obra de arte em constante construção, e o verdadeiro milagre está na nossa capacidade de renovação e crescimento.

Quando olhamos para um telhado antigo, a goteira que insiste em escorrer pelos cantos desgastados é um convite à revisão. Não é apenas um incômodo ou um problema a ser ignorado; é um sinal claro de que algo precisa de atenção, de reparo, de cuidado. As goteiras nos dizem que, por mais sólida que seja a estrutura, o tempo e as intempéries deixam suas marcas, revelando fragilidades. E, ironicamente, é por meio dessas fragilidades que enxergamos onde podemos melhorar.

Assim também acontece com as nossas vidas. As falhas que experimentamos — aquelas quedas inesperadas, os tropeços e os erros cometidos — são como goteiras em nossa estrutura emocional e cognitiva. Elas nos mostram onde existem vazamentos de autoconfiança, onde há rachaduras em nossa resiliência, onde a madeira do nosso caráter precisa de reforço. Ignorar essas falhas seria como tapar uma goteira com um pano: temporário e ilusório. Mas quando decidimos encará-las, entendê-las e, principalmente, aceitá-las como parte do nosso processo de evolução, abrimos caminho para o crescimento genuíno.

A aceitação das falhas é um ato de coragem. É reconhecer que, por mais que nos esforcemos, sempre haverá ajustes a serem feitos. Porém, esse reconhecimento não deve ser um peso, mas sim um incentivo à melhoria contínua. Assim como um telhado revisado e consertado resiste melhor às próximas tempestades, um ser humano que aceita suas falhas e trabalha nelas se torna mais forte diante dos desafios da vida.

A Goteira da Capela Sistina e a Manutenção da Alma


Há uma goteira no telhado da Capela Sistina. Ali, onde pincéis de séculos atrás traçaram o dedo de Deus tocando a criação, onde os afrescos desafiam o tempo e os olhares se perdem em contemplação, uma gota insiste em cair, lenta, persistente, um sussurro de vulnerabilidade em meio à grandiosidade.

Pode parecer um detalhe, um desvio quase insignificante no esplendor daquele lugar sagrado, mas essa goteira é um lembrete profundo da nossa condição humana. Por mais belas que sejam as obras que construímos — nossas vidas, nossos sonhos, nossas relações — elas estão sempre sujeitas aos ventos que afastam as telhas, à tempestade que desafia nossas estruturas. E é nesse ponto que compreendemos: precisamos de revisões periódicas do ser.

Assim como o Vaticano precisa saber que aquela gota insiste em cair, que a água aos poucos corrói a madeira, nós também precisamos ter consciência das nossas goteiras internas. Muitas vezes, acreditamos que somos versões acabadas de nós mesmos, como se o afresco estivesse completo e intocável. Mas, dependendo do ângulo de quem nos observa, há rachaduras que não enxergamos, falhas que o tempo revelou e que precisam de reparo.

Há uma beleza silenciosa em aceitar que não damos conta de tudo, que não controlamos os ventos que movem nossas telhas. Permitir-se ao autoconhecimento é abrir o telhado da alma, deixar a luz entrar, perceber onde há umidade, onde a estrutura está frágil. É ter coragem de aceitar que, por mais imponentes que sejamos, sempre haverá um ponto vulnerável — e que isso é belo.

Quando alguém nos avisa, com amor e cuidado, que há uma goteira em nós, é um gesto de graça. Como um peregrino que avisa ao Vaticano sobre o telhado, para que a história continue intacta, para que o legado permaneça. Não é crítica, é zelo. É amor que conserta.

E assim, seguimos em manutenção constante, impermeabilizando mágoas, trocando telhas quebradas de velhos traumas, alinhando as vigas da paciência, limpando as calhas do rancor. Porque evoluir é um processo infinito de reparo, onde cada goteira revelada é a chance de nos tornarmos mais inteiros, mais humanos, mais próximos da grandiosidade que habita em nós.

Se há uma goteira, que seja um convite para subir ao telhado da própria alma. Afinal, o que está por dentro também merece ser protegido da chuva.

A metáfora da goteira é poderosa porque ela não finge que o problema não existe; pelo contrário, ela o expõe. Da mesma forma, quando nos permitimos olhar para nossos erros com compaixão e lucidez, encontramos não só a oportunidade de corrigir o que está errado, mas também a chance de evoluir em aspectos que antes estavam ocultos. Cada falha, quando acolhida, é uma porta para o aprendizado.

Portanto, que possamos enxergar as "goteiras" da nossa existência com um olhar atento e um coração aberto. Que possamos identificar essas fragilidades não como um fim, mas como um começo, um convite ao aperfeiçoamento. Porque, no fim das contas, a evolução é feita de pequenos consertos, de revisões periódicas e de uma disposição permanente para sermos melhores do que éramos ontem.

Felicidades Mal Curadas


Hoje, acordei com dores de felicidades mal-curadas. Daquelas que o tempo não levou por completo, que ficaram presas nos cantos da memória, empoeiradas, mas vivas. Não doem como feridas abertas; ardem como um frio de outono que passa pela fresta da janela, lembrando que o calor do verão já se foi.

Lembrei de tantas dessas felicidades guardadas – aquelas que vivemos com a pressa de quem acredita que haverá outras tantas, em fila, esperando para serem sentidas. Era uma época em que achávamos que a felicidade era um estado permanente, um território vasto, quase infinito. Éramos tão jovens. Imortais em nossa ingenuidade. E fomos vivendo os dias como quem bebe água, sem sede, sem pressa, sem urgência.

A mesa cheia nos almoços de domingo, os sorrisos que se misturavam ao cheiro de comida caseira, as conversas atravessadas, a risada solta que fazia doer o estômago. Não sabíamos, mas aquilo era raro. Aquilo era felicidade pura, sem filtros, sem receios, sem o peso do tempo. Não soubemos guardar. Não soubemos prestar atenção suficiente.

Achávamos que as mãos que segurávamos estariam sempre lá. Que os abraços estariam sempre disponíveis. Que os olhares seriam eternos. Não sabíamos que o tempo viria, com sua marcha lenta e implacável, para nos mostrar que a maior parte dos dias é de luta, de preocupações, de rotinas apressadas. Só depois entendemos que aquelas felicidades eram exceções; pequenos milagres diários que passamos despercebidos, achando que eram apenas mais um dia comum.

Hoje, essas felicidades mal-curadas doem. E dói porque sabemos que não voltam. Porque sentimos que poderíamos ter vivido com mais intensidade, prestado mais atenção aos detalhes, aos cheiros, às vozes. Talvez se tivéssemos dado mais valor, segurado por mais um segundo, fechado os olhos para sentir mais profundo... talvez durassem um pouco mais.

Mas é isso o que elas fazem: voltam em forma de nostalgia, latejam no peito e lembram que o que foi vivido não pode ser remediado, apenas lembrado. São dores de uma felicidade que foi inteira, mas que, por falta de entendimento, ficou mal-curada. E talvez seja isso que as mantém vivas dentro de nós. Porque o que foi bem vivido, permanece; mas o que foi mal-curado, retorna sempre para doer de novo – e para lembrar que, quando a felicidade vier outra vez, saberemos que não é corriqueira.

Mas essas felicidades mal-curadas têm um propósito. Elas são um convite à gratidão pelo que ainda podemos viver. São um lembrete de que, mesmo que o tempo tenha levado alguns dias felizes, ele ainda nos oferece novas oportunidades de abraçar o que importa. Talvez de uma forma mais discreta, mais espaçada, mas ainda assim possível.

A maturidade nos ensina a identificar essas pequenas alegrias que, em outros tempos, poderiam passar despercebidas. O café quente numa manhã fria, o abraço de um amigo que chega sem avisar, o pôr do sol que pinta o céu de dourado... são esses pequenos milagres que, quando acolhidos com gratidão, preenchem os espaços vazios deixados pelas felicidades que ficaram para trás.

As felicidades mal-curadas são professoras silenciosas, que nos ensinam a amar mais devagar, abraçar mais demorado e agradecer mais intensamente. Porque agora sabemos que o tempo passa, que o vento leva e que as memórias são o que de mais precioso nos resta. E, se não podemos mudar o que já se foi, podemos sim, escolher viver o agora com mais presença, para que, no futuro, as felicidades não sejam apenas mal-curadas, mas bem vividas e eternamente lembradas.

Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental


Amanhã, dia 3/04, fará uma semana da promulgação da lei 14.831, de 27/03/2024, que criou o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental. Infelizmente, ainda com pouca, ou nenhuma repercussão. E este é o objetivo deste post, convidá-los a ecoar esta matéria.

Que é muito salutar e que ajudará a valorizar e alicerçar práticas, programas e
políticas que já vem ocorrendo, no seio das Instituições.
Assim, conclamo vocês a debaterem esta lei, no âmbito de suas organizações, uma vez que a criação deste Certificado Federal, é algo muito positivo, e que vai induzir e reforçar ações na área de saúde mental, que anda tão sofrida e cambaleante.
 
Em qualquer que seja o relatório de tendências, do mundo do trabalho, ou de temas emergentes na área de gestão de pessoas, vai sair a preocupação com a saúde mental no trabalho, ou seus correlatos: bem-estar e qualidade de vida.
O nível de adoecimento mental está muito
alto no trabalho, e louvamos qualquer ação que fomente as práticas que reduzam
o adoecimento e que promovam a saúde são muito bem-vindas, como a criação deste
Certificado.
 
Para este caminho, o da Certificação, são propostas um conjunto de sete ações:
 
1. Implementação de programas de promoção da saúde mental no ambiente de trabalho;
2. Oferta de acesso a recursos de apoio
psicológico e psiquiátrico para seus trabalhadores;
3. Promoção da conscientização sobre a importância da saúde mental por meio da realização de campanhas e de treinamentos;
4. Promoção da conscientização direcionada à saúde mental da mulher;
5. Capacitação de lideranças;
6. Realização de treinamentos específicos que abordem temas de saúde mental de maior interesse dos trabalhadores;
7. Combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas.
 
Gosto do número sete porque ele se refere ao infinito e à plenitude. Creio que a colocação em práticas destas 7 ações ecoará na carreira e saúde de nossos trabalhadores, com impactos muito positivos.
 
Também, no documento, são propostas 6 políticas, cada uma melhor do que a outra, em termos do aperfeiçoamento das relações de trabalho:
 
a) promoção de ambiente de trabalho seguro e saudável;
b) incentivo ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional;
c) incentivo à prática de atividades físicas e de lazer;
d) incentivo à alimentação saudável;
e) incentivo à interação saudável no ambiente de trabalho;
f) incentivo à comunicação integrativa.

Mas, cada Instituição poderá ir além do ali proposto, e investir na revisão de seus processos de trabalho e gestão, prevenindo o adoecimento mental e fomentando a saúde no espaço laboral.

Nós da Ânimo Desenvolvimetno Humano, temos trilhas de desenvolvimento que poderão ajudar na capacitação e formação nesta temática. Veja no link:
https://lnkd.in/duEvUqth

#saudemental

A Generosidade da Marcela

 


Enquanto dirigia para a roça, os pensamentos faziam caracóis em minha alma, do tipo cinzentos e sem vigor.

Eu fazia contas do que ainda precisava investir, para que a construção se desse por acabada.  Lembrei de uma frase de meu pai: “obra nunca acaba”. E ele estava certo, uma coisa vai puxando a outra, vamos nos empolgando, e o saldo bancário vai ficando raquítico.

Entrando na BR 060, sentido Brasília-Goiânia, vejo um belo arco-íris à minha frente. Daqueles de tirar o fôlego de tão belo. Como o trânsito estava carregado, e chovia, pude ir contemplando aquele presente de Deus por um bom tempo. Senti o calor de generosidade vindo da natureza e aquecendo meu ser.

Os pensamentos cinzentos foram se dissipando, e uma tênue luz em minha alma acendeu. Suficiente para direcionar meus pensamentos para as coisas boas e belas da vida, guardando por hora, numa gavetinha de preocupações, a questão da obra.

Já fazia planos de olha r perua que tava chocando uma ninhada. De averiguar se as pitayas tinhas segurado, após a floração, e se o machucado no vira-lata Pirata, fruto de uma briga com o labrador Nino, tinha sarado.

Entrando em Santo Antônio do Descoberto-GO, paro numa padaria de esquina, que é um de meus points de café madrugueiro, em direção à chácara.

Peço dois pães na chapa, e com ovo, e pra viagem. Pois que gosto de tomar café com o Júnior, o caseiro, quando chego por lá.

E um café pra tomar ali mesmo, enquanto espero os pães ficarem prontos.

Eis que me aborda um senhor com a sua filha de uns 13 anos. Ele tinha um capacete numa das mãos, na outra segurava sua filha, que estava com fardamento infantil. Ele me pergunta se eu estou de carro e se eu poderia leva-lo com a filha no Colégio, pois que a moto dele arriou a bateria, e não pegava de jeito algum, na saída da padaria.

Falei que lógico que sim, e pedi que a moça me desse a conta, para eu adiantar o pagamento para não os atrasar mais ainda.

Tudo resolvido me aproximo deles e chamo para a carona. Aí ele me mostra que está com uma chave de um carro. E que levará a filha na escola e voltará pra entregar o carro, e resolver a moto. E que é o carro da atendente que nos servia, que ouviu a história dele, e que se compadeceu, emprestando generosamente o carro dela.

Ele partiu com a filhota e eu não conseguia partir.

Fiquei um bom tempo dentro de meu carro, degustando aquela cena que acabara de testemunhar. De imensa generosidade para com o próximo.

No outro dia, parando novamente, eu a abordei e perguntei-lhe o seu nome. Ela se chama Marcela. E eu reconheci o gesto dela de emprestar o carro, ao que ela me respondeu, com humildade e um sorriso discreto, “Não foi nada não, ele é um cliente daqui...”

Fiquei me perguntando em quantos estabelecimentos que sou cliente, se eu precisasse de um carro, qual atendente, ou proprietário, me cederia seu veículo.

Não, Marcela!

O que tu fizeste foi muito mais do que um “foi nada não”.

Tu foste generosa sem medir as consequências de teu ato. Sem fazer uma análise de riscos. Sem temer algo que pudesse ocorrer no caminho, e te prejudicar.

Apenas tu agiste. Seguindo o arco-íris de teu coração, tu transformaste o dia daquele pai e filha. E tornou o mundo melhor com a tua presença.

Precisamos de Marcelas no mundo. Precisamos Marcelar a vida vez por outra, e tornar a ser bom, generoso e gentil. Fazer algo que surpreenda alguém, sem antever algum lucro, ou vantagem com o gesto. Só pela simples alegria de servir.

Estamos ficando tão apegados ao material, cheios de individualidades, que abrir em nossas agendas pessoais espaço para generosidade vai rareando.

E precisamos dela. A coletividade precisa de generosidades. Eu preciso. Tu precisas.

Quem recebe algo de forma generosa fica mais forte para enfrentar as dificuldades da vida. Que faz um ato generoso melhora a fluidez emocional positiva, fica mais são, mentalmente falando

E se estabelece uma corrente do bem. Quem recebe generosidade quer doar generosidade. E todos vão ganhando.

Num sistema no qual as pessoas vão sendo confundidas com objetos de produção, é revolucionário dizer não, e ousar semear generosidades vadias, pelo nosso caminhar. É um ato de coragem, neste mundo tão egoísta, ser generoso e partilhar. 

Sofia, vamos ver o sol nascer! (Por Ricardo de Faria Barros)

 


Sentei-me na varanda da casa de meus pais, contemplando os belos tons de um pôr do sol. Contudo, nada obstante a paz do entardecer, tudo naquele instante me soava um tanto estranho. Como se fora uma primeira vez.

É que a nossa casa, outrora tão barulhenta, e com uma profusão de familiares e amigos que a frequentavam, agora fazia reverência ao silêncio.

A vizinhança também contribuía, com lacunas de sons que falam, ou que faltam, presentes na partitura do tempo, de um tempo que sabe compor saudades, inclusive daquilo que não chegamos a ser.

Em cada recanto daquele terraço, havia um pedaço de papai, ouvindo nossas histórias. De Guia, chegando de um mandado, e sempre a sorrir; e de Celina, convidando-nos para irmos logo para a cozinha, jantar. Ao que fingia que ficava brava, quando pedíamos só mais um tira-gosto. E não tem mais a Mel, a se enroscar em nossas pernas, pedindo um carinho, um dengo.

No infinito, badalavam os acordes do sino do Mosteiro das Clarissas, celebrando as 18h, e irrompendo os sons do silêncio com aquela melodia afetiva: “bem, bem, bem, bem, bem, bem!

A luz do poste se acendeu, como quem quer acordar os interiores de alma, para que iluminadas possam acolher, com serenidade, o fluxo do rio de suas histórias.

Mirei os olhos na mureta, de acesso da calçada para a varanda, e lembrei-me de que meus filhos nelas se sentavam, e sobre aquele gramado brincavam.

Quantas fotos registrei deles ali, naquele cantinho de tanta harmonia!

Na sala de visitas, mamãe adentra, falando alto ao celular.

Ela proseava com a tia Darcy, que mora em SP.

Logo depois, mamãe adentrou à varanda, para contar-me as novidades da tia. E a maior delas era que tia Darcy tinha encontrado uma carta de vovó, escrita para ela há muito tenpo, e que a carta era muito significativa e cheia de bons afetos. 

Quis o mistério do tempo que aquela carta ficasse perdida, em meio a importantes documentos, daqueles que sempre carregamos conosco, tipo escrituras e assemelhados, e que ao revirá-los ela foi encontrada.

Foi como se minha tia recebesse um afago do tempo, ao ter acesso à tão precioso registro, que em condições normais, crise à crise, mudança à mudança, migração à migração, teria sido extraviado. Como tantos que um dia guardamos, um dia esquecemos, um dia perdemos...

Lembrei do que falei pra minha neta, a Sofia (1 ano), sobre o nascer do sol que ela estava vendo.

“Sofia, quer você queira, quer não queira, ele irá nascer. E no final do dia ele vai se recolher, dando espaço para que a noite comece o seu próprio acontecer. Então, neta amada, aproveite o dia, pois ele passará”.

Acho que ela não entendeu muita coisa. Mas, foi mais ou menos assim que falei pra ela.

O que eu quis dizer é que a vida segue sua jornada. O sol nasce, se põe... e mais um dia nos ocorreu.

O que vai de fato diferenciar, um dia do outro, um nascer-pôr do sol, não são as condições climáticas. Mas, o que naquele dia fizemos para eternizá-lo.

Como a carta da vovó para Tia Darcy.

Como o carinho de minha mãe ao caprichar, numa de minhas jantas, com um bode com farinha, mesmo que a Fátima dissesse a ela que não sabia preparar bode. E ficou divino.

Como meu tio Ednaldo, ajudando a tia Cléo a preparar uma Traíra, com o que ele sabia fazer, que era martelar o dorso do peixe para cortá-lo em postas.

Como a Celina que nos espera amanhã em Alcantil, para um dedo de prosa e um almoço daqueles...

Como a Guia que aceitou ficar com a nossa querida Mel, uma cachorrinha dócil e amiga.

Percebem que são nossas pequenas atitudes, ao longo de um dia, o que vai dando sentido à vida, e com o qual ela vai sendo preenchida, e nas esquinas do futuro será lembrada?

E, por falar em sol, a única coisa que diferenciará um dia do outro, na composição das melodias de nosso viver, e o que faremos com o nosso sol interior.

A quem iluminaremos, com a nossa presença no mundo, com gestos e atitudes concretas?

Por quem nos deixaremos ser iluminados, aquelas pessoas que nos fazem sentir parte de uma Constelação quando estão em nosso convívio?

A quem aqueceremos com amor, ternura, respeito, paz e compreensão?

Quem deixaremos que nos aqueça, tirando-nos do útero da solidão?

Não é apenas um bolo. É redenção, superação, reinvenção... (Por Ricardo de Faria Barros)




Entrei na cozinha da Girlane e ela estava animada. Dançando ao som dos Aviões do Forró, enquanto mexia algo no fogão.
Cheguei mais de perto e vi que eram bananas, que eram fritas na manteiga, e em seguida polvilhadas com canela.
E aquele cheiro gostoso enebriava o ar daquela cozinha. Que junto à música e à alegria genuína da Girlane, criavam uma atmosfera de acolhimento e paz. Adoro cozinhas. Creio que elas são a morada do afeto, lugar de encontros, diálogos e de muita amorosidade. Quando alguém te chamar para a cozinha da casa, pode ter certeza de que tu és especial para esta pessoa.
Voltando à animação era que era que tinham aparecido mais dois pedidos de bolos de banana, um para as 17h, e outro para as 19h, numa semana em que as vendas estavam fraquíssimas. E que as bananas, previamente compradas da Marcilene, iriam estragar sem serem usadas.
Salivando, lembrei-me do meu primeiro bolo que comi, vindo da Girlane Bolos. Foi um presente que meu filho mandou pra minha mãe, no Dia das Mães. E eu estava em Campina Grande-PB, com minha mãe, e pude saborear aquele manjar, ao lado dela.
Tem preço isso?
Não sou muito de comer doce, mas aquele bolo me conquistou. Na verdade, aquilo lá não é um bolo, é uma torta de banana que junto ao leite moça, farinha de trigo, ovos e outros produtos (que ela não revela nem a pau) a tornam uma iguaria. Daquelas de se comer ajoelhado, agradecendo a Deus.
Na cozinha, a dancinha de forró continuava, e tome bananas na frigideira! Cada torta leva uma “palma” de bananas, algo em torno de 12 bananas. E, após botar montar as bananas na forma, junto com os demais ingredientes, numa montagem que por si só daria uma crônica, ela o coloca no forno, para em 30 minutos ficar pronta.

Voltando para onde eu estava, de seus olhos saem orvalhos marejados. Que ela tenta disfarçar.
Pergunto-lhe o que ocorre, por que ela está emocionada?
Aí ela me conta que eram lágrimas de felicidade, porque aquele bolo-torta de banana era sua redenção. Era sinal de esperança em sua vida e da bondade de Deus.
Como adoro uma história, fui fuçando para saber um pouco mais.
Não sei você, que me lê, mas eu adoro uma memória afetiva de alguma comida. Adoro saber sua história e o que está por trás da vida de quem a produz.
Não sem razão meus olhos brilharam no Globo Rural de hoje, dia 16/10/2022, ao ver a história dos produtores do queijo da Canastra, uma região de Minas Gerais.

Girlane me contou que quando se separou, em 2020, ela perdeu tudo que tinha, pois que foi uma separação litigiosa, e como ela trabalhava para o ex-marido, além de ficar desempregada, ainda ficou com os bens, objeto da partilha, bloqueados para venda, pois que estão, ainda hoje, sub judicie. Aguardando a decisão judicial.
Então, de um dia pra outro, ela se viu sem eira e nem beira, como dizemos por aqui no Centro-Oeste. Ou seja, falida e mal paga! E com uma filha pra alimentar e criar, além dela mesma.
Aí teve a ideia, estimulada pela filha Mariana, de fazer uma receita de bolo-torta de banana que recebeu da professora Fátima, da escola Municipal Luiz J. Avelino, no bairro do Jeremias, em Campina Grande-PB. Girlane já houvera trabalhado lá, como Secretaria. E ela tinha guardada a receita.

Mas, e com que dinheiro compraria o material necessário para começar? As formas de bolo, a frigideira, a batedeira, e os insumos? Pois que o ex-marido rapou tudo que tinha na casa, como forma de puni-la por ter querido a separação?
Aí apareceu a anja da guarda Patrícia, uma de suas melhores amigas, aposentada do Banco Itaú, que sensibilizada pelo desfecho horrível que o divórcio tomara, a emprestou-deu R$ 500,00 reais, para pagamento um dia qualquer, num futuro distante. Sem juros nem pressa.
Fico aqui marejando a alma com este gesto da amiga Patrícia. Que não a deixou só, naquele momento tão difícil, que só quem já se separou sabe de onde falo.
Patrícia teve muita sororidade, que é a empatia entre mulheres.
Então, com aqueles recursos ela foi no Atacadão fazer as compras dos recursos que seriam necessários.
Mariana, sua filhota, que à época tinha 23 anos, foi a maior incentivadora. Não deixou a mãe ficar desanimada, nenhum minuto sequer. Não soltou a mão da mãe.
E, naquele início de 2020 ela começou a produzir e vender os bolos. Um negócio impulsionado no Instagram (@girlaneboloss) pela filhota Mariana, e pela rede de amigos de ambas.
Contou-me que cada bolo vendido era direcionado para custear as despesas de seu lar: água, luz, ração para cachorros, material de limpeza e alimentação. Até que aparecesse uma outra remuneração, aqueles bolos foram os bolos da salvação. Como se diz no Nordeste, aqueles bolos foram “a safra de umbu”. Que quando chega salva o produtor rural que vem de meses numa seca, e agora na beira das estradas vende os umbus e consegue sobreviver mais uns meses.
A procura de um emprego formal seguia desesperada. Era início de 2020, e nada aparecia. E, o pior, chega à pandemia, e adeus aparecerem vagas de empregos formais no Brasil. Então, sua única fonte de renda passou a ser a venda dos bolos, e que sem eles tudo teria sido muito mais difícil.
O despertador apita os 30 minutos. Ela retira do forno o primeiro bolo-torta e começa o trabalho de desenformá-lo. Fico ansioso, temendo que aquilo lá se desmonte. Mas, com um jeitinho que só ela tem, o bolo-torta cai sobre a plataforma da embalagem, sem se despedaçar. E aí é que o cheiro fica bom mesmo. E aquela obra de arte fica convidativa ao prazer do degustar.
Girlane me conta que a maior dificuldade, na pandemia, era encontrar boas bananas, do tipo prata. E que os preços subiram muito. Um dia, ela contou os trocados que restaram, da venda de um bolo, e depois que tirou o que precisava para a gasolina do carro (que usa nas entregas) e comprou o item mais caro da receita, o leite moça, sobraram 5 reais que dariam pra comprar duas palmas de banana. Ou seja, daria pra dois bolos. Ela foi na mesma pessoa que vinha comprando. Ele pediu 6 reais nas duas palmas. Ela só tinha 5 reais. Tentou negociar, pechinchar, deixar aquele um real que faltava no pendura. Mas, aquele feirante não estava num dia bom. E a tratou com rispidez, sem fornecer qualquer desconto e fechando a cara.
Ela chorou por dentro. O filme de sua vida passou, bateu medo, desesperança, agonia. Nem sentia o chão de tamanha humilhação que passou.

Com olhos cheios de sofrimento, vagou atônita por entre feirantes, e passou pra o outro lado da rua, onde também têm barracas.
Macilene, ao olhar para Girlane, leu os sons do silêncio dela. Leu a alma. Viu de onde ela falava, e o que estava passando. Teve empatia e sororidade ao sofrimento dela. Macilene também tem uma filha e isto gerou mais uma ponte de afeto entre elas.
E, não só deu o desconto, nas palmas de banana, como ainda vendeu outros produtos, e no fiado.
Achei belíssima a sororidade de Macilene para com a Girlane. Sororidade é a quando uma irmandade, empatia e parceria entre mulheres acontece. E aí, entre elas, se faz mágica, mística, magia e mistura boa de afetos.

Macilene é agricultora familiar há dez anos. Ela tem uma um sítio em Alagoa Nova, cidade que dista 30 km de Campina Grande-PB, no qual produz, junto com o maridão e família, os melhores hortifrutigranjeiros da feirinha do Zé Pinheiro. E tudo sem agrotóxicos, com geração de emprego e renda locais, e produzidos com o maior esmero. Ela acorda com o maridão todas as madrugadas, para colher os produtos e já comercializá-los pelas 6 da manhã. E sua vida não é nada fácil, nem glamorosa, como as que vi no Globo Rural dessa manhã. Não é nada fácil vida de pequenos agricultores familiares que comercializam produtos sem muito valor agregado, verdadeiras comodities rurais, cujo lucro muitas das vezes é bem pequeno, e que ainda são explorados por atravessadores e grandes de redes varejistas. Diferente dos produtores de queijo da Serra da Canastra. Por isso adoro comprar em feiras livres, e de produtores locais.

Entre uma dancinha e outra, agora não mais chorando, ela me contou que nos momentos mais difíceis a Macilene a emprestava dinheiro, para ela comprar outras coisinhas que não vendiam na sua banca, e que estavam faltando em casa. Além de deixar na “Caderneta de Fiado” os itens de sua própria banca.
E que sempre entendeu quando ela dizia que “tinha deixado a bolsa em casa com o dinheiro”.
Não fazia perguntas, não a humilhava, apenas anotava no caderninho e a abraçava. Como quem diz, um dia tua vida vai melhorar!
Hoje a filha da Girlane, a Mariana, está empregada em Brasília. É advogada e das boas. Girlane também terminou seu curso de Direito, e trabalha como advogada na área na prefeitura de Campina Grande-PB. Patrícia vive de boa, em João Pessoa, curtindo a vida de aposentada e vem sempre em Campina, ficando na casa de Girlane, são amigas fiéis. Macilene tornou-se da família, e ambas ainda são grandes amigas.
E Girlane ainda tem a mesma alegria ao receber um pedido de bolo, que entre um estudo e outro, pra concurso, e uma ida no trabalho, ela consegue produzir.
Quem consome o bolo-torta da Girlane, está consumindo uma memória afetiva, uma bênção, uma história de redenção, de resiliência, superaçãio, de coragem, de garra e sororidade.

Aquele encontro, entre elas, que até hoje persiste, foi Deus quem providenciou. Inclusive a negativa do desconto, do vendedor rabugento, que a humilhou por ela não ter um real para completar a compra. Girlane e Macilene têm a coragem de sobreviventes. Que não têm tempo para ficar chorando o ontem, nem ansiando um amanhã que não chega nunca. O tempo delas se movimenta no presente. Conjugado com os verbos do resistir, insistir e persistir em subverter a ordem reinante, e empunhar a bandeira da esperança e vida! E no aqui e agora.

E, sobre o vendedor que não deu um desconto, nem deixou um fiado, quantas portas fecharam para nós, e que depois vimos que aquilo lá possibilitou que outras, melhores e maiores, fossem-nos abertas? Não é? Se não fosse ele, elas não teriam se conectado.

Obrigado Girlane, Patrícia, Mariana e Macilene, vocês nos ensinam muito, nestes tempos de tão pouca empatia e resiliência que vivemos.

"Esta crônica que você me mandou pelo whatapp só reforça o caminho que estou trilhando. É o caminho certo do bem, e para o bem. A vida vai nos ensinando e o tempo vai trazendo o tom de cada coisa que a gente almeja e luta no dia a dia. E é isso!. A vida ensina e o tempo traz o tom, em tudo que que vem acontecendo em minha trajetória ". 
 

Na foto: Girlane e Patrícia; Girlane e Mariana (sua filhota), Girlane e Macilene. Girlane e este que vos escreve.

Se você estiver em Campina, e quiser encomendar o bolo-torta da redenção, é só clicar aqui:

https://l.instagram.com/?u=https%3A%2F%2Fwa.me%2Fmessage%2FJ2VJ5RNRU2QSD1&e=ATMQhTx4yL6SkNg80M26vd14hFEevZGaCWAszKA-ra8TVYpEFvRYVkE2moaGDuLYj7sCmNaO7xZoZeYRc8wSZomEczdlMryMKrjsDac&s=1)

Graveto a Graveto, à reconstrução! (Por Ricardo de Faria Barros)


Acordei com um barulho na janela do quarto. Esfreguei os olhos, arregalei os ouvidos, e tentei entender o que seria aquele barulho.

Seria um ladrão? Mas, estatelado de medo na cama eu pensei que seria muito difícil ser, pois que moro no sexto andar, e não tem como acessar meu apartamento por aquele local. Só com escadas de bombeiros.

Seria o vizinho de janela, batendo alguma coisa nela? Não seria improvável, mas seria muito fantasioso, dado que o som vinha do meio da minha janela. Se eu tivesse medo de alma, tinha ficado paralisado, mas não tenho.

Então, reuni o pouco de coragem que ainda me restava e fui abrir as cortinas para verificar de onde vinha aquele som. Que ora parecia um aranhão no vidro, ora uma batida.

E vi que era um casal de pombos, que chamarei de João e Maria fazendo um ninho. Cada um deles trabalhava com seu graveto, que iam colocando um sobre o outro, bem arrumadinho, fazendo com eles uma cama. Eles aproveitaram a jardineira de grade que tenho e ali mesmo, e sem cerimônia, começaram a construção. Fiquei um tempo do lado de cá, aproveitando que o vidro é fumê, olhando aquela engenharia de amor entre eles. João corria para pegar um graveto e deixava com Maria, que ia aprumando sobre a estrutura. Aí era a hora dela sair e deixar João, bicando os gravetos, para entortá-los. E Maria batia asas procurando um novo graveto que desse naquele estágio do projeto.

Então, daquela observação, um rasgo de luz invadiu meu ser e meu deu um bom ânimo.  Como é bacana ver algo sendo construído, do nada, só pelo esforço e esperança de poder com aquilo gerar vida.

Então, lembrei-me que no outro quarto também tinha um ninho, na jardineira da janela.  E que eu vinha acompanhando toda a sua evolução.  Quando eu viajei para ministrar um curso a mamãe pomba já estava chocando um ovo. Depois que voltei me esqueci de ir olhar.

Fui lá no quarto e fiquei pasmo com o que vi.

A mamãe-pomba não estava mais chocando o ovo. E, do ovo aparecia restos de um feto. Coloquei na minha mão para enxergar mais de perto, e percebi que o filhote não nascera. Algo ocorreu e o ovo não fora chocado a bom término.

Então, a ficha caiu. Aquele casal de pombos, o João e a Maria, eram os mesmos deste ninho, que não logrou êxito.

E eles não desistiram. Mudaram de quarto, de jardineira de janela, de posição. Escolheram uma outra área, mais sombreada e protegida, pelo ar-condicionado, dando uma distância dele, por conta do calor do compressor.

Fiquei me perguntando por que eles não reaproveitaram o ninho que antes tinha feito, aquele projeto anterior?

Já que todos os gravetos estavam li, e seria bem mais fácil?

Quanto ensinamentos João e Maria nos fornecem?

Quantas das vezes nosso projeto que investimos tanto nele não vinga? Não choca, como aquele ovo.

Seja por circunstâncias que não prevíamos. Seja por falta de recursos. Seja porque não deu pra fazer o que nos propomos, faltaram-nos as forças, faltaram-nos a coragem e a resiliência.

Não sei. Só sei que naquela cena de um ovo que não vingou, num ninho perfeito, muita coisa me tocou.

Nem sempre é culpa nossa quando algo não deu certo. Quando não aconteceu algo que investimos muito.

Como João e Maria investiram tempo e dedicação naquele ninho e na chocagem.

Não foi culpa deles. Algo ocorreu com o processo que deu ruim.

Mas, João e Maria não são de desistirem fácil.

Após se recuperarem da frustração e luto de um projeto que não vingou. Lá estão eles novamente, graveto a graveto, a montarem novamente a estrutura que receberá a vida, após o tempo da postura e chocagem.

Escolheram agora um outro local, zeraram as mágoas, seguiram em frente, e sem olhar para o ninho que ficou, nem o luto do filhote que não nasceu.

Passaram a régua e começaram tudo outra vez, sem ser novamente.

Dedico esta crônica a todos e todas que já ficaram desempregados, que passaram por decepções na política, que não tiveram dinheiro para pagar o custeio básico de suas vidas, que olham para o amanhã e não veem saídas, aos que já perderam entes queridos, que já passaram por desilusões amorosas.  Que sofrem com doenças crônicas. Já passam por relações difíceis no trabalho, Ou os que pensam em desistir de tudo...

Não desanimem, do ovo que gorou em suas vidas. Sempre é tempo de recomeçar, tal qual o João e Maria!

Caso contrário, “eles” e as circunstâncias os terão vencido!

Eu e você temos um João e Maria dentro de nós.

E que possamos também, após um profundo luto, uma grande perda, uma puxada de tapete, um sonho negado, um projeto frustrado, ou um aborto-de-satisfação que nos ocorreu, voltar a regar as sementes de esperança em nosso viver.

Voltar a construir no hoje, graveto a graveto, novas possibilidades de enfretamento da situação.

Graveto a graveto. Sem pensar no ontem, no ovo que não foi chocado. Nem pensar no que pode voltar a ocorrer no amanhã, por conta do trauma do ontem. Tipo, será que valerá a pena fazer outro ninho, e se não der certo novamente?

Quando os ovos de alguns de nossos projetos, desejos, ou sonhos não vingarem, só nos resta se entregar ao presente.

Fazendo o que tem que ser feito no agora. Um dia de cada vez.  Comendo pelas beiradas.

Existindo, insistindo, persistindo e resistindo e sem medo de chorar e recomeçar.  

Graveto a graveto.

Sem temer o amanhã. Nem se aprisionar no ontem.

Apenas subvertendo a ordem reinante, que não se deixa morrer quando se ousa soprar as brasas da esperança.

Obrigado João e Maria por me acordarem!

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Ps. Após a publicação desta crônica, o amigo Hayton, que escreve coisas belíssimas no seu blog o https://www.blogdohayton.com , que recomendo que sigam, presenteou-nos com esta belíssima reflexão abaixo:

É como se Maria e João, no seu infatigável balé de asas movidas pelo espírito de Dom Helder Câmara, nos dissessem em arrulhos: “deixem-nos acender cem vezes, mil vezes, um milhão de vezes a esperança que os ventos perversos e fortes teimam em apagar. Que grande e bela profissão escolhemos: acendedores de esperança!”

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