Um dia com ela. (Autor Ricardo de Faria Barros)

Ansioso, perdi o sono e madruguei, madrugada adentro falando.
Era a primeira vez que sairia sozinho com ela, sem nada e ninguém entre nós.
Combinamos de nos encontrar na Leroy, onde estacionei o carro. Ela deixou seu carro no Extra, ao lado.
Entrei na Leroy e não a encontrei, logo ela zapeou que estava chegando.
De longe a vi, vindo em minha direção, com um sorriso tipo lua cheia.
Nos cumprimentamos efusivamente, e logo seguimos para nossas aventuras.
Primeiro escolhemos as cortinas, de cor e forma que mais combinassem com ela do que comigo. Sou do algodão, das cordas, dos couros e das palhas. Ela é da seda, dos vidros, das madeiras e metais.
Ela sorri e diz que vai me repaginar. "Mesmo sendo uma missão quase impossível". Rimos os dois.
Deixo-me guiar por ela, quem sabe não é hora de provar novos sabores, texturas e aromas?
Então, como ela me ama, e eu também a amo, deixo-me guiar por sua mão, seguindo sua orientação, sem qualquer pesar ou aperreio. Só os $.
Ela é boa em achar coisa bonita, mas $$$$...
Aí, pego o jeitão da coisa que ela gostou, e vamos fuçando, até achar algo parecido, contudo bem menos $$$$.
Uma verdadeira saga, das boas e divertidas, tipo garimpar.
Quando achávamos algo, dentro de eu estilo de decoração, e meu bolso de apropriação, fazia gosto ver seus olhos brilhando, como quem estivesse a montar um enxoval para seu próprio lar.
Depois das cortinas, foi a vez do tapete.
Ela se agarrou a um felpudo, mais parecendo que segurava um bebê. Amor à primeira vista, comprado!
Ela me disse que seus livros estavam todos desarrumados, precisando de uma prateleira para organizá-los. Achamos uma bem bonita, e a presentei com ela. Ela ficou muito feliz e grata.
Dali, partíamos para outros locais.
Fomos agora num único carro. Deixando o dela no estacionamento.
Acho que foi a primeira vez que só nós dois andamos no carro. Botei até umas músicas de “sofrência” que sei que ela gosta. Aff!!
No Casa Park, encaramos bravamente lojas na semana dos descontos, estavam cheias, e provamos uns mil itens, antes de decidir por alguns deles, deixando outros pra trás, para desespero dos atendentes.
Tudo tinha que combinar. Ela fazia cálculos matemáticos na cabeça, imaginando se os tons, sobre os tons, dariam certo.
Eu não fazia a mínima ideia dessa arte. Vê-la conduzindo aquelas paletas imaginárias, desenhando-as na sua mente, era assombroso. Assombroso de bom. Curti.
Dali, carregamos o carro, para economizar o frete, que ficou mais parecendo um caminhão e partimos em direção ao Lago Sul.
No Lago Sul, botamos força de “chapeiros” e subimos com as tranqueiras até o primeiro andar, no local onde ficariam. Mais uma vez, só nós dois, em completa cumplicidade.
Senti um orgulho enorme dela, vendo-lhe subir as caixas com esforço. Fez questão de levar o seu bebê, o tapete.
Pensei comigo, que bom que ela não faz o tipo que não pega em peso, com medo de quebrar as unhas. E, se entrega com paixão em tudo que faz. Um tesouro.
daqueles que enaltecem o coração.
Subimos com esforço aquelas escadas, carregando até aquela mesa que compramos, acondicionada numa enorme caixa. Para depois, quebrarmos a cabeça de como montá-la. Mas, eram R$ 300,00 a menos. E esse dinheiro fará falta.
Lá em cima, ela até quis abrir o tapete, para provar como ficaria no chão. Mas, olhou para meu estado de cansaço e relevou, deixando para depois.
Perto das 14hrs, fomos almoçar no Gilberto Salomão. Fazia um século que eu ali não entrava, e o Taioba continuava o mesmo. Aliás, adaptou-se à crise, agora com marmita à R$ 10,00. Quem te viu... quem te vê!!!
Tive vergonha de meu prato, diante do dela. E, para compensar o vexame, até insisti que ela repetisse. Chamei um amigo que ali se servia, e estava só, para compartilhar de nossa mesa. E a alegria foi completa. Esse amigo é uma pessoa que me apoiou muito ao chegar em Brasília, uma pessoa-luz, o Sérgio Dantas.
Dali, partimos em busca de lustres na quadra das elétricas, 108-109 Sul. Não achamos nenhum de nosso gosto R$. Entendem? Tudo muito caro e o orçamento já estava apertado.
Fomos então para o Setor de Industria e Alimentação – SIA, quem sabe ali não teria?
Parei numa loja estilosa, do tipo dela, a São Geraldo. Ali, tomamos um café delicioso, enquanto falávamos de amenidades, e dávamos risadas do preço dos lustres de chão. Que nós não éramos para o bico dele, ou o contrário.

Eita lustre difícil.

Começou a chover, e o clima do café ficou mais aconchegante ainda.
Notei uns olhares para mim, ao sair da loja. Que explodam de inveja, é bonita, é bonita, é bonita e é bonita.
O guardinha nos levou até o carro, conduzindo um imenso guarda-chuva. Uma chiquesa só!
Ela se achou, eu também.
Ainda tínhamos um tempinho, antes das 17hrs, horário que ela precisava partir.
E, nem bem sabíamos o que fazer com ele, aquele tempo, dado a novidade do dia. Quem tem todo o tempo, perde a noção do tempo.
Então, ela lembrou-se que tinha uns adereços de carnaval encomendados no Atelier das Meninas, lá no Sudoeste. Me ofereci para ir com ela buscar. Mesmo sabendo que para os meus padrões de horário, eu já estava atrasado. E muuuiiittto!!! Sou daquele que fazem check-in com 3 horas de antecedência. Então, saber que já eram 15hr30min, e que ela precisaria pegar o carro 17hrs, no inferno daquele trânsito que me alucinava.
Contudo, me senti em paz e feliz. Vencendo todo meu pânico: com horários, engarrafamentos, chuva no trânsito e a ansiedade que me diz que não dará tempo, enfrentei a missão com uma calma que nem eu me conhecia.
Pegamos as tranqueiras no Sudoeste. E, lembrei-me de um acesso pelo setor policial que economizaria uns 20 min, ate o Extra.
E deu certo. Orgulhoso, a deixei com tempo ainda dela levar umas comprinhas para sua casa.
Como demorei tanto para fazer um programa desses? Alegando falta de tempo, oportunidade e até disponibilidade.
E os feriados, sábados e domingos?
Por que só uns 20 anos depois? Quem sabe só agora estou preparado para de fato estar ali, naquele dia, de forma inteira, completa, sem tanta coisa que desviava minha atenção dos filhos.
Poderia não ter um dia, mas tinha parte do dia, ou algumas horas, para sermos só nós dois, sem dispersão com os outros, sem ruídos de estações emocionais mal sintonizadas.
Como eu fazia quando ela era um bebezinho, há 30 anos atrás. Ao sair pela quadra de onde morávamos, levando-a para tomar sol.
Por que vamos nos distanciando de uma maior intimidade com os filhos, e estes com seus pais.... Por que?
Passado o momento reflexivo, nos despedimos com um abraço forte, cheios de júbilo, daqueles que tem quem passou já passou o dia junto com quem se ama, montando algo com a cumplicidade de pai e filha, o meu espaço de psicologia, treinamentos e consultoria, a Ânimo.
Tirarei um dia só para minha filha, novamente, ahh se tirarei.
E compraremos o lustre. Depois, vamos passear, sem medo de ser feliz, ou de não dar tempo de chegar em algum lugar !!!

Sim, por falar em tempo: em tempo; farei uma camisa com um escrito: Sou o pai!

---------------------------------------------

O autor é aposentado do BB, psicólogo, mestre em gestão social e trabalho e especialista em gestão de pessoas. E proprietário da Ânimo - Desenvolvimento Humano: psicologia, cursos e consultoria em RH. Pai de Tiago (32 ), Priscila (30), Rodrigo (28) e João Gabriel (7)

Do EPI ao EPE: Prevenção à Insalubridade Emocional. Autor Ricardo de Faria Barros


No final do ano passado, fui convidado pela CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Acidentes para conduzir uma palestra na Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho – SIPAT, realizada por uma grande empresa brasileira, com negócios na área de Tecnologia e Serviços, a BB Tecnologia e Serviços. A palestra foi num de seus Centros, em Goiânia-GO.
Em contato com os organizadores, descobri que haveria antes da minha palestra uma outra versando sobre a importância do uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

Então, tive um estalo inspirador - aquele breve instante de criação no qual tocamos o infinito e ficamos excitados. Pensei comigo, vou levar para aqueles trabalhadores o tema:

“Insalubridade Emocional no Trabalho e o uso dos EPE.”

Propositadamente, não revelei o que significava EPE para aumentar a expectativa e poder de “venda”. Os Cipeiros sofrem para mobilizar o pessoal para as atividades, e acreditei que a curiosidade iria contribuir com uma maior adesão.
E deu certo. Na hora da palestra a sala estava lotada, até botaram umas cadeiras extras nos corredores.
Comecei explicando o que EPE significaria na palestra: Equipamentos de Proteção Emocional, contextualizando o tema dentro das mutações comportamentais que venho percebendo na sociedade, e que explodem nas organizações do trabalho.
O mundo do trabalho não é um mundo à parte da sociedade. Nele desaguam valores, ou falta de valores; atitudes, ou falta de atitudes; ética, ou falta de ética que habitam o tecido social da coletividade.
E, convenhamos, amigo leitor, os tempos são áridos em se tratando de emoções positivas: aquelas que constroem espaços de convivência e harmonia entre os povos.
Esse ambiente insalubre, do ponto de vista comportamental, é agravado pela crise institucional, econômica e política pela qual passamos.
O mundo do trabalho sofre então com a ameaça do desemprego, rondando a cabeça do trabalhador todos os dias; com o enxugamento de quadros aumentando a sobrecarga laboral; e com a ampliação das metas de produtividade e desempenho profissional, conduzidas por uma gestão, muitas das vezes, que mais amedronta do que lidera
Em ambientes de muita pressão ficamos regidos por dois hormônios: cortisol e adrenalina. São hormônios da sobrevivência, que foram fundamentais na história da humanidade.
Contudo, em excesso, eles consomem energia emocional positiva e inviabilizam o cultivar dos valores/atitudes de paz, justiça, colaboração, esperança, bondade, mansidão, solidariedade, empatia, cooperação, amorosidade, flexibilidade cognitiva, perdão, respeito e gentileza
Em ambientes de insalubridade comportamental, nosso cérebro reptiliano ativa os modos comportamentais: atacar, defender ou fugir, e perdemos a capacidade de transcender, de fluir, de ver o que nos ocorre por uma perspectiva diferenciada, mais ampla e contextualizada.
Então, adoecemos emocionalmente, ou fazemos o outro adoecer.
Como resultado desse nefasto processo, os valores/atitudes acima descritos vão sendo postos à prova e se não tivermos cuidado, paulatinamente vão degradando, e vamos ficando iguais aos que recriminamos, aprendendo a ser como eles por osmose.
Os valores funcionam como nosso GPS comportamental que apontam caminhos possíveis, quando tudo lado são incertezas. Quando nos perdemos deles, nossa nau fica à deriva.
Na minha experiência profissional, clínica e em sala de aula, tenho ouvido relatos do mundo do trabalho que mais parecem um filme de terror. Daqueles de péssimo gosto.
De pessoas que estão convivendo com gente perversas, ruins, sádicas e medíocres emocionalmente.

Muitas delas, ingressando nas organizações de trabalho já com esse aprendizado moldado em seu ser. Fruto da falência da disseminação de valores positivos na família, escola e outras Instituições de aprendizado para uma saudável coletivo-vivência social.
Aprende-se então a ser rabugento, crítico, negativo, mimado, perverso, sem limites, e um ser de ego hiper-inflado, que exige que o mundo gire em torno de si e lhe sirva, desde pequeno.
E, esse aprendizado quando se defronta com a nova realidade do mundo do trabalho, altamente competitivo e inseguro quanto ao futuro, encontra terreno fértil para seu desenvolvimento.
E o que mais escuto hoje, até em atendimentos na minha clínica, são trabalhadores infelizes e que perderam o encantamento com o outro, com a empresa e até com eles mesmos.
Estão adoecendo e perdendo o viço, ao habitarem nesse ecossistema comportamental com tantas feras à solta.
Ou, o pior, tornando-se mais uma dessa feras. De gente que não sabe conviver com gente, principalmente se ver nela algo diferente. De gente que passa o dia procurando razões para ser infeliz, e o pior é que acha mesmo. De gente extremamente negativa, rabugenta e reclamona. Gente que que tecla o modo de percepção negativo da vida, e não mais sabe viver de outra maneira senão nesse modo
Vendo em tudo, nele mesmo, e nos outros, fenômenos que justifiquem esse seu processar da vida, de forma reducionista e amargo. Afinal, nossa percepção é seletiva e é orientada pelos nossos esquemas de pensamento sobre nós mesmos, os outros e a realidade.
Na palestra, nas aulas e na clínica costumo prescrever três “equipamentos de proteção emocional”, úteis à prevenção da saúde emocional.

O primeiro deles é o da autoconsciência da pessoa que estamos nos tornando, do que realmente queremos ser, e do que de bom deixamos esquecidos no porão de nossas vidas. Crescer em valores e atitudes positivas é uma decisão que subverte a ordem reinante. A natureza das coisas e dos dias. Doerá. Crescer dói, mas liberta-nos de ser cópias de nós mesmos, dos outros e da realidade.
O segundo deles é reaprender a prestar atenção ao bom, belo e virtuoso que ocorre nas beiradas do viver. Lá na avenida do contorno de nossos corações. No modo defender, atacar ou fugir, concentramo-nos nas aflições do cotidiano e perdemos capacidades de ver às flores à beira do caminho. Apesar da estrada estressante pela qual passamos. Ao expandir as fronteiras de nossa consciência, de nossos pensamentos, ativando um modo de percepção seletiva das coisas boas que apesar dos pesares ainda nos ocorrem, mesmo que nas extremidades de nossa vida, acabamos por oxigenar nosso existir.

Por último, é aprender a vigiar os nossos pensamentos ruins, ficar de tocaia sobre eles, observando-lhes chegar e sobre eles agir. Tal qual faz o Olheiro, ficando acima dos montes e do alto anunciando aos pescadores, ancorados em terra, que vem entrando um cardume de tainhas (Prática como na pesca da tainha, em Santa Catarina-SC) e que eles podem lançar suas barcas e redes ao mar. Essa postura de anatomista de nossos pensamentos é fundamental para não “ficarmos como eles”, e eu diria, até piores. Ser vigia de pensamento ruim é aprender a debater consigo mesmo, colocando as coisas noutras perspectivas, mais amplas, menos doloridas, com menos vitimização ou visão negativa, volto a dizer: de nós mesmos, dos outros e ou da realidade.

Esses três equipamentos darão a força necessária para não adoecer no ambiente de trabalho, e até em promover mudanças que melhorem a qualidade de vida no trabalho, o clima organizacional, repercutindo positivamente na percepção dos sentidos e significado do trabalho.

Quanto às feras emocionais que contigo dividem a baia, caso elas não mudem, mude a si mesmo, e com um gostinho de coragem e um risinho no canto dos lábios, diga a si mesmo: “pelo menos não sou, não serei, não faço, não farei, como ele.”

Pois, ainda sinto que em mim e nele habita um ser humano, digno de respeito, misericórdia e atenção.






Se gostou do enfoque do texto, por aqui tem mais: http://silviaparreira.blogspot.com.br/2013/11/ambiente-de-trabalho-toxico.html#.WK4UhjvyvIU






--------------------------------------------------------------------------------------


Ricardo de Faria Barros é aposentado do BB e proprietário da Ânimo Desenvolvimento Humano: Psicologia Positiva, Consultoria Cursos e Palestras Comportamentais, com sede em Brasília-DF.


Contatos: ricardodefariabarros@gmail.com

Suba a tela. (Autor Ricardo de Faria Barros)



A aula transcorria normalmente, contudo sentia-me desafiado a envolver o grupo, dado que a turma era muito grande, em se tratando de cursos de pós-graduação.
Após 25% da aula, eu estava prestes a abrir o próximo módulo, só faltando mostrar aos alunos como eles plotariam os dados num gráfico, do exercício que acabaram de fazer.
O tema do próximo módulo de ensino-aprendizagem era: Percepção e Tomada de Decisão.
Imaginava como conseguiria que meus alunos se apropriassem daquele conhecimento, fundamental para o prosseguimento do curso, numa turma tão grande, que me impossibilitava de realizar as pequenas dinâmicas de grupo que trago, para vivenciar o conceito.
Até que a luz, ou a falta dela, se fez.
Eu tentava mostrar aos alunos o local que eles deveriam utilizar para marcar os dados, nesse gráfico que está na foto.
Aproximei-me da tela de projeção, com um lápis, daqueles que utilizamos para quadro branco, mas vi que eu danificaria a tela, caso escrevesse nela.
Os alunos perceberam meu drama, estavam ligados.
Como vi que não poderia riscar na tela de projeção, comecei a marcar os locais apontando com o dedo.
Até que um aluno gritou: "Sobe a tela, professor!".
Eu travei. Pensei, dará no mesmo, pois não posso escrever na parede.
O aluno sentiu minha pane mental, e veio em minha direção.
Então, subiu a tela e vi que a projeção ficava no quadro branco, atrás dela e preparado para ser riscado, com canetas próprias, como as que eu utilizo.
Uauuu!!!
Quase me ajoelho e agradeço a Deus pelo meu travamento, pela minha pane de decisão, ocasionada por um viés de interpretação da realidade, fruto de uma percepção - forma como os dados entram em nosso HD, distorcida.
Peguei o mote, e iniciei o módulo mais difícil, agora nadando de braçada, pelo exemplo que todos testemunharam, do quanto somos talhados pela forma que processamos a realidade.
Todos temos óculos distorcidos, ou quebrados, pelos quais a realidade é filtrada. Saber disso na prática, nos torna menos arrogantes e abestados, ao mundo do outro. Parcialmente captado pelo nossos óculos.
Todos temos esses óculos defeituosos que alteram a percepção de nós mesmos, dos outros e da realidade.
E, após penetrar em nosso aparelho mental, essa percepção molda a realidade, para que ela caiba dentro de nossas considerações sobre tudo, induzindo atitudes e comportamentos.
Esse é um conceito basilar da teoria da Negociação Comportamental, derivada do método Harvard de Negociar (Ury & Fischer).
Desconfie do que vê, de como vê e de como interpreta a realidade.
Pode ser que esteja havendo um erro nos dados de entrada (percepção) que vão alterar todo o processamento da informação, em nossa psiquê.
A melhor forma de minimizar os efeitos das distorções é nos permitirmos ao mundo do outro, criando pontes. Pontes de ouro, pois nos levarão às outras margens de nossas verdades tão bem defendidas, esvaziando-nos de nós mesmos, para que o mundo do outro possa encontras um lugar, em nossos corações, e nele também fazer morada.
O uso da frase: "Será?", também ajuda a criticarmos a nós mesmos, sempre que criarmos muros perceptivos, de uma percepção pobre, pois distorcida sempre é, que impossibilita que o outro, a realidade e a nós mesmos sejamos compreendido.
Será que não posso mesmo escrever nesse quadro?
Essa crítica ao nosso modelo mental de pensamento é fruto de exercícios de auto-conhecimento diários, que nos tornarão melhores na arte da convivência. Até conosco mesmos.
Então, antes de sair por aí criando muros, que tal repensarmos nossos óculos, nos compreendendo como limitados em nossa apropriação da realidade, do outro e de nós mesmos. E, ao nos compreendermos assim, meio caminho estará sendo dado, em direção a uma maior inteligência positiva nos relacionamentos e na vida.
Modelos mentais economizam energia de processamento, fruto da rotina e dos hábitos, contudo podem limitar nosso crescimento, para as margens além de nosso próprio umbigo.
Então, que tal subir a tela de projeção?

Polinizadores do bom, do belo e do virtuoso. (Autor Ricardo de Faria Barros)

Bem cedo, li um desabafo de uma amiga que se sente uma deslocada e estranha, ao conviver com pessoas com baixa inteligência emocional. Veja abaixo:
" Segue uma pergunta às pessoas espiritualmente evoluídas: o que fazer quando você ultimamente tem deparado (não exatamente no meu microlocal de trabalho, pra deixar claro) com uma FAUNA de pessoas excessivamente:
a) arrogantes;
b) revoltadas;
c) desestimulantes e pessimistas, vendo problema em tudo e todos;
d) crentes na superioridade inata, isto é, nascidos para falar o que bem entenderem e não ouvir a contrapartida, porque certamente estão acima do Bem e do Mal;
e) iludidas com a efemeridade do poder e, por isso, desconhecem a palavra Respeito diante dos menos ou nada poderosos;
f) incapazes de relativizar um erro diante de mil e trezentos acertos e esforços? no mundo atual."
Logo depois de ler esse texto, com ele me solidarizar, e até enviar um pitaco, não necessariamente de "espiritualmente evoluída", recebi um post no Whats que por si só a responderá.
"Oi Ricardim, um de seus ex-alunos está hospitalizado, e com prognóstico não muito bom. Ele não tem família em Brasília, e a irmã mais velha veio cuidar dele."
Após breve diálogo, ela continua:
"O pessoal está se revezando para levar sua irmã ao hospital, e agora financiam um Uber, pois se trata de uma senhorinha já bem idosa. Que não conhece nada em Brasília e tem dificuldade de locomoção. Sua aluna XXX, foi quem organizou essa logística do Uber, entre nós".
Uauu!!!
Lembro de uma amigo que dizia que a natureza está grávida de seu contrário. Existe os malas, e os santos, convivendo no mesmo ecossistema social
Eu sei que existem pessoas insalubres que se moldam ou comportam-se como as alternativas de A-F. Elas estão soltas por aí, na "FAUNA". São toxicas, perigosas, que poderão até lhe influenciar a ser como elas, ou lhe farão adoecer, caso conviva muito ao lado delas. Mas, não podemos ir morar numa bolha. Temos que aprender a conviver ao lado delas, mantendo nossas velas singrando pra mares comportamentais, do outro lado dos deles
Conviver com tiranos, sem aprender com eles.
Contudo, também têm outras pessoas soltas por aí nessa mesma "FAUNA". Pessoas de luz. Você deve conhecer um monte delas, ou ser essa pessoa.
Pessoas como as do relato anterior, que adotaram o amigo, em sua enfermidade, e formaram uma corrente de apoio.
Para poder conviver com a insalubridade emocional, de tiranos comportamentais que têm prazer em conduzirem suas vidas como as alternativas de A-F, sem embrutecer, ou aprender com eles, precisamos encontrar nossa tribo do bem, e a ela nos juntar.
Não podemos esmorecer. Não é hora de desistir da humanidade.
É hora de fazer a cota do UBER, para a senhorinha poder assumir os cuidados de seu irmão, com mais conforto.
Entenderam?
O mal e o bem estão na mesma sociedade. Mas, não podemos renunciar à luta, ou achar que eles venceram.
Precisamos encontrar nossa tribo e divulgar suas ações, para que elas formem um fluxo virtuoso, incentivando outras pessoas a fazerem o mesmo. A entrarem no racha do Uber. Entenderam?
O exemplo carrega. Não podemos combater o mal, falando do mal.
A melhor estratégia é fazendo o bem, divulgando o bem, juntando-se ao bom, belo e virtuoso.
O joio e o trigo nascem juntos. Mas, só crescerá mais que o outro, virando alimento, virando comunhão.
Precisamos nos alegrar com quem se alegra. Celebrar com quem celebra. Disseminar coisas boas que vemos. Divulgar as práticas solidárias que testemunhamos.
Pessoas vão se influenciar também com isso.
Já tive muita vontade de sair das redes sociais, pelas coisas que leio nela e que me entristecem.
Mas, eu não posso mudá-los. Só posso contribuir com outras vistas de um ponto, mostrando que para além de ilha de mediocridade, corrupção e crise de valores éticos, ainda existe um oceano de possibilidades para assumirmos nossa própria jornada, peregrina jornada, de bom, manso, generoso, solidário e promotor de uma cultura de paz. Mesmo que tudo ao lado diga não!
Cida, minha mensalista, chega com o café e suas histórias matutinas, de seu cotidiano de "periferia".
Eu amo ser depositário de suas revelações, de suas pelejas, contadas com tantos detalhes e vivicidade.
Ela me conta que deu uma dura nos irmãos. Que o pai dela tem dificuldade de locomoção e anda escorregando na cerâmica da cozinha, local em que ele passa a maior parte do tempo (ele sabe das coisas) e que juntou os irmãos e dividiu entre eles a responsabilidade de comprar um piso anti-derrapante para seu pai, colocá-lo no lugar do original e ainda pintar a casinha de seu pai. E ainda finalizou a reunião familiar dizendo: "É o nosso pai, não é possível que vamos deixar deixá-lo assim".
Meus olhinhos brilharam. Ela chegou justamente quando iria finalizar o texto. Cida é luz. Junte-se à luz, ajude a luz, divulgue a luz. .
Na cota com seus irmãos, Cida assumiu a compra do piso. Investindo 50% de seu salário, que não é lá grande coisa.
Lembrei-me do óbulo da viúva. Aí, disse-me que seu casamento no cartório vai ser sem aliança mesmo. "Só assinarão o papel". Que o par de alianças está muito caro, R$ 600,00.
Lembrei da cota da senhorinha, para que ela vá e venha de Uber, e motivei-me para presenteá-la com as alianças, e ajudar na reforma da casinha de seu pai. Disse-lhe, Cida, sempre que se mexe com reforma, mais coisas aparecem, e orçamentos estouram. Conte comigo para ajudar"
Emocionado com os dois relatos, agradeci a Deus por existirem pessoas que fazem de seu viver bênção para os outros. Que lançam sementes e pingos de água no árido terreno emocional dos dias presentes.
Façamos o mesmo. Quando e nas condições em que possamos atuar.
Precisamos de polinizar as praticas do bom, do belo e do virtuoso.
Mesmo que no ecossistema da flor também habitem os maribondos.
No mesmo galho, como o da foto, há uma lagarta que come as tenras folhas, matando qualquer possibilidade de vida naquele frágil broto. Mas há também uma borboleta, fruto de sua evolução, que poliniza as flores e encanta nossa existência.
Qualquer semelhança com nossa sociedade, não é mera coincidência.
Há seres humanos lagartas de fogo. Rastejantes.
Mas, dente eles, vez por outra evoluem espécies diferentes de pessoas. Aqueles que cresceram no SER, transformando-se em borboletas polinizadoras de valores éticos, justiça, paz, respeito, doação e amorosidade.

Caminhe mais 200 metros.

Relato de Viagem 15
O dia começou chuvoso, então aproveitamos para fazer o passeio da Bica, ou Parque Arruda Câmara.
Ir à Bica tem cheiro de programa de família, diversão garantida.
Nunca tínhamos ido nela pela manhã, e parece que as luzes realçam mais ainda seu intenso verde.
Trata-se de um oásis no centro de João Pessoa, com 26 hectares de mata atlântica preservados, além de um zoológico. Uma raridade urbana.
 Na entrada, um grupo de Palmeiras Imperiais, centenárias, abrem o cortejo do belo.
Logo de cara, encontramos a famosa Bica construída em pedra sabão.
E, ainda funcionando. Desde 1782, dela jorra água mineral, de excelente qualidade, que matou a sede de muitos pessoenses, ao se tornar uma das fontes de abastecimento dos nativos, quando a cidade ainda era chamada de Filipeia de Nossa Senhora das Neves.
Sentar-se perto dela, beber daquelas águas, é reverenciar a história de tantos que foram responsáveis por preservar aquele espaço para as gerações futuras, tais como o botânico paraibano Arruda Câmara.
Um urro açoita os céus. Urro gutural. São os leões, tomando café da manhã e brincando com seu treinador. Numa área entre as celas e o fosso de observação, o treinador corre de um lado para o outro para exercitar uma leoa, que ele viu nascer e dele se apegou. O pai leão observa a cena, feliz, e urra como quem a aplaudir. JG delicia-se com o que vê. A leoa aproxima-se da tela e recebe uma massagem nas ancas e dorso, quase dorme de relaxada e feliz que ficou.
Seguimos pela trilha dos macacos e descobrimos novo acesso ao Parque, por dentro da mata. Sem ser pela área calçada. Uma trilha de chão batido, entremeada por pequenos cursos de água, atravessados por minúsculas pontes. No caminho, várias placas dizendo-nos para nos conectar nos sons locais.
E como são belos. Escuto bem-te-vis, papagaios, água correndo mansinho, vento nas folhagens e muita risada de criança em excursão.
Não conhecia esse acesso por dentro da mata, e fico encantado com tanto viço da natureza ali intocada. Passa correndo perto de nós uma cutia, procurando comida entre as folhas secas, ao nos ver para, fita-nos, e diz “Oi”.
O final da trilha desagua num lago fantástico, de cor verde esmeralda, que com a luz do sol matutino fica magistral. No laguinho equipamentos de lazer estão disponíveis. Alugamos um pedalinho, somos os únicos. Custou-nos R$ 11,00 um passeio de 20 minutos. Estamos navegando em águas puras, daquelas que brotam das profundezas do chão. Ao nosso lado pastam aves de água, e andorinhas dão vôos rasantes. JG assume o “leme” e fica todo feliz.
Paramos no centro do lago e contemplamos as nuvens, espelhadas na suas águas. Como não eternizar esses momentos? O sol nos diz que daria praia, besteira, já estamos tendo nossa praia, naquele pedalinho do lago. Voltamos para entrada da Bica pelo outro acesso, o que sempre fazia.
Partimos em busca da observação dos pássaros, habitantes de imensos viveiros.
Ali chegando, vimos um coreto bem preservado e nele fomos bater foto. JG assustou-se com uma taturana (caranguejeira) que atravessava o caminho, para pegar um sol da manhã.
Ele impediu que a mãe e tia prosseguissem por aquela parte do trajeto. E, todo orgulho, disse-lhes que estava protegendo-as.
Então, desistimos da trilha superior e voltamos por outro acesso, mais acima do coreto, e aí Deus se fez presente em meu viver, mais uma vez.
Deixa eu te explicar. Gosto de observar as árvores ao caminhar, e, uns 50 metros antes de nela chegar, sabia que era especial. Monumental, aquela árvore reinava esplendorosa. Tinha uns 60 metros de altura, apressadamente caminhando ao seu encontro, intui que poderia ser um Jequitibá Rosa.
Chegando bem próximo vi que no seu caule estava afixada uma plaquinha. Aproximei-me e vi que era sim, uma formosa espécie de Jequitibá Rosa.
Tenho uma atração por Jequitibás, e na minha casa plantei um deles. E já foram temas de minhas crônicas no meu blog, o bode com farinha (http://bodecomfarinha.blogspot.com.br)
O maior e mais velho jequitibá do Brasil está no Parque Estadual Vassununga no município de Santa Rita do Passa Quatro, em São Paulo. Pela datação de carbono, descobriu-se que já estava por aqui antes do nascimento de Cristo.
Abracei-me ao Jequitibá Rosa da Bica, em profunda comoção. Pela largura de seu tronco, e altura de suas copas, ele deve ter mais de mil anos. Sendo testemunha privilegiada do nascimento da cidade. Notei que ele tem saudades de seus amigos, por só estar, aqueles mesmos que viraram material de construção, fogueira ou móvel, sem nenhum cuidado com a preservação daquele patrimônio biológico.
Eu nunca tinha abraçado um jequitibá. Aliás, acho que nunca tinha visto um. A não ser o meu pequeno, de um metro e pouco, que crio em casa. Em Tupi seu nome significa o gigante da floresta. E, por isso mesmo, ele pagou o preço da “evolução”.
Um grupo de turistas parou perto para fazer uma foto. Não do Jequitibá, mas deles, em selfs infinitos. Aproximei-me e contei-lhes que aquela árvore, que estava ao lado deles, era um Jequitibá Rosa. Um ancestral, raro e precioso, mais antigo que a própria cidade. Eles deram de ombros com o que falei, respondendo com um “a tá!”. E seguiram caminho fazendo mais selfs deles. Nessa sociedade narcisista, olhar para além da lente dos selfs, deixando de apenas se contemplar e ao seu grupo, abrindo espaço para ver o que ocorre à frente das lentes vai se tornando uma coisa cada vez mais difícil de acontecer. As pessoas estão vendo as Cataratas de Foz do Iguaçu, por exemplo, mais estão mais interessadas em fazer um self, com elas por trás. Do que parar para deixar que aquelas águas adentrem os seus corações. Pobres seres humanos, pobres tempos, nos quais tudo gira em torno da própria pessoa. De sua exposição, de suas performances perante as telas, não importando o cenário que a emoldura. Aliás, estão pouco se lixando para o cenário, quando ele não serve para projetar a si mesmos.
Voltei-me para meu Jequitibá e notei que ele percebeu a cena. E que sentiu o desprezo da indiferença, o pior deles, de quem por ele passa todos os dias, e não mais o aprecia. Aliás, para apreciar algo temos que entender seu valor.
Combinei com ele que voltaria, li, para trocar um dedinho de prosa com ele, sempre que em João Pessoa estivesse. Vou sugerir aos administradores da Bica que criem a trilha do Jequitibá Rosa, incentivando que pessoas-menos-self tenham a experiência que tivemos. Ao sair, colhi um pedaço de seu tronco frondoso, que devidamente plastificado, ficará sobre no meu consultório de psicologia. No caminho, dei de cara com cascas de sementes em formato de coração, que falavam amor. Que belas. Dariam um bom quadro expressionista.
Seguimos para explorar o Altiplano. Trata-se do topo da Barreira de Cabo Branco, uma área que era pouco valorizada, até 10 anos atrás, seja pela dificuldade de acesso ao mar, seja pela pouca urbanização.
Agora, aquilo ali está mais parecendo Águas Claras, no DF, com espigões desafiando as nuvens e inúmeros condomínios horizontais, com direito até a muitos food-trucks, devidamente estabelecidos sob sombras de cajueiros. Ficou bonito demais, aquilo lá, antes uma área tão esquecida. E, não derrubaram uma árvore da mata que reveste a barreira, fazendo tudo de modo muito sustentável. Um exemplo de ocupação urbana.
Passamos pela belíssima Estação Ciência e seguimos para almoçar na Praia da Penha. Outra descoberta recente de meu turistar, quando lhe dei asas.
A Penha era considerada praia de povo simples, popular, e naquela época que eu não a via, meu coração era muito burguês. Corações burgueses deixam de ver e experimentar muitas coisas boas da vida, por se fecharem em guetos sociais. Era me caso.
A fome bateu e seguimos para a Peixada do Amor, localizada logo abaixo da barreira da Penha, bem perto do mar. O local fervia, e com sorte conseguimos uma mesa em local arejado. Aliás, não é sorte.
Refrescando-me com uma geladinha, observei um senhorzinho todo elegante, camisa xadrez, chapéu formoso, varrendo o chão do local.
Notei que ele era o dono da banquinha dos dindins, que ficava próximo da entrada sul do local.
Então a ficha caiu. Como ele vende uns dindins gigantes (geladinho), aos frequentadores da Peixada do Amor, os saquinhos iam sendo jogados ao léu, ou o vento os carregava para o chão. Aí, como eles era o fornecedor daqueles saquinhos, envoltos em deliciosos manjares, ele assumia, periodicamente, a limpeza dos plásticos que frequentadores jogavam no chão, ou não os colocava no lixo.
Perguntei seu nome e o porquê fazia aquilo. Ele me disse que se chama Ademir e que é “importante saber cuidar do que se conquistou”. Uauuu!!!!
Ademir é o único barraqueiro de calçada que pode ficar dentro da área do estabelecimento, com seu isopor de dindins, e uma banquinha que vende bolsas e chapéus de palha. Os demais vendedores ambulantes, que aproveitam o alto fluxo de turistas no restaurante, estão do muro pra fora, na calçada externa. Ele não. Ele está na área interna.
Disse-me que conquistou o respeito do proprietário e que limpar a área, que seus dindins eventualmente sujam, faz parte dessa conquista.
Sr. Ademr é um Jequitibá rosa. Espécie rara, quase em extinção, são pessoas que hoje se responsabilizam pelo seu agir, não ficam buscando justificativas para o não ser. Que assumem posição de protagonista, não terceirizando para os outros a sua liderança para um mundo melhor. Ele poderia ficar na defensiva dizendo e agindo assim: “problema do dono do estabelecimento recolher os sacos; problema dos turistas insanos que jogam no chão; não foi culpa minha; só estou vendendo meu dindin; não tenho anda com isso; se me tirarem daqui vendo na calçada...etc., etc, etc.”
Ele não. Pessoas Jequitibá pegam uma vassoura e uma pazinha e transformam seu lugar, não se importando se ninguém faria aquilo, no lugar delas, ou se a culpa não é delas.
Emocionado, comprei dindins de coco. JG e Sandra deliciaram-se, dizendo que foi o melhor que tomaram. Perguntei-lhe quem os faz. Ademir me disse que é sua esposa, e com a própria fruta. Saborear o dindin de coco de Sr. Ademir é uma experiência.
JG percebe que o casal da mesa vizinha, após pagarem a conta e saírem, deixaram a batata frita intacta. Ele vai lá e "confisca" o prato. Fica todo feliz com sua peraltice. Peço ao garçom que o embale, “será nossa janta”. JG sorri. E eu com sua astúcia e inocente simplicidade.
Satisfeitos, recolhemos os saquinhos, colocando-os embaixo dos talheres da refeição já “refeiçada”. Menos uma vassourada para Ademir.
Na saída, presenteei Cristina, Sandra e Guia (que está em Campina) com as bolsas de palha que Sr. Ademir comercializa, ao disputar com a caixa de isopor dos geladinhos o exíguo espaço de sua mesa-mostruário. Dei-lhe um forte abraço, prometi voltar. “Daqui há um ano por aqui novamente Não vá inventar de morrer, nem você nem eu.”
Na volta, paramos num terreno sombreado, perto do ponto mais extremo do Brasil, a Barreira de Cabo Branco. O objetivo era fotografar a baia de mesmo nome, a praia de Tambaú, Manaíra, Bessa e a ponta da praia do Poço, observados de uma posição mais que especial, numa vista privilegiada. Mas, senti a solidão no local. Éramos únicos. Para viver essa emoção tem que caminhar, pois a área está protegida do acesso de carros, para evitar vibrações na frágil barreira que ano a ano perde parte de seu terreno. Senti-me pequeno diante de tanta beleza, possibilitada por uma visão estonteante lá de cima, contemplando um horizonte de praias a perder de vista. Éramos os únicos, num sábado, no qual muitos voltavam dos programas das praias do litoral sul, apressados ou cegos demais, ou com olhos opacos pela rotina dos dias de belo, nos quais desprezamos com indiferença o que temos e não mais lhes damos valor. Voltamos para o carro com o coração exultante.
Naquela breve caminhada, de uns 200 metros, percebi que para apreciar algumas coisas que estão ali, todos os dias, e ao nosso redor tal qual o Sr. Ademir, a fonte de agua e o jequitibá, temos que aprender a caminhar para dentro de nós mesmos, e resgatar nossa própria essência de amor.
Temos que reaprender a caminhar mais 200 metros, para achar e valorizar o que realmente importa: em nós mesmos, nos outros e na realidade que nos circunda.






Um drone para orientar nosso viver

O dia começou com muita chuva em João Pessoa. A chuva do caju. Convencer meu povo a sair de casa, para ir pra praia, foi muito difícil. Mas fácil teria sido tanger uma “corda” de caranguejo de volta ao mangue.
Assumi o papel de macho-alfa-guia-de-turismo e botei todo mundo pra sair de casa. Sou dos que prefere passar um dia de chuva olhando o mar, sentado numa mesa de bar de praia, do que vendo TV num apartamento apertado.
Partimos em direção à badalada praia de Coqueirinho. Eu queria saber como ficou o acesso à ela, agora pavimentado. Antes, para nela chegar, tínhamos que vencer uma ladeira íngreme, que em dias chuvosos os carros conseguiam descer, mas para subir era um aperreio.
Carro sem tração não subia, pela argila lamacenta que formava. Ou subia de marcha ré, como já fiz.
Chegando lá, vi que abriram uma nova área de acesso, à direita, organizando os vários barraqueiros que antes operavam nas areias da praia, numa espécie de praça de alimentação. Alterei minha rota tradicional, á esquerda de quem chega na base da montanha, e dirigi-me para essa área. O dia estava com muita chuva e queria proteger aos meus, abrigando-os dos ventos e da água.
Por sorte, acertamos a barraca que escolhemos, logo de cara. Aliás, não foi sorte. Na área existem umas oito barracas, organizadas lado à lado em forma de meia lua. Optamos pela do Genildo, o da foto.
Uma simpatia de pessoa, junto com o Antônio e o Sandro, todos com atendimento exemplar.
Pedi uma rede para papai, e a festa ficou completa. A chuva parou e o sol saiu tímido, mas corajoso.
Então, fomos caminhar no sentido de quem vai para Pernambuco. Lugar nunca antes explorado por nós.
Ali, descobrimos uma praia quase intocada, areia branquinha, e nos sentimos mais uma vez os únicos do pedaço. À nossa frente, há uns 2 KM, um conjunto magistral de falésias demarcavam o horizonte, emoldurando o infinito.
A chuva recomeçou a cair e resolvemos voltar. Ao chegarmos, Genildo nos contou que aquelas falésias demarcam o início da praia de Tambaba.
Perto das 12hrs o sol abriu de vez, afastando as chuvas e e todos deram-me razão por ter insistido no passeio.
Cristina caminhou mais um pouco, para o lado norte, e ao chegar me disse que a baia e prainha de Coqueirinho continuam linda.
De onde estávamos, elas não são vistas pela formação geográfica do local. É preciso caminhar uns 100 metros, sentido João Pessoa, dobrar uma curva, para ver aquela prainha e baía que já foram tão registrada em cartões postais de Coqueirinho.
Vi vários turistas chegando no Genildo e ali ficando, ou só caminhando sentido Pernambuco. Embora seja uma bela praia, não verão a prainha e a baía.
Têm lugares que antes de nele irmos ajudaria muito uma imagem aérea, feita por um drone, para sabermos das potencialidades do local.
Drone é um veículo aéreo não tripulado e controlado remotamente que pode realizar inúmeras tarefas
Não espere que os operadores de turismo informem, ou os nativos do local. Eles estão tão acostumados com o belo, que aquilo passa a ser rotina na vida deles. E o que é rotina não damos mais valor, para que seja destacado aos olhos dos outros.
Quantas coisas em nossa vida estão passando despercebidas, tão perto, e tão longe de nossos corações, que para serem acessadas precisávamos de uma visão superior sobre nós mesmos, os outros, e sobre a realidade.
Precisamos de um drone interior. Para ver as coisas de outros ângulos, para acessar áreas desconhecidas e de rico potencial em nossas vidas. 
À noite fomos na feirinha de Tambaú, aproveitando para jantar na praça da alimentação que a margeia.
Pedi purê de macaxeira com bode. Delícia.
Um músico entoava canções de Luiz Gonzaga, tocando sanfona e cantando como ele. Uma perfeição. Chamava-se Daniel Gouveia, fechava os olhos e ouvia Luiz Gonzaga, tal a semelhança e perfeição de sua voz.
Aproximei-me dele para registrá-lo em fotografia e comprar um de seus CDs. Aí um jovem chegou e cochichou algo em seu ouvido. 
E o drone se fez. Como assim Ricardim?
A visão superior das coisas. Daniel Gouveia poderia ter sido egoísta, individualista, afinal o show era dele. Contudo, ele pegou o microfone e anunciou que faria uma breve pausa, para que o grupo de hip-hope se apresentasse. E assim o fez. Depois continuou seu show. Fiquei tão feliz com aquela atitude de desapego, por aquela visão dele do todo, visão drone, superior, que fui comprar um outro CD dele. 
 O show de hip-hope foi lindo, uns 10 minutos de bela apresentação. depois os rapazes saíram de mesa em mesa, pedindo umas moedas. Conquistadas pela sua arte, de forma honesta e cativante. 
Voltei pensando em visões drones, superiores das coisas. 
Não devemos limitar nossa existência ao que estamos vendo, aos nossos referenciais. Precisamos expandir as fronteiras de nossos pensamentos, de nossas atitudes e comportamentos. Precisamos ir além de nosso mundinho, esquemas e modelos mentais, abrindo-nos ao novo. Desde que não fira nosso corpo de valores.
Há muita aventura a ser vivida, conhecimento a ser conhecido, experiências a ser experenciada, desde que – vez por outra, deixemo-nos olhar pelos olhos do Alto, do drone superior que a tudo transforma, que em tudo produz vida, pela força do amor.
As emoções negativas (mágoa, culpa, inveja, vingança e maldade) fecham a visão do bom, belo e virtuoso que ocorre ao nosso redor.
Assim como nossos processos mentais mesquinhos e egocêntricos. É preciso ser maior para cultivar um jeito drone de pensar e agir.
Veja a foto aérea de Coqueirinho, feita de um drone e entenderá o porquê de precisarmos expandir nosso peregrinar, para ver o que ninguém vê, muitas das vezes por acostumarem-se consigo mesmo, sem mais crescer.

 Se não caminhar e dobrar essa curva, sentido coqueiros, não verá a linda baía e prainha de Coqueirinho.



Na crôa que se forma, o dom de cultivar esperanças.

Chegamos à tempo de pegar a balsa das 9hrs, que faz o trajeto Cabedelo-Costinha. À nossa frente, aguardava ela chegar, um feirante com seu carro cheio de bananas. Compramos logo uma penca, por R$ 3,00. Nós e um monte de gente que esperava a balsa chegar, fazendo sua alegria. Chegando à Lucena, nos dirigimos até a praia de Fagundes, uns 18 KM do ponto de atracação da balsa, e entramos no acesso à barraca do Geraldo, uma das melhores daquele trecho de praia, para dali contemplar a Crôa se formando. 
Caminhar sobre a "crôa" da Pontinha de Lucena é um fenômeno da natureza imperdível (Veja foto aérea). Uma Crôa é um banco de areia que só se forma na maré vazante. E, a maré estava vazando. Enturmamos o JG com as crianças do bar, que estava vazio, assim como a praia, eram os netos do Geraldo e deixamos JG sob os cuidados de Dona Celina. Então, após esperarmos uma hora a maré baixar, caminhamos uns 500 metros até aquela formação. O mar ainda lavava a crôa, fato percebido pelas ondinhas que formavam em toda a extensão. Pássaros davam rasantes, fazendo a festa com os peixinhos que ficavam mais desprotegidos. Naquele local, a Crôa se projeta da praia até mar adentro, e é facilmente acessada de pé. Veja a foto. Diferente da mais famosa Crôa da Paraíba, chamada de Areia Vermelha. Terror dos navegantes, delícia dos banhantes, esse tipo de formação nos dá acesso à uma praia que fica encoberta pelo menos 18 horas todos os dias, com areia bem limpinha, cheia de conchinhas e a sensação de provisoriedade e mudança da vida, já que em poucas horas aquilo tudo estará coberto novamente pelo mar. Essa crôa é acessada da praia, sem precisar de barco. Quando nela chegamos, por ser dia de semana, fevereiro e período escolar, a praia era só nossa. Com raros catadores de conchinhas, para artesanato, e alguns pescadores indo buscar suas redes. Ali, sentando naquela primeira ilha, o silêncio era quase espiritual, quebrado apenas pelo som das ondas e suspiros do vento, enamorado pelas folhas dos coqueiros que avistava à frente. 
Ainda havia uns 30 cm de água, em alguns trechos, mas não impedia nosso vigoroso acesso às primeiras ilhas que se formavam, na parte mais alta da crôa. Veja foto. 
Parti resoluto atrás de minha estrela de nove pontas, fotografada em 2016. Não achei. Achei outras coisas belas e acalmei meu coração. Não é todo dia que achamos estrelas de nove pontas. São raras e cobiçadas por aquaristas e pessoal que faz arte com as coisas do mar. Aliás, alguns literalmente "fazem arte", no sentido de coisa errada, ao retirar espécies ainda vivas para com elas fazerem suas peças, como os búzios e as estrelas de nove de pontas, entre outros. 
Ficamos uma hora no local, e ao sair o trecho de areia estava formado, já voltamos para a praia sem pisar na água. 
Caminhando de volta, uma pontinha de tristeza, por não ter visto minha estrela, assombrou meu coração. Assombro besta e passageiro.
Mas a sorte se fez. Aliás, não é sorte. 
No local mais improvável, ela apareceu toda linda.
Estava naquela areia molhada de beira-mar, quando o mar vai secando, que mais parece um espelho.
Ou seja, não apareceu onde ela mora, na parte mais funda do mar, que ali só conseguimos chegar ao caminhar pela crôa.
Apareceu num trecho facilmente visto, exposta aos banhistas, artesões e pescadores que por ali poderiam caminhar.
Ainda bem que a praia estava vazia. Após a foto, a resgatei daquele perigoso trecho e a coloquei mais dentro da água, para que ela escapasse de ser peça de arte.
Só devemos levar da natureza as fotos, deixar pegadas e edificar, em áreas protegidas, romances à lua cheia. 
Chegamos no Geraldo e a felicidade ficou completa. JG, e os netos do Geraldo: Mamá, Geraldo Neto e Pedro, todos entre 6 e 8 anos, faziam festa com brincadeira de criança, das antigas. Não havia celular, tablet, Tv ou Game disponíveis e eles brincavam de inventar brincadeiras. Como nós fazíamos nos tempos antigos.
JG ensinava aos meninos suas priruetas e cambalhotas, tendo cuidado para eles não se esforçassem muito, para não "vomitarem" pois tinham almoçado. O cuidado do JG com as outras crianças me seduz.
Aproveitei que a PM fazia ronda no local e levei JG para apresentar-lhe. Ele ainda está traumatizado com o assalto. Depois, ele se soltou mais ainda, talvez por se sentir mais protegido e até dentro da cozinha do Geraldo virou local de esconde e esconde. 
Deliciei-me por umas duas horas vendo-lhe assim. Aproximando-me deles, vi que agora estavam concentrados cavando terra. Dirigi-me à Mamá, uma jovenzinha da idade dele, e pergunte-lhe se o que plantava em cima de um tijolo era um pé de grama. Ela fazia um montinho de terra e colocava capins sobre ele. Achei que ela estava brincando de plantar.
Ela olhou para mim e disse, é não. 
É um bolo. 
E aí entrei na fantasia, junto com ela, e fomos fazer bolo, e era de chocolate. Depois, levamos para assá-lo, embaixo do pé de coco.
Como é bom ver nossos filhos brincando. Logo apareceu uma bola, e aí nosso DNA se fez presente e a algazarra idem, de crianças correndo atrás da bola.

A formação da crôa nos ensina que nada é eterno, tudo é mudança, e que precisamos saber esperar o tempo do desabrochar. Sem apressar o rio de nosso viver, sem botar carbureto para amadurecer à força. Com JG e sua timidez e sociabilidade com estranhos está sendo assim. Devagarinho, dia por dia ele vai aprendendo que nem todos mordem. Só alguns e deles precisamos saber nos defender. Como para ver a Crôa, chegando na praia com mar bravio, temos que ter paciência e acreditar que o melhor ainda está para vir em nossas vidas. É só esperar a força da maré que irá revelar o que temos de melhor, em suas luas vazantes. Uma esperança atuante, sem ser esperança de comodismo. Esperança que não se cansa em apresentar novos amiguinhos para o JG, na esperança de que, pouco a pouco, como ontem à noite, ele mesmo tome a iniciativa e consiga. 
Assim é como tudo na vida. Temos que ter paciência, para ver o que se descobre nas vazantes de nós mesmos, dos outros e da realidade. Ali quando tudo fica a mostra e se revela em sua completude. Possibilitando que tesouros escondidos, como minha estrela de nove pontas, possa ser acessado e nos torne melhores. Esperanças daquelas revolucionárias, transformadoras, não daquelas de braços cruzados. Das que lentamente, mas com perseverança, moldam o destino que se pretende ser. Alterando a crôa de nosso viver, do viver do outro e da própria realidade. 
então, quando as coisas ainda estiverem encobertas em seu viver, com mar bravio batendo à sua praia, tenha calma. Isso também passa e o melhor ainda estará por vir em teu viver, é cultivar o tempo da maré, ela vai virar e uma linda crôa aparecerá. Talvez não seja o tempo ainda, ou o que queira muito, na verdade não seja bom, no futuro de seus dias. quem saberá o que a crôa revelará? Só uma coisa sabemos, o ontem já se foi, e tudo é mudança. Então, aprenda a eternizar os bons momentos e as vadias alegrias em seu viver. eles são como a formação da crôa, nada perenes. Mas, infinitamente belos quando acontecem. Talvez o segredo dessa beleza seja justamente a percepção da finitude desse instantes mágicos, como o de ao caminhar ver uma estrela do mar de nove pontas, ou de se deliciar vendo o filho brincar. O amor tem o dom de eternizar nosso peregrino viver.

Não é pesado, é meu irmão!



O dia começou com cotidianidades. Levar o JG para cortar o cabelo, comprar água mineral, calibrar pneus do carro.
Então, por termos atrasado muito, proponho ficarmos mais perto de casa.
Ao passar em frente ao Camarão Grill, no início da praia do Bessa 2, o JG nos pede para ali ficar.
Ainda nos diz que a programação do dia será ele quem fará.
Ele se lembra do parquinho aquático que naquele restaurante tem e insistentemente nos pede.
Engraçado, JG nunca pede nada na programação. E nesse dia ele se manifestou.
Atendi satisfeito seu pedido, estacionando no antigo e imponente Clube Médico. Mesmo hoje sendo um conjunto de ruínas. Ele perdeu a batalha contra o mar, que erodiu parte de suas instalações. Nunca pude adentrar naquele local, pela minha condição social, e por se tratar á época de um clube muito restrito à fina flor da sociedade Pessoense, na qual eu não me inseria. Passava pela praia, caminhando, e via os restos de festa e ainda glamour, mesmo no dia seguinte.
Hoje, só escombros, vazios, e árvores que teimam em nascer sobre suas paredes.
Toda manifestação humana de poder, todo acúmulo de bens materiais, de vaidade, dinheiro e arrogância, além das expressões de um orgulho besta, um dia vai virar exatamente o que esse local virou: PÓ! A maré do tempo é imperdoável com os que na vida só plantaram matéria, devolvendo para eles matéria, em forma de 5 palmos abaixo da terra. Já outros, que plantaram amor, apesar dos mesmos 5 palmos, deixarão a eles mesmos nos corações de quem por eles passou, ou foi tocado. Essa é uma sútil diferença, para quem entrar e para quem perder alguém, embarcado na plataforma dos 5 palmos de terra.
Deixando a filosofia de lado, pegamos uma mesa frente ao mar e fui credenciar o JG com a pulseira de acesso ao parque aquático infantil, que fica no interior do estabelecimento.
Tentei amizade com a mesa da direita. Cri cri cri. Só me respondiam com lacônicos monossílabos.
Tentei amizade com a mesa da esquerda, idem.
Então aproveitava as vindas do garçom, o Hugo, e com ele conversava.
Ele contou-me um pouco de sua história, nas frações de minutos em que ele passava na área para deixar algo ou atender alguém.
Há uns 30 anos atrás ele migrou para servir a Marinha no RJ, e por lá ficou. Lá conheceu uma paraibana, que atendia num bar próximo de onde servia, “um reduto de paraibanos”.
Apaixonou-se por ela, e numa noite em que montava guarda, abandonou o Posto para vê-la. Ao voltar, foi descoberto e deram-lhe duas opções: ser expulso, ou pedir baixa. Ele ficou com a segunda, menos vergonhosa.
Saindo do que poderia ter sido uma bela carreira, ele aprendeu o oficio de sua amada, e passou a ser garçom em estabelecimentos do Rio de Janeiro. Até que um dia, ao visitar João Pessoa, comprou ainda na planta um apartamento, na antes de difícil acesso e pouquíssimo valorizada praia do Bessa. Isso aqui era uma mata de cajueiro e ninguém queria fazer morada nas suas poucas avenidas abertas.
Até que os tratores chegaram e abriram o que ficou sendo chamado de Jardim Oceania, um enorme bairro de praia, com mais de 30 ruas.
Hugo me disse que todos chamaram-no de louco. E que ele pagava em dia as prestações d imóvel na planta, até que um dia o prédio ficou pronto. Então eles venderam o pouco que tinham no RJ e vieram para a Paraíba, trazendo seus filhos, bem pequenos.
Aqui fizeram de tudo para sobreviver, e ele passou a ser chamado para atender plantões em bares e restaurantes. 

Hugo me conta que trabalhou muito, em plantões extenuantes que mal dava para ver os filhos crescerem. E que no único dia de folga só pensava em dormir.
Com o dinheiro custeou os estudos dos filhos: um terminou direito e é perito da polícia civil, o outro faz Escola Naval e a menina estuda biologia.
O orgulho dele em dizer que conseguiu criar os meninos com o fruto de seu trabalho de garçom, e a ajuda de sua esposa – “empresaria de biscates”, são de aquecer o mais gélido coração de quem o escuta.
Conta-me que agora não faz mais plantão, não dobra jornada. E que pode finalmente conviver com sua família, nos períodos pós-labiuta. E que, na segunda, é o dia de sua folga no qual ele acender a churrasqueira, que fica na varanda de seu apartamento, chama os familiares e com eles se confraterniza, ao som de uma boa música. A segunda é o seu dia de celebrar, com sua família, a vida.
Hugo consegue uma cadeira de piscinas, daquelas brancas, e ganhou muitos pontos com dona patroa que estava se bronzeando. Ainda me fornece uma preciosa dica, pedindo quatro caranguejos eles saem, naquele dia de “black friday”, por R$ 3,00 cada um. Com desconto de 50% em relação aos concorrentes. Aí a festa ficou completa e tome caranguejo, e frações de minutos de papo com o Hugo, que queria contar sobre a vida dele e eu queria ouvir. “A Tampa com a Panela.“
O mar estava calmo e crianças brincavam na areia. Uma delas chamou minha atenção. Tinha o braço engessado e seus pais o cobriram com plástico filme, para que ele pudesse brincar na praia e tomar banho, sem prejudicar o gesso.

Fiquei amando aquela família, sem saber quem seriam os pais do menino. Outro garotinho juntou-se a ele e trazia baldes de água, pesados baldes, para encher o açude do garoto com braço engessado.
Uauu, que solidariedade infantil. Daquelas que transformam o mais ácido coração em mel.
Notei que um senhor aproximou-se do garoto e com ele estabeleceu contato. Deveria ser o pai.
Então dirigi-me a ele e reconehci sua atitude de cobrir o gesso com filme plástico de cozinha.
Ele era o avô, e o netinho se chama Davi.
Logo estabelecíamos um papo dos bons, ali vendo-lhes brincarem. JG chega da piscina e se junta ao grupo, dos construtores de açude, em animada alegria.
O avô se chama Patrício, pastor Patrício, da igreja Betel. Homem sábio, que rejeita esse tipo de fé que vende até água do Rio Jordão, que acredita que a verdadeira fé se coloca a serviço dos mais pobres e necessitados. Como os irmãos de sua igreja fizeram, ao arrecadarem R$ 200.000,00 em inúmeros eventos e intervenções em sinais, e com esse dinheiro construíram uma creche, nos fundos da igreja e que hoje atende 60 crianças da comunidade.
Ele nos levou para conhecer sua família, que estava sentada a umas 3 mesas da nossa e com eles ficamos até o entardecer.
Falando das coisas pelas quais vale a pena viver: um país melhor, o aconchego do regaço da família, a solidariedade e respeito entre os povos e a necessidade de sermos jardineiros da paz.
Uauu!!!
Quem soprou no ouvido do JG foi o Espírito Santo, e o JG, ao alterar nossa rota, insistindo para ali ficarmos, nos possibilitou um dia místico, mágico e fenomenal.
Na saída, comprometi-me em ajudar ao grupo de teatro dos jovens da igreja, que estão tendo dificuldades em amealhar, nos semáforos, R$ 200,00 para comprarem o material da encenação da Paixão de Cristo.
O sol já queria ser por, e aí me despedi deles. Eu iria levar os meus e a meu pai que chegava de Campina Grande, para hoje me deixar no aeroporto, na Casa do Bacalhau, o que de fato aconteceu e foi muito bom.
No trajeto, fui ao gerente do estabelecimento, reconheci o trabalho do Hugo, aproveitei e pedi que ele fechasse a fatura da mesa 145. Paguei a conta, e disse ao Hugo que avisasse ao Pastor Fabrício que a despesa dele estava quites. E que fora nossa doação, em retribuição ao amor que ele expressa pelos mais necessitados, dizendo-nos a todo momento, sempre que nos os arguíamos sobre as dificuldades de fazer missão em áreas tão carentes e até violentas: “Ricardo, não é pesado, pois é meu irmão”.
Uauu, com essa frase encerram-se as transmissões dessas férias.
“Não é pesado, é meu irmão”.
No trajeto até em casa, elevei meu coração a Deus e pude escutar o pensamento do coração, do amiguinho do Davi, dizendo-me também:
“Não é pesado, é meu irmão”.
Nota: Davi e o seu amiguinho conheceram-se na praia, ontem.

Crônicas Anteriores