Desviando-se de Torpedos Emocionais

Desviando-se de Torpedos Emocionais By Ricardim
Tem uma arte que nos torna menos tristes, não necessariamente mais felizes. Mas, garanto-lhes, menos tristes sim!
É a de se desviar das balas de coisas ruins, a nós dirigidas: seja pela realidade, seja pelos outros, ou de forma mais doentia, atiradas por nós,
contra nós mesmos.
Saber desviar o curso do rio negativo, quando ele vem descendo de morro abaixo, é um aprendizado sempre em desenvolvimento.
Tal aquele filme Matrix, no qual o ator principal, chamado de Neo, desvia-se das balas, de forma acrobática a ele dirigidas.
Essa acrobacia psicológica é muito importante para a saúde mental.
A primeira competência para esse aprendizado é a de reconhecer a bala.
Reconhecer que, como a ilustração remete, "algo deu errado".
Seja um acontecimento chato, seja uma decepção, ou até uma frustração. Algo que nos tirou do sério. Que nos fez mal.
Você sabe de que estou falando. Quando uma bala da negatividade nos atinge, sangramos emoções boas por todos os poros.
Temos uma hemorragia emocional - frutos dessas balas que penetram em nosso ser, que nos faz piores, ressentidos, resignados ou resmunguentos.
Sangramos esperança por todos os vasos e perdemos a pressão vital que mantém a dinâmica da vida e nos mantem positivos e otimistas, apesar de...
Mas como se desviar das balas? A receita foi publicada num artigo do Journal of Abnormal Psychology, em 1978, de autoria de Seligman, entre outros. E, comprovada 30 anos depois, num dos resultados do maior estudo longitudinal já feito numa população, o estudo Grant, no caso desse resultado, junto a ex-combatentes dos EUAs.
O que eles descobriram, afinal?
E que considero a arte de desviar-se das balas, inclusive daquelas perdidas que acontecem fruto da fatalidade, luto ou digamos "azar".
Que a forma com a qual lidamos com as adversidades faz toda a diferença no stress, imunidade e qualidade de vida emocional.
Adversidade é tudo de ruim que nos percebemos que nos ocorreu.
Desde um arranhão que dão em nosso carro, ou uma reprimenda do chefe, à dor da separação de amantes.
Vivem menos tristes, ansiosos e mofunbáticos aqueles que diante das adversidades possuem três atitudes que se combinam sinergicamente, potencializando resultados uma na outra.
a. Atitude de quem diz: Isso é passageiro. Amanhã será melhor.
b. Atitude de quem diz: Isso de ruim que me ocorreu não é abrangente, ainda têm áreas boas na minha vida.
c. Atitude de quem diz: não foi só por minha culpa que isso aconteceu, há outras variáveis externas que contribuíram com a adversidade.
Os cientistas comportamentais descobriram que os que têm um "estilo explicativo" sobre as adversidades ao contrário do descrito acima estão mais suscetíveis à tristeza, depressão e degradação da qualidade de vida.
Estes, "explicam" e portam-se perante as adversidades assim:
a1. Atitude de quem diz: Isso é permanente. Nunca ficarei melhor. Nunca sararei dessa dor.
b1. Atitude de quem diz: Isso que aconteceu de ruim comigo é abrangente. Não dou certo em nenhuma área na vida. Nada é bom em minha vida. Nada!
c1. Atitude de quem diz: Foi toda a culpa minha. Não há nada no contexto, na conjuntura, no lado de lá que tenha contribuído também. Tudo foi eu quem fez de errado.
Quem explica as adversidades pelo viés das alternativas: a, b ou c são mais resilientes e sobrevivem melhor às crises.
E que os que se portam pelas posturas a1, b1, e c2 desenvolvem um aprendizado perverso e doentio, o do Desamparo.
aprendido.
Aprendem hábito infelizes de ser. Não se desviam mais das balas.
Passam o dia botando pra dentro coisa ruim que poderiam ser relativizadas, não tão valorizadas, vistas de uma perspectiva referencial maior, ou simplesmente ignoradas.
Abrem o peito aberto às balas do pessimismo e perdem a flexibilidade de se desviar de rotas alteradas, ou pessoas.
Podemos aprender e ensinar a arte de se desviar das balas emocionais negativas, ou quando elas nos atingem, nos portar como as alternativas "a,b e c" .
Tudo é treino. Você percebe quando a bala está vindo e até que ponto deixará que ela lhe mate, um pouquinho a cada dia.
Convido-lhe a pensar sobre o assunto e parar de colecionar coisas ruins durante o dia, sem depurá-las, processá-las, ou, E por que não? Dar descarga nelas!

Pensamentos Perfumados



Sigo para o trabalho ouvindo Adios Nonino, um belo tango de Piazzolla.

A música me faz lembrar do que Paulo falou em sua Carta aos Filipenses, capítulo 4, versículo 8:

"Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento."

Os belos acordes me fazem louvar a vida.
Durante o trajeto, fragmentos de pensamentos - evocados do último final de semana, pipocam em meu ser.
Das cenas que rememoro, um olhar não me sai da cabeça.
Um olhar de um jovem aprendiz de engraxate. Que vendeu seu celular, comprou uma caixa de engraxar sapatos, botou o terno de ir ao culto, e foi para a labuta. De sapato em sapato, tentava conseguir ajudar sua mãe a pagar o aluguel.
Embora de sandália, paguei uma engraxada para um dos garçons, o que ele escolhesse, e perguntei-lhe sobre como andavam as coisas.
Aí contou-me sua história, dizendo-me de sua aventura no novo emprego, estando há quatro dias nas ruas de Goiânia-GO, mas que pelo feriado da Semana Santa a cidade está deserta. A maré não está para sapato, e sim para tênis.
Aí ele recebe o dinheirinho da engraxada, para de conversar e senta-se sobre a caixa.
Quanto a mim, volto-me para os meus, embora continue a olhá-lo de soslaio. Ele passa bons minutos com a expressão da foto.  Aquele olhar me marcou. Um olhar de quem se sente perdido diante de um futuro incerto. Um olhar de espanto, espanto de sim mesmo diante da dura realidade.
Chego ao hotel e lembro-me que deveria ter pago uma rodada de graxa para todos os garçons, não me faria muita falta e alegraria a noite daquele jovem rapaz. Mas, já era tarde para a redenção de minha culpa.  Todos que possuem algo mais, têm sobre si uma hipoteca social. Precisam retribuir.
Outro pensamento invade-me: de cenas idílicas. O pequeno JG varrendo a calçada da praça, com um resto de pendão de Buriti, e mais à frente uma jovenzinha chorando de soluçar, sozinha no banco de praça, da Praça Tamandaré.
Acho que andaram varrendo o seu coração de menina-moça, seria algo do reino do amor?
Como dói as dores de amor, como varrem nosso coração para longe!
Tomo coragem e sigo com o JG até ela. Ponho a mão em sua cabeça, a abençoou.
E digo-lhe que Aquele que ressuscitou cuidará dela, desejo-lhe a Sua paz e sigo. Ela agradece com olhos de lágrimas caudalosas.
Bateu fome e sigo com o JG até a “praça de alimentação” da Feira da Lua, que fica na Rua 5. Escolhemos uma barraca na qual possamos nos abrigar de um pequeno chuvisco. Fiquei próximo da loja da HP, na Barraca Ki-Delícias Tortas e Panquecas.
Logo estabeleço uma prosa com seu proprietário, o Sr. Lucimar Rodrigues.
Ali, em pé do balcão, tomo uma cervejinha e o JG se diverte contando os transeuntes que vestem vermelho. Juntos, esperamos Cristina, minha esposa, que alegremente bate perna nas barracas de roupas e bijus -  sem marido chato pedindo para ir embora. 
Eis que ao meu lado, uma senhora comenta com suas filhas que vai reservar o dinheiro da passagem de ônibus. E, com o que sobrará vai pagar um lanche para sua família.  Sobrou R$ 10,00. Ela pergunta o preço da torta, o Lucimar diz que é R$ 12,00. Ela pede um desconto, pois só tem R$ 10,00.
Ele vende. Grande Lucimar!
Saio do balcão e volto a sentar-me onde estava. Agora bateu fome. Delicio-me com um empadão. O JG se atraca com um pastel.
Olho para o lado e vejo a cena. Aquela mãe está dividindo uma única torta,  com ela e suas duas filhas. Cada uma com uma colher de sopa vai raspando o petisco. Elas estão esfomeadas, e a porção é pequena para três pessoas.

Lembro de meus tempos de pindaíba. Saia com a ex-mulher e os três filhos para passear pela cidade. Não tinha dinheiro para restaurantes.

Dava uma dez voltas pelo centro e parava num barzinho chamado Bananal.

Pedia um quintin de cachaça, um refri de 2 litros, um tira-gosto de picado (espécie de sarapatel).

Aí pedia cinco pratos e farinha. Fazia um pirão com o caldo e dividia o "aglomerado" com os filhos e a mulher. Uma porção para cada.  Rodrigo não comia a dele. Dividia com os irmãos e me dizia que gostava mesmo era de roer os ossos. Alguns osso que acompanhavam o prato, do pé de porco.

Era "almoço" pra cinco. Saíamos com fome, empanturrados de farinha, mas era o que podíamos pagar, e éramos muito felizes.  Mesmo com pouco.

Voltando à barraca, chamo Lucimar e digo-lhe que ele ofereça mais uma de grátis. Que bote na minha conta, mas que não diga que fui eu. Que ele diga que foi “oferta da casa”. Ele segue o roteiro e a família vibra de felicidade.
Eles não estão tomando nada. Fico remoendo se deveria pagar um refri.
Fico em dúvida.  Temo ela perceber a trama e sentir-se constrangida. Desisto do refri.
Na saída, noto que ela pega uma garrafa vazia de Coca-Cola, numa das mesas, daquelas de 600ml, e pede que a um empregado do Lucimar que a encha com água. Daquelas garrafas de vidro que guardamos na geladeira.  Depois, segue feliz dando água às filhas.
E, eu fico remoendo culpa, a do refri não doado.  
Sr.Lucimar aproxima-se e elogia o gesto. Aí me conta que todo dia um catador de latinhas, aparece na sua barraca, perto do fechamento da feira, pelas 22hrs. É seu cliente especial.
Deixa eu te explicar.
Há  uns meses atrás, aquele catador de latinhas, começou a abrir lixos de seu estabelecimento procurando resto de comida.
Ao ver aquilo, Lucimar disse-lhe que doravante sempre haveria um empadão novinho, sem ser do lixo,  para aquele homem.
Durante uns sábados ele comeu o empadão. Semanas depois, não aceitou mais.
Sr. Lucimar perguntou-lhe o porquê. Ele falou que não era justo, e que estava se sentindo culpado, por se alimentar enquanto seus dois filhos catavam latas noutros trechos da feira, e ficarem com fome. Assim, ele não queria mais comer sozinho. Preferia juntar restos e levar para eles. Sr. Lucimar fez então um gesto que poucos fazem, disse-lhe que dali em diante o catador de latinhas e seus filhos sempre teriam direito a um empadão, e um refri, após o fechamento da feira, na sua barraca.
E, desde então ele os considera seus clientes mais especiais.
Contou-me sua história, do quanto ralou na cidade grande, vindo ainda criança do interior e sem posses. Do quanto lutou para criar seus filhos e educá-los.

Falou de sua esposa, a Joana, a que ficava perto do caixa da barraca.
Falou dela com com tanto amor, e de seus 37 anos de casado, que seus olhos brilhavam.
Em cada cena do casamento que relatava, dela emanava um jorro de admiração e gratidão pela sua esposa.
Pelo apoio que dela sempre recebeu, e pela sua incansável luta numa atividade pesada que é a de feirante:  desde o preparar muito cedo os quitutes, comercializá-los, e, depois recolher tudo.
E, no dia seguinte já partir para outra feira. Sempre ele e ela.
Falou que sabe o que é ser pobre e que sempre ajuda e procura uma forma de retribuir.
Tanta gente congrega em igrejas, de todos os credos, e não tem o espírito amoroso e solidário do Lucimar, tantas!
Falou-me que têm uns jovens que pegam as mercadorias ainda na validade, que sobraram de uma feira que foi fraca, e levam-nas para doarem para necessitados.
Falou-me com tanto amor de sua família, de seus netos e netas, das filhas e filhos.
Precisar compartilhar com vocês. Se cada um de nós retribuir um pouco, se doar um pouco, abrir mão da individualidade, do egoísmo, dos armários abarrotados de roupas e sapatos que um dia “poderei usar quando a moda voltar”.
Precisamos de mais Lucimares mundo afora.  Precisamos retribuir.
Tanta gente poderia ser ajudada.  Podemos fazer isso em todos os locais. Com nossa profissão, com nossa cidadania, com nossa doação de tempo, de amor, de respeito, de um pouco de dignidade para o outro.
E o que fica de valor para quem doa se doa, é infinitamente maior do que o de uma engraxada de sapato, um afago na cabeça, um empadão goiano.
A música vai chegando ao final. Um perfume invade o carro.  De onde virá.
Estarei sonhando olfativamente falando?
Lembro-me da canção: fica sempre, um pouco de perfume, nas mãos de quem oferece rosas.
Ah, ele vem de meus pensamentos. Pensamentos bacanas são perfumados.  Lucimar e Joana são perfumados. Perfume interior, e dos bons. Melhor que francês. 
Sobre isso Paulo não escreveu. Mas, que são, são!

Sejamos Páscoa!

Manhã de quinta no trabalho, semana santa da Páscoa, pensamentos encaracolando-se na leitura de importantes documentos, e preparativos das reuniões dos Conselhos da semana vindoura.
Aí a Joyce, uma de nossas copeiras, adentra a sala oferecendo-me bolo.
Nego a generosa doação, não gosto muito de doce.
Mas, ela insiste.
"É de milho. Foi nossa comemoração da Páscoa. Comprado por nós, com o dinheiro de papelão reciclado.”

Aí, já mudo a história, e passo a gostar de doce desde pequeno. rsrs
Pego logo um pedaço farto, dou uma dentada, e pergunto-lhe:
“Que história é essa do papelão? ”. Já antevendo tesouros.

Afinal, sinto-me como um garimpeiro de preciosidades cotidianas. Um garimpeiro social. Depois, lapido as preciosidades e as compartilho, para que sirvam de inspiração a outras pessoas.
Joyce me falou que a “Encarregada”, Sra. Fabiana, aquela de camisa rosa na foto, motivou a todos para juntar papelão, daqueles de embalagens descartadas. Tanto os da Empresa, como os que achavam na calçada, no retorno do almoço, ou na chegada ao trabalho. É que ao lado de onde trabalho tem uma agência dos Correios, e é comum ver caixas de papelão na calçada, esperando o carro do lixo.
Dou meu celular pra Joyce documentar o evento. Um evento digno de registro.
Precisava, sem atrapalhar o evento deles, participar daquilo.
Afinal, não é todo dia que alguém tem uma boa ideia e a utiliza em prol do grupo. Ela poderia usar para interesse próprio, prática tão comum em pessoas que exercem algum tipo de poder em nosso país. Infelizmente.
Ela não. Ela mobilizou o grupo dos copeiros e zeladores para fazer uma caixinha com o dinheiro da venda do papelão, quando apurassem.
Na segunda-feira passada, Fabiana vendeu a mercadoria e apurou R$ 90,00.
Com o dinheiro, ela preparou uma celebração à vida.
Comprou bolos e refrigerantes. E, hoje cedinho pela manhã, ofereceu um café da manhã de Páscoa aos zeladores e copeiras do prédio, umas 12 pessoas.
O gesto da Fabiana foi minha Páscoa.
Quando Jesus percorreu a via-sacra, ressuscitando ao terceiro dia, foi para nos ensinar a amar. Ensinar a nos colocar como servidores dos mais simples, a ser bênção para quem cruzar nosso caminho.
A visitar os doentes, presos, ajudar o mendigo, amparar a viúva e o órfão. A ser bom, grato, de paz e justo. A perdoar e não atirar a primeira pedra.
Fabiana, doou-se em serviço indo além do preceito do cargo, e, com criatividade, fez a diferença na vida de pessoas – muitas das vezes esquecidas dentro das Organizações de trabalho.
Imagino-lhe abrindo caixa a caixa, para dobrá-la em volumes menores. Imagino-lhe negociando a mercadoria com o comprador de recicláveis. Imagino-lhe indo comprar uns bolos e investir o troco em refrigerantes de 3 litros.
Pessoas assim são Páscoa! São passagem do egoísmo à comunhão.
Da morte à vida. Pessoas assim, influenciam na vida dos outros, e para melhor. Pessoas assim deixam um legado por onde passam.
Antes de postar a foto, notei que aqueles profissionais tinha um coelhinho da páscoa em suas mãos. Chamei a Joyce e perguntei-lhe se tinha sido também com os R$ 90,00.
Aí ela falou que não. Que os coelhinhos da páscoa, com um sonho de valsa no interior, eram doação de Dona Giselda, a do segundo andar.
Que ela, ao saber da ideia da Fabiana, juntou-se a ela para abrilhantar o café da manhã, presenteado o pessoal com os coelhinhos. E que ela mesma tinha feito um a um à mão.
Mais uma que foi Páscoa para o outro, a Giselda.
Creio que o principal ensinamento do Mestre foi o de que é preciso “amar ao próximo como a si mesmo”.
Foi isso que Fabiana e Giselda, e por que não dizer a Joyce, ao me oferecer o bolo, fizeram.
Amor traduzido na palavra doação.
De gesto em gesto, de ação em ação, cada um pode tornar o lugar em que vive melhor.
Mesmo que seja juntando papelão, cortando e pintando coelhinhos da Páscoa - em plástico EVA, ou doando parte de seu bolo.
Ou seja, sendo bênção na vida do outro.
Que bolo de milho gostoso.
Vem cá, coma um pedacinho de bolo comigo, e Feliz Páscoa!
E, que sejamos Páscoa para quem cruzar nossos caminhos, nunca muros. Menos chocolates e mais amor nessa Páscoa e sempre.

Da panela à piscina, a arte de ser feliz.


Uma Candura de Abraço


Tem uns cinco anos que eu almoço no Tio Patinhas, um self-service na 716 Norte em Brasília.
Bem próximo do Ed. Sede IV da Diretoria de Tecnologia, onde trabalhei.
Acompanhei toda a saga da família que toca o empreendimento, e que recentemente mudou de nome de fantasia, não sendo mais o Tio Patinhas.
Marido, mulher e a mãe dela se revezam nas várias tarefas da empresa. Acompanhei a gravidez do segundo filho do jovem casal, o acidente de bicicleta de seu esposo, e as prosaicas história da matriarca do pedaço, Dona Candinha, como a chamarei por aqui.
Dona Candinha é uma Cearense da gema que foi logo dando liga com meu sotaque paraibano de ser.
Foi amor a primeira garfada.
Ela está ali para fazer aquilo dá certo. Do alto de seus 70 e poucos, mantém os cozinheiros e garçons na ordem, e circula entre os vários papeis, dela exigido, e com desenvoltura.
A todos ela dirige uma palavra: "Você almoçou bem?"
"Meu filho, já foi atendido?"
"Vai experimentar o tambaqui na brasa?"
Nunca a vi de mau humor. Nem com os seus funcionários, nem sempre céleres.
Dona Candinha é líder nata. Atua com maestria: aquilo lá precisa dá certo, é de sua filha, genro e netos.
Fazia 5 meses que ali não comia. Era uma segunda corrida, daquelas que entre um evento ali e outro acolá, uma tosse seca e uma noite mal dormida tiravam-me do sério.
Como o evento era próximo dali, resolvi matar as saudades.
Telefonei para meu amigo Fahl, perguntando-lhe se ele topava almoçarmos juntos. Fahl era um parceiro inseparável dos almoços, nos quais achávamos soluções para todos os problemas do mundo.
Ele também mudara-se de prédio e estava mais distante.
Logo topou. Fui na frente.
Entrei e fui logo cumprimentando a todos. A filha e genro de dona Candinha, e os garçons.
Eis que adentro o setor de mesas e Dona Candinha está assumindo o posto de pesadora de balança de self-service.
Ela me vê e solta um: Meu filho, há quanto tempo!
Larga a balança e me dá um abraço fraternal.
Uma candura de abraço. Mas não foi um abraço qualquer. Senti nele como aquela canção diz: " Então me abraça forte
Me diz mais uma vez que já estamos distantes de tudo".
Era como se ela estivesse precisando abraçar um amigo.
E tome a me perguntar de minha família, de onde eu andava...etc.
Eu, no mesmo tom, fiz muitas perguntas para vovó Candinha.
Sentindo meu corpo sendo invadido pela esperança e otimismo de viver.
Ali, ao lado da balança, fiz morada enquanto o amigo Fahl não chegava.
O sabor do abraço penetrava em cada tecido olfativo de meu coração.
Eu agora estava feliz, aquilo me fizera feliz. Esquecera tudo que me inquietava naquele dia de tantas coisas acontecendo, esquecera da tosse, das noites mal dormidas, e até da dificuldade de falar pela rouquidão.
Eu era outro. Rejuvenescido pela força de uma braço.
Voltara a me sentir um guerreiro, tal aquele que Fagner cantou:
"Um homem também chora
Menina morena
Também deseja colo
Palavras amenas
Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
Da própria candura
Guerreiros são pessoas
São fortes, são frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sonho
Que os tornem perfeitos"
Para fechar a segunda, com chave de bênção, teve um xarope.
Esse xarope também foi um gesto abençoado.
Túlio, meu amigo virtual, natural da região do Vale do Aço (MG)e BH, compadeceu-se de mim - na noite da Candinha, e postou-me um fitoterápico que alivia a tosse.
Aliás, não só postou como acompanhou se eu comprava, e na formulação correta. Preocupou-se com minha saúde, no dia em que um abraço me encantou. Estava perfeita a segunda.
Senti-me muito bem, embora fisicamente acabado com essa gripe que rouba as forças. Voltei a me sentir potente, espiritualmente falando.
De uma coisa tenho certeza, não saímos os mesmos após nos sentirmos amados, reconhecidos ou valorizados por alguém. 

Após um amigo sugerir um remédio para nossa doença, nos reconhecemos no melhor lugar do mundo pra se estar:  um abraço.  No caso do Túlio, um abraço virtual repleto de empatia e cuidado.

Depois de recebermos abraços, virtuais ou reais, saímos melhores e queremos de alguma forma retribuir isso para com alguém.
Não temos ideia da força de nossos atos nos ecos do infinito das vidas com as quais cruzamos caminhos. Nunca teremos.
Queria retribuir tanta bênção da segunda.
Então, no meu caso, levei o xarope fitoterápico de tosse ao trabalho hoje. Precisava retribuir a doação de atenção do Túlio a mais umas 3 pessoas no setor que estavam tossindo muito também. 
Ele ontem funcionou à noite, durante minha degustação risonha do abraço da Candinha, e precisava retribuir aquela sensação doando-me também um pouco ao outro. Então, levei para o trabalho e dei umas colheradas, "a força", para dois amigos que também estão doentes.
Percebem como o circulo do bem vai se propagando. O amigo que indica um remédio, que revela preocupação. Um abraço cheio de ternura. E nos sentimos inspirados para retribuir com alguém.
É a força virtuosa da vida.
Hoje, acordei lembrando-me da despedida de Dona Candinha: "Meu filho, não desapareça, volte sempre, gostamos muito de você".
Que posso fazer com tamanho amor que recebi?
Retribuir, apenas retribuir...
Muitos que ali almoçam agora prestarão atenção a Dona Candinha.
Insisto, existem pessoas maravilhosas à nossa volta. É só capacitar o coração para vê-las; com elas aprender e se inspirar para tocar a vida possível.
Obrigado Candinha, pela imensidão de ternura no aconchego de um abraço, num dia em que me sentia tão ralezinha cósmica, sem graça e beleza alguma, só doente e cansado.
Você me tornou, com a força de seu amor, um guerreiro!
"Sr. Ricardim, quando tiver carneiro na brasa eu aviso!"
Despediu-se de mim a Santa Candinha...
E eu disfarcei meus olhos marejados, botando a culpa na gripe. Saí mais alegra ainda, afinal um "homem também chora".
Quanto ao Fahl, mais uma vez resolvemos todos os problemas do mundo. Que amigo precioso!
Mas, aí já será outra crônica.

Motosserras Emocionais



Sempre gostei muito de jambo, lembrava-me das férias em João Pessoa, quando ia visitar meus avós maternos no bairro do Jaguaribe, e deliciava-me com os jambeiros plantados nas suas calçadas e canteiros centrais.
Quando quis fazer um pomar um Jambeiro estava na ordem do dia para aquisição.
Outra árvore que me remete à infância, agora no sitio de meus avós paternos, no tórrido sertão de Juazeirinho-PB, era o umbuzeiro. Gosto de umbu de todo jeito. Mas quando vovó Maria fazia uma umbuzada, aquilo era um maná dos céus.
Então, coloquei na minha lista de plantas para o jardim as que mais me marcaram: um jambeiro e um umbuzeiro.
Seria o sertão e o mar em meu lar. Essa integração eclética de contrários, complexa por natureza, é algo que me define bem.
O Umbuzeiro é motivo de piadas, sofre Bullying. Pois, ninguém diz que é um Umbuzeiro. Espero um dia que frutifique, pois já está com 5 anos. Comprei a ambos pela internet, num site de plantas no estado de São Paulo.

Esse ano o jambeiro escapou por muito pouco do motosserra. É um sobrevivente
Acontece que ele ficou parado mesmo no meio de uma construção que eu faria, de uma laje suspensa, com banheiros projetados abaixo de sua cobertura, dando para a parte inferior do lote. Carente de WCs em dias de visitantes e cervejas mais fartas.

A primeira solução que os muitos “engenheiros de finais de semana” me deram foi “Corta a Árvore”.

Senti o olhar de reprovação do umbuzeiro, que ouviu a proposta proferida à sua sombra. Ele balançou suas folhas e olhou para seu amigo com ternura e preocupação.
Minha irmã construiu uma tese que a laje precisava ser livre de tudo, para que nela afixássemos prazerosos sombreiros. Minha mulher, bateu o martelo, corta o jambeiro.

Pensei então: Sombreiro = Jambeiro. Tomado de súbita coragem, em contrariar irmã e esposa em se falando de construção civil, fiquei o pé e disse: “Dali ele não sai.”
O silêncio que se deu foi impactante. O umbuzeiro farfalhava as folhas de alegria. O jambeiro, agora entendendo do que se tratava, deixava escapar uma gota de orvalho-lágrima.
Disse-lhes que a laje seria feita respeitando o caule do jambeiro. Logo mil vozes ecoaram em protesto, apelando inclusive para a morte do jambeiro, pela ausência de captação de água no terreno em que estava fincado, uma vez que ele seria ladeado por paredes do WC e em cima pela laje. Pensei: “morte por morte, prefiro a morte lutando pela vida, do que a morte por uma fatalidade que encerra o jogo antes do tempo”.
O jambeiro fica! E ele ficou. Com o tempo o pessoal percebeu que sua sombra é melhor do que a de qualquer sobreiro artificial, por mais espaçoso que seja.

Desde então, torço para que ele se recupere do estresse da falta de captação de água pelas suas raízes, e de uma severa poda. Já passava um ano e só via suas folhas perderem-se pelo vento, sem outras para substituírem-na. Ele estava em choque. Não havia renovação da vida em seu interior.
Enlutado, perdia folhas a folhas, quase como uma despedida de si mesmo.

Conversava com o Umbuzeiro sobre como poderia ajudá-lo. Mas ambos estávamos impotentes. Às vezes ainda me peguei enchendo um balde de água e jogando pelo buraco superior, na esperança de alimentar suas raízes.
Folhas que vão caindo e outras não a substituem, mesmo após o Outono, podem revelar que a seiva está secando, a vida partindo, e negando-se a renovar-se em ciclos.

Cheguei em casa vindo da feira livre. Na entrada o Umbuzeiro me chamou e revelou-me uma alegria. Ele, ao espreguiçar-se viu um verde de cor diferente no alto da copa de seu amigo. Ansioso, esperava-me chegar da feira para que eu fosse olhar, da varada do pavimento superior, se eram brotos de renovo.


Não contive minha emoção e disparei escada acima. A foto que ilustra essa crônica foi tirada no dia, reparem a luz que ilumina o broto. De lá mesmo, gritei para o Umbuzeiro que nosso amigo estava renascendo.
O Jambeiro sorriu discretamente, ele já sabia. Aí fizemos, nós três, a festa. Celebramos a vida que teima em subverter a ordem reinante e acontece no mais inesperado lugar e momento.

Lutos são assim. Choramos as mil lágrimas, dia após dia, e num dia qualquer olhamos para nossa face e sentimos uma vontade enorme de reviver.
Voltamos a cuidar de nós mesmos. Voltamos a arrumar a casa, limpar as tralhas materiais e emocionais que fomos deixando juntar, pelo que adoecidos emocionalmente que estávamos não tínhamos força para fazer.
Um belo dia de nosso ser surge um brotinho de esperança. Suficiente para reanimar corações adormecidos e neles fazer fluir o amor: por nós mesmos, pelos outros e pela vida.
Você que me lê e encontra-se enlutado (a) não apresse seu rio emocional. Compreenda que o choque foi grande e que a perda levou um pedaço de você junto. E que esse tempo de muda, de solidão no meio de muita gente, de estranhamento de si mesmo, é necessário para sarar as feridas.
Contudo, acredite, o amanhã será melhor.
A força da vida atua em você, tal qual no jambeiro. No momento, ela mantém só seus sistemas de suporte a vida funcionando. Ela ganha forças e tempo.
Daqui a pouco, você vicejará novamente. Recriando possibilidades, voltando-se a encantar e assombrar com as coisas boas, belas e virtuosas, que enlutado, não via mais.
Pode demorar um ano, dois... cada um tem seu tempo. Mas, acredite, somos predestinados à esperança.
Não se cobre ou puna demais por não estar se sentindo bem. Só acredite que não está morto.
No teu interior corre a melhor de todas as seivas, a do Espírito Santo, e ela vai soprar as brasas de teu coração.

O umbuzeiro hoje cedo me falou que também fica chateado com os gracejos que ouve, por não acreditarem que dará fruto.
Bati em seu ombro e disse-lhe: se você for ficar chateado pelo que os outros pensam de você, pelo potencial que não veem, pelo apoio que não lhe dão, pelo reconhecimento e gratidão nunca manifesto para contigo, estará condenado a uma vida de infelicidade.
Será vítima dos motosserras emocionais, e, deles não há saída, se você mesmo não aprender a se dar valor e acreditar no seu potencial.
Amigo umbuzeiro, você não sabe que é um umbuzeiro? Que dará umbu?
Por que essa fixação em querer que o outro também acredite?
Pare de procurar razões para ser infeliz. Você não os mudará, mas pode mudar a si mesmo pela forma como se deixa abater por esses gracejos.

Agora quem farfalhou as folhas foi o jambeiro, num gesto de aprovação ao que falei.
Ele sabe, ele ouviu dizerem que não tinha mais serventia, e mesmo assim não se deixou desanimar. E 
acreditou em dias melhores. 

Pensem nisso, pessoas-umbuzeiro, ou jambeiro, que me leem.

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