Motosserras Emocionais



Sempre gostei muito de jambo, lembrava-me das férias em João Pessoa, quando ia visitar meus avós maternos no bairro do Jaguaribe, e deliciava-me com os jambeiros plantados nas suas calçadas e canteiros centrais.
Quando quis fazer um pomar um Jambeiro estava na ordem do dia para aquisição.
Outra árvore que me remete à infância, agora no sitio de meus avós paternos, no tórrido sertão de Juazeirinho-PB, era o umbuzeiro. Gosto de umbu de todo jeito. Mas quando vovó Maria fazia uma umbuzada, aquilo era um maná dos céus.
Então, coloquei na minha lista de plantas para o jardim as que mais me marcaram: um jambeiro e um umbuzeiro.
Seria o sertão e o mar em meu lar. Essa integração eclética de contrários, complexa por natureza, é algo que me define bem.
O Umbuzeiro é motivo de piadas, sofre Bullying. Pois, ninguém diz que é um Umbuzeiro. Espero um dia que frutifique, pois já está com 5 anos. Comprei a ambos pela internet, num site de plantas no estado de São Paulo.

Esse ano o jambeiro escapou por muito pouco do motosserra. É um sobrevivente
Acontece que ele ficou parado mesmo no meio de uma construção que eu faria, de uma laje suspensa, com banheiros projetados abaixo de sua cobertura, dando para a parte inferior do lote. Carente de WCs em dias de visitantes e cervejas mais fartas.

A primeira solução que os muitos “engenheiros de finais de semana” me deram foi “Corta a Árvore”.

Senti o olhar de reprovação do umbuzeiro, que ouviu a proposta proferida à sua sombra. Ele balançou suas folhas e olhou para seu amigo com ternura e preocupação.
Minha irmã construiu uma tese que a laje precisava ser livre de tudo, para que nela afixássemos prazerosos sombreiros. Minha mulher, bateu o martelo, corta o jambeiro.

Pensei então: Sombreiro = Jambeiro. Tomado de súbita coragem, em contrariar irmã e esposa em se falando de construção civil, fiquei o pé e disse: “Dali ele não sai.”
O silêncio que se deu foi impactante. O umbuzeiro farfalhava as folhas de alegria. O jambeiro, agora entendendo do que se tratava, deixava escapar uma gota de orvalho-lágrima.
Disse-lhes que a laje seria feita respeitando o caule do jambeiro. Logo mil vozes ecoaram em protesto, apelando inclusive para a morte do jambeiro, pela ausência de captação de água no terreno em que estava fincado, uma vez que ele seria ladeado por paredes do WC e em cima pela laje. Pensei: “morte por morte, prefiro a morte lutando pela vida, do que a morte por uma fatalidade que encerra o jogo antes do tempo”.
O jambeiro fica! E ele ficou. Com o tempo o pessoal percebeu que sua sombra é melhor do que a de qualquer sobreiro artificial, por mais espaçoso que seja.

Desde então, torço para que ele se recupere do estresse da falta de captação de água pelas suas raízes, e de uma severa poda. Já passava um ano e só via suas folhas perderem-se pelo vento, sem outras para substituírem-na. Ele estava em choque. Não havia renovação da vida em seu interior.
Enlutado, perdia folhas a folhas, quase como uma despedida de si mesmo.

Conversava com o Umbuzeiro sobre como poderia ajudá-lo. Mas ambos estávamos impotentes. Às vezes ainda me peguei enchendo um balde de água e jogando pelo buraco superior, na esperança de alimentar suas raízes.
Folhas que vão caindo e outras não a substituem, mesmo após o Outono, podem revelar que a seiva está secando, a vida partindo, e negando-se a renovar-se em ciclos.

Cheguei em casa vindo da feira livre. Na entrada o Umbuzeiro me chamou e revelou-me uma alegria. Ele, ao espreguiçar-se viu um verde de cor diferente no alto da copa de seu amigo. Ansioso, esperava-me chegar da feira para que eu fosse olhar, da varada do pavimento superior, se eram brotos de renovo.


Não contive minha emoção e disparei escada acima. A foto que ilustra essa crônica foi tirada no dia, reparem a luz que ilumina o broto. De lá mesmo, gritei para o Umbuzeiro que nosso amigo estava renascendo.
O Jambeiro sorriu discretamente, ele já sabia. Aí fizemos, nós três, a festa. Celebramos a vida que teima em subverter a ordem reinante e acontece no mais inesperado lugar e momento.

Lutos são assim. Choramos as mil lágrimas, dia após dia, e num dia qualquer olhamos para nossa face e sentimos uma vontade enorme de reviver.
Voltamos a cuidar de nós mesmos. Voltamos a arrumar a casa, limpar as tralhas materiais e emocionais que fomos deixando juntar, pelo que adoecidos emocionalmente que estávamos não tínhamos força para fazer.
Um belo dia de nosso ser surge um brotinho de esperança. Suficiente para reanimar corações adormecidos e neles fazer fluir o amor: por nós mesmos, pelos outros e pela vida.
Você que me lê e encontra-se enlutado (a) não apresse seu rio emocional. Compreenda que o choque foi grande e que a perda levou um pedaço de você junto. E que esse tempo de muda, de solidão no meio de muita gente, de estranhamento de si mesmo, é necessário para sarar as feridas.
Contudo, acredite, o amanhã será melhor.
A força da vida atua em você, tal qual no jambeiro. No momento, ela mantém só seus sistemas de suporte a vida funcionando. Ela ganha forças e tempo.
Daqui a pouco, você vicejará novamente. Recriando possibilidades, voltando-se a encantar e assombrar com as coisas boas, belas e virtuosas, que enlutado, não via mais.
Pode demorar um ano, dois... cada um tem seu tempo. Mas, acredite, somos predestinados à esperança.
Não se cobre ou puna demais por não estar se sentindo bem. Só acredite que não está morto.
No teu interior corre a melhor de todas as seivas, a do Espírito Santo, e ela vai soprar as brasas de teu coração.

O umbuzeiro hoje cedo me falou que também fica chateado com os gracejos que ouve, por não acreditarem que dará fruto.
Bati em seu ombro e disse-lhe: se você for ficar chateado pelo que os outros pensam de você, pelo potencial que não veem, pelo apoio que não lhe dão, pelo reconhecimento e gratidão nunca manifesto para contigo, estará condenado a uma vida de infelicidade.
Será vítima dos motosserras emocionais, e, deles não há saída, se você mesmo não aprender a se dar valor e acreditar no seu potencial.
Amigo umbuzeiro, você não sabe que é um umbuzeiro? Que dará umbu?
Por que essa fixação em querer que o outro também acredite?
Pare de procurar razões para ser infeliz. Você não os mudará, mas pode mudar a si mesmo pela forma como se deixa abater por esses gracejos.

Agora quem farfalhou as folhas foi o jambeiro, num gesto de aprovação ao que falei.
Ele sabe, ele ouviu dizerem que não tinha mais serventia, e mesmo assim não se deixou desanimar. E 
acreditou em dias melhores. 

Pensem nisso, pessoas-umbuzeiro, ou jambeiro, que me leem.

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