2020 – O Ano em que Voltamos para Casa! (Ricardo de Faria Barros)


Numa manhã de segunda, planejo abrir uma caixa de restos de mudanças que fui fazendo ao longo da vida. Ela esteve sempre ali, bem guardada no fundo do depósito, mas eu não tinha tempo para vê-la.
Nem tampouco para conferir o que guardei por tanto tempo dentro dela. e se ainda necessitava daquilo.
Agora, neste ano de 2020, tempo é coisa que não falta.
Eu poderia falar do ano de 2020 sobre muitos aspectos. E, com certeza, você também. Não há um ser humano, dos bilhões que somos, que não tenha sido atingido de alguma forma pelas coisas que ocorreram em 2020.
Mas, seu eu pudesse fazer um destaque, como que escrevendo para meus netos: Lucas e Laís, um ainda bebê de 9 meses, e a outra ainda morando na barriga da minha nora, eu diria que 2020 foi o ano que voltamos pra casa. Lucas e Laís, acreditem em vovô,  2020 foi o ano em que voltamos pra casa!

Para mim, este será um dos legados que o enfrentamento desta pandemia deixou para a humanidade. O retorno ao lar.
E, seja de que forma você dê o nome a isto que chamamos de lar, e como ele em teu viver esteja estruturado.
Voltamos pra casa!
Tente imaginar como era a vida antes de 2020, em relação ao teu lar.
Nossas casas tinham virado um ponto de passagem, nunca uma linha de chegada.
Um lugar para descansar, banhar, dormir, limpar e se alimentar, e não um lugar para se estar.
Muitos saiam pra trabalhar 5 horas da manhã, de uma segunda, e só voltavam para casa no sábado, ou final da sexta. Falo um voltar efetivo. E não um dormir - morto de cansado, pra ir trabalhar novamente.  
E, ao nela chegarem, eram tantas coisas para providenciar, para arrumar, para preparar para mais uma semana que se iniciaria, que a casa não era percebida como lugar de se estar.
Era lugar de passagem, de lida, de recuperação das energias para uma nova semana que chegava - logo ali no domingo à noite, que vinha mais rápido que notícia ruim.
Em maior ou menor grau, todos passamos por uma redescoberta de nossas casas.
Agora é nela que trabalhamos, que ensinamos as tarefas para as crianças, que encontramos formas de nos divertir e de interagir com a comunidade local.
Descobrimos seus cantinhos não mais olhados. Descobrimos suas possibilidades. Passamos a gostar até dos outros sons que passamos a ouvir, dentro delas, fruto do silêncio externo que se fez.
Se no começo ficávamos inquietos, ansiosos, querendo ir para a rua. Se no começo parecia que nossa relação com a casa estava como a de duas pessoas que moram juntas, mas são solitárias.
Agora se faz uma relação de enamoramento. Queremos cuidar dela. Investir um pouco pra melhorar aquele cômodo. Trazer umas plantas, que agora tenho tempo para regá-las.
Ver como melhoro a conexão da internet, sem gastar muito. Fazer aquele prato que vi a receita no youtube.
Criar opções para a criançada se divertir, transformando espaços - antes impensados, em verdadeiros playgrounds para a molecada brincar.
Sim, a casa devolveu o brincar. O querer preencher os relacionamentos, dos que habitam naquele mesmo espaço, com coisas legais para se fazer juntos.
Jogos de tabuleiro, ver uma live. Se conectar com os amigos e fazer um sarau cultural pela rede.
Eu aprendi a fazer cuscuz, nestes tempos em casa. Também passei a criar um cachorro, que comigo vai descobrindo muitos lugares deste apartamento de 60m2 que eu ainda não conhecia.
Tipo, embaixo da cama. rsrs
Com esforço, tirei a caixa do armário da área de serviço. Pela nota fiscal, afixada no papelão, era algo de 2015. A Nota Fiscal revelava ser algo de material de escritório, num valor R$ 120,00.
O que seria? E porque deixei fechada por cinco anos, e até me acompanhando em três mudanças, desde então.
Sabem o que tinha dentro?
Umas 100 capinhas plásticas de DVD. Lembrei que meus DVDs estavam com as capas em frangalhos, e queria dar uma geral neles.
E fui adiando, adiando, adiando e agora não faz mais sentido. Já não tenho mais a imensa coleção que tinha de DVDs, que fui doando ao longo destes anos, até por falta de uso.
E hoje, já não compro mais DVDs, uma vez que muitas coisas deles estão na nuvem, na web.
Então, nesta segunda, pergunto-me para que me servirão estas caixinhas?
Portanto, ativei o modo Desapego, e "Bela Ciao" para elas!
E sobrou mais espaço na estante da área de serviço.

Com este retorno ao lar, não só descobrimos nossas caixas que já não nos servem mais.
Descobrimos o que realmente nos importa.
Descobrimos que não precisamos de muitas das coisas que achávamos que sem elas não seríamos felizes.
Descobrimos que podemos fazer do lar um local de se ficar, de crescer, de prazer... E não apenas sendo um dormitório e um carregador de bateria vital, que ele vinha se tornando.
Descobrimos que brincar é bom. Que as crianças pedem presença. Que o outro importa.
Descobrimos muitas coisas pela falta que elas nos fazem. Por exemplo, de como foi bom aquele passeio que fizemos com a família ou com amigos.
Descobrimos que coisas que adiamos para depois, ou que não a vivemos intensamente, agora se tornaram mais difíceis de ocorre.
Descobrimos que todo viver vale a pena, desde que a alma não seja pequena. 
Descobrimos um monte de possibilidades de aprender coisas novas, e de mudança de nosso estilo de vida.
Descobrimos estratégias para aquecer corações da pessoa amada, da família, filhos e amigos.
Descobrimos que ficar em casa pode ser bom.
Descobrimos os vizinhos.
Descobrimos que estar sozinho, não é estar solitário.
Descobrimos a presença da ausência, de tantas coisas, antes despercebidas, ou não valorizadas, que agora os assombram, em sua negação de se fazer presente.
Descobrimos que a vida é um sopro. Portanto, aprendemos que não se tem certeza de nada. Que o amanhã é uma previsão de riscos.

Sendo assim, e por não sabermos quando algo do tipo ocorrerá novamente, mais nunca vamos deixar de fazer aquele último passeio, ao chegarmos no quarto do hotel cansados.
É tomar um belo banho, trocar a muda de roupa, e se permitir a um novo passeio, pois que ainda dará tempo de curtir outras coisas do local em que estivermos. 

Descobrimos que aquela visita que adiamos, agora dói... Descobrimos a presença da falta.
E do quanto fomos deixando para um depois qualquer, para um dia à frente, coisas que podíamos ter feito, no momento em que as vivíamos.
Mas, que não as fizemos por nos achar imorríveis, eternos demais para ter que viver o presente.
E, com um pé no passado, e outro no futuro, quem consegue viver as maravilhas e possibilidades do presente?
2020, o ano que voltamos pra casa e nela nos refizemos como humanidade. O ano que fomos forçados a parar, a diminuir o ritmo, a encontrar a paz e o prazer, dentro de nós mesmos, só pelo fato de existir.
2020, o ano em que a humanidade se irmana um único pedido de Natal, a vacina!
E, quando toda a humanidade se enlaça num único desejo, parece que o mundo se torna menor. Parece que nos vendo pertencendo a este mesmo propósito.
E, neste dia será uma festa tão linda. Com tantos reencontros, abraços apertados, e o enxugar das mil lágrimas, pelo luto dos que partiriam.
Mas, não abandonaremos mais nossas casas. Nosso lar, pedaço de nós mesmos em cada um de seus recantos, nunca mais será deixado de lado.
Ele terá sido para nós o ninho que nos ajudou a enfrentar este turbilhão de sentimentos e situações.

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