Em tempos de crise, qual Quinteto Fantástico devemos alimentar? (Autor Ricardo de Faria Barros)

Neste momento de perplexidade mundial, nada mais urgente, necessário e possível do que manter a fé na vida, no ser humano e no que virá. Conforme a canção abaixo:

Semente do Amanhã (Nunca Pare de Sonhar)  - Gonzaguinha

Ontem um menino que brincava me falou
que hoje é semente do amanhã...

Para não ter medo que este tempo vai passar...
Não se desespere não, nem pare de sonhar

Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs...
Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar!
Fé na vida Fé no homem, fé no que virá!

Nós podemos tudo,
Nós podemos mais
Vamos lá fazer o que será



Mas, não é nada fácil manter o pensar, sentir e fazer de forma sustentável, em ambientes de medo, restrições, angústia, frustração de expectativas e de decepção por necessidades não atendidas.

Nestes momentos, cresce em nós atitudes e comportamentos derivados do cérebro reptiliano que amplifica, distorce e reverbera o perigo, para que possamos a ele sobreviver.

Entra em cena o Quinteto do Mal. Personagens que alimentamos em nossa mente e que conduzem nossas atitudes e comportamentos de forma muito danosa. As principais atuações destes personagens, no palco da vida e do viver, são cinco:

1. O Rabugento Reclamão– Ele é aquele personagem que sempre está mal-humorado. Que reclama de tudo na vida, para quem os dias estão sempre cinzentos. Em alguns momentos o rabugento chega a ser violento, porque ele tem pouca noção de empatia para com o outro.

2. O Negativo Crítico – É aquele que não acredita que algo de positivo possa ocorrer. Ele chega num ambiente procurando o que aquele local tem que não o atende. O que falta para ser excelente, e nunca se satisfaz com o que está regular ou bom, ou seja, o que já dá jogo, dentro daquele determinado contexto. 

3. A Vitima Desanimada – Para este personagem, todos estão contra ele. O mundo o persegue. Tudo de ruim lhe ocorre, e busca nestes acontecimentos justificativas que reforcem o seu desânimo. Na posição de vítima ele não se ver como protagonista de mudar, de dar uma resposta à vida. Diante de algo de ruim que lhe ocorreu.

4. O Ingrato Egoísta – Este personagem não consegue sentir e expressar gratidão, por nada e por ninguém. Ele acha que o mundo gravita em torno de si mesmo, e que tudo deve ser direcionado para si mesmo. De postura altamente individual, ele acha que merece, e que por merecer, não precisa dividir, cooperar, nem elogiar as pessoas que com ele interage.

5. O Destrutivo Desarmonioso – É aquele papel de quem adora atear fogo no circo. Como ele tem medo do amanhã, ele opera no sentido de que todos pode ser seus inimigos, e [e melhor eliminá-los, seja com fofocas, seja com conflitos desnecessários. É aquele que não só rema contra, mas ainda faz buraco no barco.



É possível deter a ação deste Quinteto do Mal? SIMMMM!!! 

Para cada personagem do Quinteto Mal, há um outro do Bem, que encena no mesmo palco da vida e do viver. Resta saber qual deles daremos comida ao final do dia, quem vamos alimentar dentro de nós, pergunta que nos fazemos em processos de autoconhecimento, de aprendizado e de sensibilidade diante da vida.  

Quem são os mocinhos que combatem estes vilões?

Quem são os personagens do Quinteto Fantástico do Bem?

1. O Otimista Realista – Ele não é alienado, ele tem consciência da situação presente, dos desafios e limites. Contudo, a orientação de vida dele é positiva. O GPS interior dele aponta para a solucionática, para uma disposição positiva diante da vida. Ele sabe que nem sempre vai conseguir a melhor resposta a algo, conforme planejado, mas aprende a saborear aquilo que ainda deu para fazer, de acordo com os recursos disponíveis, e na conjuntura em que se opera.

2. O Esperançoso Transformador – Ele cultiva sonhos de que o amanhã será melhor, para si mesmo, para os outros e para a sociedade. Porém, ele não fica sentado, à beira do caminho, esperando que algo de bom lhe aconteça. Ele vai atrás, construindo possibilidades, alternativas e ações no hoje, cujo somatório contribuam para com o amanhã desejado.

3. O Resiliente Sábio – É um personagem do Quinteto do Bem que aprendeu a se contorcer, diante de um perigo, a se adaptar, e a mudar posturas e comportamentos, para melhor conviver com uma situação difícil. Ele não se deixa abater, aprendendo a melhor reagir aos problemas. Ele aprende a navegar em mares bravios, no lugar de ficar reclamando do tempo. E, quando lhes faltam os ventos, eles remam.

4. O Grato Generoso
- Ele desenvolve a postura de captar, sentir e expressar gratidão. Tem consciência do outro, de quem lhe abre caminhos, de quem lhe ajuda nas demandas da vida. E contribui no círculo virtuoso devolvendo o que de bom lhe ocorreu, em farta doses de doação e generosidade para com o outro.

5. O Construtivo Harmonioso - No lugar quem que todo mundo está em pé de guerra, é este personagem que chama para a paz, que cede, que tolera, que harmoniza, que reconcilia e que busca uma solução negociada para as tensões. Sua especialidade é em construir, em crescer junto com as outras pessoas. Sem as diminuir, sem as oprimir, sem fazer de cada desavença uma guerra insolúvel. Ele aprendeu a não criar paredes nos ouvidos, e a desenvolver a empatia no ser, fazer e acontecer junto com os outros.


Então, é isto que temos que ter cuidado em momento de grandes crises pelas quais passamos, ou passaremos, ao ter a consciência de qual dos personagens devemos alimentar em nosso viver, quem deverá crescer em nosso pensar, sentir e agir?
Os dos Mal, ou os do Bem, a decisão é nossa e ela pedirá esta resposta várias vezes por dia.
Basta que comece a se analisar, a se conhecer melhor, a questionar as posturas do Mal, que aprendeu a desempenhar, até como forma de auto-defesa.
Será que elas fazem sentido ainda? Será que elas não estão lhe empobrecendo?
O mal far murchar, o bem faz florescer. O mal diminui, aprisiona e desvaloriza. O bem cresce, liberta e valoriza.
Mas, é preciso muito cuidado, e não perder, como diz a canção do início deste texto, a “luz do céu que brilha no olhar”.  Pois que é justamente este céu interior quem nos dará forças para não alimentar o Quinteto do Mal, com atuações tão comuns em nossos dias. 

Os dia em que a Terra nos formatou! (Por Ricardo de Faria Barros)

Acordei sobressaltado, após uma semana dormindo, pois que era um sono acumulado de milênios. Durante o qual tive um pesadelo terrível.
Sonhei que o planeta Terra teria formatado o sistema operacional da raça humana, nos devolvendo aos tempos das cavernas.

Banhei o rosto, tentando lavar aquele pesadelo ruim, e botei o tênis para caminhar, levando numa sacola um livro que comprei para o filho do Rangel, que estuda direito.
Na calçada das crianças, uma que dá acesso à uma creche, não havia os costumeiros choros de despedidas das mamães e papais. Nem sons infantis, tão relaxantes.
Dobrando a esquina, não vejo as costumeiras garrafas litrão, de restos de noite do Bar Piauí. Ué, o Piauí fechou ontem, em plena quinta-feira?
Algo estava errado no ar, não sentia aquele clima de “Sextou”. Até os raros caminheiros passavam por mim com expressões taciturnas, diferentes das expressões “sextou”.
E, não avistei cenas que me comovem quando caminho, e que as vejo com frequência, de casais caminhando de mãos dadas, de crianças brincando nas entrequadras. Estava tudo vazio.
Será que seria feriado? Acho que não, em feriados as pessoas circulam.
Passo pelo Líbanus, para deixar um livro para o Rangel, de presente para o filho dele, e está fechado. Ué, já são 10h, e eles começam a preparar o ambiente cedinho, principalmente numa sexta. Voltei pra casa pensativo, será que formataram a raça humana mesmo. Será que estou formatado e não sei?
Uma porta de casa se fecha com a lufada do vento. 
Acordo, e lembro que sonhava sobre o sonho do pesadelo. Sonhei o pesadelo. Respiro apreensivo, não, não era um pesadelo. E nem caminhei a pouco, nem levei livro, nem vi as calçadas vazias, tudo era um sonho. Menos, a realidade surreal e alucinante, de que realmente a Terra nos formatou.
Estamos todos no modo “Format”. Não há mais festas de batizados e casamentos, nem tampouco enterros comunitários. Não há mais as gostosas visitas dos amigos e familiares, para confraternizar com algo, ou simplesmente o nada, só pelo gosto de estarem juntos.
Não há mais as envolventes disputas esportivas, entre as quais os emocionantes Fla x Flu, ou Treze x Campinense. Não há mais pessoas nos templos, em grupos, orando a bom Deus.
Escolas, academias, bares, teatros, cinemas, museus, shoppings, parques, clubes...etc., todos fechados.
E a raça humana, bilhões de pessoas, voltou para a toca. Todos ao mesmo tempo. A fogueira que mantém o povo unido, à beira do calor da toca, é o WIFI.
Crianças que não mais sabiam o valor de se ter uma família, passaram a conviver com os seus de forma intensa.
Pessoas que tinham paraísos em suas vidas, mas que estavam esquecidos, hoje sentem falta deles, como a possibilidade de abraçar quem gosta, e que muitas vezes moram pertinho.
Casais apaixonados não podem se ver mais, e, cada um em sua toca, procura formas de manter a chama acesa, e lidar com a dor da ausência do outro. A pior das solidões, revestida na palavra saudade. E uma das mais cruéis saudades é a da presença do outro que não está ali.
Filhos passaram a ligar mais para seus pais.
Casais, na ausência do que fazer na toca, reaprenderam a conversar entre si, sem brigar, sem buscarem o que o outro tem que não o satisfaz mais. Na toca, não há tempo para pequenez da alma, todos ativa o modo sobrevivência.
E, no modo sobrevivência, não se tem tempo para alimentar rancores, mágoas, ou agressões mútuas, é todos por um, um por todos, caso contrário a toca não sobrevive.
Filhos aprenderam a fazer tarefas domésticas. Pais aprenderam a acompanhar atividades online dos filhos. Aliás, reaprenderam até a convier melhor com eles, inventando mil brincadeiras para entretê-los.
Na toca se reaprende a limpar as gavetas da alma, a passar esperança na alma, a degustar boas 
lembranças do passado.
Se reaprende a dar valor à própria toca, por menor que ela seja, pois que há tantos que no modo "Formatado" tiveram que ser resgatados das ruas para abrigos improvisados.
Na toca, ficamos nus, e podemos finalmente voltar a enxergar a nossa essência.
Na toca, pessoas não valorizadas, reconhecidas ou simplesmente invisíveis foram finalmente percebidas como essenciais. Aquela diarista, que mal podia comer da mesma comida da casa em que trabalha, agora está sendo sentida a sua falta.
Na toca, se aprende a valorizar aqueles que se arriscam a dela saírem, pois que executam atividades essenciais, ao próprio funcionamento dos que se protegem nelas. O caixa de banco e de supermercado, o profissional de saúde, o professor que transmite aulas online da escola, o frentista de posto de combustível, o atendente da farmácia, o motorista do ônibus, o zelador do prédio, o policial, a cuidadora de idosos, o motorista de entrega de comida, os atendentes de call-center, e um monte de outras profissões.
Na toca, reaprendemos a ler, ouvir música, ver lives, jardinar...
Na toca, é preciso agendar o dia. E descobrir as possibilidades que ela possui, com os recursos disponíveis, para que a pessoa não adoeça mentalmente. Sim, o modo “Formatado”, vivido sem objetivos, pode causar doenças mentais, pois que que desliga o sistema de produção, mobilidade e interação humanas.
Este primeiro semestre de 2020 vai entrar para a história. Na idade moderna, é a primeira vez que toda uma população entra em quarentena, e volta à toca.
Creio que tirando as sequelas econômicas, que serão enormes, haverá um aprendizado muito grande para a raça humana, quando sair do modo Formatado.
Que ela pode sobreviver, e bem, a um monte de coisas que foi se plugando ao estilo de vida do ser humano.
Aprenderemos muito nestes dias de toca, que ainda vivemos. O valor do outro, da empatia, da solidariedade, da ajuda de qualquer forma, para que pessoas sobrevivam a este momento Formatado, sem mais os vírus comportamentais e atitudinais que estavam apequenando a humanidade. Aprendemos o valor da simplicidade. Aprendemos a bater palmas para pessoas que mantém as coisas funcionando. Aprendemos o valor de um abraço, tão desejado, e tão difícil de ser dado em tempos de isolamento.  Aprendemos que as pessoas são mais importantes do que as coisas. Aprendemos o valor do agora, pois que sobre o amanhã não temos certeza alguma.
Aprendemos que não fazer nada também é bom. Que não ter uma agenda estressante e cheia de coisinhas pra fazer, lá fora, também é bom. Aprendemos que muito do trabalho já pode ser executado de casa mesmo, o que pode revolucionar o modo de concebê-lo.
Aprendemos a nos reinventar, a focar nas solucionáticas, e buscar inovações para operar neste novo mundo que se descortina.
Aprendemos como era bom quando a campainha tocava, ou quando alguém dizia que vinha nos ver, ou nos chamava para algo.
Não é o que estamos vendo em todo lugar? O melhor da raça humana acontece na toca.
Jovens se oferecendo para ajudar idosos. Filhos descobrindo que ainda têm pais. Profissionais e empresas, de todos os setores, oferecendo seus serviços gratuitamente, no ambiente web, ou tocando músicas das varandas de seus lares, para animar os demais.
Gente se mobilizando para cantar parabéns bem alto, para que aniversariantes escutem do outro lado do corredor. Gente se curando da síndrome da intolerância a Humanos. Gente perdendo a arrogância, orgulho e vaidade, e se aquebrantando em sabedoria e humildade, diante da insegurança com o que ocorre.
Gente se achando, se escutando, se avaliando sobre as escolhas e decisões que fará, ao sair da toca. O modo “Formatar” pode ter sido bruto, mas que levará toda uma geração a se reinventar, tenho certeza disso. E para melhor.
Aquilo que antes importava, pelo qual perdíamos noites de sono, ou que dávamos a vida para conseguir, aprendemos que podemos sobreviver a sua perda.
São os relatos das tocas, mundo afora.
Quando a Terra nos reinicializar ela estará mais limpa, de nossos lixos, e nós estaremos mais limpos, de nossos lixos também, os emocionais.
Acreditem nisto!
E, quando dela sairmos, uma lufada de Brisa Aracati vai restaurar e refrescar o nosso ânimo, fazendo renascer uma profunda vontade de amar e de viver, que ativará mais uma vez a imensa capacidade da humanidade de se reinventar.
Ao redor da fogueira do wifi, dentro da toca, tem uma placa escrita com letras de esperança, com os dizeres:
“Sobreviveremos: isto também passará, e amanhã seremos melhores”.


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Foto: A Caverna das Mãos, na Patagônia Argentina, datação de 9.000 anos. A ‘Cueva de las Manos’ é um Patrimônio Mundial da UNESCO.

Não basta álcool em gel nas mãos, é preciso esperança na alma. (Por Ricardo de Faria Barros)

Estamos vivendo um dos momentos disruptivos da história da Humanidade, no qual a pandemia do Coronavírus virou tudo de cabeça para o ar.

No meu entender, seremos testemunhas, e atingidos,  por uma grande transformação sócio-econômica pela qual passará a sociedade,  assim que começarmos a juntar os cacos deixados por este vírus, mundo afora.

Uma destas coisas que podem nos atingir, são as sequelas emocionais de longos períodos de isolamento social, ou de distanciamento de relações amistosas e afetivas com os outros.

Quando o abraço murcha, a noção de civilidade apodrece, virando uma espécie de um por um, e nenhum por todos.

Então, é preciso que vozes do mundo todo se unam numa corrente de esperança. Como digo no título deste texto, não basta lavar as mãos com álcool em gel, para conter o avanço da pandemia, é preciso lavar a alma com esperança.


ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DOS ISOLAMENTOS - (Para se entender melhor) 

Uma das principais tarefas cidadãs, no momento, é não circular pela cidade.
Ficando em casa e evitando uma propagação mais veloz deste vírus.
Mas, as pessoas foram pegas da noite para o dia com esta diretriz de saúde pública.
E, para muitos não está sendo fácil viver este auto-isolamento, na gruta em que habita, seja o nome que se dê a mesma: casa, apartamento, barco, chácara, lote...

1. O Desejo da Falta

Vive-se neste isolamento a sofrência do desejo o ir e vir.  É que a mãe de todo o desejo se chama Falta. O desejo expande na falta. Quando não se tinha o sentido da falta, não importava a calçadinha da praia existir, a poucos metros de nossa casa. Ela estaria sempre ali. E, ficaria para um dia depois ir passear por lá.   Agora, com os Decretos Estaduais que impõe o isolamento, ela não pode mais ser acessada. E, se antes mal nela passávamos, agora sentimos uma vontade danada de andar por aquela calçadinha, seja a de Copacabana, seja a de Tambaú.  Então a primeira sofrência que o auto-isolamento faz brotar é daquelas coisas que estavam pertinho de nós, e que nem sempre as valorizávamos, e que por agora não podermos mais degustá-las, sentimos uma falta danada delas.

2.  A Ausência do Outro

Não fomos feitos para viver trancados. Precisamos da dinâmica da vida, dos sons de humanos, de dar e receber afetos, e do cheiro e toque de gente para nos sentirmos vivos. Não sem motivo, uma ida à feira-livre é terapêutica. Sentimos falta do happy hour, do papo com colegas de trabalho, da ida a shows, noitadas, e partidas esportivas, além da missa-culto, da academia, de sair para viajar, ou de churrasquear para os amigos no final de semana.  O outro importa.  O sentimento de não achar a turma, de se sentir só, mexe com a psiquê humana.  Não estamos preparados, emocionalmente falando, para viver numa ilha.  Por melhor que ela seja, caso sozinhos, após alguns dias, vamos nos enfadando. Queremos alguém para dividir as coisas da vida, que ocorrem nesta ilha.

3.  A Sabotagem da Paz 

Este processo de exílio  no enfrentamento de uma doença que circula invisível, pelo ar, sem muita previsibilidade de quem será o próximo atingido, aumenta a sensação de aperreio. por melhor que seja a rede social, nada se compara a uma visita de uma amigo que nos acalma o coração. Então é um momento de muita angústia, ansiedade, medo e preocupações, afinal não o planejamos, nem foi uma escolha. E a incerteza com o amanhã açoita o pensar, e produz noites insones.

4. Os Desestabilizadores do Agora 

Nesta categoria de aperreio existem dois elementos cruciais. A questão da execução da agenda cotidiana que foi rompida. E a pessoa se sente perdida. Ela acordava todos os dias com uma agenda a cumprir. Seja escola, seja trabalho, seja sair para resolver pendências, ou coisas da vida pessoal. E, de repente, cadê aquele ônibus que pegava todos os dias? Cadê o menino pra deixar no colégio? Cadê aquela busca por vaga no estacionamento? Ou aquela agenda que as 24 horas eram poucas pra cumprir? Agora, parece que o dia tem 48 horas. E a falta de marcações habituais na agenda, cria uma sensação de vazio existencial.  O outro elemento é o cancelamento de coisas que marcamos para ocorrerem logo ali, dobrando a esquina do futuro. Um casamento que iríamos, uma viagem cobiçada e duramente comprada, que tiveram os vôos e hotéis cancelados,  seja coisas prosaicas como uma noite cultural, um festival de cerveja, um congresso, um evento da igreja, ou até o dia de uma entrevista de emprego, realização de concurso, ou de visita a parentes distantes. Toda a agenda futura, para os próximos meses, ficou adiada, para um dia qualquer, ou sempre cancelada. Isto mexe com o agora, tira o chão dos pés.


Dito isto, agora você já começa a se compreender melhor sobre coisas que pode estar sentindo. Eu tenho uma fórmula para lidar, e atenuar, os imprevistos negativos que me ocorreram. Como um cancelamento de um contrato de fornecimento de palestras, um vôo cancelado, ou um projeto adiado por falta de condições epidemiológicas para juntar pessoas em torno dele. Todos ocorridos comigo.

Como melhoro da cabeça?

Faço três perguntas a mim mesmo, e, caso a resposta a elas seja uma negativa, eu prescrevo uma dose de AAS.  Leia e entenderá.

Vamos às perguntas.

Fui culpado pela situação negativa ocorrida?
Posso alterar algo na situação negativa ocorrida?
Pensar na situação negativa que me ocorreu ajudará em algo, do ponto de vista de sua solução?

Se respondi: Não, Não e Não, passo para o AAS.

O que é o AAS?

A de Acolher o que ocorreu, já que não posso mudá-lo.
A de Aprender com o que ocorreu, e crescer diante da situação negativa vivida. Mudar a si mesmo.
S de seguir em adiante, parar de olhar para trás. Mudar-se da posição de vítima.


RISCOS DO ISOLAMENTO SOCIAL


1. Quebra da Arquitetura da Toca

Nossa toca, nossa gruta, tem um espaço socialmente demarcado. Com mais pessoas mais tempo coabitando este lugar as tensões e conflitos poderão eclodir. E precisarão de muita inteligência  emocional para serem harmonizadas. Coisas simples como uma ida ao WC pode criar fila, ou o acesso à cozinha  Também a parte do lazer pode ser afetada, com diferentes necessidades sendo colocadas em pauta. A Toca parece que não é programada para longas permanências dentro dela, sem sair para uma desparecida lá fora.

2. Busca de Atenuantes à Ansiedade

A pessoa começa a querer suprir a ansiedade do "confinamento" comendo tudo que vê pela frente. Ou bebendo qualquer coisa que tenha na adega. E ainda consumindo em sites virtuais. Então, o risco é sair um alcoólatra, obeso e endividado após um período de isolamento social.

3.  Perda de Referencial Temporal 

Aqui colhemos da experiência de quem ficou em solitárias, na qual não se sabia mais que dia era. A pessoa deixa de seguir uma agenda de cuidados, dorme muito, troca a noite pelo dia, não come nos horários costumeiros. E o dia vira noite. E a noite vira dia. Como se ele estivesse passando por uma espécie de Jet Lag.


O QUE EVITAR NO AUTO-ISOLAMENTO SOCIAL (Coronavírus)

1. Consumo excessivo de mídia negativa, alarmista e, muitas das vezes, sem consistência científica.

2. Acreditar em narrativas apocalípticas, como verdadeiros mantras auto-realizadores. "Nunca iremos nos recuperar disso".  "Vai faltar comida e água".

3. Participar de boicotes, crendices, e outros comportamentos sem amparo científico, alimentados pelo medo e ignorância sobre a doença.


SEIS FORMAS DE LIDAR COM O ISOLAMENTO SOCIAL

1. Não se prostre e se descuide de si mesmo.  Você não tirou férias de teu corpo.  Precisa manter a autoestima funcionando, ao tomar um belo banho, comer saudável, fazer o que der pra fazer pra se exercitar, nem que seja cantando no banheiro. E, não se desconecte dos horários dos remédios, nem dos amigos que pode acessar via rede social.

2.  Crie metas e agendas diárias para alcançar e fazer algo. O que vou aprender hoje? Que prato posso fazer na cozinha? Qual livro lerei? Que artista preferido vou pesquisar tudo sobre ele? Sobre que parte de minha vida farei uma crônica? Qual foto antiga merece uma repostagem, com a narrativa daquele momento gostoso que viveu. Mesmo sem ser numa quinta.

3. Engajamento (Flow).  O que te leva a se desconectar do tempo e das preocupações quando está fazendo? Eu coleciono vinis. Quando folheio as capas, e os escuto, esqueço do mundo. Ache aquilo que te dá esta sensação. Pode ser um trabalho que esteja produzindo no notebook. Pode ser uma jornada para leitura de livros sagrados. Pode ser a própria oração, ou meditação. Ache seu Flow, de deixar a vida fluir em si mesmo.

4. Solidariedade - Ninguém Solta a Mão de Ninguém Virtual. Uma das maiores fontes de bem-estar ocorre na relação empata e cooperação para com os outros. Coloque-se disponível para isto. Tem gente no teu prédio que pode estar precisando de tua luz. Seja cantando na varanda, seja se oferecendo para levar o cachorro para sair (caso tenha menos de 60 anos), ou fazer compras. Ou simplesmente ligar para a pessoa e tranquilizá-la, para que ela não se sinta desamparada, por não estar recebendo visitas.  Há um monte de coisas que podemos fazer para que este momento seja menos dolorido para muitas pessoas. Inclusive liberar nossas diaristas pagando-lhe o salário. Se tiver filho, uma boa ideia é contar histórias para ele, transmitindo-as pelo ZAP do prédio, ou condomínio, para outras crianças.       

5. Sabedoria espiritual. Desenvolva a temperança, a moderação e a fortaleza. Alimente pensamentos e emoções positivas que digam para si mesmo: amanhã será melhor, isto também passará. Busque a paz dentro de si, ou ao contemplar um amanhecer, anoitecer, ou uma criança sorrindo. Exercite a paciência e a tolerância. Reaprenda a dialogar, a chamar as pessoas para a refeição, na mesma mesa e horário. Sinta que este momento de isolamento pode ser fecundo para se autoconhecer, para exercitar o silêncio de si mesmo, sem a agitação da rotina da sobrevivência diária.  Tempo de descobertas, na gruta do lar, é o que estamos vivendo!

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