Não basta álcool em gel nas mãos, é preciso esperança na alma. (Por Ricardo de Faria Barros)

Estamos vivendo um dos momentos disruptivos da história da Humanidade, no qual a pandemia do Coronavírus virou tudo de cabeça para o ar.

No meu entender, seremos testemunhas, e atingidos,  por uma grande transformação sócio-econômica pela qual passará a sociedade,  assim que começarmos a juntar os cacos deixados por este vírus, mundo afora.

Uma destas coisas que podem nos atingir, são as sequelas emocionais de longos períodos de isolamento social, ou de distanciamento de relações amistosas e afetivas com os outros.

Quando o abraço murcha, a noção de civilidade apodrece, virando uma espécie de um por um, e nenhum por todos.

Então, é preciso que vozes do mundo todo se unam numa corrente de esperança. Como digo no título deste texto, não basta lavar as mãos com álcool em gel, para conter o avanço da pandemia, é preciso lavar a alma com esperança.


ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DOS ISOLAMENTOS - (Para se entender melhor) 

Uma das principais tarefas cidadãs, no momento, é não circular pela cidade.
Ficando em casa e evitando uma propagação mais veloz deste vírus.
Mas, as pessoas foram pegas da noite para o dia com esta diretriz de saúde pública.
E, para muitos não está sendo fácil viver este auto-isolamento, na gruta em que habita, seja o nome que se dê a mesma: casa, apartamento, barco, chácara, lote...

1. O Desejo da Falta

Vive-se neste isolamento a sofrência do desejo o ir e vir.  É que a mãe de todo o desejo se chama Falta. O desejo expande na falta. Quando não se tinha o sentido da falta, não importava a calçadinha da praia existir, a poucos metros de nossa casa. Ela estaria sempre ali. E, ficaria para um dia depois ir passear por lá.   Agora, com os Decretos Estaduais que impõe o isolamento, ela não pode mais ser acessada. E, se antes mal nela passávamos, agora sentimos uma vontade danada de andar por aquela calçadinha, seja a de Copacabana, seja a de Tambaú.  Então a primeira sofrência que o auto-isolamento faz brotar é daquelas coisas que estavam pertinho de nós, e que nem sempre as valorizávamos, e que por agora não podermos mais degustá-las, sentimos uma falta danada delas.

2.  A Ausência do Outro

Não fomos feitos para viver trancados. Precisamos da dinâmica da vida, dos sons de humanos, de dar e receber afetos, e do cheiro e toque de gente para nos sentirmos vivos. Não sem motivo, uma ida à feira-livre é terapêutica. Sentimos falta do happy hour, do papo com colegas de trabalho, da ida a shows, noitadas, e partidas esportivas, além da missa-culto, da academia, de sair para viajar, ou de churrasquear para os amigos no final de semana.  O outro importa.  O sentimento de não achar a turma, de se sentir só, mexe com a psiquê humana.  Não estamos preparados, emocionalmente falando, para viver numa ilha.  Por melhor que ela seja, caso sozinhos, após alguns dias, vamos nos enfadando. Queremos alguém para dividir as coisas da vida, que ocorrem nesta ilha.

3.  A Sabotagem da Paz 

Este processo de exílio  no enfrentamento de uma doença que circula invisível, pelo ar, sem muita previsibilidade de quem será o próximo atingido, aumenta a sensação de aperreio. por melhor que seja a rede social, nada se compara a uma visita de uma amigo que nos acalma o coração. Então é um momento de muita angústia, ansiedade, medo e preocupações, afinal não o planejamos, nem foi uma escolha. E a incerteza com o amanhã açoita o pensar, e produz noites insones.

4. Os Desestabilizadores do Agora 

Nesta categoria de aperreio existem dois elementos cruciais. A questão da execução da agenda cotidiana que foi rompida. E a pessoa se sente perdida. Ela acordava todos os dias com uma agenda a cumprir. Seja escola, seja trabalho, seja sair para resolver pendências, ou coisas da vida pessoal. E, de repente, cadê aquele ônibus que pegava todos os dias? Cadê o menino pra deixar no colégio? Cadê aquela busca por vaga no estacionamento? Ou aquela agenda que as 24 horas eram poucas pra cumprir? Agora, parece que o dia tem 48 horas. E a falta de marcações habituais na agenda, cria uma sensação de vazio existencial.  O outro elemento é o cancelamento de coisas que marcamos para ocorrerem logo ali, dobrando a esquina do futuro. Um casamento que iríamos, uma viagem cobiçada e duramente comprada, que tiveram os vôos e hotéis cancelados,  seja coisas prosaicas como uma noite cultural, um festival de cerveja, um congresso, um evento da igreja, ou até o dia de uma entrevista de emprego, realização de concurso, ou de visita a parentes distantes. Toda a agenda futura, para os próximos meses, ficou adiada, para um dia qualquer, ou sempre cancelada. Isto mexe com o agora, tira o chão dos pés.


Dito isto, agora você já começa a se compreender melhor sobre coisas que pode estar sentindo. Eu tenho uma fórmula para lidar, e atenuar, os imprevistos negativos que me ocorreram. Como um cancelamento de um contrato de fornecimento de palestras, um vôo cancelado, ou um projeto adiado por falta de condições epidemiológicas para juntar pessoas em torno dele. Todos ocorridos comigo.

Como melhoro da cabeça?

Faço três perguntas a mim mesmo, e, caso a resposta a elas seja uma negativa, eu prescrevo uma dose de AAS.  Leia e entenderá.

Vamos às perguntas.

Fui culpado pela situação negativa ocorrida?
Posso alterar algo na situação negativa ocorrida?
Pensar na situação negativa que me ocorreu ajudará em algo, do ponto de vista de sua solução?

Se respondi: Não, Não e Não, passo para o AAS.

O que é o AAS?

A de Acolher o que ocorreu, já que não posso mudá-lo.
A de Aprender com o que ocorreu, e crescer diante da situação negativa vivida. Mudar a si mesmo.
S de seguir em adiante, parar de olhar para trás. Mudar-se da posição de vítima.


RISCOS DO ISOLAMENTO SOCIAL


1. Quebra da Arquitetura da Toca

Nossa toca, nossa gruta, tem um espaço socialmente demarcado. Com mais pessoas mais tempo coabitando este lugar as tensões e conflitos poderão eclodir. E precisarão de muita inteligência  emocional para serem harmonizadas. Coisas simples como uma ida ao WC pode criar fila, ou o acesso à cozinha  Também a parte do lazer pode ser afetada, com diferentes necessidades sendo colocadas em pauta. A Toca parece que não é programada para longas permanências dentro dela, sem sair para uma desparecida lá fora.

2. Busca de Atenuantes à Ansiedade

A pessoa começa a querer suprir a ansiedade do "confinamento" comendo tudo que vê pela frente. Ou bebendo qualquer coisa que tenha na adega. E ainda consumindo em sites virtuais. Então, o risco é sair um alcoólatra, obeso e endividado após um período de isolamento social.

3.  Perda de Referencial Temporal 

Aqui colhemos da experiência de quem ficou em solitárias, na qual não se sabia mais que dia era. A pessoa deixa de seguir uma agenda de cuidados, dorme muito, troca a noite pelo dia, não come nos horários costumeiros. E o dia vira noite. E a noite vira dia. Como se ele estivesse passando por uma espécie de Jet Lag.


O QUE EVITAR NO AUTO-ISOLAMENTO SOCIAL (Coronavírus)

1. Consumo excessivo de mídia negativa, alarmista e, muitas das vezes, sem consistência científica.

2. Acreditar em narrativas apocalípticas, como verdadeiros mantras auto-realizadores. "Nunca iremos nos recuperar disso".  "Vai faltar comida e água".

3. Participar de boicotes, crendices, e outros comportamentos sem amparo científico, alimentados pelo medo e ignorância sobre a doença.


SEIS FORMAS DE LIDAR COM O ISOLAMENTO SOCIAL

1. Não se prostre e se descuide de si mesmo.  Você não tirou férias de teu corpo.  Precisa manter a autoestima funcionando, ao tomar um belo banho, comer saudável, fazer o que der pra fazer pra se exercitar, nem que seja cantando no banheiro. E, não se desconecte dos horários dos remédios, nem dos amigos que pode acessar via rede social.

2.  Crie metas e agendas diárias para alcançar e fazer algo. O que vou aprender hoje? Que prato posso fazer na cozinha? Qual livro lerei? Que artista preferido vou pesquisar tudo sobre ele? Sobre que parte de minha vida farei uma crônica? Qual foto antiga merece uma repostagem, com a narrativa daquele momento gostoso que viveu. Mesmo sem ser numa quinta.

3. Engajamento (Flow).  O que te leva a se desconectar do tempo e das preocupações quando está fazendo? Eu coleciono vinis. Quando folheio as capas, e os escuto, esqueço do mundo. Ache aquilo que te dá esta sensação. Pode ser um trabalho que esteja produzindo no notebook. Pode ser uma jornada para leitura de livros sagrados. Pode ser a própria oração, ou meditação. Ache seu Flow, de deixar a vida fluir em si mesmo.

4. Solidariedade - Ninguém Solta a Mão de Ninguém Virtual. Uma das maiores fontes de bem-estar ocorre na relação empata e cooperação para com os outros. Coloque-se disponível para isto. Tem gente no teu prédio que pode estar precisando de tua luz. Seja cantando na varanda, seja se oferecendo para levar o cachorro para sair (caso tenha menos de 60 anos), ou fazer compras. Ou simplesmente ligar para a pessoa e tranquilizá-la, para que ela não se sinta desamparada, por não estar recebendo visitas.  Há um monte de coisas que podemos fazer para que este momento seja menos dolorido para muitas pessoas. Inclusive liberar nossas diaristas pagando-lhe o salário. Se tiver filho, uma boa ideia é contar histórias para ele, transmitindo-as pelo ZAP do prédio, ou condomínio, para outras crianças.       

5. Sabedoria espiritual. Desenvolva a temperança, a moderação e a fortaleza. Alimente pensamentos e emoções positivas que digam para si mesmo: amanhã será melhor, isto também passará. Busque a paz dentro de si, ou ao contemplar um amanhecer, anoitecer, ou uma criança sorrindo. Exercite a paciência e a tolerância. Reaprenda a dialogar, a chamar as pessoas para a refeição, na mesma mesa e horário. Sinta que este momento de isolamento pode ser fecundo para se autoconhecer, para exercitar o silêncio de si mesmo, sem a agitação da rotina da sobrevivência diária.  Tempo de descobertas, na gruta do lar, é o que estamos vivendo!

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