A lua me sorriu.




Abri a janela da cozinha e a lua estava linda, todo seu esplendor destacava-se ainda mais com as nuvens que a abraçavam, dando ao conjunto da cena um toque de mistério.
Fiz várias fotos, procurando a melhor abertura, a IS0 (luminosidade), ou velocidade da câmera. Fazer fotos de lua cheia é sempre um desafio.
Quando baixava as fotos notei que numa delas havia uma carinha feliz, tipo Smile.
A lua me sorria.
Aquilo mudou completamente meu humor.
A lua me sorriu, pensei! O sorriso é contagioso, no bom sentido. Pessoas que nos recebem com um sorriso produzem em nós outros sorrisos, às vezes os do interior, melhores ainda.
A lua me sorriu como a me dizer: coragem, ânimo, força, não é hora de ir dormir ainda teus sonhos.
Que bacana!
A lua que sorri é um sinal. Lógico que para poder compreendê-lo precisei aprender antes que que dois pontos e um traço abaixo deles, em forma de arco, é um sorriso.
Noutra cultura que não tenha essa imagem do Smile, associada a um sorriso, aqueles borrões de resto de nuvem, ou até de mancha na lente, vai saber, que encobriam parte da lua seriam simples borrões. Não chamariam a atenção.
Para interpretarmos os sinais, temos que ter um arcabouço cultural de referência, caso contrário, eles passaram em nossas vidas despercebidos, sem qualquer motivo de admiração.
Serão mais uma das vítimas da indiferença, ou rotina.
Hoje me considero um aprendiz de sinais: emocionais, sociais, espirituais, comportamentais e de outros tipos.
Como ouvir o farfalhar da manhã, anunciando que a Gazela e o Leão começarão mais um ciclo da vida, sem permitir-se aos mistérios da natureza que se renova a cada dia?
Como tocar, no inaudível de um coração, sem conhecer seus sinais?
Tanta coisa bacana acontecendo em nossa vida, tantos sinais de vida, sendo esmagados pelos de morte.
E nossa visão vai ficando turva, perdemos o encanto, o assombro, a poesia de viver, oprimidos pela dureza da realidade.
Desaprendemos a captar os sinais de vida, em nossas narrativas, comportamentos e diálogos só privilegiamos, ou pior ainda, filtramos, os de morte.
Nosso WAZE interior só aponta para caminhos ruins, de transito pesado, ou bloqueado. Nos vemos sem alternativa, em rotas sem saída.
Como se eu baixasse as fotos no computador e não voltasse para percebê-las com mais atenção, procurando belos detalhes, escondidos entre nuvens, entre o nada de um cotidiano açoitado pelo estresse da sobrevivência.
Convido-lhe a abrir as janelas de tua existência olhando com ternura para tua vida, para si mesmo e para o outro. Um olhar que liberta de condicionantes, um olhar que renova o valor do sempre visto.
Um olhar que identifica mesmo nos borrões do cotidiano restos de magia, de mística e sabor, que só quem aprender a ler os sinais bons da vida entenderá.
Alguns motoristas pararam carros na avenida mais tumultuada de Brasília, a Estrutural, comparada em volume de carros à Marginal Tietê em SP, para que uma família de aves a atravessasse. Colocaram em risco a própria vida ao pararem o trânsito. Oba, mais um sinal de vida para minha coleção.
Um advogado fez quatro perguntas existenciais, a uma cliente, antes de continuar a receber a papelada para o providenciar o divórcio dela. Ele colocou em risco sua reputação, entrando numa agenda íntima e pessoal. Fugiu à regra e ousou ser diferente, podendo perder o “negócio”. Ele perdeu o negócio, a cliente viu que havia mais motivos para continuar do que os de pular do barco. Oba, mais um sinal de vida para minha coleção.
Uma amiga postou que parou o carro e ajudou a retirar da avenida, uma pessoa que desmaiara na calçada, cujas pernas estavam correndo o risco de serem atropeladas. E só saiu de lá quando o Samu confirmou que estava a caminho. Oba, mais um sinal de vida para minha coleção.
Abra as janelas do seu coração e procure luas, do tipo Smile, sorrindo para você. Nessa época de tantas notícias ruim que consumimos, faço um apelo para que não as tenha como normais.
Não se acostume ao ruim, a filtrar somente o negativo da realidade e a propaga-lo em todos os cantos.
Module seu radio interior para captar outras frequências, sem se alienar do mundo, mas que também estão presentes nele. Essas frequências do bom, belo e virtuoso nem sempre encontram espaço nas redes sociais e mídia de todos os tipos, não vendem jornais – infelizmente. Não geram “likes”. Parece que o chique mesmo é tirar onda sobre tudo. É colocar tudo sob o reinado da desconfiança, do cinismo social ou contraditório.
Soa com um certo ar de inteligência falar mal de tudo. Só que isso está cobrando seu preço na saúde emocional. As vivências negativas têm três vezes mais forças psíquicas, para anular o efeito de qualquer coisa boa que nos acontece. Chama-se a isso o Efeito Louzada (Ver Psicologia Positiva).
Portanto, cuide para que o excesso de crítica, pessimismo ou ao negativo esteja lhe impedindo de captar ou perceber outros sinais de vida, e de smiles.
Tornando-lhe uma pessoa sem esperança, luz e viço de viver.
Às vezes precisamos ampliar nossos círcvulos referenciais para dar valor ao que temos e nos passa despercebido.
Valor à locomoção, quando muito têm dificuldade para tal.
Valor ao trabalho, quando mitos pelejam por um lugar ao sol.
Valor à família, quando muito dariam a vida para tê-la novamente reunida.
Valor a tantas coisas que vamos tendo como banais, não mais percebidas, e que são preciosas.
Infelizmente, às vezes só abrimos as cortinas de nossa percepção sobre também as coisas boas da vida quando as perdemos.
Assim sendo, para melhorar minha percepção sobre o bom, belo e virtuoso, pratico quatro hábitos diários, com seis práticas, que ajustam meu foco para o foco-smiles e me ensinam a dar valor às coisas breves, legais e simples da vida. E exercitam um olhar e agir sobre o mundo, ajustando meu foco smile, para a vida que por ela vale a pena viver, são elas:
a. Durante o dia, fico atento para identificar três coisas que vi, fiz ou fizeram para comigo pelas quais sou grato. Coisas que elevam meu ser a um outro plano espiritual. Coisas belas, boas ou virtuosas. Antes de dormir as rememoro e às vezes escrevo sobre elas.
b. Durante o dia, tenho que tratar muito bem, elogiar, ou até reconhecer, pelo menos uma pessoa.
c. Durante o dia, tenho que encontrar uma oportunidade de ser bênção para alguém.
d. Durante o dia, pelo menos uma vez, terei que tomar consciência do que está rolando no meu cérebro, quando ele emite sonoridades (verbalizações), de intrigas, fofocas, críticas, reclamações ou rabugice. Aí, desligo o cérebro desse tema, trocando a estação para outra, menos ruim. Mudando de assunto.
Essa é minha fórmula para não me deixar embrutecer e perder a tesão pela vida: 3-1-1-1. Três coisas pelas quais sou grato, uma atitude de amorosidade, uma doação e uma reclamação a menos.
Têm dias que esqueço, aí no outro dobro a meta.
A lua te sorriu. Sorria!

Direis Ouvir Estela


                                             
(Da esq. para dir.:  Mislene, Joice, Estela e Paula)
           
                    














Dona Estela entrou na minha sala para servir um cafezinho, notei que ela queria falar algo, e que estava com um sorriso-Monalisa no ar.
Perguntei-lhe o que havia, ela disse-me que estava muito feliz, pois depois de 25 anos retornava aos bancos escolares, fazendo umas aulas de inglês.
Dessa vez quem ficou abobalhado fui eu, e perguntei-lhe: A senhora também está no curso?
Ela me respondeu, toda orgulhosa, que sim.
Tenho acompanhando, de forma privilegiada, o renovado ânimo que tomou conta das telefonistas e copeiras – saudável efeito colateral dessa nova aventura em que se meteram.
Fico extasiado com o frisson das aulas e desafios que estão encarando, das lições que estão tendo: I like. I drink. E de suas risadagens com as pronúncias.
Tudo começou quando a Joice perguntou ao professor de Inglês, um que dá aulas particulares ao Presidente e Diretores da empresa, quando ele saia de uma das sessões, se ele não poderia ensiná-las, a um precinho camarada.
O Prof. Sérgio deve ter ficado emocionado, se eu tivesse no lugar dele ficaria, com tamanha iniciativa em busca de capacitação, uma das melhores formas de se habilitar à subida dos degraus da vida, e de forma honesta.
Ele falou que se elas montassem uma turma de seis pessoas, daria para fazer por R$ 100,00 reais por mês, para cada uma delas, com direito a apostilas e CDs. E com duas aulas semanais, de 60 min, no intervalo do almoço.
Logo o frisson tomou conta dos servidores mais humildes da empresa e duas turmas se formaram.
Orgulho mesmo foi elas me convidarem para participar de uma das turmas: “Bora Ricardim, deixa de lerdeza, ele é um professor muito bom e faz preço de pobre”.
Senti uma imensa ternura pelo gesto. E fiquei feliz por elas.
Alegrei-me com a alegria delas.
Chamei as meninas e fiz uma foto delas, a turma do 4 andar do curso de inglês, essa que ilustra a matéria.  
Mostrando a foto ao Diretor Péricles, ele contou-me que uma das meninas confidenciou-lhe que estava com medo de não aprender, e que já pensava em desistir. Aí ele prescreveu-lhe Clóvis de Barros. É amigos e amigas, esse filósofo brasileiro é tudo de bom e pode curar corações cansados e sem esperança. Ele indicou-lhe um vídeo no qual o professor Clóvis fala que é preciso ter raça para perseguir os objetivos e aprender o novo. O Péricles só saiu de perto dela quando certificou-se que ela viu o vídeo, no seu celular. Que gesto bacana. Recomendo o vídeo a todos que buscam aprendizado, vejam aqui: nesse link: https://www.youtube.com/watch?v=Qj6mQSdBSGI 
Tem gente que para de procurar novos conhecimentos, ao deixar de ser curioso na busca do saber, e envelhece o cérebro e a alma.
Quando crianças tínhamos esse dom de buscar, de prescrutar o desconhecido e aprender, aprender brincando. Depois vamos entrando nas formas da vida e esperando que nos deem tudo mastigado. Sem esforço. Queremos chegar à janelinha, mas sem se levantar. 
Tem gente que se aposenta até da vida e deixa de querer aprender novas coisas, vai para cadeira de balanço da morte.   Tem gente que perdeu o encanto em conhecer coisas de outros tipos de saberes, limitando-se à sua área de conhecimento. 

Outro dia descobri que na “safra” semestral de pesca do Mapará, no Norte do Brasil, um profissional muito importante é o Taleiro.  O Taleiro é um profissional da região, de grande experiência, que com auxílio de uma tala fina de madeira mergulhada no rio, avalia a existência, quantidade e direção que o mapará avança no rio.
O Taleiro vai à frente, enquanto os pescadores estão com os barcos ancorados nas margens, tateando a água com uma vara enorme.
Ele penetra a tala na água, segurando-a apenas numa das pontas e vai avançando com o barco sentindo a vibração da água na vara, ou tala.
Quando sente que bateu em algo, que não é fixo, ele faz movimentos circulares com a tala para identificar se por acaso não seria um cardume de peixes, a uns 4 metros de profundidade.
Quando sente que a vibração continua, ele faz sinal para os pescadores, fundeados em terra, que logo chegam e cercam o cardume com suas redes, laçando-o.
Você que me lê pode perguntar: mas o que tem o taleiro com as meninas do inglês?
Tudo e nada.
O taleiro não pesca peixe algum. É o único que não tem redes. Mas, o taleiro abre uma janela de possibilidades para a pesca. O taleiro e seu rudimentar sonar de profundidade capacitam os pescadores à pesca.
Assim é com tudo que aprendemos, nos capacita a sermos melhores. Quando abrimos as fronteiras de nossos pensamentos, possibilitando a expansão de nossa percepção, para além de limites reais ou imaginários, melhoramos a sensação de bem-estar em relação a nós mesmos, o mundo e o outro.
O taleiro monitora a realidade e oportuniza as possibilidades, presentes em seu bojo, mas que as dificuldades.
Ele está sempre atento e aprendeu a ler os sinais das correntes que tocam na vara.   Péricles foi um taleiro. Joice foi uma taleira. O professor Sérgio foi um taleiro. Todos alteraram o lugar comum, sentindo as vibrações do momento, e anunciaram o novo, aliás: fizeram o novo com suas atitudes e comportamento.
Tudo que aprendemos de novo funciona como uma alavanca para o existir, e ecoará nos infinitos de nosso viver. Alterando destinos.
E, não há sentimento mais potente do que aprender algo. Como é boa a curiosidade pelo conhecimento.
Outro dia fui passar uns dias nas imediações da pequena Corumbá de Goiás. Descobri que ela já fora a maior produtora de café do Goiás, e que por ela passa a linha do Tratado de Tordesilhas.
Bacana demais a curiosidade em aprender.
Essa mesma curiosidade que levou as meninas a investirem no aprendizado de outro idioma, só pelo simples fato de sentirem-se potentes ao aprenderem.
Quando pequeno meus pais me presentearam com livros de aventuras ( Monteiro Lobato), de tecnologias (Tecnirama) e ganhei um resto de mudança de meu primo: A coleção Jovem Cientista. Preciosa doação.
Como me fez bem. Como aprendi a olhar assombrado para a vida e buscar o conhecimento.
Mas do que capacitar o sujeito para galgar algum degrau na vida, como falei no início do texto, o conhecimento nos emancipa, no dá autonomias, no liberta de condicionantes e pré-conceitos de todos os tipos.
Aprender melhora nossa auto-estima, como fez com a das meninas.
Para elas, nessa noite eu tiro o chapéu. Para a sabedoria do taleiro, idem. Para quem teve a ideia de pesquisa sobre a linha de Tordesilhas, também.
Numa época de acesso ao conhecimento do tipo fast-food, a curiosidade de buscar algo mais, a de ir além das aparências, e a de aprofundar-se disciplinado na busca de novas competências poderá nos tirar da manada sem rumo em que se tornou a humanidade.
Amanhã passarei a sacolinha para custearmos as mensalidades. Desde que mostrem o boletim de frequência. Essa será a minha tala. A tala é tudo aquilo que não existia e que você moveu a ação e fez acontecer.
Procure sua tala. 
Chego ao trabalho cedinho, pelas 7h30min, e chamo a Mislene para mostrar-lhe a crônica. Minha rede está desconectada. Fuço de um lado, fuço de outro. Os técnicos chegam ao trabalho 8hrs. 

Mislene me diz, "está sem rede é? O notebook não conecta?"
Olho para ela impotente, e falo com o corpo resignado. Ela então me diz: "Entre na internet, mesmo sem rede."
Olho desconfiado. Ela me diz: "Vá meu fiiin. Tecle aqui.  Vá descendo. Desmarque essa caixa do proxy. Tire aquelas letras ali".
Estufa o peito e diz, agora abra outra aba qualquer. E funcionou.  Ela me disse que viu o técnico fazer aquilo uma única vez e aprendeu. 
Uauuu!!!! 
Então queridos que nós não deixemos nunca, largado no almoxarifado de nossos valores, o da curiosidade de aprender, de descobrir, em conhecer...  E o melhor valor: o de ensinar, como ela me fez com o tal do proxy e que aprendi. 
Não perder o assombro e encanto com a aventura da descoberta de coisas que ainda não sabemos nos motiva e energiza nosso ser. 
Deguste conhecimentos e compartilhe-os, todos ganharão.  
Escutei Estela e fiquei maravilhado. Li Bilac e a vi as meninas ali, em cada estrela. Que possamos escutar as estrelas ao caminhar pelas veredas da vida, sempre atentos para aprender e ensinar novas lições, tal qual o poema de Bilac nos inspira: 
Olavo Bilac - Via Láctea
"Ora (direis) ouvir estrelas!
Certo.
Perdeste o senso!"
E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite,
Enquanto
A Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora:
"Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas"

Vejam abaixo um vídeo com o taleiro em ação: 

Para além do marrom!



Estava catalogando os discos quando percebi um papel brilhante, com uma cor entre o azul e o lilás, passeando por entre as 
seriguelas caídas no chão. 


Demorei mais um pouco,
e fitei o olhar novamente no pomar e ali estava mais uma vez o dito papel, agora dando piruetas no ar.
Suspeitei que ali estava a borboleta mais linda que já pousara em meu lar e aproximei-me devagarinho, um tanto incrédulo diante de tanta beleza.
No caminho ainda achava que era um papel desses que anima festas infantis, brilhantes e chamativos.

Aproximei-me devagarinho e vi que era uma bela borboleta. Ela era caprichosa, na face exterior de suas asas de um marrom cor de mogno, nas faces interiores um azul indescritível e de rara beleza.

Tinha um monte de coisas programadas para o sábado pela manhã, como todos temos, mas a partir de então comecei a brincar com ela de pique esconde.

Eu chegava perto e ela alçava um vôo mostrando toda a beleza de suas asas agora planando à minha frente. Depois pousava pertinho, agora com as asas recolhidas, escondendo o belo azul-lilás.

Esperei umas três horas para conseguir as fotos que ilustram essa crônica, dado a velocidade com a qual ela ao abrir as asas partia, sempre que se sentia insegura.

Engraçado que quem chegasse ao meu pomar e me visse não saberia que haveria nada de especial naquela borboleta. Alguns até diriam que a cor marrom dela estaria desbotada, sem nenhum apelo visual. Só saberiam o que ela realmente era se esperasse, se deixassem que ela abrisse as asas sobre nós e alçasse pequenos vôos.

De perto, uma cor monocromática e igual a tantas as outras...
Mas se olharmos bem... havia algo na face interna das asas que a distinguia de tantas outras, havia uma cor diferente.

Muitos de nós já passamos por situações que tiraram nossa cor, nosso brilho de viver, nosso viço e ânimo interior.

São situações limites, pesadas e um tanto penosas. Seja a percepção do amor que se esvai, seja o luto por um ente querido, ou um amor não correspondido, seja uma doença debilitante, seja o futuro incerto no trabalho, ou uma crise nas finanças.

São dias sem cor. Todos temos deles.

Nossa amiga borboleta é uma mensagem aos sofridos, cansados, aflitos e desanimados e aos que com eles estão lidando e os amam.

Nenhuma dor, luto ou situação difícil é para sempre. Suas feições podem estar abatidas, sem brilho e formosura alguma. Você pode até estar pensando se de fato vale a pena continuar vivendo.

Digo-lhe coragem!

Você tem em seu interior a cor de Deus e a chama do Espírito Santo.

Mesmo que seu exterior se desfaleça, lembre-se dessa amiga borboleta, e não esqueça sua beleza interior: que são seus valores mais preciosos, daqueles que brilham uma luz na escuridão. São a fortaleza, a esperança e a coragem de se aceitar, na dor e num estado sem cor, sabendo que logo logo abrirá novamente as asas e voará, em esplendido e gracioso vôo.

Sinta-se amado(a). Sei que é difícil até se olhar no espelho. Sei que é difícil levantar da cama, prosseguir e ouvir os malditos: "o que você tem?".

Só apelo para que se veja para além da carcaça, veja o que pulsa em teu ser, a vida que teima em acontecer, quer queria ou não.

Você é a borboleta mais linda que já vi. Profundamente humana, que carrega em si momentos de alegria e tristeza, momentos cor e momentos sem cor, dias perfumados, dias nem tantos.

Não se diminua mais do que a situação já o fez em teu viver. Não desista de você mesmo(a).

Aguente mais um pouquinho, mesmo sem sentir graça alguma em viver.

Logo verás que pessoas gostam e precisam de ti, mesmo sem cor.

Logo verás que ainda ferida(o), e mesmo sem se sentir bela(o), ainda assim poderás polinizar vida nos outros, ajudando-lhes também a resistirem um pouco mais.

Quanto de nós julgamos as pessoas pela carcaça exterior e perdemos a oportunidade de deixá-las que se revelem na sua completude, em todo seu potencial, desistindo delas muito cedo, ou ao menor tombo relacional.

Quanto de nós olham para os outros como eu olhava para a borboleta, esperando pacientemente que ela se mostrasse por inteira, da face das asas interior.

Pessoas pacientes e esperançosas quanto ao potencial do outro.

Que são capazes de esperar anos a fio que eles se revelem, e quando isso acontece, com eles se alegram e celebram.

Todos nós temos essa cor interior que só é libertada quando voamos nas asas do amor, da misericórdia, da generosidade, gratidão e perdão.

E, Aquele que colore nosso livro da vida tem poder para resgatar nosso ser do abismo mais profundo no qual ele se encontra, e no maior breu em que ele caminha.

Eu vejo cor em você, e tenho a paciência de Jó. Ainda te fotografarei com as asas bem abertas e bem bonito(a).

Eu acredito!

Águas Encantadas

Das águas do Rio Corumbá saiam nevoas esfumaçadas dos restos de neblina de uma manhã vindoura que se descortinava.

Aos poucos, o coro dos pássaros acordava e anunciava um novo dia. Um cantando dali, outro daqui, alguns voando em revoadas sonoras, em formação em busca de seu café matinal de insetos orvalhados.

O rio cantava sua melodia da vida. Um som que acalma o mais turvo dos corações. Um som que nos remete ao som placentário, relaxante universal dos mamíferos.

De suas notas molhadas, saiam acordes harmoniosos com águas meninas tocando clarinetes de amanhecer.

Águas brincalhonas correndo por entre caminhos entre rochas, ou esvaindo-se em caudais e borbulhantes fluxos.

Libélulas teimavam em se equilibrar nos frágeis galhos de caniços, frágeis e delicados como suas asas.

Numa flor campeira espreguiçava-se uma bonita borboleta laranja. Ela também abria a boca, como quem afasta o sono e desperta para a labuta de polinizar esperanças.

Do alto de uma pedra, projetava-se sobre o infinito trepadeira benfazeja, com nunca por mim vista uma flor vermelha e preta.

A orquestra do rio acordava a vida, que teimava em dormir mais um pouco ouvindo-lhe encantada.

Deitado entre as pedras, sinto a massagem da água lavar todo o meu ser. Tudo é paz, tudo é Graça, tudo é encanto.
Brinco com as correntes e deixo-me molhar por inteiro. Não sinto frio. As águas me acobertam em sua candura e a mim se entregam amorosas.
Raios de sol subversivos conseguem atravessar a neblina e dão um toque encantado ao local. A luz que debuta no início da manhã enfeitiça o lugar com seu dom de parir.
Escuto flores conversando sobre a noite anterior, suas aventuras e fantasias.
Escuto uns sons de gente chegando ao local. Não estou mais só nessa catedral da natureza.

Chega ao local uma família. O casal olha para minha direção, como quem diz: também quero ir pra aí, mas aparentam temor. Os seus dois filhos dispersam-se a juntar pedrinhas na margem do rio, tirando-as por um momento de seus destinos de rolar para bandas de lá.
Tomados por súbita coragem, seus pais começam a saga para chegarem no centro do rio, para banharem-se nas correntes que passavam entre as pedras, tal qual eu fazia.
Um vai ajudando o outro a passar por cima de lajes de pedras, mais lisas que sabão.
De longe, oriento-lhes para melhores caminhos, menos arriscados de um tombo, alertando-lhes para escolher pisar nas pedras mais escuras e ásperas, evitando as muito claras e mais lisas.
Deixo-lhes na sua intimidade de casal e sigo rio acima, escolhendo um outro local de assombramento.
Contemplo um mergulhão num voo rasante em busca de uma piaba desprevenida.
Sinto a água do rio renovar esperanças, passando pelas minhas entranhas e purificando-me. Ergo uma prece de gratidão pela minha vida e tudo e todos que dela fazem parte.

Rejuvenescido, desço o rio para chegar ao local de onde saí e parti.
Ao erguer a vista contemplo uma cena idílica.
Vejo ao longe um casal, aquele mesmo de linhas atrás, sentado sobre uma pedra, no centro do rio, contemplando o horizonte.

Parei por um bom tempo para eternizar, nas retinas de meu coração, tamanha ternura que presenciava.
Parece que até o rio cantava mais bonito, diante da cena idílica de amor.
Acho que valeu a pena o esforço que tiveram, com seus corpos não mais de 30, para chegarem até o centro do rio, atravessando pedras ensaboadas, correntes mais serelepes e, até tendo que em alguns lugares andarem agachados ou arrastarem-se de bundas para não caírem.
Valeu o esforço. Agora, estavam juntos contemplando o verde da mata que acolhia o caudaloso rio, observando suas águas cantarolantes, e cultivando intimidades em momentos de um eu para um tu. Sem nada atrapalhando a conexão de almas, em cima daquela pedra, mirando o infinito do amor.

Parar tudo e experenciar esse tempo de Kairós – como fez aquele casal, exercitando entre si um tempo de recolhimento, de contemplação, de silêncio, paz, calma e de diálogo carinhoso, entre seres que se amam, é fundamental para o germinar de intimidades, de companheirismo.

Intimidade e companheirismo, face à face, mão à mão, bem raros nesses tempos de agitação, conexões tecnológicas coletivos-solitárias, pressa e agressividade comuns aos ditos tempos pós-modernos.

Voltei de onde saí rejuvenescido e renovado com a beleza das primeiras horas de uma manhã, num um dia qualquer que vivi. E as cenas vividas ficavam enganchadas em meus pensamentos, tecendo em minha alma novelos de emoções, inspirando-me a botá-los para fora e compartilhá-los com vocês.

Olho mais uma vez para o casal, antes de sair daquele reino encantado.

Vejo que agora eles estão mirando um ao outro, no mais belo poema do amor: o do olhar que abraça, admira e reconhece o outro como estruturante de sua identidade.

Tomado por uma licença poética, quanto à privacidade deles, não resisti e lhes cliquei.  Afinal, era beleza demais para não ser compartilhada. Precisava eternizar aqueles momentos que numa madrugada insone evocavam meus pensamentos, agora, após libertá-los, posso dormir.

Para viver novas experiências, é preciso sair do conforto do piloto automático.


Sempre gostei de bandas de música, de todos os tipos: de jazz, de Big-Band, daquelas de acordes militar, das de coro de igreja, daquelas que tocavam nos coretos, das de marchinhas de carnaval e até daquelas de forró de pé de serra. 
Se brincar, elas tocam até em cortejos fúnebres. Os caras são bons.
É cultura, é um som misturado que produz o bom, o belo e o virtuoso.
Acho muito bonito os músicos harmonizando-se em belas piruetas sonoras.
Quando criança, perto do feriado de Sete de Setembro, o programa imperdível era ficar em cima do muro da casa esperando a banda do Senai passar,  durante os exaustivos ensaios que ao final das tardes sempre faziam. Eu ficava extasiado.

Domingo passado, num hotel fazenda em Corumbá de Goiás, senti dó da bandinha local, chamada para animar os hóspedes.
A dó foi tão grande que por 2 horas parei tudo que estava programado de fazer, inclusive descer as corredeiras do Rio Corumbá, para prestigiá-los. Não poderia deixá-los tocando para mesas vazias.
Logo cedo, perto das 9hrs cheguei à piscina e presenciei uma "negociação" acontecendo. Um jovem pedia que abaixassem o som da piscina - aquele batidão alternado pelo Safadão e a Metralhadora, ou até desligassem, aproveitando o som de uma bandinha que ali iria tocar pelas 10hrs.
A bandinha era da pequeníssima cidade de Corumbá de Goiás. Os negociadores, do lado da piscina, eram irredutíveis, e disseram que o pessoal que frequentaria a piscina queria outro tipo de som e que atrapalharia a animação, a hidroginástica, que os recreadores iriam fazer.
Não entendi bem o que estava acontecendo, e desci para tomar banho de rio. 

Notei que éramos os únicos.

Eu, JG e a Cristina. O Rio Corumbá estava delicioso, em várias partes dava pra fazer hidromassagem com suas correntes, apoiado nas suas meigas pedras arredondadas. O pessoal estava perdendo, naquela piscina aquecida.

Fiquei surpreso com tanta beleza do rio, e mais ainda com sua baixíssima frequência. De 48 apartamentos ocupados, apenas o nosso prestigiava o rio, fato que comprovei naquela manhã e nos dias seguintes. Todos estavam na piscina, teclando no celular - maldita rede wifi, ou dormindo pra vida, ou na vida. 

Tamanho desprezo e vazio de pessoas no rio, que distava uns 20 metros da piscina e com um excelente acesso, levou-me a pensar que poderia ser por ter jacaré, piranha, ser poluído ou muito perigoso. Infelizmente, nenhuma das opções acima.

Era a indiferença mesmo. A pior de todas: a de não mais se permitir viver e sentir novas experiências.
Indiferença urbana que vai secando a vida de outras possibilidades, caindo no piloto automático da existência, na sua rotina costumeira, até para o lazer. Olhos que não se assombram mais com o novo, que não se encantam mais com a vida, que perderam a capacidade de ter curiosidade para o que acontece ao lado, à margem da perspectivava cotidiana.

Deixando a filosofia de lado, lembrei-me que na enorme área de lazer coberta, e ao lado da piscina, na qual ficava o bar e ali serviam petiscos, tinha uma ancoreta cheia de cachaça artesanal.

Motivado pela prova da pinga, saí do rio e subi até àquele local. 
Foi nesse momento que vi a bela e crueldade da cena. Jovens músicos locais, esforçando-se em tocar marchinhas de carnaval e outras boas MPBS, para ninguém.
É meus amigos e amigas, vejam as fotos. Na área cabiam umas 20 mesas. No recinto, uns poucos deitados na rede, sem prestigiá-los, outros acessando celular e apenas uma mesa prestigiando, à qual juntei-me em solidariedade poética.  
Parei o tempo do que eu estava pensado em fazer. Não deixaria aquela banda ser prestigiada apenas por uma mesa. Batia tantas palmas, entre uma apresentação e outra, que as mãos ficavam vermelhas.

De vez em quando o som do batidão, ou do safadão, invadiam o local anulando o da bandinha. Uma competição insana e desleal.  Os músicos entreolhavam-se impotentes. 


Ainda ameacei uma reclamação, mas o garçom fingiu não me escutar. Afinal, éramos a minoria. 
Teria sido tudo tão mais simples se bandinha tivesse sido convidada para tocar no deck da piscina e os recreadores usassem de suas músicas para animarem a hidroginástica.

Mas, pedir isso seria pedir demais numa sociedade que desaprendeu a negociar.

Já pensaram?  Fazer uma hidroginástica, animada por recreadores experientes, ao som de marchinhas de carnaval tocadas ao vivo, e à beira da piscina.

 Seria  um luxo cultural. 
Aliás, os banhistas também poderiam ter saído de seus individualismos coletivos, após a sessão de hidro, e terem ido prestigiar a bandinha, que ainda tocou sozinha por uma hora, após a recreação.  Eram poucos degraus que separavam os ambientes. 
Safadão venceu. 
Fecho os olhos e vejo aqueles jovens tocando Acorda Maria Bonita, e sem nenhum trocadilho prévio, digo-lhes que somos nós quem precisa acordar.
Imagino o frisson que os acompanhou noite anterior, na véspera.
Imagino-lhes preparando sua melhor roupa, e dando os últimos acordes para tudo ficar bonito durante o espetáculo.
Imagino os ensaios
Precisamos reaprender a aproveitar o simples, o belo, o bom e o virtuoso, nem sempre e na maioria das vezes, longe de ser o caro e custoso, o apenas comercial.
Imaginem a felicidade daquelas crianças vendo, ao vivo, as músicas sendo "feitas" ali na sua frente. Muitas talvez nunca tenha visto uma banda. Caso seus pais tivessem tido a sensibilidade de aproveitarem o momento único.
E se permitirem a vadias experiências de vida, e únicas. Como ouvir ao vivo o som de um sax e trompete, acompanhando de um pistom. Ou tomar banho de rio.
Coisas que aqueles mais de 50 turistas não viveram. Retratos de uma sociedade que está ficando pasteurizada nos seus quereres.
Um só som, um só ritmo, um só lugar para ser. Esse tipo de postura nivela e pasteuriza tudo. Ou se ouve o ritmo global, ou nenhum. Ou se compra a roupa da moda, mesmo falsificada, ou nenhuma.
Tenho aversão a isso tudo. Na pequeníssima Corumbá de Goiás, uma loja sobrevivente, vende artesanato de palha. Quanto de seus produtos foram expostos no hotel, numa corrente de economia solidária? Nenhum.
Que pena! Quanta riqueza sendo desperdiçada e que em breve desaparecerá, e aí não haverá mais rio limpo, nem bandinha de interior para apreciar.
No final, agradeci ao jovem maestro e pedi desculpas do acontecido e pelo desprezo que sofreu a cultura local.  Venceu a metralhadora. 
Acorda, gente bonita, a vida é breve demais para ser pequena!

Cartas ao JG - O que faço agora?

Hoje fui te deixar no novo colégio, é o início de tua segunda semana de adaptação. Tu estudaste dos 1,8 até os seis anos no Monteiro Lobato, que fechou as portas no final de 2015.
Tuas aulas começaram dia 25/02 e tenho acompanhando tua adaptação bem de perto, mas sem que tu percebas – coisas de pai e mãe.
No primeiro dia fomos deixá-lo na classe. Tua expressão de medo cortava o coração. Teu modo tímido estava ativado no limite máximo. Subindo a rampa, num determinado momento, você perguntou a sua mãe: “O que eu faço agora?”.
Cortou o coração. Na recepção da sala,  tua nova professora faltou-lhe com um abraço. Um abraço ajuda a aplacar momentos de medo e desconfiança.  Apontou-lhe o lugar de sentar e olhou-nos com olhos de estranhamento. Não deverá ser comum pai e mãe acompanhar filho até as salas de aula, ou algo assim. Senti falta de uma maior amorosidade, algo que rareia nos tempos atuais na educação, saúde e noutras profissões, inclusive bancários.
Tu parecia um passarinho assustado que caiu do ninho. Hoje, no primeiro dia da segunda semana, percebo muitos avanços em ti.  Já fala menos dos únicos amigos que migraram para o mesmo colégio: o Nicolas e a Júlia, que por azar estão ou em turnos diferentes, ou em turmas.
E já me disse que fez dois novos amigos, mas que esqueceu o nome deles. rsrs
Hoje, ao sairmos de casa, tua mãe me pede que venha conversando contigo, te acalmando.
Tu estás aflito, pois ainda não consegue ler textos em letra cursiva (aquela sem ser de forma) e a “tia” lhe disse, na sexta passada, e de uma forma curta e direta: “Você ter que aprender!”.
No caminho, chorou um pouco se chamando de burro por não saber ler e com medo da reação da “tia”.
Aí notei uma coisa que me encheu meu coração. Você trazia consigo no carro o seu amiguinho de pano, um que andava meio esquecido na estante de brinquedos. Esse amiguinho te acompanha desde os dois anos. Vários brinquedos foram ficando esquecidos, largados ou perdidos, menos esse. Engraçado que o comprei numa loja no setor comercial sul, uma daquelas lojas de “pra que isso?”. Ele não tinha graça nem formosura, não era brinquedo chique e bem acabado, mas mesmo assim fez-se em ti morada.
No caminho falei contigo do medo de não conseguir alcançar algo. Disse-lhe: “bem-vindo à vida, filho meu!”  Esse medo de não conseguir te acompanhará em várias situações. Contudo, também te acompanhará a força de vontade e coragem de pelo menos tentar.
Que medo estará habitando teu coração, quando jovem ou adulto, acessar esse texto que escrevo para ti?
Ah! Meus medos...  Tive medo de não ter tomado a decisão certa ao não querer mais ser padre.  Tive medo das provas de Engenharia Civil, até o quinto semestre que cursei, e todas elas. Tive medo de não aprender a tabela periódica, química e biologia.  Tive medo de não saber ouvir direito e o que falar aos meus pacientes na clínica de psicologia, e acabar botando os pés pelas mãos. Tive medo ao engravidar minha namorada, medo de não conseguir manter minha família, medo do desemprego, medo de tudo que me despia para encarar um futuro antecipado que batia à minha porta, e eu ainda tão jovem, com 20 anos. Medo de amar, medo de não ser amado. Medo do desconhecido e medo dos conhecidos. Tive medo quando acordei na casa de meus pais e não lembrava de nada, após um acidente de moto. Tive medo de ser sempre escolhido para fatalidades, medo até quando as coisas estavam boas demais. Tive medo quando assumi um posto de trabalho, a 1.800 km de meu povo. Tive medo daquela prova de inglês do mestrado. Tive medo de não me ver no espelho, de sentir que era uma farsa ao sabor do que os outros moldavam em mim, perdendo-me de mim mesmo.
Ah! filho meu, como gostaria de poder caminhar contigo mais a frente...   Mas, também tenho medo de partir e deixá-lo sem orientação, por isso escrevo-lhe.
Teu medo de não aprender a tal da letra cursiva é legítimo. Legítimo são todos os medos para quem os teme. Sejam reais, sejam imaginários.
Aceito teu medo, aceitarei todos eles. Só nunca aceitarei que desista da luta por temer algo.

Só não aceitarei que em ti se crie um coração frágil e sem esperança – esperança daquelas das boas – daquelas que nos fazem mover a ação a nosso favor.
Daquelas que nos fazem superar a nós mesmos, aos outros e à realidade – em alguns momentos asfixiantes.

A esperança foi sempre minha amiga e guardiã. Sempre dizia para mim mesmo: isso também passará; e, amanhã será melhor. Hoje acrescentei uma terceira frase: “o que ainda posso fazer e me alegrar com o que restou?”. Ou seja, aprendi a contabilizar as sobras em minha vida, e não as perdas. 

Confesso-lhe, quanto aos medos dos estudos que nunca fui inteligente. Conheci colegas inteligentes. Mas eu não sou inteligente. Sou estudioso, disciplinado, obstinado e persistente quando quero aprender algo. Então, coloco-me na categoria dos esforçados. Seja esforçado, corra atrás, não tenha pena e dó de si mesmo, não adiantará muita coisa.
Desça da arquibancada de sua vida e jogue o jogo possível, diante daquela situação concreta: com seus limites e possibilidades.
Tema o temor imobilizador. O pior dos temores, aquele que paralisa a ação. Tema-o!
E, quanto ao seu amiguinho de pano, parabéns! Precisamos de amigos para encarar melhor a vida, na sua complexidade e incerteza.
Tenha fé, nutra e cultive a fé, filho meu. Um de meus amigos de pano é o Espírito Santo. Nos maiores aperreios que passei ele sempre estava ali por perto. Tive outros amigos, de carne, que até hoje lembro o quão foram importantes para que eu enfrentasse meus temores com mais vigor. Amigos da família, do colégio, da empresa, da igreja, dos esportes e das organizações sociais. Como tive amigos. Como amigos são bálsamos e tônicos para encararmos as dificuldades da vida. Tenha amigos, filho meu. Uns punhados deles, verdadeiros e fraternos, farão a diferença em teu viver. Não esqueça da Júlia e do Nicolas. Amigos, mesmo que distantes, ou ausentes, continuarão sendo sempre amigos. Basta que um dia cruze com eles e o afeto brotará novamente. Uma vez amigos, nenhuma distancia ou as ausências de agendas desconexas, ou até o esquecimento – fruto de outras realidades vividas, extinguirá a amizade. Basta um reencontro e será festa novamente. 

Quais serão teus medos nesse dia?

Força, amado filho. 
Passará.
Amanhã será melhor.
E olha quanta coisa boa, apesar do medo, você tem noutras áreas da vida.

Enfrente seus fantasmas e monstros da realidade. Absorva as derrotas, em algumas áreas de teu viver, não ganhamos todas. Fuja, se necessário for.
Ataque, quando não lhe restar outra opção. 
Mas, não se acovarde diante de nenhum temor. Não trave ou desista de viver.
Mesmo que tudo lhe pareça intransponível. Mesmo que se apaguem todas as luzes. Mesmo que todos se lhes neguem uma ajuda. Mesmo que se sinta só. Mesmo que o futuro seja atemorizante.
Ainda assim, digo-lhe, lute!  Não desista de si mesmo. Renove-se na batalha, renasça mais forte a cada perda, a cada luto, a cada dor.
O jogo só acaba no apito final e muita gente ainda precisa de você. Pare de se lamentar, de resmungar, de resignar-se, de achar que é um perdedor, um fraco qualquer.
Pare com isso.
Não se compare ou se diminua ao ver outros noutras situações,  por ti desejadas. Cada ser carrega em si sua própria experiência de vida. Não se compare.
Faça sua história. No fundo, quando estiver num leito de hospital, numa madrugada adentro... Ouvindo todos aqueles sons estranhos, espasmos, tosses e suspiros de dor, perceberá que o jogo é contigo mesmo. Contigo e com teu melhor amigo de pano:  O Espírito Santo.
E que todos aqueles que te acusaram de algo, que te derrubaram, que te deram conselhos, que dificultaram teu viver não estão ali, naquele momento. É contigo mesmo!
Aprenda a se gostar, a se dar valor. Não tema a você mesmo. Na solidão coletiva de uma enfermaria de hospital, um dia percebi que é urgente ser feliz. Que não podemos delegar nossa existência, ou terceirizar nossa felicidade. E que muito dessa felicidade vem das coisas simples e da forma que processamos a realidade, a nós mesmos e aos outros, extraindo – ou filtrando delas os elementos do bom, do belo e do virtuoso. Quanto ao ruim, ao feio e ao sem virtude – paciência... Enfrentemos com coragem para mudá-los, no que couber, começando por mudar a nós mesmos.
Sim, quanto à pergunta que nos fez subindo a rampa: “O que eu faço agora?”.
Eis a resposta que sempre ouvi em meu coração, e que pode lhe ser muito útil:

“Continue”!

Continue respirando, tentando, esforçando-se, vivendo e acreditando que conseguirá superar o momento difícil. Apenas continue a subir a rampa da vida, mesmo que às vezes sinta que está descendo. 

Por fim, quero um dia ainda receber uma carta tua, em letra cursiva, após a leitura desse texto. Fica o desafio pra ti.


O encanto de fazer coisinhas para o outro; de gostar das coisinhas que o outro faz; e, de fazer coisinhas juntos.


Chego ao trabalho cedinho e procuro logo os “invisíveis”, que trabalham no andar, para conversar com eles. Gosto de saber de sua rotina e de como estão.
São pessoas batalhadoras que dão nó em pingo d´agua na arte da sobrevivência; esses sim, podemos chamar verdadeiramente de guerreiros, quanto aos outros são apenas Big-Brothers. 


Mislene é uma delas. Ela é a telefonista da Diretoria e tem fornecido boas histórias de vida.
Afinal, considero-me um garimpeiro de pessoas-luz. 


A história dela, desse último final de semana, dá um filme. Na sexta à noite, ela percebeu que o seu marido, o Edson, estava encafifado e triste num canto da casa. Perguntando-lhe a razão, ele lhe falou que o serviço de cobertura da varanda não ficou bom. “Quando chovia estava molhando, com goteiras.”. E olha que por aqui no DF tem dado umas chuvas grandes. Edson revelou que o ângulo declive da cobertura ficou muito pequeno, o que ocasionava as goteiras. Sei como ele se sentiu, ficamos tristes quando uma obra de construção civil não sai nos conformes.
Ele disse a Mislene que no sábado iria logo cedo contratar um pedreiro, ou um ajudante para refazer a obra, numa espécie de plano b, colocando outro tipo de telha - mais apropriada ao baixo ângulo nível da coberta (daquelas de Eternit). Ele não queria ter que quebrar a parede toda, já preparada para aquele tipo de cobertura.
No sábado ,ele acordou cedinho, comprou um lote de telhas de outro tipo, e saiu em busca do profissional de construção civil. Perto das 10hrs volta desanimado. Não achou nenhum disponível, todos estavam ocupados.
Mislene, vendo seu abatimento, perguntou-lhe: “E agora?”.
Ele respondeu-lhe: “agora é com a gente mesmo, tu me ajuda?”.
Ela disse-lhe: “Claro, então vamos embora logo, vou chamar os meninos e num instante a gente destelha”.
A partir daí eu queria uma câmera para filmá-la, ou um gravador, de tão expressiva a narração a que tinha acesso.
Ela ia descrevendo a cena e eu ia orando de tanta gratidão por ter tido acesso a tanto amor, em forma de família que faz as coisas juntos.
O filho mais velho, o Gabriel (15) ficou em cima da coberta, por ser mais leve. A coberta não era alta, imaginem uma “latada” que protege um quintal e lavanderia, era mais ou menos assim, e de lá jogava a telha para seu pai segurar.
O Edson a agarrava, como um bom goleiro, e passava para Mislene que a empilhava num canto: “Essa telha é cara e chique, tipo Tergula, e servirá para quando cobrirmos o beco da casa.”
Era uma alegria só. A Gabrielle (8) acompanhava a mãe na arrumação.
E a família junto, divertindo no telhado, construindo vínculos e interações importantíssimas ao cultivo do amor.
A cada “agarrada” da telha, feita pelo “goleiro” Edson, a família vibrava como quando vibramos quando nosso goleiro pega um pênalti.
Quanto à Mislene, era assumiu o papel de arrumá-las meticulosamente empilhando-as num canto do quintal.
Serviço feito, agora o Edson trocou de lugar, subiu no telhado para refazê-lo com as outras telhas. Agora eram os meninos (Gabriel, 15 anos e Gabrielle com oito anos) que pegavam as telhas novas, numa espécie de corrente, e iam passando de mão e mão até chegar à Mislene, que improvisou uma espécie de escada rolante, para fazê-las chegarem ao Edson, trepado no telhado.
Perto das 15 horas, a família estava feliz e orgulhosa, com o telhado refeito.
Mislene disse que só faltava a chuva, ao que o Edson providenciou com uma mangueira. Todos foram para baixo da “latada”, de 6m x 4m, e comemoraram. Afinal, não caíra nenhum um pingo sequer.
Depois do almoço, um “frango de padaria”, Mislene lembrou-se que tinha esquecido completamente que à noite seria sua formatura do curso de Secretariado Executivo pela Uninter-DF.
Edson falou: e agora? Mislene, nem respondeu e foi logo gritando: “Gabrielle, pega a caixa de manicure de mamãe!”.
Contou-me que rapidinho fez as unhas e foi tomar banho para não perder a festa. Não fez biquinho, não culpou o Edson de ter tirado sua concentração e preparação para o dia. Não ficou lastimando-se e resmungando não ter ido ao cabelereiro.
Simplesmente chamou-lhe para irem juntos, ao que logo a Gabrielle se inscreveu também. Mesmo cansados, afinal entre as que retiraram e as que colocaram foram 1280 telhas (16 telhas por m2) eles não perderam o humor.
Ela contou-me que chegou quase na hora, no local mesmo alugou sua beca e aproveitou a máquina do Edson pra fazer umas fotos: “estava muito caro as que colocaram no evento pra fazermos”. Fez o juramento toda orgulhosa e se emocionou, como os simples se emocionam ao conseguirem coisas boas da vida".
Na saída, Edson chamou para comemorarem com uma pizza lá na Ceilândia, onde moram, uma das Cidades Satélite de Brasília. Mislene lembrou-lhe que o Gabriel ficara em casa, pois alegara cansaço, e que era melhor comprarem uma pizza de supermercado e fazerem em casa. Dito e feito. No outro dia o Edson animou-se e foi rebocar as paredes da varanda do quintal. Mislene saiu cedo e comprou uns bifes, “daqueles que pode assar na churrasqueira elétrica, pois eu estava muito cansada para acender fogo de carvão”. Puxou extensão, botou os bifes pra assar, umas cervejinhas por perto, e ficou ao lado do Edson dando apoio moral e sonhando juntos com os novos projetos que farão. Os filhos ficaram ao lado, ora contemplando a mãe, agora uma Secretária Executiva, ora contemplando o infinito das telhas que tinha colocado.
Serão felizes, estava escrito ali no alto!
Essa história da Mislene coroou um final e semana no qual tive acesso a várias células-tronco do amor, aquelas que mantém a chama acessa de qualquer relacionamento. Não necessariamente entre parceiros afetivos.
Essa célula-tronco chama-se capacidade de vinculação e envolvimento com o mundo do outro. Com as coisas que o outro faz. Uma capacidade regeneradora e emancipadora da força do amor, que o mantém sempre em “cultivamento”.
Foi o que um casal de pesquisadores descobriu sobre relacionamentos sustentáveis e duradouros. John e Julie Gottman, chamam de “The sound relationship house” – algo como “A casa do relacionamento saudável.


Os oito elementos – sustentáveis para uma relação duradoura e legal, segundo pesquisadores, também achei na Mislene e seu Edson, veja:

a. Aprofundar o conhecimento mútuo
b. Cultivar a afeição e admiração;
c. Estar voltado um para o outro;
d. Nutrir uma perspectiva positiva da vida;
e. Gerir os conflitos eficazmente;
f. Transformar sonhos em realidade;
g. Criar significados satisfatórios na vida em comum;
h. Confiança e comprometimento com o outro.


No limite, tudo pode ser resumido em três atitudes: envolver-se com aquilo que outro faz, fazer coisas juntos e fazer coisas para o outro.

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