Hoje fui te deixar no novo colégio, é o início de tua
segunda semana de adaptação. Tu estudaste dos 1,8 até os seis anos no Monteiro
Lobato, que fechou as portas no final de 2015.
Tuas aulas começaram
dia 25/02 e tenho acompanhando tua adaptação bem de perto, mas sem que tu
percebas – coisas de pai e mãe.
No primeiro dia fomos deixá-lo na classe. Tua expressão de
medo cortava o coração. Teu modo tímido estava ativado no limite máximo. Subindo
a rampa, num determinado momento, você perguntou a sua mãe: “O que eu faço
agora?”.
Cortou o coração. Na recepção da sala, tua nova professora faltou-lhe com um abraço.
Um abraço ajuda a aplacar momentos de medo e desconfiança. Apontou-lhe o lugar de sentar e olhou-nos com
olhos de estranhamento. Não deverá ser comum pai e mãe acompanhar filho até as
salas de aula, ou algo assim. Senti falta de uma maior amorosidade, algo que rareia nos tempos
atuais na educação, saúde e noutras profissões, inclusive bancários.
Tu parecia um passarinho assustado que caiu do ninho. Hoje,
no primeiro dia da segunda semana, percebo muitos avanços em ti. Já fala menos dos únicos amigos que migraram
para o mesmo colégio: o Nicolas e a Júlia, que por azar estão ou em turnos
diferentes, ou em turmas.
E já me disse que fez dois novos amigos, mas que esqueceu o
nome deles. rsrs
Hoje, ao sairmos de casa, tua mãe me pede que venha
conversando contigo, te acalmando.
Tu estás aflito, pois ainda não consegue ler textos em letra
cursiva (aquela sem ser de forma) e a “tia” lhe disse, na sexta passada, e de
uma forma curta e direta: “Você ter que aprender!”.
No caminho, chorou um pouco se chamando de burro por não
saber ler e com medo da reação da “tia”.
Aí notei uma coisa que me encheu meu coração. Você trazia
consigo no carro o seu amiguinho de pano, um que andava meio esquecido na
estante de brinquedos. Esse amiguinho te acompanha desde os dois anos. Vários
brinquedos foram ficando esquecidos, largados ou perdidos, menos esse.
Engraçado que o comprei numa loja no setor comercial sul, uma daquelas lojas de
“pra que isso?”. Ele não tinha graça nem formosura, não era brinquedo chique e
bem acabado, mas mesmo assim fez-se em ti morada.
No caminho falei contigo do medo de não conseguir alcançar
algo. Disse-lhe: “bem-vindo à vida, filho meu!”
Esse medo de não conseguir te acompanhará em várias situações. Contudo,
também te acompanhará a força de vontade e coragem de pelo menos tentar.
Que medo estará habitando teu coração, quando jovem ou
adulto, acessar esse texto que escrevo para ti?
Ah! Meus medos...
Tive medo de não ter tomado a decisão certa ao não querer mais ser
padre. Tive medo das provas de Engenharia Civil, até o quinto semestre que cursei, e todas elas. Tive medo de
não aprender a tabela periódica, química e biologia. Tive medo de não saber ouvir direito e o que falar aos meus pacientes na clínica de psicologia, e acabar botando os pés pelas mãos.
Tive medo ao engravidar minha namorada, medo de não conseguir manter minha
família, medo do desemprego, medo de tudo que me despia para encarar um futuro
antecipado que batia à minha porta, e eu ainda tão jovem, com 20 anos. Medo de
amar, medo de não ser amado. Medo do desconhecido e medo dos conhecidos. Tive
medo quando acordei na casa de meus pais e não lembrava de nada, após um
acidente de moto. Tive medo de ser sempre escolhido para fatalidades, medo até
quando as coisas estavam boas demais. Tive medo quando assumi um posto de
trabalho, a 1.800 km de meu povo. Tive medo daquela prova de inglês do mestrado.
Tive medo de não me ver no espelho, de sentir que era uma farsa ao sabor do que
os outros moldavam em mim, perdendo-me de mim mesmo.
Ah! filho meu, como gostaria de poder caminhar contigo mais
a frente... Mas, também tenho medo de
partir e deixá-lo sem orientação, por isso escrevo-lhe.
Teu medo de não aprender a tal da letra cursiva é legítimo.
Legítimo são todos os medos para quem os teme. Sejam reais, sejam imaginários.
Aceito teu medo, aceitarei todos eles. Só nunca aceitarei
que desista da luta por temer algo.
Só não aceitarei que em ti se crie um coração frágil e sem esperança – esperança daquelas das boas – daquelas que nos fazem mover a ação a nosso favor.
Daquelas que nos fazem superar a nós mesmos, aos outros e à realidade – em alguns momentos asfixiantes.
Só não aceitarei que em ti se crie um coração frágil e sem esperança – esperança daquelas das boas – daquelas que nos fazem mover a ação a nosso favor.
Daquelas que nos fazem superar a nós mesmos, aos outros e à realidade – em alguns momentos asfixiantes.
A esperança foi sempre minha amiga e guardiã. Sempre dizia para mim mesmo: isso também passará; e, amanhã será melhor. Hoje acrescentei uma terceira frase: “o que ainda posso fazer e me alegrar com o que restou?”. Ou seja, aprendi a contabilizar as sobras em minha vida, e não as perdas.
Confesso-lhe, quanto aos medos dos estudos que nunca fui inteligente. Conheci colegas inteligentes. Mas eu não sou inteligente. Sou estudioso, disciplinado, obstinado e persistente quando quero aprender algo. Então, coloco-me na categoria dos esforçados. Seja esforçado, corra atrás, não tenha pena e dó de si mesmo, não adiantará muita coisa.
Desça da arquibancada de sua vida e jogue o jogo possível,
diante daquela situação concreta: com seus limites e possibilidades.
Tema o temor imobilizador. O pior dos temores, aquele que
paralisa a ação. Tema-o!
E, quanto ao seu amiguinho de pano, parabéns! Precisamos de
amigos para encarar melhor a vida, na sua complexidade e incerteza.
Tenha fé, nutra e cultive a fé, filho meu. Um de meus amigos
de pano é o Espírito Santo. Nos maiores aperreios que passei ele sempre estava
ali por perto. Tive outros amigos, de carne, que até hoje lembro o quão foram
importantes para que eu enfrentasse meus temores com mais vigor. Amigos da
família, do colégio, da empresa, da igreja, dos esportes e das organizações
sociais. Como tive amigos. Como amigos são bálsamos e tônicos para encararmos
as dificuldades da vida. Tenha amigos, filho meu. Uns punhados deles,
verdadeiros e fraternos, farão a diferença em teu viver. Não esqueça da Júlia e
do Nicolas. Amigos, mesmo que distantes, ou ausentes, continuarão sendo sempre
amigos. Basta que um dia cruze com eles e o afeto brotará novamente. Uma vez
amigos, nenhuma distancia ou as ausências de agendas desconexas, ou até o esquecimento – fruto de outras
realidades vividas, extinguirá a amizade. Basta um reencontro e será festa
novamente.
Quais serão teus medos nesse dia?
Força, amado filho.
Passará.
Amanhã será melhor.
E olha quanta coisa boa, apesar do medo, você tem noutras
áreas da vida.
Enfrente seus fantasmas e monstros da realidade. Absorva as derrotas, em algumas áreas de teu viver, não ganhamos todas. Fuja, se necessário for.
Ataque, quando não lhe restar outra opção.
Mas, não se acovarde diante de nenhum temor. Não trave ou
desista de viver.
Mesmo que tudo lhe pareça intransponível. Mesmo que se apaguem
todas as luzes. Mesmo que todos se lhes neguem uma ajuda. Mesmo que se sinta só. Mesmo
que o futuro seja atemorizante.
Ainda assim, digo-lhe, lute!
Não desista de si mesmo. Renove-se na batalha, renasça mais forte a cada
perda, a cada luto, a cada dor.
O jogo só acaba no apito final e muita gente ainda precisa
de você. Pare de se lamentar, de resmungar, de resignar-se, de achar que é um
perdedor, um fraco qualquer.
Pare com isso.
Não se compare ou se diminua ao ver outros noutras
situações, por ti desejadas. Cada ser
carrega em si sua própria experiência de vida. Não se compare.
Faça sua história. No fundo, quando estiver num leito de
hospital, numa madrugada adentro... Ouvindo todos aqueles sons estranhos,
espasmos, tosses e suspiros de dor, perceberá que o jogo é contigo mesmo.
Contigo e com teu melhor amigo de pano:
O Espírito Santo.
E que todos aqueles que te acusaram de algo, que te
derrubaram, que te deram conselhos, que dificultaram teu viver não estão ali,
naquele momento. É contigo mesmo!
Aprenda a se gostar, a se dar valor. Não tema a você mesmo.
Na solidão coletiva de uma enfermaria de hospital, um dia percebi que é urgente
ser feliz. Que não podemos delegar nossa existência, ou terceirizar nossa
felicidade. E que muito dessa felicidade vem das coisas simples e da forma que
processamos a realidade, a nós mesmos e aos outros, extraindo – ou filtrando delas os elementos do bom, do belo e do virtuoso. Quanto ao ruim, ao feio e ao
sem virtude – paciência... Enfrentemos com coragem para mudá-los, no que couber,
começando por mudar a nós mesmos.
Sim, quanto à pergunta que nos fez subindo a rampa: “O que
eu faço agora?”.
Eis a resposta que sempre ouvi em meu coração, e que pode
lhe ser muito útil:
“Continue”!
“Continue”!
Continue respirando, tentando, esforçando-se, vivendo e acreditando que conseguirá superar o momento difícil. Apenas continue a subir a rampa da vida, mesmo que às vezes sinta que está descendo.
Por fim, quero um dia ainda receber uma carta tua, em letra
cursiva, após a leitura desse texto. Fica o desafio pra ti.
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