Seja chave de acender esperanças. (Autor Ricardo de Faria Barros, Ricardim)





Começo o dia com o coração chapecado de emoção. Escuto Adiós Nonino, meu tango preferido, escrito em homenagem e no ano do falecimento (1959) de seu amado pai, o Nonino (Vôzinho), que assim Piazzolla o chamava. O primeiro parágrafo do tango já é uma obra de arte, uma ode à esperança:

"Desde una estrella al titilar...
Me hará señales de acudir,
por una luz de eternidad
cuando me llame, voy a ir."

Numa tradução contextualizada, seria algo assim: "De uma estrela a cintilar... me enviará sinais de socorro. E, pela luz da eternidade, quando me chamar, irei."

E esse é um propósito de esperança, digno de por ele viver. Na Constelação Estrelar Brasileira, uma nova estrela passou a cintilar, chamada de Chape.
A esperança tem acompanhado meus dias. Vários sinais dela estão se manifestando. Sem ela, somos apenas miséria humana, desespero, máquinas biológicas.
Foram dias de esperança:
Ontem, avistei uma estrela cadente caindo. Coisa rara de ser ver, e ainda tive tempo de pedir por meus filhos. Isso é esperança.
Na segunda, chegando do trabalho, vi um grande arco-íris por sobre minha casa. Arco-íris remetem ao tesouro maior, o tesouro da esperança de que ali, trás dos montes, tem coisa boa para nós.
No domingo, durante a celebração religiosa, a vela do Advento que foi acesa, era de cor verde. Na mensagem foi dito que essa semana seria dedicada à esperança.
No sábado, durante uma reunião com a família de Sr. Valdecir, para comemorar as obras de seu lar, um Louva-Deus, que aprendi a chamá-lo de Esperança, pousou em mim.
Para fechar o ciclo, agora a pouco, ao voltar do passeio com os cachorros, dou de cara com a placa da rua de minha casa: "Caminho da Esperança".
Domingo passado, durante a celebração religiosa, a vela não queria acender. Mais de uma pessoa tentou, em vão. Muitos fósforos depois, o pessoal desistiu. Até para não atrapalhar a liturgia.
Fiquei olhando-na de meu canto. Por várias vez fiz menção em levantar-me e ir tentar acendê-la, ao que minha esposa, com um olhar, repreendia-me. Afinal, o seminarista estava falando.
Logo que ele terminou, tomei coragem e fui. Era hora dos cânticos das Ofertas, e aproveitei. Gastei uns 4 fósforos e nada. Percebi que o pavio estava sufocado com tanta cera, que o arrodeava. Então, peguei a chave do carro, e comecei a esculpi-la, tentei mais uma vez, mesmo assim, agora era o excesso de cera líquida quem sufocava o pequeno pavio à mostra.
Aproveitei que a área estava mais mole, pelo calor do fogo de várias tentativas, e abri um bom espaço para o pavio sair, fazendo uma espécie de calha para o excesso de cera líquida não sufocá-lo novamente.
Pus minhas mãos em concha e acendi um dos últimos fósforos que restara. E a chama foi nascendo, primeiramente tímida, medrosa - pelas experiências anteriores frustrantes que vivera , e, até um pouco frágil. Tentei o segundo, com a concha, sem nem olhar para minha mulher, e eis que ela se alumiou, e fui retirando as mãos lentamente, como quem retira as mãos de um bebê que dá os primeiros passos. E aí a luz se fez, linda. Resplandecendo nossas trajetórias.

Essa cena da vela, e as outras referências à esperança, tal qual a Adiós Nonino, mobilizou minha alma. Afinal, como bilhões de pessoas, viramos um pouco Chapecoenses.

E o que Piazzolla, Arco-Íris, Louva-Deus (Esperança), Vela, Estrela Cadente e Rua Caminho da Esperança têm em comum?

Todos são metáforas de um deixar-se fluir intencional, de um amanhã te vejo, de um propósito maior pelo qual viver, de um desejo ou sonho acalentado no coração.

Somos seres de esperança. Se a tiram de nós, nos matam.
Mas, a esperança é como aquele pavio da vela. Precisa de chaves pra ser descoberta, precisa de mãos que acolham, precisa que não a sufoquem, com vãs e fáceis verbalizações desconexas da realidade, em alienadas visões de si mesmo, do outro, e da realidade.
Tem gente que vê a vela da sua esperança apagada e não age, em seu viver. Fica de braços cruzados, numa atitude conformada, determinística e fatalística, esquecendo o pedido: "Não vos conformeis com esse mundo, mas o transformeis, mediante a renovação de vosso espírito".
Acredita que não terá solução, que as coisas são assim mesmo, ou que já gastou muitos palitos de fósforo, em vão, por que tentar mais uma vez. Aprendem a ser desamparados.
Tal qual aqueles irmãos portaram-se, dando por final e certo, o fato daquela vela não mais participar da liturgia, dado que ela não cooperava acendendo.
Nada é certo, nada é dado, tudo é mudança e transformação, se com esperança agirmos.
Combustível de nossos sonhos, a esperança nos move para aquela eternidade que Piazzola descreve. Ela é a luz que anima nossos dias, que nos faz continuar, no lugar em que muitos abandonaram a luta.
Que nos faz não desanimar e continuar, no lugar em que muitos já desistiram.
Que nos faz, como aquele garoto de 10 anos que disse, aos primeiros locais que acorreram para ajudar: "Eu sei um caminho mais perto para chegar ao avião". Aquele garoto moveu-se pela esperança. Ele não tinha muita certeza, o tempo não ajudava, mas ele esperançou intencionalmente seu agir no mundo e moveu o destino, apressando o socorro.

Aquele garoto, levantou-se da cadeira e foi rapar a vela da esperança com o que tinha na mão, ensinando um caminho para que a camionete do Sr. Marulanda chegasse mais rápido aos destroços, e resgatasse um dos sobreviventes o Alan. Esses minutos, de um caminho melhor, podem ter sido determinantes entre a vida e a morte dele.

Podemos se a chave da esperança, o caminho, para alguém, ajudando que ela novamente resplandeça. Entendem?
Você deve conhecer alguém que anda um tanto desesperançoso. Então, levante-se da cadeira de teu viver e ajude-o.

Sejamos chave e caminhos de esperança para nós mesmos, os outros e a realidade em que habitamos.

Não uma esperança imóvel, que só vira uma intenção. Mas, uma esperançosa musculosa, atlética, que nos faz levantar e alterar o carrossel do destino, de nossas vidas, dos outros e de onde convivemos.

Tal qual aquela criança fez. Sejamos, como ele, agentes da esperança.
Volto ao Piazzolla e declaro, com esperança, que após o choque da fatalidade, ficarão as boas lembranças, os ensinamentos, os exemplos de que é possível um time pequeno, com o apoio de uma cidade inteira, chegar a grandes conquistas. Essa é a esperança que me move, que o luto desse sofrer transforme-se em fortaleza para batalhas futuras, afinal depois do Chape, qual time de pequena cidade dirá que é impossível concorrer com os grandes? Essa foi a chave que o Chape usou em nosso corações cansados, acendendo em nós, até em quem não curte o futebol, a chama de que é possível sim, desafiar os gigantes e enfrentá-los, talvez não ganhando todas, mas nunca saindo do jogo. Essa é a minha esperança, e o que me move ao ser mais!
Uma esperança que me diz a todo momento, e em todas ocasiões: Vamos lá ser como eles, bora lá mostrar caminhos para o socorro chegar mais rápido a tantos que de mim e de você estão precisando agora, como esse garotinho da foto, que precisa de uma braço. Afinal, um abraço pode ser uma maravilhosa chave para acender a esperança no outro.

Sintam-se abraçados Catarinenses!

#chape


Crédito da foto: AFP

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Aposentadoria - Breviário para o lado de lá. (Autor Ricardo de Faria Barros)


Lentamente faço minha bagagem, para uma nova jornada, lá do outro lado do rio de minha vida. 
Entre as roupas corporativas e memórias que reviro, escolhendo as que levarei comigo, escuto o sino batendo lá fora, olho o calendário, e tomo consciência que hoje começou a contagem regressiva, agora faltará um mês para meu último acesso ao SisBB.

Então, resolvi escrever umas regras que me orientem, nessa travessia e melhor adaptação. Coisas para eu ler, quando me sentir desnorteado. Compartilho com colegas que estarão vivendo a mesma situação. Além delas, no final desse texto, têm os quatro capítulos de um livro que lançarei sobre o tema, e que comecei a escrever a partir de atendimentos que fiz às pessoas que viviam o processo de adaptação à aposentadoria. Eles poderão ser úteis.

Breviário Sobre as Vivencias do Lado de Lá.

1. Dinheiro - Não gaste o dinheiro da indenização com abestagens. Não se iluda. Esse dinheiro vai escorrer por entre teus dedos, e acabar. Então, cuidado para não entrar em roubadas. Não queira abrir uma padaria. Você nunca vendeu nada. Vai se estrepar. Não se iluda com o Programa Pequenas Empresas, Grandes Negócios, ali estão as que deram certo. Esse dinheiro será uma ajuda, quando as contas não fecharem. E, lembre-se, você não terá mais dias para vender, ou as esperadas PLRs para te socorrer. Não sofra, mas aquela vida vendida pelas agências de turismo aos aposentados, nem sempre dará para custeá-la. Ninguém se aposenta ganhando mais.

2. Pós-Carreira Remunerada - Administre sua ansiedade em encontrar atividades remuneradas. Elas poderão acontecer, ou não. O Mercado não está para peixe. Não se culpe ou puna por “não estar empregado ainda”. Deixe disso. Evite ficar se comparando a outros, que conseguiram trabalho remunerado no pós-carreira. Deixe de ficar esperando agoniado que chegue um email, com um convite, ou o telefone toque. Desapegue-se disso! Ao assim dizer, não quero que você Ricardim fique de braços cruzados. Você ainda é muito jovem. Tem muito o que trabalhar ainda, agora na tua própria agenda. Só, entenda a conjuntura. E, não deixe que isso vire uma fixação doentia. Se aparecer algo, ótimo. Se não aparecer, viva feliz do mesmo jeito.

3. Tempo. Ocupe o tempo. Não fique prostrado na cama, com barba por fazer, ou zapeando o dia inteiro, virando um escravo do mundo digital. Faça algo diferente, todos os dias. Liberte-se do pijama, cadeira do papai e controle remoto da TV. Esqueça esse negócio de férias eternas e vazias. Compre uma agenda e marque nela suas aventuras, descobertas, alvos a perseguir. Matricule-se em algo legal, pratique esportes, conheça novos amigos de várias tribos: pedal, moto, dança... O tempo será teu pior inimigo, ou melhor amigo. Use-o a teu favor. É como se todo dia recebesse uma página em branco, para colorir, registrando nela as coisas que fará. Você lutou muito e conquistou essas 12 horas livres no teu viver. Não as desperdice. Invista bem o seu capital temporal. Tem muitas atividades comunitárias esperando por você. Conhecimentos a conhecer. Experiências a viver. A ocupação do tempo pode ser feita a um custo pequeno, ou nenhum, como andar de pedalinhos no lago Paranoá, ou tomar banho nele.

4. Saudosismo Mórbido – Cuidado com a tentação de querer saber das coisas da empresa, do mundo ativo. Das fofocas da corte. Das campanhas e sinergias da vida. Querer acessar os e-mails, intranet, manter-se em grupos do zap zap, opinando sobre coisas de quem está na ativa. Tire essa roupa. Dispa-se do BB, sem deixar que ele seja parte de você. Entende Ricardim? É hora de zerar faturas em aberto, seja de mágoas, seja de expectativas não realizadas, seja de pessoas que lhe fizeram sofrer. Carregue suas raízes num pote, só colocando nele as coisas boas que levou da empresa. Não fique esperando ser ainda convidado para aniversários, festas de finais de ano, ou os prosaicos happy hour. A fila anda, e você sairá da agenda de contatos. Nem pense que lhe procurarão para tirar dúvidas. Você não é insubstituível, por mais referência em alguns temas em que se tornou. Mas, repito, a fila anda. Lembre-se do BB como um lugar que formou seu caráter e como uma mulher amada acompanhou seu viver, na alegria e tristeza, na saúde e doença. Agora, dela se divorciará. Mas, ela continuará sendo tua amiga. E, as boas lembranças do que viveram juntos, e o teu legado deixado, ninguém nunca de ti levará. Mas, aprenda a se divorciar, de forma madura, sábia, preservando a amizade, mas sem nenhuma relação de co-dependência afetiva doentia.

5. Relacionamentos – Invista em redes de relacionamento. Participe de grupos sociais, encontre motivos para se afiliar, ou se vincular, a outras coisas. Acredite, têm pessoas legais que você ainda não conheceu, que orbitam noutros ecossistemas culturais, diferente daqueles do BB. Os novos amigos que fará, nos vários grupos em que vier a se afiliar, serão bálsamo e fonte de satisfação na outra margem do rio. Só tenha cuidado para não querer reduzi-los aos filhos. Sufocando a vida deles, com teu 100%, agora, de atenção. Evite a síndrome do ninho vazio, ao perceber que teu lar está vazio. Nada de querer atenção, ou de passar a controlar/gerenciar a vida deles, como numa maluca terapia ocupacional. Eles não se aposentaram ainda. E, dentro desse tema de relacionamento, compreenda o mundo de tua esposa. Você agora precisará ter paciência com ela. Reconquistá-la, dia a dia, mansamente. Durante muitos anos você esteve ausente, de um monte de coisas. Então, não vá chegando em casa querendo logo pegar o controle remoto, num horário que era dela, entende a metáfora? E, caso ela continue a trabalhar, ajude nas coisas da casa. Isso não diminuirá seus sonhos no pós-carreira. Poderá ser fonte de prazer, ser, vez por outra, um “Já Que...”. O limite para o “Já que” será quando ela lhe mandar comprar óleo, para pegar uma promoção no supermercado, aí será demais. Arranje logo uma lavagem de roupa. Rsrs

6. Saúde. Você agora terá mais uns 30 anos de vida, no mínimo. Cuide deles com atenção, mantendo a saúde legal. A saúde é um completo bem-estar nas dimensões: física, psicológica, social e espiritual, muito mais do que a ausência de doenças. Então, se cuide mais ainda. Caminhe, leve os cachorros para tomar sol. Tome sol. Liberte-se do açúcar, sal e gordura. Cuidado com as drogas lícitas. De dose em dose em dose, todas as horas, se faz um alcoólatra. Faça todos os exames de sua idade, e passe a ser acompanhado por um geriatra. Não permita que nada destrua sua saúde emocional, aprenda a ligar o “Cagando e Andando”, ou evitar pessoas tóxicas, emocionalmente falando.

7. Preste Atenção – A vida está acontecendo em todo lugar, e você pode ativar o modo de percepção seletiva do que é bom, belo e virtuoso. Cuidado para não ficar aquele velho resignado, rabugento e descrente do futuro, de si mesmo, do outro e da realidade. Ame de montão. Faça poesias. Escute e veja coisas bacanas. Escolha o que, e para onde quer olhar no seu viver. Ser + feliz é uma decisão que tomamos muito mais com a cabeça, do que com o coração. São escolhas racionais. Lembre-se Ricardim, sua história pode estar apenas começando, não se apequene. Viva intensamente o presente, procurando ser bênção na vida das pessoas com as quais cruzar. Retribua a sombra que da vida recebeu. Seja grato por tudo. Todos os dias persiga três metas: 1: perceber algo de bom, belo ou virtuoso; 2: fazer algo de bom, belo e virtuoso; 3. agradecer algo de bom, belo e virtuoso.

Por fim, lembre-se, e pratique sempre, o que Paulo recomendou aos Filipenses 4, 8: “Concluindo, caros irmãos, absolutamente tudo o que for verdadeiro, tudo o que for honesto, tudo o que for justo, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, nisso pensai.”

Com essas recomendações, deste meu Breviário, não pretendo dourar a pílula. A adaptação na margem de lá, do rio de nossas vidas, é trabalhosa, e com recaídas de tristeza súbita. Mas, há outras fontes de prazer, no viver,  para além do mundo do trabalho formal. E, muitos de nós nem sabemos que existia vida, para o lado de lá,  dado o assoreamento no tempo líquido, para outras ocupações de qualidade, que o emprego formal provocou, em décadas de dedicação. 

Abaixo, textos complementares desse tema já publicados por aqui. Use-os sem moderação:

Síndrome da Abstinência à Vida Corporativa
Síndrome do Ninho Vazio
Síndrome da Alienação Fantástica
Síndrome do Tempo Elástico

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Aos que choram, enquanto fazem as malas de si mesmos. Autor: Ricardo de Faria Barros, Ricardim

Bezerra chorava alto do banheiro da agência 0063-9, Campina Grande-PB. Em alguns momentos, ouvia-se do lado de fora gritos: "não, não, não"!
O gerente chamou-me e pediu minha ajuda, eu já era psicólogo.
Entrei no banheiro e vi que ele estava desfigurado. Abraçou-se comigo e chorou de soluçar. Ele me dizia que o choro era de saudades antecipadas, de suas duas filhas que ele só via nos finais de semana, na condição de divorciado. Ele sabia que precisaria migrar para longe do Nordeste, para agências que ainda tinham vagas, ou aderir ao famigerado PDF. Dizia-me que não era choro por medo de refazer sua vida, longe, era choro de " uma saudade agoniada". Então, passei a falar ao Bezerra, e a ouvi-lo periodicamente. Bezerra foi um dos 40.000 colegas que foram colocados como "excedentes", após a redução da dotação das suas agências, no famigerado PDF de 1996. Dias depois, consegui uma vaga na minha antiga agência Remígio-PB, mas não aceitaram o Bezerra, ele custava muito na folha de pagamento, queriam "alguém mais novo de BB". Nunca contei isso ao Bezerra, ele não aguentaria. Outro dia, uns 10 anos atrás, encontrei-me com Bezerra nos corredores de um grande shopping de Brasília. Nos abraçamos efusivamente. Ele refez sua vida, nas agências do DF, casou-se novamente, e em todas as férias suas filhas vem para Brasília, passar com ele. Nem todos tiveram esse final feliz. Nem todos...

O que disse ao Bezerra, saiu de forma empírica, não havia sido criado ainda a corrente cognitivista da psicologia positiva (1998), que não é auto-ajuda, nem otimismo alienado, muito pelo contrário.

Apliquei várias vezes, em meu viver, o que disse a ele. Por exemplo, quando tirei zero, numa redação que fiz, integrante de de um processo seletivo para Gepes-Recife, um sonho de lugar para trabalhar, àquela época em 2005, uma vez que ficaria bem mais próximo (250 KM) de meus filhos, do primeiro casamento, cuja guarda eu tinha e a renda não me permitia trazê-los para Brasília.

Então querido amigo, ou amiga, que nesse final de semana vive as dores de Bezerra. Queria abraçá-lo como naquele banheiro de 1996, e dizer-lhe algumas palavras.

Não as direi de um local de quem só andou em estrada boa no BB, ou o idolatra cegamente. Não falo de um lugar sem traumas corporativos, não andei só em estrada boa, ou na boleia. Sei muito bem a dor da angústia, da frustração de expectativas, do rompimento de projetos de vida, ou do desespero de mudar, da noite para o dia, sem muito, ou nenhum planejamento. Sei o que é ler, no telegrama para apresentação ao BB, que minha posse seria em Petrolina, cidade bacana que distava uns 600 km de Campina Grande-PB, e, na hora de entregar os papéis, a pessoa que fazia os ritos finais de qualificação dizer que "houvera um erro", que eu iria para Poções-BA, há 1.800 KM de meus pais. Sei...

Abraçado a ti, falo o que funcionou para mim e ajudou o Bezerra.

Não é pessoal, embora seja (Despersonalização) - Bezerra, não foi pessoal, foi coletivo o que lhe aconteceu. Sua dor é pessoal, e é só sua, mas você integra um grupo de outros 39.999 sofredores. Que também estão se perguntando: qual a lógica disso tudo? Não se culpe, não se chicoteei, não puna ou se julgue por essa decisão ter lhe atingido. Houve variáveis de contexto, externas a você, que precipitaram essa decisão. Coisas do mundo corporativo, com suas lógicas nem sempre lógicas. Somos assalariados, e têm horas que temos que botar a viola no saco, morder a língua e refazer a identidade de nosso crachá. Essa é a tua hora de fazer isso. Lembre-se do que falou o Senhor Jesus: "No mundo terás aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo."

Passará (permanência) - Bezerra, essa dor que está sofrendo é legítima, não banque o forte, chore, chore, chore. Mas, tenha a esperança, ela passará. Será convertida numa saudade aceitável, em lembranças que te darão sustento, nos outros vôos para onde for. Teu amor pelas tuas filhas ninguém de ti tirará, ele ficará mais forte ainda, galvanizado pelo sofrer. Diga sempre, amigo Bezerra, passará. Passará. Passará. "Eles passarão, você passarinho". Lembre-se Bezerra, do que diz a poesia. Mas, só chore uma noite e um dia. Após juntar as mil lágrimas, pare com isso. É hora de você dar uma resposta à vida. No lugar de ficar esperando respostas dela.

Não é Geral (abrangência) Bezerra, não é geral que as coisas não estão dando certo em teu viver. Você pode até estar puto em ter sido colocado como excedente, e passar a achar que tudo em tua vida não dá certo, trabalho, casamento, amor... Digo-lhe, pare com isso. Algumas coisas não estão dando certo, ainda. Mas, outras são bacanas. Você tem pais vivos, irmãos. Têm amigos. Tem saúde para recomeçar. Tem um emprego, mesmo que em regiões de alto custo de vida. Não é a redução no padrão de vida que te matará. Nem a saudade. Você pode morar num quitinete, comer num pé sujo, faltar-lhe dinheiro para coisas básicas, e até de comprar passagem para ver suas filhas. Mas, nada disso te matará. O que te matará é sua auto-profecia de si mesmo, que você dá errado em tudo. Isso te matará. Pare com isso. Não fique na posição do desamparo aprendido (vejam minha vídeo aula, link abaixo). Erga essa cabeça, não há lugar para vítima no mundo corporativo. Se dê valor, mesmo que tenha percebido que não lhe deram valor.

Amanhã será melhor (Prospectiva) Por último, querido amigo, nutra a esperança, cultive-a. Sempre dizendo para si mesmo, como um mantra: " o amanhã será melhor". A esperança não é uma amiga boba, um torpor, algo que tomamos pela manhã, quando estamos na merda, para nos sentirmos melhores. Ela não nega a dor, não nega a revolta. A esperança não ilude. Ela reconhece que as coisas estão difíceis. Contudo, a diferença dela para o desespero, é que ela altera a realidade, influenciando no destino de nossas vidas. A esperança move-se no presente, plantando neles semente intencionais, de um futuro desejado. Ela é o combustível da coragem, sem o qual não avança a humanidade. Dela se produz a força dos sobreviventes. Com ela convertem-se as mil lágrimas choradas e decantadas, em elixir poderoso, e místico, que nos faz ver possibilidades, alternativas, com o que ainda nos resta, e com o que "apesar de" ainda podemos fazer após a situação. Ela é nosso cajado existencial. Não perca a esperança em dias melhores.

Então, querido amigo e amiga, que mudará de cidade, que olha para seu cantinho com olhar de saudade, com olhar de guardar lembranças. Que se preocupa com a adaptação da família, que nem sabe para onde vai ainda. Que terá que assumir nova posição no BB, sem saber ainda qual será, se terá, e o impacto dela na sua renda. Que terá que fechar sua agência, que mais virou seu lar, e convenhamos, não é fácil fechar um lar. Que terá que fazer mudanças em sua rotina de planejamento de vida. Digo-lhe: não foi pessoal, passará, amanhã será melhor e nutra a esperança, e seu efeito colateral coragem!

Há um lugar bom esperando por você, nessa nova identidade que seu crachá receberá. Mesmo que seja mais pobre, saudoso, e tendo que fazer piruetas para administrar as mudanças. Repito-lhe, esse lugar será bom. Pessoas boas te acolherão. Outras conhecerá. Tenha força. Levante-se dessa prostração de si mesmo. A Instituição e você sobreviverão, e mais fortes, acredite.

Nota: Parte desse grupo de colegas que migrou para Brasília, em 1996, percebeu que não poderiam pagar os altos alugueis. Então, fundaram uma Associação de apoio, se cotizaram e compraram uma gleba, há uns 30 KM de distancia, e nela construiram morada. Criaram a Associação dos Moradores do Banco do Brasil, AMOBB. Essa gleba é uma das poucas regularizadas no DF. Em 2001, comprei meu lote nela, e aqui moro. A eles devo meu cantinho no DF. A eles minha eterna gratidão.

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Compartilho links de meus blogs. Fuçe neles, ali deverá ter algo que te ajude. No primeiro deles, tem a aula sobre Desamparo Aprendido.
Psicologia Positiva - Pensatas
Psicologias do Cotidiano - "Bode com Farinha"

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Para além dos quintais.

As primeiras cenas do milagre vi numas fotos que meu filho Tiago Barrosmandou. Eu estava em Londrina-PR, numa visita familiar, e fiquei muito emocionado.
A cena do milagre era o Balu, meu labrador de 7 anos, visitando a casa da vizinha Catarina Catão, deixando-se guiar pela coleira.
Balu foi presente, de uma vizinha de rua, que mora após a casa da Catarina. Ele chegou em nossa lar com 3 meses, quando JG tinha 9 meses.
Foram criados juntos. Compartilhando inclusive as comidas. rsrs
Balu mora no quintal, num pomar com uns 200m2, bom para nele correr. Sempre foi criado solto, apesar de ter sua casa de alvenaria, na qual nunca me esquecerei do JG ali brincando. Era um de seus esconderijos. Balu não é cão de ficar preso. Com todos faz amizade, e o JG faz dele até montaria. Uma boa alma canina.
Comecei a notar que algo não ia bem com o Balu quando contratei um serviço de banho. Daqueles que pegam o cão em casa e depois o deixam, bem limpinho.
A dona ligou para mim dizendo que ele negava-se a sair do quintal. Não por estar violento. Mas por deitar-se no chão, com as patas pra cima, pedindo carinho. E que nem puxado ele aceitava andar de coleira.
Aí, há uns três anos, descobri que Balu tem pânico de tudo que é diferente ao seu quintal. E, desde então, o Pet manda o motorista mais musculoso buscá-lo, já que ele só sai nos braços, e são uns bons 30 quilos. A cada quinze dias é uma cena rara de se ver.

Balu, daquele tamanho, sendo carregado nos braços, tal bebê, até o carro.

Meu filho insistia. O Tiago ama cachorros e tem um Buldogue Francês. Meu outro filho, o Rodrigo Barros, e meu o genro Hugo Felinto também tentavam, e em vão.
Até que Tiago teve a genial ideia de botar coleiras na Duquesa, uma Golden Retriver de 4 meses, que recentemente trouxe para fazer companhia ao Balu, e no seu próprio cão, o Quitute, e ver se eles indo passear incentivavam o Balu a levantar do chão. E não é que funcionou? E foi essa a cena que vi, lá de longe de casa.
Desde que voltei de Londrina quis repetir a cena. E sempre me frustrava. Ele deitava no chão, pedindo carinho, e por mais que puxasse a coleira, mais ele virava as patas pra cima, a ponto de quase ficar enforcado, de tanto que eu puxava e nada.
Essa semana o milagre voltou a acontecer, e hoje já é o terceiro dia que se repete. Balu está criando novos hábitos.

Descobri a manhã. Tem que botar a coleira na Duquesa, e a nele, e ao subir as escadas, em direção à rua, não pode olhar nos olhos de Balu. Se olhar, ele deita e empaca. Tem que botar a Duquesa na sua frente, e ele a segue, de boa.
Consegui na quinta, na sexta e hoje. E, em todos esses dias, o prazer maior foi envolver o meu pequeno JG (7 anos) nessa caminhada.
Desde então, minha chegada do trabalho tem outro sabor.
Tenho filhos de 31, 29 e 27 e não me lembro de ter passeado com eles e nossos cães, e olha que sempre criei cachorros. Mas, minha memória não é lá essas coisas.
Fiquei matutando, nessa tarde de sábado, na força dos hábitos. e no poder que temos de transformá-los, de abandoná-los, alterá-los e até incorporar outros hábitos ao nosso viver.
Balu nunca tinha visto a rua. Acostumou com o quintal. Seu mundo era o quintal. Agora, ao sair para a rua, já não olha para o chão, com medo. Olha para os lados, estufa o peito e até corre, levando-me junto.
Como se ele descobrira uma nova realidade, que não sabia que existia e que seria capaz de nela habitar.
Quantas coisas que nos limitam moram em nós mesmos. São nossas estacas interiores. Tal qual aquelas que amarram pesados elefantes, em seus treinamentos em volta do tablado.
E nos acostumamos, criamos o hábito da permanência, sem ousar descobrir novos horizontes, sem a coragem de mudar de rumo, norte ou intensidade do caminhar.
Balu era feliz, mas havia outras possibilidades de felicidade, que o medo de ir em busca delas o limitava.
No primeiro momento ele precisava da coleira, perto de mim. Agora, até ouso tirá-la, quando mais próximo de casa e não oferecerá risco perigo, embora muito manso, a nenhum outro transeunte.
Balu reaprendeu, após seus 50 anos, pela idade dos cães.
Quanto de nós nos acostumamos com nossa vida, sem mais nos permitir a novos aprenderes, descobertas, experiências.
Vamos ficando no que já é certo, repetindo o que sempre fizemos. Para mim isso é envelhecer, perder a capacidade de "curiosidar" o mundo.
Perder a capacidade de descobrir algo novo, conhecer algo novo, renovar nossos propósitos.
Balu ensinou-me isso. Sempre podemos aprender, descobrir o que achávamos que nem era capaz.
Obrigado Balu! Ainda tenho muito a aprender, a descobrir, a aventurar e viver, lá fora. Embora o quintal seja legal!

Sobre mudanças de fase na vida, tipo Super Lua

Assim como a Super Lua de novembro de 2016, não pense que tudo é eterno. Que no ano vindouro se repetirá. Têm coisas que só voltarão a acontecer em 30 anos. Outras, nunca mais. O teu filho que hoje corre na praça, com 3 anos. Amanhã , que vem logo ali dobrando a esquina, já terá 30 anos. Nada é eterno. Então, aproveite o hoje, viva intensamente o agora. Perceba o bom, o belo e o virtuoso ao teu lado, pedindo um pouco de tua atenção, que nessa vida ansiosa, preocupada e corrida, nem sempre para para apreciar.
Hoje vou contar uma parte de minha história, do dia em que saí de casa.
Há 32 anos saí da casa de meus pais sem dizer adeus.
Não tive tempo.
Da data em que descobri que a minha namorada estava grávida, 26/12/1984, para o dia em que saí de casa, foram 10 dias.
E meu mundo girou, com uma intensidade trágica.
Gostava de meu quarto, de meu carrocho, um pequinês chamado Preto.
Gostava das aulas de religião que ministrava. Gostava até de umas poucas disciplinas, no curso de Eng. Civil, do qual iria inciar o 7 período, em 1985.
Até hoje não sei como paguei todos os Cálculos e Físicas daquele curso.
Na casa de meus pais nunca mais voltei, sem dia marcado para dela sair.
E, acabei sem tempo de me despedir.
Dos sons, do cheiro de casa dos pais, do aconchego deles, da comidinha caseira, das prosaicas discussões à mesa do jantar.
De um dia para a noite amadureci. Tão ligeiro como quem bota fruta no carbureto. Um produto químico que amadurece até o limão mais verdoso.
Não meus amigos, essa não é uma fala ressentida. É apenas uma constatação.
Minha vida mudou e acredito que para melhor. Tenho 3 filhos lindos desse primeiro casamento que são muito amigos e amados. Aliás, meus tesouros, junto com JG.
Trata-se apenas de uma consideração, inspirado por esse tempo frio, nublado e com a chuvinha mansa, que me lembrou de meu quarto, quando nele ficava ouvindo o som da chuva, caindo no beco, bem na janela do 1 andar de meu beliche. Onde dormia. Meu irmão dormia no térreo dele.
Não sou de julgar passados. Julgar o passado com olhos do presente é fácil. E, não serei eu quem me botará no banco dos réus. Aconteceu. Um caminhão passou por cima de mim, quando naquele dia 26 o resultado do exame deu positivo para gravidez.
Não meus amigos, nós não fazíamos sexo regularmente. Nem esporadicamente. Nem nunca. Acreditem se quiserem.
O danado do espermatozoide nadou, pelo muco vaginal, atravessando uma floresta de pelos pubianos para "conhecer" seu óvulo.

Têm mudanças na vida da gente que são como quem entra num carrossel do destino, e quando dele descemos percebemos que nem ele, nem a posição em que dele saltamos, e nem nós, somos os mesmos.
Ontem, inspirado pela tal da Super Lua, e seu conceito de tempo, lembrei-me de ritualizar aquele instante. E passei um bom tempo na varanda, brincando com ela de esconde-esconde, que teimava em habitar entre nuvens carregadas no planalto central de meu país.
Em 26/12/1984, uma quinta feira, aconteceu uma das Super Luas de meu viver. Aquele fato que será descrito, pelos livros de história, como antes e depois dele.
A partir daquele dia entrei no mundo adulto, com 20 anos, e de forma abrupta.
Dez dias depois, eu era já o Sr. Ricardo. Homem no cartório e na igreja, como mandava os bons figurinos da época.
Eu a amava. Não foi dolorido construir casa com ela. Com ela passei dez bons anos de meu viver e tive três lindos filhos. Belos, amados e amigos filhos.
A dor que engoli e que com ela botei a viola no saco e parti foi a de sair da barra da saia de minha mãe e do olhar protetor de meu pai. Sair de uma vez, sem abraços saudosos. Todos bancavam o forte. Não era hora de apertos afetivos.
No dia em que saí de casa não houve despedidas. Não voltei ao meu beliche e dormi mais um pouco nele, olhando pela janela da parede, que faceava com a cama, para o beco da casa, onde tinha um criatório de peixes ornamentais.
No dia em que saí de casa, não voltei ao quarto de estudos e fotografei, nas memórias de meu coração, cada livro comprado com tanto esforço pelos meus pais.
No dia em que saí de casa não dei um abraço apertado em meus irmãos, não me deitei mais uma vez no colo de minha mãe, nem tomei uma cervejinha com meu pai, lá no quintal, ouvindo-lhe pela enésima vez contar as aventuras de sua profissão.
No dia em que saí de casa não caminhei pela última vez com meu cachorro, que comigo não seguiu.
Não me deliciei com os quitutes da Nininha, nem tão pouco visitei meu melhor amigo, o Preto, que nunca deixou que eu brincasse sozinho.
No dia em que saí de casa, peguei minha Certidão de Casamento e segui para meu lar.
Não tive tempo de chorar, de arrumar lembranças, de fotografar emoções, ou de prover mil despedidas.
Naquele 26/12/1984, descobri que estava grávido. Sem ter havido sexo. Uma gravidez “nas coxas”.
A ficha demorou muito para cair. Aliás, acho que caiu ontem, vendo a lua. Afinal, só daqui a outros bons 30 e pouco anos a veremos novamente, nas dimensões de ontem.
Ontem tive a dimensão de mudanças de fase, que são dialética. Depois delas não somos mais os mesmos, nova dimensão alcançamos.
Como gostaria de ter retornado àquele sótão rústico, esconderijo perfeito, em dias de agonias juvenis.
Parece que só vamos percebendo que nada virará para sempre ao envelhecer.
Quando jovens achamos que as coisas sempre continuarão sendo elas mesmas.
Que o colo da mamãe estará sempre ali. Que suas gargalhadas à mesa do jantar estarão sempre por perto.
Parece que a dimensão da saudade não se faz muito presente, muito sentido, pois há um mundo a se descobrir, a se conquistar.
Acho até que é uma estratégia da psiquê, para que o apego não cole nossas asas, na realidade costumeira, inviabilizando maiores voos.
Não sei.
O fato é que estou na envelhescência e amando recordar.
E, amando avaliar por onde passei e o que faria diferente, caso tivesse a compreensão que tenho hoje.
Sairia de casa de forma diferente. Sim, eu sairia sim!
Mas, sairia de forma diferente. Não em dez dias, talvez em 100.
Acreditava que a casa estaria sempre lá. Ledo engano! A casa é uma metáfora. Nela habitam os quatro amores: o de apreço, o de afeto, o de apego e o de afago que são talhados pelo tempo.
E o tempo é uma fantasia de um alquimista misterioso.
Ele nos ilude a achar que tudo é eterno. A, de forma insana, pensar que presente estará sempre disponível. Mas, quando acordamos, quem sabe um dia, veremos que ele amanhã já será um monte de lembranças, nem sempre evocadas, pela falta de percepção do valor do aqui e agora.
Afinal, o tempo é uma construção de um alquimista poderoso que em tudo que toca torna ontem.
Então, para que o ontem não chegue e nos pegue desprevenido, temos que viver e degustar, lentamente e com prazer, o agora.
Entendem?
Em dez dias meus pais montaram casa para mim e me deram asas. Nunca esquecerei, eternamente grato.
Em 6 meses já tinha uma conta de água e luz em meu nome, um crediário de um conjunto de cadeiras de varanda e uma radiola sonata, e um patrão para chamar de meu.
Aos 20 anos virei homem feito. Amadurecido às pressas. Sem tempo para ficar chorando à margem do caminho.
Esse texto é para que você que me ler, quando sentir quem vem chegando uma mudança em teu viver, do tipo Super Lua, viva os ritos de passagem com intensidade.
Pode chorar, pode abraçar, pode fazer festinhas, pode guardar recordações, pode fotografar lugares e pessoas. Pode fazer e desfazer as malas, centenas de vezes.
Não apresse esse momento, a hora da partida, da despedida. Mas, não empaque!
Você precisará ser forte, para sair da gaiola e voar para outros objetivos. Não empaque, siga tua jornada. Até entrando noutras gaiolas, mais à frente. Afinal, todos vivemos em gaiolas, a diferença é que uns sabem disso, outros fingem que não.
Só hoje tenho a noção da agressão emocional que passei, do trauma do vôo abrupto.
Do tipo: “joga lá do alto, mesmo sem asas formadas, se ele conseguir voar vai sobreviver.”
Eu consegui, mas tive o apoio de um monte de outras asas. Inclusive divinas.
A elas, nessa noite enluarada agradeço.
Não terceirize seus ritos de passagem. Menos ansiedade e correria para mudar de fase.
Viva as etapas de seu viver, daquelas como uma Super-Lua, fazendo com elas compotas, ou conservas emocionais.
Para mais à frente, no tempo das lembranças, poder abri-las e degustá-las lentamente.
Eternize seus momentos tomando mais consciência da beleza deles, enquanto estão acontecendo.
Não faça como fiz, que simplesmente bateu a poeira, engoliu o choro, e fechou a porta do quarto para nunca mais voltar, da forma que dele saiu.
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Ps. Na foto, de 1981, minha turma de estudo do Colégio Diocesano Pio XI. Estamos sentados no muro da casa de meus pais, que ainda moram lá. Na Antenor Navarro, 321, por trás da Igreja do Rosário. Da esquerda para direita: Barreto, Marilene, Ângelo, Ismenia Mangueira e a amada prima Digna Mariz que morava conosco, ao meu lado.

Cartas ao JG - Não é pesado, é meu irmão.


Sabe filho, na noite do domingo passado você chegou-se a mim e aninhou em meu colo.

Sempre que isto acontece, fico lembrando como são de momentos como este, que vos descrevo, de que é feita uma vida que por ela vale a pena viver.
Vinha uma luz forte, sobre teus olhos, e pousei a mão para fazer sombra pra ti. Fiquei um bom tempo, naquela posição. E, quando uma mão cansava, colocava a outra.
Eu queria dar-te um pouco de conforto luminoso, para melhorar aquele cochilo gostoso que você tirou, enquanto o Andre Schirmer pregava.
Sabe filho não foi cansativo, tu é meu filho. E pais não se cansam em ajudar aos filhos.
Imagine que agora a pouco, acabei de vim do quarto de hóspedes, fui colocar o aparelho na tomada, daqueles que espantam muriçocas, pelo veneno que vão exalando.
Rodrigo Barros com a Andreza vem dormir aqui. E quero deixar o quarto bacana para eles.
Muito possivelmente não verei teus filhos, aliás, do jeito que as coisas vão nem os de Priscila Magalhães, Tiago Barros e Rodrigo Barros. Não por eu estar doente, mas por eles estarem adiando o projeto, e estão me enrolando com um neto que nunca chega.

Filho meu, quando tiveres filho e leres essa carta, nunca se canse em ser sombra para eles.
Assim como minha mão foi para com teus olhos, naquele domingo.
Seja sombra para eles. Se aprender a ser sombra para teus filhos, saberás também extrapolar a lição e ser sombra para os que te rodeiam.
Ser sombra é uma atitude de amor. De cuidar do outro, de fazer o que pode, com o que tem, para melhorar a jornada de quem contigo dividir a mesa, a cama, a vida, ou até o local de trabalho.
Ser sombra é uma atitude de empatia, de entrega e doação para o outro.
As atitudes-sombra estão rareando nos tempos atuais. Só queremos sombra para nós mesmos. Agora, na hora de fazer sombrar para o outro, esquecemos de retribuir.
E, infelizmente, a sociedade vai ficando muito egoísta, e as pessoas nem aí para doarem-se aos outros. Todo mundo só quer receber, e nada de dar.
- Só quer ser perdoado. Mas não pratica o perdão, quantas vezes precisar.
- Só quer ser amado. Mas não sabe amar, e sem condições.
- Só quer a verdade para consigo. Mas é uma mentira para com o próximo.

Sê sombra, filho amado. Independente de quem em ti procurar repouso, descanso, proteção. Sê sombra, não se canse nunca em assim sê-lo!

Cuida de teus filhos, não terceirize tua paternidade.
Não espere que a sombra chegue na tua vida, para ser na vida do outro. Não funciona assim.
Vou te contar um segredo. Sempre que fui sombra para o outro, como num evento místico, a sombra voltou para mim, e ainda mais forte.
Esse é o mistério da sombra que nessa noite chuvosa lhe revelo.
E, não precisará de muitos recursos para ser sombra. Lembre de minha mão nos teus olhos. Veja a foto. Ali, o único recurso foi o meu querer, minha atitude.
Muitas das vezes, e verás, as melhores sombras não vem revestidas de bens materiais.
São sombras de um abraço. De receber a visita de um amigo, numa enfermaria de hospital.
De sentir-se notado por alguém, quando todos ao teu lado brincavam contigo de uma perversa brincadeira, a que não de tornar invisível as pessoas, nas suas necessidades e expectativas, e mais direto falando-te, na própria presença.
Ser notado por alguém é ir para a sombra dele. Coisa boa.
Têm mil maneiras de ser sombra para teus filhos e os outros que te rodeiam.
Crie as suas. Garanto-lhe que mais e mais pessoas vão querer conviver ao teu lado.
Pois, descansarão suas vidas peregrinas, caminhantes sob um sol emocional causticante, embaixo de tuas frondosas copas emocionais.
Não, filho meu, não é um fardo ajudar a quem de ti necessita. Nunca será!
Afinal, não é pesado, pois que é teu irmão!

Desse jeito, você não serve para mim!


Pela manhã, foi ganhar umas milhas com Cristina, procurando no mercado o tal do Molho Inglês, para sua receita de costela de porco desse sábado.
Entrei num mercadinho, caminho para São Sebastião-DF, chamado Magalhães.
Aproveitei que chovia e não tinha ninguém por lá, e troquei uma prosa com o Magalhães. Tudo começou quando falei exatamente o parágrafo acima, no sentido de fazer um agrado para minha mulher, vindo procurar um dos ingredientes da receita, numa manhã que tinha outros afazeres, também pedindo urgência e atenção, como um plano de aula para uma disciplina nova que inicia dia 17/11.
Aí ele soltou uma frase que deu um mote pra um monte de conversa, e das boas: "Minha vó dizia que um Homem se conhece pelas suas companhias".

Continuou, dizendo-me: "quem"bota um homem para frente é uma mulher".

E passou a contar sua vida, digna de um filme de faroeste candango, até que achou Rosa, na calçada de uma rua, na qual acabara de sair de um cabaré.
Magalhães me disse que em todas as categorias de pessoa má ele se encontrava: drogava-se, bebia, gastava todo o dinheiro com bares e que não tinha responsabilidade alguma. O que ganhava na semana, como "chapa" de caminhões, perdia no final de semana com as mulheres com as quais andava.

Magalhães queria falar. E eu queria ouvi-lo, e a chuva final afugentava os clientes, nessa manhã de sábado.

Então ele começou a namorar a Rosa. E a Rosa, vejam o que ele disse: "me deu motivos para mudar".

Ela disse-lhe: "Não quero ao meu lado um homem bêbado, drogado, que se envolve com pessoas más, e que não assume compromissos. Quero uma pessoa de bem, um trabalhador, e não um vadio, que vive às custas do irmão.
Magalhães contou-me que quem tocava o mercadinho era seu irmão. E que ele nunca quis compromisso com o mercado".
Vivia de bicos, que dava para comprar "bebida e sair com as meninas".
Até Rosa! Rosa fez com ele o que dona Zica fez com Cartola. Resgatou-lhe para a vida, deu-lhe motivos.
A partir da influência dela, procurou um "trabalho fichado", e aceitou trabalhar com o irmão, no Mercado, agora Dos Magalhães".
E, pela fatalidade do destino, seu irmão, o que tocava o estabelecimento, passou por um processo de separação muito desgastante, levando-o a abandonar os negócios.
Agora, é ele e a Rosa que tocam Os Magalhães. E dele tiram a renda para viverem dignamente: "Não é muito, mas o suficiente para pagar as contas e criar nossa filha de 8 anos. Sou feliz, eu renasci para uma vida que não conhecia".
Aí chegam clientes, um à procura do pão francês, e outro atrás de um pedaço de carne de sol, que o próprio Magalhães aprendeu a fazer.
Despeço-me daquela meia hora que valeram por uma eternidade, em ensinamentos.
Quem bota um ser humano para frente, não é necessariamente sua companhia afetiva.
São as pessoas que lhe rodeiam, que lhe influenciam, que lhe estimulam a ser mais.
Do mesmo jeito que elas podem influenciá-lo: ao Ser Mais; podem sobre ele também exercer uma energia ruim: para o Ser Menos.
Se você que me ler, tiver Rosas em seu viver, agradeça ao bom Deus. Eu tenho as minhas. Que não me deixam desanimar, entrar pelo caminho das trevas. Que acreditam que posso desenvolver mais e melhor o meu potencial humano.
A crônica do dia é sobre o papel da influências sobre nós mesmos.
Procure ser uma "Rosa" para seus liderados, caso gerente for. Não abdique de seu papel formador. Ninguém, em nenhuma equipe que liderará, estará pronto. Estamos em construção, e sempre.
Se for pai, seja Rosa para seus filhos. Não delegue sua paternidade ou maternidade. Não se canse em conduzi-los à luz! Que teu amor seja exigente. Não se canse deles. Mesmo que não esteja vendo progresso.
Ser for amigo, seja Rosa. Alerte seu amigo quando perceber que ele está mergulhando num abismo. Ajude-lhe a refletir sobre suas condutas. Não negue-lhe um conselho, uma admoestação. Talvez só a você ele ouvirá.
Não há natureza das coisas que resista à força do amor. O amor sara, liberta e transforma realidades e pessoas.
Por isso, cerque-se de quem te ama, verdadeiramente falando. E que, muitas das vezes não dirá, apenas o que que quer ouvir, e o que massageia seu ego.
Valeu Magalhães, ficarei freguês de teu mercadinho. Tão simples, mas tão cheio de história. Quero fazer parte dela.
E, da próxima vez, quero conhecer a Rosa. Essa sim é uma "mulher de verdade", e não uma Amélia. Metaforicamente falando, como diria a canção.

Vamos brincar?



No trajeto que faço para o almoço, entre as quadras da Asa Norte 308/307 e 508/507, em Brasília-DF, tem um campo de futebol.
O pobre é mais desprezado do que orelhão de ficha, nos tempos atuais.
Há um ano transito por ali e nunca vi ninguém batendo uma bolinha, embora gramado e com traves.
Hoje, chegando próximo do local, avistei um jovenzinho sentado, com uma bola. Ele deveria ter uns 14 anos.
Perguntei-lhe se esperava alguém para jogar, ele olhou-me sem motivos algum, e disse-me que ninguém viria ao campo - "como sempre", pois "estavam nos apartamentos" e que só ele desceu. Era perto das 13hrs.
Tive uma dó danada do moleque, queria tirar o paletó e trocar uns chutes.
Mas, como fazer com a roupa suja, no turno da tarde?
Segui para o almoço pensativo, como é dolorida a solidão de quem quer brincar e não acha com quem.
No restaurante, à minha frente um pai caprichosamente faz o prato de sua filha, ainda vestida do colégio que acabara de chegar. Ela deveria ter uns 8 anos, no máximo.
A menina fez birra e falou alto, que "já era uma mocinha" e não aceitava o pai fazer seu prato.
O pai cedeu, entregou o prato pra filha, e foi sentar-se numa mesa. Olhando-nos envergonhado.
A menina, se achando, saiu catando o que queria, cultivando uma autonomia tão precoce.
Voltei pelo campo de futebol. O jovenzinho ainda estava ali. Agora ele fazia embaixadas. Pedi licença para documentá-lo, com meu celular.
Ele ficou feliz. E passou alguns minutos "brincando" comigo, mesmo que em poses futebolísticas.
Segui por dentro das quadras residenciais, em direção ao cafezinho tradicional do posto de gasolina.
No caminho, um parquinho infantil sem ninguém. Com uma amarelinha pintada na calçada, mais sozinha do que freira em clausula.
No caminho, um parquinho infantil sem ninguém. Com uma amarelinha pintada na calçada, mais sozinha do que freira em clausula.
Não é a primeira vez que por ali passo e noto uma completa indiferença aos brinquedos do parquinho. As babás, ficam teclando nos seus celulares, e as crianças, idem.
Tem criança que nem anda ainda e que já tem sua "chupeta eletrônica", com suas galinhas pintadinhas.
Então, ficam crianças com seus celulares para um lado, e babás com os delas para outro. E todos fingem estarem brincando ao ar livre.
Curiosamente, ao acessar as notícias do dia, no retorno do almoço, vi que a Sociedade Brasileira de Pediatria emitiu um alerta para o que chama de Geração On Demand, disponível em:
http://tab.uol.com.br/vida-on-demand/#efeito-colateral
Na matéria, a médica Evelyn Eisenstein, coordenadora da elaboração das diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria para o uso de tecnologia, faz severos alertas.
Segundo a pediatra, os pais ainda não acreditam nos prejuízos da conexão ininterrupta à saúde dos filhos, mas os consultórios já lidam com problemas concretos: ansiedade, dificuldade de concentração, síndrome do olho seco, transtornos de sono e também de alimentação (estes dois ligados à falta de horários fixos, já que o conteúdo virtual não segue grade de programação).

Tenho um filho de sete anos e vivo na pele esse drama. ele esquece de tudo quando liga seu tablet e acessa jogos, ou youtubers de jogos.
Esquece de pedalar, de brincar com seus cachorros, de exercitar a imaginação na casa da árvore, de visitar os amigos que moram à frente.
Aí, começa nossa briga, quase diária, para discipliná-lo. Outro dia ele pediu para levar o tablet para o colégio, "no dia do brinquedo", nas sextas-feiras.
Proibimos veementemente. Mas, não funcionou. Descobrimos que ele fica jogando no dos amigos, que levam.
Penso que precisamos discutir tecnologia, sem ser careta.
Mas precisamos. Precisamos saber a hora de desconectar, a hora que vamos nos viciando em acessar o whats, 50 vezes pela manhã, em grupos que passam o dia postando, e como voyeur ansiosos temos que ler o que rola, mesmo sem digitar nada.
Qual será o impacto na produtividade de tanto whatszap? Que vai tirando a capacidade de concentração no que estamos fazendo.
Tem gente que até telefona e diz assim: "mas eu mandei um whats e você não abriu". Como se o sujeito tivesse que ficar "on-line", abrindo tudo que vai aparecendo, sem se concentrar em nada que está fazendo.
Preciso incentivar mais o ser brincante no JG. O ser brincante desenvolve em nós três competências, essenciais ao crescimento como pessoa: a socialização, com sua consequente capacidade de criar vínculos. A criatividade, com sua fecundidade em transpor limites. E a imaginação, com sua varinha de condão que nos faz viver cenas, sem nelas estar, processando nosso lugar de existir, de uma forma lúdica. O brincar com o outro nos faz exercitar o apego, o desapego, as frustrações, as conquistas, as perdas e os ganhos.
No reino do faz de conta, constrói-se a inteligência emocional, ainda criança. Sem acelerar a idade, sem apressar o rio. Sem queimar etapas, sem querer ser mulher, ainda menina, ou homem, ainda guri.
Vamos brincar mais com nossos filhos! Ensiná-los a gostar de coisas simples, como procurar o tesouro do Capitão Nemo, enterrado embaixo de um monte de folhas secas.
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Obs: Mesmo se discorda de tudo que eu falei, e é pai ou mãe, pelo menos acesse o link que postei, sobre as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Cartas ao JG - Sobre Trump e Capivaras


Sabe filho, nessa manhã de 09/11/2016, na qual o povo do bem que ainda habita a humanidade acordou temeroso, você ao ouvir o noticiário matutino, no trajeto à escola, soltou um:
“Nossa, o Trump ganhou! ”.
Nesse mesmo dia pegamos o maior engarrafamento da Ponte JK, no Sentido Plano Piloto, batendo todos os recordes, pois ficamos preso nele por uns 60 minutos.
Lá fora caia uma chuva fina que tornava o clima no interior do carro mais claustrofóbico ainda, dado que os vidros precisavam ficar fechados.

No carro, você esqueceu o Trump e foi caçar Pokémon. Pensei comigo, é melhor.

Ao chegar no trabalho, fiquei sabendo que a razão do imenso engarrafamento foi devido ao fechamento de 2/3 das pistas para o resgate de uma capivara, atropelada quando atravessava a ponte.
Ela sobreviveu, embora tenha quebrado umas costelas.
Me senti melhor como humanidade, apesar dos transtornos em chegar atrasado.
A causa era nobre.

Segui para o almoço e me deparei com uma Kombi, com uma carga um tanto estranha. Na sua mala traseira há um monte de copinhos com mudas.
Pelo visto, um jardineiro faz dela sua estufa. Um criatório de mudas. Amanhã voltarei com uma câmera melhor, para documentar o inusitado da cena.

Já pensou, filho meu, o cara criar mudas dentro de uma Kombi velha, sem placa, fazendo dela uma incubadora de possibilidades?
Legal demais.

Na fila para pagar o rango, observei duas menininhas servindo-se, com roupas colegiais.
Achei legal a autonomia delas, que deveriam ter entre 11 e 13 anos.
Também, chamou-me a atenção o fato delas se servirem somente numa das bandejas do self-service, uma na qual tinha algo vermelho-rosa. Com fartas colheradas daquilo.
Depois, elas colocaram sobre aquela massa rosa-vermelho algo pastoso, de cor branca.
E saíram para pesar seus pratos.
Chegando mais perto, vi que o troço vermelho-rosa era carne de quibe cru, e o branco, era coalhada seca.
Aquilo me estranhou, chocou minha cultura gastronômica. Mas, me fez um bem danado.

Afinal, precisamos respeitar quem come e pensa diferente de nós mesmos. Viva a diferença!

Por que te falo, nesse dia cinzento, sobre capivaras, mudinhas e menininhas almoçando?
Porque remetem à esperança.
Uma sociedade na qual os animais ainda são protegidos; as crianças têm segurança em almoçarem sozinhas, e ainda comerem quibe cru; e um jardineiro faz de sua Kombi velha um horto - germinando sementes adormecidas, tem em seu DNA as raízes da esperança.
Esse texto para você é sobre o valor da esperança.
Não perca essa prumada da vista. Nunca!
Quando estou mais apreensivo, preocupado e aflito, com o futuro da humanidade, com seu retrocesso ao conservadorismo, e aumento dos conflitos de todos os tipos, fruto da ignorância emocional, mais dirijo meu olhar para capivaras socorridas, menininhas comendo quibe e mudinhas num porta-malas de uma Kombi.

Você me entende, filho meu?

Nós temos a capacidade de transformar mentes e corações, pela força da educação e pelo exemplo.
Só estamos passando por uma ressaca, ressaca moral e das Instituições, e a nível global.
Mas, temos a capacidade de sair dela melhores, como coletividade, como cidadãos.
Só não podemos perder a esperança.
Existe muita gente boa para com elas somarmos.
Gente que defende o acesso à universal saúde, mesmo que feita por prosaicos médicos Cubanos, prescrevendo mais escuta do que remédios. O que incomoda aos interesses de grandes grupos médicos-laboratoriais.
Gente que defende o acesso à educação pública, e de boa qualidade. O que incomoda aos interesses de empresas de educação, com suas ações em bolsa.
Gente que defende os investimentos estruturais, mesmo em regiões carentes e que não contribuam significativamente para o PIB do país, numa perspectiva inclusiva e Federativa. O que incomoda aos interesses de quem acha que seu estado é o que é uma maravilha, e que o resto, mais pobre, tem mesmo é que se danar.
Gente que defende programas de habitação popular, privilegiando-os para pessoas de baixa renda. O que incomoda aos interesses do mercado imobiliário.
Gente que defende a ajuda do Estado, a populações em vulnerabilidade social, para que possam por elas mesmas retornarem à condição de dignidade humana. O que incomoda aos coronéis, que prefere manter esse povo no cabresto, por um par de havaianas a cada quatro anos. Ou os escravizando, sujeitando os mesmos a trabalharem 8 horas, embaixo de um sol inclemente, para ganharem R$ 5,00 por dia.
Gente que defende que o seu voto é muito sagrado, para ser objeto de negociação. Que contraria aos interesses de grupos poderosos que se articulam para botar “os seus”, para defender seus próprios interesses, em detrimento do interesse públicos.
Gente que defende a justiça nas relações capital x trabalho. Contrariando quem pratica toda forma de agressão ao trabalhador, inclusive a mais cruel, a que reduz seu “preço de assalariamento”, ameaçando-lhe com a demissão.
Gente que defende a proteção dos recursos ambientais e culturais, que não nos pertencem, e sim às gerações futuras, mesmo em oposição a fortes grupos econômicos do agronegócio, que por algum deles passavam era um trator no Brasil, para plantar soja e cana de açúcar. Ao som, à moda, e ritmo de valores culturais importados, vindos do exterior.
Esse povo existe. O povo do bem, do belo e do virtuoso.
Só estão desorganizados, passando por um momento de crise, de rompimento ou renovação de identidades.
Não desanime em juntar-se a eles, e lutar por um mundo melhor.
Nem que seja, sendo a mudança que deseja!
Sendo ético. Manso. Justo. Bom e coerente entre o que fala e faz.
Sim filho meu, Trump ganhou, e outros também ganharam.
Mas, não perdemos ainda.
O jogo não acabou. Foi só uma partida.
Então, voltemos à campo, para semear ideias, valores e utopias... cultivando o terreno de uma nova sociedade.
Apesar dos pesares, ainda estamos na luta!

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