Cartas ao JG - Sobre Trump e Capivaras


Sabe filho, nessa manhã de 09/11/2016, na qual o povo do bem que ainda habita a humanidade acordou temeroso, você ao ouvir o noticiário matutino, no trajeto à escola, soltou um:
“Nossa, o Trump ganhou! ”.
Nesse mesmo dia pegamos o maior engarrafamento da Ponte JK, no Sentido Plano Piloto, batendo todos os recordes, pois ficamos preso nele por uns 60 minutos.
Lá fora caia uma chuva fina que tornava o clima no interior do carro mais claustrofóbico ainda, dado que os vidros precisavam ficar fechados.

No carro, você esqueceu o Trump e foi caçar Pokémon. Pensei comigo, é melhor.

Ao chegar no trabalho, fiquei sabendo que a razão do imenso engarrafamento foi devido ao fechamento de 2/3 das pistas para o resgate de uma capivara, atropelada quando atravessava a ponte.
Ela sobreviveu, embora tenha quebrado umas costelas.
Me senti melhor como humanidade, apesar dos transtornos em chegar atrasado.
A causa era nobre.

Segui para o almoço e me deparei com uma Kombi, com uma carga um tanto estranha. Na sua mala traseira há um monte de copinhos com mudas.
Pelo visto, um jardineiro faz dela sua estufa. Um criatório de mudas. Amanhã voltarei com uma câmera melhor, para documentar o inusitado da cena.

Já pensou, filho meu, o cara criar mudas dentro de uma Kombi velha, sem placa, fazendo dela uma incubadora de possibilidades?
Legal demais.

Na fila para pagar o rango, observei duas menininhas servindo-se, com roupas colegiais.
Achei legal a autonomia delas, que deveriam ter entre 11 e 13 anos.
Também, chamou-me a atenção o fato delas se servirem somente numa das bandejas do self-service, uma na qual tinha algo vermelho-rosa. Com fartas colheradas daquilo.
Depois, elas colocaram sobre aquela massa rosa-vermelho algo pastoso, de cor branca.
E saíram para pesar seus pratos.
Chegando mais perto, vi que o troço vermelho-rosa era carne de quibe cru, e o branco, era coalhada seca.
Aquilo me estranhou, chocou minha cultura gastronômica. Mas, me fez um bem danado.

Afinal, precisamos respeitar quem come e pensa diferente de nós mesmos. Viva a diferença!

Por que te falo, nesse dia cinzento, sobre capivaras, mudinhas e menininhas almoçando?
Porque remetem à esperança.
Uma sociedade na qual os animais ainda são protegidos; as crianças têm segurança em almoçarem sozinhas, e ainda comerem quibe cru; e um jardineiro faz de sua Kombi velha um horto - germinando sementes adormecidas, tem em seu DNA as raízes da esperança.
Esse texto para você é sobre o valor da esperança.
Não perca essa prumada da vista. Nunca!
Quando estou mais apreensivo, preocupado e aflito, com o futuro da humanidade, com seu retrocesso ao conservadorismo, e aumento dos conflitos de todos os tipos, fruto da ignorância emocional, mais dirijo meu olhar para capivaras socorridas, menininhas comendo quibe e mudinhas num porta-malas de uma Kombi.

Você me entende, filho meu?

Nós temos a capacidade de transformar mentes e corações, pela força da educação e pelo exemplo.
Só estamos passando por uma ressaca, ressaca moral e das Instituições, e a nível global.
Mas, temos a capacidade de sair dela melhores, como coletividade, como cidadãos.
Só não podemos perder a esperança.
Existe muita gente boa para com elas somarmos.
Gente que defende o acesso à universal saúde, mesmo que feita por prosaicos médicos Cubanos, prescrevendo mais escuta do que remédios. O que incomoda aos interesses de grandes grupos médicos-laboratoriais.
Gente que defende o acesso à educação pública, e de boa qualidade. O que incomoda aos interesses de empresas de educação, com suas ações em bolsa.
Gente que defende os investimentos estruturais, mesmo em regiões carentes e que não contribuam significativamente para o PIB do país, numa perspectiva inclusiva e Federativa. O que incomoda aos interesses de quem acha que seu estado é o que é uma maravilha, e que o resto, mais pobre, tem mesmo é que se danar.
Gente que defende programas de habitação popular, privilegiando-os para pessoas de baixa renda. O que incomoda aos interesses do mercado imobiliário.
Gente que defende a ajuda do Estado, a populações em vulnerabilidade social, para que possam por elas mesmas retornarem à condição de dignidade humana. O que incomoda aos coronéis, que prefere manter esse povo no cabresto, por um par de havaianas a cada quatro anos. Ou os escravizando, sujeitando os mesmos a trabalharem 8 horas, embaixo de um sol inclemente, para ganharem R$ 5,00 por dia.
Gente que defende que o seu voto é muito sagrado, para ser objeto de negociação. Que contraria aos interesses de grupos poderosos que se articulam para botar “os seus”, para defender seus próprios interesses, em detrimento do interesse públicos.
Gente que defende a justiça nas relações capital x trabalho. Contrariando quem pratica toda forma de agressão ao trabalhador, inclusive a mais cruel, a que reduz seu “preço de assalariamento”, ameaçando-lhe com a demissão.
Gente que defende a proteção dos recursos ambientais e culturais, que não nos pertencem, e sim às gerações futuras, mesmo em oposição a fortes grupos econômicos do agronegócio, que por algum deles passavam era um trator no Brasil, para plantar soja e cana de açúcar. Ao som, à moda, e ritmo de valores culturais importados, vindos do exterior.
Esse povo existe. O povo do bem, do belo e do virtuoso.
Só estão desorganizados, passando por um momento de crise, de rompimento ou renovação de identidades.
Não desanime em juntar-se a eles, e lutar por um mundo melhor.
Nem que seja, sendo a mudança que deseja!
Sendo ético. Manso. Justo. Bom e coerente entre o que fala e faz.
Sim filho meu, Trump ganhou, e outros também ganharam.
Mas, não perdemos ainda.
O jogo não acabou. Foi só uma partida.
Então, voltemos à campo, para semear ideias, valores e utopias... cultivando o terreno de uma nova sociedade.
Apesar dos pesares, ainda estamos na luta!

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