Marido e pai; esposa e mãe: O desafio de balancear papeis, ao restaurar fragmentos do romance original.



Escrevo este texto especialmente para pessoas muito queridas que estão namorando e pretendem se casar em breve, ou já casadas, e que planejam filhos, ou até para mães e pais de filhos bem jovens, e que ainda se amam.

Procurei muitos títulos para o texto: Carta de um Marido Sobrando; Separação de Amantes; O II Desmame; ou, o do título acima.

Então, de coração sereno, gostaria de convidar pais e mães, "em início de carreira", ou os que nela querem ingressar, à reflexão sobre a necessidade de preservar o espaço do casal, ao assumirem sua maternidade e paternidade.

Tenho percebido o quando o 2º desmame é difícil.

O primeiro desmame é o do aleitamento infantil. No qual, a criança se acha parte do seio materno, parte da própria mãe. Como se fosse uma única estrutura biológica. Ela sofre muito nesse desmame. Mas é necessário.

No segundo, a dificuldade de romper vínculos, extremamente fortes, vem dos pais. Que estabelecem uma relação tão intensa com a cria, nos moldes de uma co-dependência afetiva que dificulta o 2º desmame. Eles adotam sua cria como sua vida, sua única vida. Passando a girar toda sua energia libidinal em torno desse filho amado, buscando somente nele toda a motivação e satisfação para com a vida do casal.

Aos poucos, a relação a dois vai esfriando. Não há mais outros papos à mesa. Não há programas específicos do casal. E, se a criança for esperta, e crianças são espertas, percebe que se tornou o rei ou rainha do lar, passando a exigir cada vez mais prioridade: de tempo, lazer, prazer e atenção. Até com infantis chantagens, que adultos imaturos caem como patinhos. Criando filhos sem limites e birrentos. Muito mimados e super endeusados. Serão péssimos líderes.

As coisas nem sempre foram assim. Atribuo a mudança à pobreza de afetos, oriundos de outras fontes de prazer: trabalho, sociedade e família, deslocando toda a energia emocional para os filhos.

Para complicar, muitos pais sentem-se culpados e ansiosos pelo pouco tempo que dedicam aos filhos, pelos turnos exaustivos do trabalho e estudos, acabando por potencializar mais ainda essa relação amorosa-doentia com os pequenos. Esse amor grude.
Alimentando neles a sensação de serem reis, de um reinado chamado lar. E, aos poucos, a realeza vai se tornando tirania; Tiranos mirins que controlam a agenda dos pais, os interesses e até a alimentação.

De tanta dedicação, excesso de convivência, zelo e superproteção, no final do dia estão exaustos. Sobrando pouco tempo para o afeto a dois, para o resgate dos fragmentos do romance do que restou entre eles.

Para complicar mais ainda, há toda uma expetativa social em cima das mães – que define e molda um padrão de comportamento socialmente aceito.
Com fortes representações sociais do que é ser uma boa mãe, emanadas da cultura e reforçada pela mídia.

As mães que não se enquadram nesse contexto e continuam namorando, são tidas como desleixadas ou irresponsáveis.
“Como deixou o filho com a babá e foi ao cinema sozinha com o marido?”

Para que me entenda melhor, conto-lhe a respeito de meu final de semana, no qual senti uma solidão enorme de minha esposa, um dos sintomas da falta do desmame.

A sensação de solidão a dois aconteceu durante o encontro anual de amigos que integram uma comunidade virtual de que participo.

Esse ano, o evento foi em Beagá (BH). Tratava-se de uma data importante para mim. Então, convidei minha esposa para irmos àquele estado, para juntos celebrarmos a alegria do encontro de amigos virtuais, numa alegre festa presencial. Levamos nosso pequeno JG que em julho fará seis anos.

No local do evento, após alimentá-lo, minha esposa o levou para brincar no campinho de futebol.
Fui lá chamá-la, para curtir comigo a festa, e deixar o JG ao nosso lado, como outras tantas crianças estavam com seus pais.
Não tive êxito.
Passado algum tempo, fui de novo e eles me contaram que estavam indo à piscina, brincar nos atraentes toboaguas.
Entretidos com a diversão. esqueceram-se de mim sozinho, ali no local do evento, só voltando para lá umas duas horas depois.

Afinal, a maternidade é uma voz que nunca cala. Sempre reclamando atenção.
Não querido leitor, nós não estávamos brigados.
Não querido leitor, não tenho um pingo de ciúmes da relação mãe-filho. Aliás, admiro-a ternamente.
Não querido leitor, não faço o papel de pai tradicional. Sou pai babão, quase uma “pãe.” Divido as tarefas de dar banho, alimentação, educar, brincar e até botar pra dormir.

O que acontece com minha mulher é a dificuldade de diferenciar papéis: de mãe e de esposa.

Trata-se de um tema-tabu e, ao propor essa reflexão, desapego-me de qualquer receita de bolo ou pré-julgamento.

Cada um sabe onde o calo aperta. Eu sei do meu. E, como casal, estamos negociando os espaços, o desmame, a cada dia. Isto não significa deixar de amá-lo, pelo contrário, significa garantir a sustentação do lar para o futuro dele. Garantir nosso espaço do romance. Para que não nos percamos um do outro, sob o pretexto da dedicação exclusiva à criação dos filhos.

A maioria dos divórcios não acontece por falta de sexo, mas por falta de diálogo e companheirismo a dois.

Tenho sentido falta dela. Sinto falta de nossas conversas, programas de sair sem destino, das noites viradas vendo filmes e mais filmes.

Sinto falta, mas não sou saudosista.

Meu papel mudou também.
Tem gente que quer ter filhos e continuar com a mesma vidinha de antes.

Não dará. A paternidade e maternidade são vocações que exigem exige uma amorosa doação. E, não pode ser terceirizada. Nem vivida como peso. É ato e dose diárias de cuidado, carinho e atenção.

Acho que a saída passa pelo equilíbrio na vivência dos papeis.

Com a proximidade do dia das mães, minha reflexão segue no sentido da complementariedade dos papéis. Na ajuda mútua do casal, ao constarem que estão se perdendo um do outro, na sua relação emocio-afetiva.

Mães, não deixem seus maridos órfãos de vocês mesmas.

Pais, não deixem suas esposas órfãs de vocês mesmos, delegando exclusivamente para ela as responsabilidades e tarefas da criação dos filhos.

A separação de papeis esposa e mãe; e a de esposo e pai torna-se fundamental à saúde amorosa do casal.

E, porque não dizer, dos filhos.

Filhos mimados demais, que nunca largam da barra da saia, serão adultos inseguros e com pouca autonomia. Não aprenderam a cair, a perder, a lidar com frustrações pois sempre a super mãe, ou pai, estavam por perto.

Para viver por eles estes momentos.

Abro meu coração de minha saga, e, caso faça-lhe sentido, comece ainda hoje a renovar seu romance.

Abra espaço na agenda.

Revisite suas cartas de amor.

Reveja as fotos quando namoravam.

Façam pequenos projetos a dois, e possíveis, mesmo que de curta duração.

Leve seus filhos para seus programas também, mesmo que eles a princípio não gostem. Lógico que sejam programas também para menores.

Vez por outra tome o controle remoto deles, que só passa programas infantis, e veja a um show musical de que goste. Mesmo que fiquem emburrados por perderem “sua televisão”.

Nunca deixem que eles saiam de perto de vocês por acharem que a diversão que vivem é ultrapassada.

Na casa de meus pais uma das coisas mais bonitas que eles nos ensinaram era o de cear juntos. Mesmo que eu quisesse ir comer um sanduíche no quarto, um pão com ovo, aquele momento eles queriam nossa presença junto com eles.
Num programa deles, que era tomar sopa. Entende?
Não deixe de pescar no lago com sua esposa, um programa que antes adoravam, porque o pequeno não suporta. Cuidado com a culpa, ou chantagem, até dos amigos dizendo-lhe: “Tadinho, ele queria ir para o shopping e os pais o levaram à barragem”.
Resista aos parentes, amigos e mídia que a todo momento irão apregoar fórmulas “perfeitas” de criar filhos, quase como quem cria bichos de estimação.
Filhos não são bichos de estimação e devem passar e suportar trancos.

Leve para passear para seus passeios. E, se ele fizer birra, deixe-o birrento

Não se perca na maternidade ou paternidade. Viva-a intensamente, prazerosamente, mas você também tem outro papel: o de amante amoroso.

Cuide dela, cuide dele. Dê fragmentos de atenção, ao cair da noite e cansado estiver, nem que seja para o (a) cobrir numa noite fria.

Quais eram os programas que gostava de fazer juntos?
Quem sabe revivê-los, com menos intensidade ou adaptando-os aos novos papeis que agora exercem. tipo tirar um sabático da paternidade e maternidade, nem que seja por duas horas. Sem que nesse espaço, só de vocês, de tão preocupados com a cria que ficou com os "outros, não curtam nada a dois. Conheço esse filme. rsrs

Leve seu filho para brincar também com seu marido. Não o “exclusivize”.

Exija paternidade. Exija divisão de tarefas.
Ficará mais fácil resgatar seu papel de esposa, quando o de mãe está balanceado com o do pai.

Por último, seu filho não é um brinquedo ou bicho de estimação, sua única fonte de prazer e fixação do amor.
Faça festa de aniversário também para você. Mesmo que as deles, no fundo, o sejam...
Amor demais adoece. Amor pede pausas, individualidades.
Pense nisso.
Não se tornem estranhos, ano a ano, do amor que um dia sentiram um pelo outro, por deslocarem a libido e o porquê viver totalmente para os filhos.
Não deixe que um ou outro fique sobrando na relação familiar.

Mas, a meta são os fragmentos do romance. Não precisa trazê-lo todo, será ilusão e agora vocês são uma família, cujo amor se reveste de outros sentidos, o melhor amor, no meu entender.

Caso consigam resgatar os fragmentos já dará jogo e será muito legal a convivência dos tipos e papeis diferentes de amor que só a família gera.


Só sei que não vou por ali.

Durante o voo tentei convencê-la a pegar um táxi, do aeroporto de Confins até Belo Horizonte, afinal a estada seria curta.
Não consegui.
No caminho em direção à locadora encontrei um amigo, que iria para o mesmo evento, esse me deu um toque: “use o Google-Maps com GPS ativado do celular, e pimba.  Chegará em todo lugar em Belo Horizonte”.
Fiz cara de inteligente, ainda não me rendi ao GPS, seja onde estiver. Mas, comecei a fuçar o celular. Só de imaginar me perder no Centro de BH dava arrepios, e já era próximo das 23hrs. Já tinha vivido cena semelhante.
Digitei o nome do hotel, que ficava na Alvares Cabral – Centro e segui confiante.
Não deveria ser difícil. Aliás, o nome era sugestivo.
Afinal, era o descobridor do Brasil.
Se eu não tivesse faltado às aulas de história teria me prevenido melhor e não ficaria tão confiante. 
Êh Cabral!
Na telinha do celular, uma bolinha azul ia se mexendo, à medida que eu andava. Nos sinais ficava contemplando-a, abobado.  Aquela esfera azul era eu. 
Bem longe, a uns 40 KM, um ponto vermelho. Era o alvo.
Entrei no Centro e olhando para bolinha e o ponto vermelho eu sabia que estava bem perto. 
Tinha hora que eu queria ir pra frente, mas era contra mão, afastava da rota e voltava. Perto das uma da manhã, depois de brigar com o GPs por uma hora, emparelhei com um taxista e ele me levou ao hotel. Não sem antes soltar um “Uai, tava tão perto...”.
No outro dia, repete-se tudo igual. Consigo passar na avenida do Cabral, na que sobre, e vejo o hotel ao meu lado, após o canteiro central no sentido de quem desce, mas não encontro o ponto de voltar para ele. Subo então até a Praça da Assembleia e perco-me novamente.
A mulher, fica tirando onda. Para complicar mais ainda, o hotel era San Diego, tem plaquinha pequena e escondida.
Emparelhei com um taxista, mais uma vez, que dispara: “Mas moço, o trem é fácil, é só virar na praça”. Fiz cara de entendido, mal sabendo ele que eu já tinha virado umas quatro vezes.
“Pra mãe dele”, pensei em silêncio prudente.
No outro dia tive uma epifania, ao pegar um folheto de mapa no hotel. 
Descobri o que me fazia  burro. 
E, por tabela descobri o porquê do Mineiro ser tão de paz.
Preste atenção. Toda cidade planejada é esquadrinhada com ruas verticais e horizontais que se cruzam. Certo?
Errado, pra Beagá, como os nativos chamam Belo Horizonte.
No Centro de Beagá não basta a rua horizontal, encontrar a vertical fazendo um cruzamento em cruz, ou ângulos retos.
Beagá descobriu que entre a reta e a saída binária, frente, esquerda ou direita, pode haver a curva, e as saídas, frente, no meio, esquerda, direita, no meio.
Tá difícil de me entender? Olhe a foto do mapa.
Veja que tem as ruas perpendiculares: São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Gonçalves Dias, Alvarenga Peixoto, até aí igual a qualquer outra cidade no mundo inteiro.
Por isso, o mineiro é sábio!! Mineiro é 3D. Tem profundidade. Povo bondoso, manso, de coração enorme, que não basta o plano cartesiano, do 0 e 1. O mineiro aprendeu que existe, além do para frente, e para os lados, o caminho do “entre”, da diagonal entre os muros dos corredores perpendiculares das ruas.  Que sabedoria! 
Que coisa bela.
Veja no mapa que todas as avenidas em cor de laranja, entre elas a abençoada Alvares Cabral, cruzam diagonalmente os quadriláteros.
De modo, que você sempre terá mais de opções de saídas, em cada cruzamento, pois terá os diagonais, entre ruas retas.
Entendeu?
Quanta filosofia de vida existe nesse mapa!
Posso até ter me perdido no carro, no plano material.
Contudo, no plano espiritual, se transpormos essa situação para uma metáfora de vida, é uma riqueza tremenda.
Como é legal ter outras opções além do plano perpendicular.
Como a vida vai nos ensinando a ser flexível, a nos contorcer para melhor viver, a desviar entre retas, procurando o atalho do meio, entre elas, para melhor chegar a algum lugar.
Obrigado Centro de Beagá pela aula de filosofia que me deu.
Obrigado por me fazer ver que mesmo em situações onde aparentemente não dá retornar, ir em frente, desviar para os lados, ainda assim posso encontrar um ponto de destino que cruze as trajetórias por um atalho diagonal.
Como na minha vida tive desses atalhos, que no mapa são as grandes avenidas do Centro de BH, em laranja.
Quando as coisas pra você estiverem se apresentando como sem saída, lembre-se desse mapa, talvez a saída não esteja onde procura. Esteja nas beiradas, no contorno, nos atalhos: ali tudo é mais inovador, inusitado, e sempre esteve ali, aonde nunca parou para ver. Tal qual eu me sentia ao chegar nesses cruzamentos e ter meu modelo mental desafiado a não pensar mais somente em termos de em frente, e aos lados, agora tinha o entre lados. 
Nos entre lados está a felicidade.  Nos atalhos de si mesmo, em busca de um modo de vida mais prazeroso, mesmo que tenha que pegar quase curvas. Há riqueza nas curvas. 
Nos atalhos em relação a áreas de choque com outro, buscando uma posição entre meios, entre mundos aparentemente opostos, buscando as opções de contorno. Tal qual a saída da Av. Alvares Cabral que num só cruzamento abre para ela mesma, para a Rio de Janeiro, e para a dos Amores. 
Na vida, pegue a dos amores, metaforicamente falando, e encontrará um sentido – melhor do que aquele, que qualquer GPS metido a besta lhe aponte. 
A vida é uma arte do encontro entre mundos diferentes, que só é possível, nas curvaturas de mentes para acolherem o outro, tal qual subversivas retas diagonais que ousam ferir um quadrilátero cartesiano, tão controlável e previsível em sua lógica de fluidez. 
Tão diferente de tudo que faz a vida realmente valer a pena
Aprendi que nada que realmente torna a vida pode ser esquadrinhado com tanta precisão e rigor. A vida não cabe numa planilha de excel. 
A vida pede as “perdeduras” da Alvares Cabral. 
Essa sim será a verdadeira descoberta, agora de nós mesmo.
“Perdeduras” de tudo que nos faz brutos, ingratos, maus, chatos, auto-suficientes, orgulhosos, egoístas e intolerantes para com o diferente.
Ah! Centro de Beagá, como tu me ensinou nos dias em que me perdi...

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