Só sei que não vou por ali.

Durante o voo tentei convencê-la a pegar um táxi, do aeroporto de Confins até Belo Horizonte, afinal a estada seria curta.
Não consegui.
No caminho em direção à locadora encontrei um amigo, que iria para o mesmo evento, esse me deu um toque: “use o Google-Maps com GPS ativado do celular, e pimba.  Chegará em todo lugar em Belo Horizonte”.
Fiz cara de inteligente, ainda não me rendi ao GPS, seja onde estiver. Mas, comecei a fuçar o celular. Só de imaginar me perder no Centro de BH dava arrepios, e já era próximo das 23hrs. Já tinha vivido cena semelhante.
Digitei o nome do hotel, que ficava na Alvares Cabral – Centro e segui confiante.
Não deveria ser difícil. Aliás, o nome era sugestivo.
Afinal, era o descobridor do Brasil.
Se eu não tivesse faltado às aulas de história teria me prevenido melhor e não ficaria tão confiante. 
Êh Cabral!
Na telinha do celular, uma bolinha azul ia se mexendo, à medida que eu andava. Nos sinais ficava contemplando-a, abobado.  Aquela esfera azul era eu. 
Bem longe, a uns 40 KM, um ponto vermelho. Era o alvo.
Entrei no Centro e olhando para bolinha e o ponto vermelho eu sabia que estava bem perto. 
Tinha hora que eu queria ir pra frente, mas era contra mão, afastava da rota e voltava. Perto das uma da manhã, depois de brigar com o GPs por uma hora, emparelhei com um taxista e ele me levou ao hotel. Não sem antes soltar um “Uai, tava tão perto...”.
No outro dia, repete-se tudo igual. Consigo passar na avenida do Cabral, na que sobre, e vejo o hotel ao meu lado, após o canteiro central no sentido de quem desce, mas não encontro o ponto de voltar para ele. Subo então até a Praça da Assembleia e perco-me novamente.
A mulher, fica tirando onda. Para complicar mais ainda, o hotel era San Diego, tem plaquinha pequena e escondida.
Emparelhei com um taxista, mais uma vez, que dispara: “Mas moço, o trem é fácil, é só virar na praça”. Fiz cara de entendido, mal sabendo ele que eu já tinha virado umas quatro vezes.
“Pra mãe dele”, pensei em silêncio prudente.
No outro dia tive uma epifania, ao pegar um folheto de mapa no hotel. 
Descobri o que me fazia  burro. 
E, por tabela descobri o porquê do Mineiro ser tão de paz.
Preste atenção. Toda cidade planejada é esquadrinhada com ruas verticais e horizontais que se cruzam. Certo?
Errado, pra Beagá, como os nativos chamam Belo Horizonte.
No Centro de Beagá não basta a rua horizontal, encontrar a vertical fazendo um cruzamento em cruz, ou ângulos retos.
Beagá descobriu que entre a reta e a saída binária, frente, esquerda ou direita, pode haver a curva, e as saídas, frente, no meio, esquerda, direita, no meio.
Tá difícil de me entender? Olhe a foto do mapa.
Veja que tem as ruas perpendiculares: São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Gonçalves Dias, Alvarenga Peixoto, até aí igual a qualquer outra cidade no mundo inteiro.
Por isso, o mineiro é sábio!! Mineiro é 3D. Tem profundidade. Povo bondoso, manso, de coração enorme, que não basta o plano cartesiano, do 0 e 1. O mineiro aprendeu que existe, além do para frente, e para os lados, o caminho do “entre”, da diagonal entre os muros dos corredores perpendiculares das ruas.  Que sabedoria! 
Que coisa bela.
Veja no mapa que todas as avenidas em cor de laranja, entre elas a abençoada Alvares Cabral, cruzam diagonalmente os quadriláteros.
De modo, que você sempre terá mais de opções de saídas, em cada cruzamento, pois terá os diagonais, entre ruas retas.
Entendeu?
Quanta filosofia de vida existe nesse mapa!
Posso até ter me perdido no carro, no plano material.
Contudo, no plano espiritual, se transpormos essa situação para uma metáfora de vida, é uma riqueza tremenda.
Como é legal ter outras opções além do plano perpendicular.
Como a vida vai nos ensinando a ser flexível, a nos contorcer para melhor viver, a desviar entre retas, procurando o atalho do meio, entre elas, para melhor chegar a algum lugar.
Obrigado Centro de Beagá pela aula de filosofia que me deu.
Obrigado por me fazer ver que mesmo em situações onde aparentemente não dá retornar, ir em frente, desviar para os lados, ainda assim posso encontrar um ponto de destino que cruze as trajetórias por um atalho diagonal.
Como na minha vida tive desses atalhos, que no mapa são as grandes avenidas do Centro de BH, em laranja.
Quando as coisas pra você estiverem se apresentando como sem saída, lembre-se desse mapa, talvez a saída não esteja onde procura. Esteja nas beiradas, no contorno, nos atalhos: ali tudo é mais inovador, inusitado, e sempre esteve ali, aonde nunca parou para ver. Tal qual eu me sentia ao chegar nesses cruzamentos e ter meu modelo mental desafiado a não pensar mais somente em termos de em frente, e aos lados, agora tinha o entre lados. 
Nos entre lados está a felicidade.  Nos atalhos de si mesmo, em busca de um modo de vida mais prazeroso, mesmo que tenha que pegar quase curvas. Há riqueza nas curvas. 
Nos atalhos em relação a áreas de choque com outro, buscando uma posição entre meios, entre mundos aparentemente opostos, buscando as opções de contorno. Tal qual a saída da Av. Alvares Cabral que num só cruzamento abre para ela mesma, para a Rio de Janeiro, e para a dos Amores. 
Na vida, pegue a dos amores, metaforicamente falando, e encontrará um sentido – melhor do que aquele, que qualquer GPS metido a besta lhe aponte. 
A vida é uma arte do encontro entre mundos diferentes, que só é possível, nas curvaturas de mentes para acolherem o outro, tal qual subversivas retas diagonais que ousam ferir um quadrilátero cartesiano, tão controlável e previsível em sua lógica de fluidez. 
Tão diferente de tudo que faz a vida realmente valer a pena
Aprendi que nada que realmente torna a vida pode ser esquadrinhado com tanta precisão e rigor. A vida não cabe numa planilha de excel. 
A vida pede as “perdeduras” da Alvares Cabral. 
Essa sim será a verdadeira descoberta, agora de nós mesmo.
“Perdeduras” de tudo que nos faz brutos, ingratos, maus, chatos, auto-suficientes, orgulhosos, egoístas e intolerantes para com o diferente.
Ah! Centro de Beagá, como tu me ensinou nos dias em que me perdi...

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