Planetizando a Vida (Autor Ricardo de Faria Barros)

Naquela manhã, acordei mais nervoso do que vendo uma disputa por pênaltis, numa final de Copa do Mundo, com Brasil jogando contra Argentina.  Afinal, seria o dia de meu desligamento oficial do Banco do Brasil, após um bom tempo de trabalho. Ansioso, chequei os documentos, botei gravata pela última vez, ufa!, e parti para o local combinado, no qual seria anotado a baixa na carteira profissional.
Quando de lá saí, eu não tinha o chão nos pés. Não devemos fazer esse tipo de coisa sozinho, pensei comigo. Senti como se estivesse sem a gravidade. Um misto de leveza e estranheza me invadiam o coração.  Agora eu não era mais um satélite que orbitava um planeta chamado BB. 
É estranho, mas fundamental, em algum dia de nossas vidas deixar de ser satélite.
De qualquer coisa que nos prenda a ela.
Pergunta-me como estou, um ano após aquele dia, e respondo a todos com um enigma:

Estou me planetizando. Num processo lento, mas permanente de redescoberta de mim mesmo. 

Muitos arregalam os olhos, sem entender. Outros fingem que entendem e engatam uma outra pergunta, sobre o clima, por exemplo. desviando o assunto.

Para alguns explico, o que farei para agora para vocês. 

Existem inúmeras relações que temos ao longo da vida que nos satelizam. 

Ficamos excessivamente dependente delas. Perdemos nossa própria órbita, luz e autonomia, ao girar tudo em torno daquilo a que nos fixamos, quase com uma obsessão fatal.

Têm relações a dois, assim, do tipo Satélite.  Na qual, nossa vida só tem valor se a do outro tiver. Nosso dia só terá luz, se o dia do outro se iluminar. Nosso riso só se abrirá, se o outro também sorrir.

Aí satelizamos nosso existir, em torno de uma pessoa. E morremos um pouquinho, a cada dia, por excesso de dependência dessa pessoa. 
A pessoa perde seus próprios interesses, gostos, prazeres e sua liberdade de ser, tornando-se refém da força gravitacional que o outro exerce sobre ela.  Esse excesso de apego reduz a relação a uma relação de dependência, do tipo mórbida. E terceirizamos nosso bem-estar ao outro, sob o qual damos voltas, tal qual a Lua sobre a Terra. 


Têm relações com o mundo do trabalho assim também. A pessoa passa a girar toda a sua vida em torno da empresa, e até o clube que frequenta é vinculado a ela. Amigos, diálogos, lazer, eventos, noitadas, tudo vai acontecendo em torno do ambiente cultural e negocial daquela empresa.  Até as camisas que usa na caminhada tem a marca da empresa. E a família, ou outros interesses profissionais, culturais, sociais e espirituais vão ficando para um dia qualquer... "quando tiver tempo, ou me aposentar".
O trabalho é idolatrado e a pessoa vira um satélite em torno do planeta CNPJ.  E é como se todos participassem quase de um igreja, com seus dogmas, ritos, mitos, heróis e vilões.  Tudo gira em torno dela. O que poderia ser chamado de comprometimento, de vestir a camisa, se for feito de forma exagerada vira uma doença, que exclui outras possibilidades de sentido. E, na aposentadoria, perde-se o planeta, sob o qual orbitava, e aí já viu, né?  


Têm relações de pais com filhos do tipo Satélite, também.  Enche-se as crias de cuidado, de proteção, de zelo, tudo ao excesso. Tirando delas mesmas a possibilidade de experimentarem a vida, com tudo que vem no pacote de viver. É como se os pais quisesse viver pelos filhos, ou afastar deles todas as barreiras que a vida lhes impõe. Pais assim são crueis para o casamento de seus filhos. Quando sentem-se que perderam seus planetas, nos quais orbitavam, para outras pessoas que "roubaram o coração dos filhos". Aí passam a exigir visitas periódicas, atenção e cuidado, como se entregassem a fatura pelos "anos que lhes dediquei a vida". E fazem chantagem emocional com os filhos, na vã tentativa de mantê-los por perto, afinal toda a vida desses pais passou a ser vivida em função deles, no desempenho do papel extremado de pais. Até o namoro, de um para com o outro, foi esquecido nas gavetas do coração, visto que eles tornaram-se satélites da vida dos filhos. 

Aprendi, neste um ano a me planetizar. Não quero mais ser satélite de nada. Nem de trabalho, nem de filhos, nem de vida afetiva, nem do próprio tempo, com suas marcações de coisas a fazer.

Aprender a ter luz própria, a voar para outras paisagens, a redescobrir interesses, a aventurar pelos limites e fronteiras dos sete mares, sem medo dos dragões que foram plotados nos mapas de oceanos desconhecidos. 

Toda relação Satélite x Planeta  anula um dos dois. Ninguém quer isso. Nenhum planeta quer isso de seu Satélite, falando do ponto de vista comportamental, emocional, e não astronômico.

Pergunte a uma mulher, que tem um satélite babão ao lado dela, e louco de paixão, se ela pediu isso. Aquele dedicação doentia e excessiva, a ponto de seu amado perder-se dele mesmo, dos gostos, interesses e outras vocações, para "cultuá-la e servi-la".  Ela não pediu.  Relações boas são entre planetas, pois juntos formam uma constelação. E, ambos estão inteiros, luminosos e com órbita própria, mesmo que combinada. Para que possam oscilar pertinho, um do outro, a um abraço de distancia.

Pergunte aos filhos de pais excessivamente cuidadosos se eles querem isso. Se eles querem que os pais devotem a própria vida a eles. Esquecendo-se do papel de marido e mulher, por exemplo. Ou de tantos outros papeis que a paternidade e maternidade vividas de forma dependente exclui de sentido.  Eles não querem suas vidas invadidas pelos seus pais. E até seus casamentos. 

E por aí vai. 

Então, um ano após minha aposentadoria, e num ano no qual vivi outros desligamentos, ou acoplagens, descobri que o principal aprendizado é o de planetizar a existência.

Ninguém, nada, ou nenhuma coisa, merece que você, ou eu, passe o dia gravitando em torno dela, excluindo qualquer outra possibilidade de sentido.

Precisamos reaprender  a ser Planeta nas mais diversas relações que travamos com a vida. Ser Planeta é ousar cultivar autonomias e luz própria, mesmo que em alguns momentos gere medo do desconhecido, da ausência daquela força que nos plugava a ela e nos dava uma falsa sensação de segurança. 

Ser Planeta é perder o medo de abandonar-se no vazio de si mesmo, enfrentando seus próprios monstros, crenças e hábitos limitantes.

Ser planeta é entender que toda a força que nos prende, de forma doentia, a algo um dia cessará. E, não poderemos, na ausência dela, ficar ricocheteando na atmosfera, ou incendiando, como Satélites quando caem em Planetas.  

Então, caros amigos, aprendi que é urgente planetizar tudo em meu viver. E é o que venho fazendo nestes doze meses. Com dias melhores, dias piores. Com idas e vindas. Mas, num crescendo em busca do que gosto, sou e quero.  Às vezes da medo, o medo da liberdade de quem sempre viveu e aprendeu a comportar-se nas gaiolas que orbitam planetaas. Mas, é medo fraquim, sem sustança, embora metido a besta, e logo passa, é só continuar desafiando os limites na busca por si mesmo, reais ou imaginários. 
E isto é uma coisa que tem me mobilizado a redesenhar outros esboços de mim mesmo, que estão sempre inacabados.  Desenhos de planetas possíveis. 

Então, por que não fazer aquela tatuagem um dia querida, aprender a dançar, velejar, ou um hobbie do tipo cervejeiro, curtir abestagens e estranhices, nadificar o tempo, aprender novos conhecimentos, permitir-se novas aventuras, se levar para passear, namorar bastante, festar a vida, participar de um outros grupos sociais, conhecer novas culturas, lugares, pessoas?  Deixando de orbitar sob algo, ou alguma coisa, e criando sua própria trajetória, sem a força danosa da gravidade existencial, por melhor que seja exercida pelo outro, ou algo, em nosso viver? 

A isto chamo de planetizar a existência, tu vem comigo? 

A Semana das Emoções Amplificadas (Autor Ricardo de Faria Barros)



Na manhã do dia 25, minha filha insistiu para eu ficar na casa dela, e comer o famoso "restôdeonti".
Acordei com noite mal dormida. Perdi contato com pessoas amadas, na noite de 24, e quando isto acontece, vive-se um caos emocional.
Então, mais cansado que sozinho, disse pra minha filha que eu precisava deixar o pequeno JG em casa, e seguir remando na vida. 
Dirigi matutando sobre a importância das pessoas Brisa-Aracati em nossa vida, aquelas que sentimos a falta delas, "naquela mesa", como diz a canção.
Esta época do ano é a época das matutenças.
Quem já foi voluntario do CVV, ou assemelhados serviços de escuta, sabe que do dia 24 ao dia 1/1 o bicho pega.
Crises existenciais domesticadas, podem sair do canil dos pensamentos e virarem verdadeiras feras indomáveis, nessa semana de celebrações. 
Naquela manhã, a cidade estava deserta. Tive a sensação de ser o único acordado, pois JG dormia no banco traseiro.  Tempo fechado, coração nublado. Até que recebo notícias alvissareiras, e o sol volta a brilhar. Todos estão bem, foi só uma pane na Embratel.  E fotografo as nuvens. Quando faço fotos, a retina de minha alma volta a funcionar bem.
Pensei então em fazer um churrasco para mim, lá na Ânimo, e piscinear um pouco, o dia voltou a ficar quente e bonito.
Em paz, dirijo mais um pouco, à cata de lugar que venda coisa pra churrasquear, mas tudo tá fechado. E é justo, todos foram dormir tarde na ceia do dia anterior.  E quem sairia para comprar comida, com um tanto de farofa de passas, chester, perus rejeitados e guloseimas esquecidas que sobraram?

Zanzei mais um pouco, zuretinha e contemplativo, decidindo então voltar para meu cafofo. 

Lembrei que há 31 anos atrás, eu também estava só, lá em Poções-BA, naquele 25.12.1986.  E naquele dia acordei com o coração grato, por ter sido resgatado para passar o dia 24 em Jaguaquara-BA, na casa da mãe do Messias, comendo sua famosa Fatada.

Não o Messias da Bíblia, mas o Messias dono de uma pequena loja de material de construção, que com sua esposa, a Inês, resgataram-me de um natal que passaria sozinho. Assim como minha filhota fez, neste 2017.

Natal é uma festa cruel para quem por algum motivo está naquela noite sozinho. Mesmo que acompanhado.  Natal pede resgates. 

Dia 24 e 25.12, assim como seus irmãos pagãos, o dia 31 e 1, os da virada de ano, são críticos para quem passou por fortes mudanças, ou luto, no ano. 

Perdido em meus pensamentos, lembrei que em casa não tinha "restôdiontem" algum e que precisava comer algo.
Acessei o Ifood, e nenhum estabelecimento estava aberto. Putz, e já era 13hrs.
Inventariando a geladeira descobri que tinha umas iscas de tilápia, sobra de um almoço com o JG. Ele ama isca de peixe. E tinha um pote de palmito, e vinho verde bem geladinho um Azulejo.
Uauu. 
Pronto, meu almoço seria um manjar: peixe, palmito e vinho, e boa música no youtube, samba com Joyce Cândido.

Do prazeroso sofá, contemplo meu pequeno jardim, e vi que ele pedia água. Então, uma a uma vou regando as plantinhas. Posso falar sobre cada uma delas, de tão especiais que foram ficando para mim. Gosto de plantas e cachorros. No meu jardim têm as mais oferecidas, têm as tímidas, têm as sisudas e tem a da árvore da felicidade, que com seus tenros brotinhos verdes, demostra que está gostando do lugar em que a coloquei.   Essa é a mais especial de todas.  Essa plantinha foi presente de meus alunos, quando conduziram uma aula na Pós de RH da UNIP, com base no texto Seja Jequitibá, um dos mais acessados de meu blog, em (Clique aqui (Seja Jequitibá)

Ela era bem uma muda bem pequena, e eu cuidei dela com paciência e zelo.  Creio que é uma boa metáfora da felicidade. Precisamos construí-la, folhinha à folhinha, acreditando na força de suas raízes, e no Compositor do tempo que sobre ela agirá, tornando-a fecunda esperança. 

O celular toca e é uma amiga que está numa crise existencial e pede um help. A escuto por bons minutos, e solidarizo-me com sua dor.

Ambos ficamos melhor, após este telefonema. É assim que funciona. Pensamos que estamos dando, mas na verdade estamos recebendo. É o paradoxo do amor. 

E o dia 26 amanhece tão lindo. Sobrevivi ao Natal, penso eu. Agora que venha o Ano Novo. 

Faço costumeira saudação para minhas plantinhas, e vejo que um delas está se abrindo em flor, num botão de poesia. Venho acompanhando esse desabrochar a alguns dias. E é belo.

A cigarra toca, e é o porteiro Adalfran, meu amigo, com seu costumeiro café matinal.  Trocamos bons dedos de prosa. E ele me conta que não recebeu nada de lembrança do condomínio: "nem um vinhozinho, nem um panetone, nem um obrigado..."
Sinto sua dor. De mim ele recebeu um capacete para a motinha que comprou. Mas, ele queria receber um afago do local em que trabalha.
E olhe que é o único único funcionário do prédio. Conta que não era pela coisa em si, mas pela estima consideração. Sinto sua tristeza e a ela me conecto, para retirá-lo de lá.

Lembro-lhe que têm dores do tipo "salvar afogado". Ele olha pra mim com olhos arregalados, sem entender. 

Explico-lhe que têm coisas chatas que nos acontecem, ou que sobre elas ficamos matutando, que são como pessoas que por não saberem salvar que está se afogando, o abordam de frente.
E, o afogado, desesperado para respirar que está, acaba se agarrando à pessoa, desesperado, e a leva para o fundo também.
Então, quem foi salvar, acaba morrendo também. Fato muito comum em quem se lança nas águas para salvar alguém. O certo é abordar a pessoa pelas costas, para que ela não consiga com as mãos em desespero, puxar a pessoa solidária para o fundo. 

Têm pais que esquecem os outros filhos, que estão "funcionando bem", preocupando-se excessivamente com um que "se desviou". E, aquele preocupar, acaba por sugar toda energia do pai condenando os outros filhos a verem seu pai morrendo de tristeza, pelo tanto que se envolveu com o filho que está dando trabalho, ou com problemas, esquecendo-se dos outros.

Aquele pai está se afogando, por não ter encontrado o tom da empatia e ajuda fraterna ao outro.  
Um monte de dores da alma em nosso viver são assim. Se não tivermos cuidado, ao delas nos aproximarmos, ela vai contaminar toda a nossa vida. Tirando dela a essência e a luz. 
Esse luto, dor, decepção, obsessão, ou quebra de expectativa, podem ser fatais à saúde emocional.
São como pessoas se afogando, que se abordadas pela frente, nos levarão junto a elas. Muitas de nossas dores precisam ser abordadas pelas beiradas, pelos lados.  Nunca bater de frente com elas.

Precisamos ajudar a sarar nossa dor, encontrando a melhor posição para enfrentá-las, acolhê-las ou lidar com elas. Pela minha experiência no tema, e na vida, ir de frente a elas é pedir para morrer junto.  Tem que ser pelos lados. 

Ensinei-lhe um truque. Cada vez que o pensamento ruim chegar na cabeça dele, em relação a não ter recebido "nenhum um panetone", ele deverá desligá-lo com um outro pensamento do tipo:
"Não recebi nada da síndica, mas recebi dos moradores, que demonstraram que gostam de mim e de meu trabalho".

Pronto, a isto chamo de pensamento alternativo, ou compensatório, do sofrer. É como nos aproximássemos de um afogado, pelo lado certo. Sem deixar que o objeto do afogamento,a cabe também por nos afogar.

E têm dores afogantes, que precisamos ter muito cuidado ao delas nos aproximarmos, alimentá-las, ou criá-las como bichinhos de estimação, pois elas poderão roubar nossa esperança.

Ele sorri, e lembra-se que ganhou uma galinha caipira de um sitiante amigo, onde cavalga com seu cavalo, o Paul.  Sua face resplandece, e o natal se faz presença!  Ao nos despedirmos, disse-lhe um mantra, para ele falar 50 vezes no dia de hoje:  "Amanhã será melhor." E, "isso também passa".

Então é Natal (Autor Ricardo de Faria Barros)

Presépio do JG, meu IV filho (8 anos)
Era véspera de natal, logo mais iria pegar o JG na igreja e levá-lo para ceiar com minha filha e genro. Iríamos dormir com eles, e seria o primeiro vale-night do JG, e uma noite especial para mim, pois que eu iria celebrar com minha filha, e também dormir no lar dela.
Pelas 17hrs, tomo um belo banho, faço a barba e coloco o desodorante. Para que ele fique bem sequinho, dirijo-me até a sacada para arejar as axilas.
Então, escuto um choro de dor, pelo tom de voz era de uma criança, aprumo os ouvidos e vejo que vem de um barraco de fundo de lote.
É um lugar que funciona como se fosse uma "associação" de vigias, jardineiros e zeladores das mansões do Lago Sul, aqui em Brasília. Um trecho do final da quadra interna (QI) 9, Conjunto 1, no qual fica a casa onde aluguei um pedacinho de metro quadrado para alocar minha empresa, a Ânimo Desenvolvimento Humano, em Site da Ânimo.
Miro por entre as árvores e vejo, sentado no chão, um menininho de uns 12 anos, que chora segurando um dos pés, com uma das mãos, e com a outra uma bola.
Imagino que neste dia 24.12 ele ganhou de presente aquela bola de seu pai, que deve ser um dos zeladores das casas do pedaço.
Contudo, ele continua chorando - e alto, e ninguém sai de nenhuma das casas que margeiam o barraco para acudi-lo. Todos devem estar muito ocupados com os preparativos da ceia, para ouvirem uma criança chorando e pedindo socorro, na porta de suas casas, inclusive seu pai.
Decido ir ajudar o menininho, indo até ele sem camisa social mesmo.
Na saída, lembro que colhi uma lichias para minha filha, mas que talvez fizessem melhor ao menininho, pois minha filha já comeu muitas delas.
Chego até ele, e ele olha-me aliviado.
Pergunto-lhe onde dói.
Ele me conta que chutou a pedra, no lugar da bola, e o dedão entortou.
Ofereço-lhe as lichias, pitombas de gente bacana, e ele gosta do sabor delas. Acho que nunca tinha comido.
E vai parando de chorar.
Mexo no dedão, com calma, e digo-lhe que não quebrou.
Ele sorri aliviado, com uma lichia na boca.
Oriento-lhe que deve botar o dedão dentro de um copo com gelo. Garanto-lhe que logo ele estará melhor para continuar jogando bola, pelo menos até o ano novo. rsrs
Ele entende a brincadeira e sorri. Um sorriso de anjo, como só as crianças sabem fazer.
A bola que ele ganhou é bonita, daquelas todas transadas, de times estilosos.
Deixo-lhe com as lichias, que estão dentro de uma bolsa na qual as acondicionei.
Mas, ele insiste em querer devolver a bolsa, ameaçando jogar as frutinhas na calçada. Digo-lhe que a bolsa é pra ele, e que já tenho muitas.
Ele aceita, sorri mais uma vez, e nos despedimos.
Creio que o Natal é isto mesmo. É alguém que se entregou por nós, e a si mesmo, como uma Lichia saborosa, ao ser degustada.
Ele desceu à varanda para nos socorrer. Ele nos ouviu, no lugar em que ninguém nos via, ou nos reconhecia como únicos, ou amparava nossa dor, de nós cuidando.
Ao assim fazer, nos ensinou o caminho do amor, da paz, misericórdia e do perdão.
E, com aquele gesto, tomou sobre si nossas dores, e enxugou nossas lágrimas.
Ele nos escutou chorando, cansados, aflitos, e veio ao nosso encontro. E nos amou primeiro.
Ele é Jesus, aquele que nos ensinou um novo mandamento: "amai ao próximo, como a si mesmo".
Esta é a essência do natal.  O resto são mensagens bonitas, mesmo que muitas vezes carentes de práticas afins, farofas de passas, presentes, ausentes, rabanadas, Chester, e luzinhas!
Portanto, se você estiver se sentindo sozinho, choroso, saudoso, cansando e aflito e achando que ninguém virá em teu socorro, neste Natal, mire para o alto e veja Ele vindo ao teu encontro, trazendo conforto e lichias para te animar e consolar.

Politicamente Chatos e Nada Corretos (Autor Ricardo de Faria Barros)

Uma menininha de 6 anos faz belos desenhos multicoloridos. Descrevendo o que pintara com versos de um poema do século passado, de muita poesia e boniteza, chamado: "Do que os Meninos São Feitos".

"Meninos são feitos de lesmas, caracóis e caudas de cachorros, 
enquanto as meninas são feitas de açúcar, tempero e tudo o que há de bom”. 

A mãe posta no Instagran o desenho da filha.

E uma enxurrada de patrulheiros ideológicos interpreta o desenho da guria como de tom preconceituoso, para com as mulheres.

Me poupem!  A menininha tem 6 anos. Por favor!  Mais misericórdia e menos juízo de valor sobre os outros.

Quero preservar em mim um pedaço de politicamente incorreto, mas não vou entrar nessa turma que adora criar polêmica do nada.  Só para aparecerem, e parecerem ser mais defensores da ética e da verdade do que todo mundo. Gente besta e covarde. Que bate à distancia, sem avaliar o contexto histórico, sem avaliar as reais intenções, e já vão logo julgando, condenando e aprisionando todo mundo que para eles foi politicamente incorreto.

Tá difícil!

O mundo está muito chato de tanta cobrança, tanta patrulhamento de gente que se acha mais inteligente, crítica e sabida do que você e eu.  Prefiro a sabedoria dos simples, com sua ignorância, do que sair pregando nas obras de arte, comportamentos, atitudes, canções, escritos e pessoas rótulos de preconceituosos, ou outros piores ainda. 

Gente craque em achar chifre em cabeça de cavalo, ou de criá-lo, quando não encontra.

Outro dia li que Monteiro Lobato reforçou a "escravidão nas senzalas de nossos lares" ao descrever Tia Anastácia - aquela do Sítio do Pica Pau Amarelo, como uma empregada doméstica sem direitos sociais.  Uauu!!!

Creio que essa gente fuma um boró vencido, do Paraguai e com fungo e sai policiando todo mundo.

Tudo agora é revestido de "indícios de preconceito", ou linguagem "tendenciosa".

E está ficando muito chata a convivência humana.

E, com as redes sociais, isto foi amplificado enormemente.

Um monte de gente sabida que passa o dia investigando a vida dos outros, procurando suas "falhas".

Bando de hipócritas que não têm o que fazer.

Menininha, teu desenho é lindo,  e a poesia muito bem colocada nele.

Continue desenhando e poetizando tua existência.

Não ligue para esse povo cheio de razões. Eles irão te criticar do mesmo jeito. Até se narrar teus desenhos com trechos dos Salmos, sempre haverá um pseudo-sábio de plantão, faturando audiência e plateia em cima de teu escrito, criticando-o severamente.

A mercadoria mais rara da coletividade será ser ela mesma, em meio a tanta cobrança e pressão pelo politicamente correto, visto sempre com lentes ampliadas que distorcem completamente a realidade das intenções, para que ela caiba dentro da prisão de seus pobres enquadramentos.

Quanto a mim, sou lesma, caracol e rabo de cachorro mesmo. Mas, sinto que evoluo para açúcar, tempero e tudo de bom, quem sabe um dia chegue lá!

Sobre o tempo (Autor Ricardo de Faria Barros)

Em quem nos tornaremos ao dobrar as esquinas do tempo?
Qual o tempo necessário para germinar o amanhã?
De quanto tempo precisamos para entender o valor do hoje?
Qual é o tempo da graça, por nós tão ansiado?
E o que conosco ocorrerá, e aos que amamos?
Quanto tempo precisamos para reagir e enfrentar nossos medos?
Quando alteraremos o destino das coisas, agindo no tempo presente?
Quem poderá dizer onde estará, e como, num futuro não tão distante?
Esse misterioso tempo só pode ser compreendido, em toda sua vitalidade, esvaziando-nos de nós mesmos.
E nos deixando conduzir, pela batuta de seu maestro principal, Aquele que toca os sons do silêncio.
E é no nada, ao ouvir a canção do silêncio, aquela da presença da ausência, na mais completa falta de ruídos, que o tempo rege suas notas. E nos fala. E nos renova. E nos faz outros. E nos anima a perseguir nossos sonhos, só por mais um dia.
E ele pode ser um bálsamo, para corações enlutados.
Pode ser uma tormenta, para gravidezes de esperas, e de qualquer tipo do que se gesta.
Às vezes é mágico, ao elastecer as horas do encontro de enamorados.
E pode ser místico, ao fazer passar os dias como se fossem minutos, pela intensidade do vivido.
Pode ser cruel, ao esperar febre baixar.
Para ouvi-lo, temos que escancarar as portas de nosso coração.
E sintonizarmos nas suas estações.
As estações do tempo têm a frequência do amor. Em qualquer que seja sua mais bonita expressão.
São nelas que esse compositor genial tece suas notas. Produzindo a música do que seremos amanhã.
Quem éramos nós?
Em que nos tornamos?
O que nos aconteceu?
Para responder a estas questões, e até degustá-las em nosso ser, precisamos de enfrentamentos, não se degusta o tempo sem maturidade.
E sem a coragem de olhar para trás e aprender com os minutos que passaram por nossos dedos e nada fizemos com eles, para eternizá-los.
Como se pudessem aparecer mais à frente.
E o tempo ri de nós. De nossa vã filosofia de achar que ele se repetirá. E nos julga bobos.
E ele pode ser juiz implacável. Pois, ao desperdiçá-lo, presos em nossas circunstâncias, justificativas e em condicionantes, acabamos por destruí-lo, no seu valor de construir um novo amanhã. (Ricardo F. Barros)

Cabeças Cortadas Colam (Autor Ricardo de Faria Barros)

Fui limpar a estante e esbarrei na escultura que trouxe de Bananeiras-PB, que representa o casal Lampião e Maria Bonita. E eles caíram no chão, ficando com suas cabeças decepadas.

Eu gosto muito de ler sobre a história desse casal:  Lampião e Maria Bonita. Lembra a história de um outro casal famoso, nas guerrilhas brasileiras, a Anita e o Garibaldi, lá pelas bandas do Rio Grande do Sul.
Lampião, do alto de sua inédita e ousada carreira para-militar no Nordeste, encontrava tempo para o amor. Levando na sua comitiva de jagunços a Maria Bonita, que com ele lutava nas várias batalhas em que se meteram.

Acho que eles são uma bela metáfora ao amor, a de lutarem juntos por uma causa.

Há alguma memória fotográfica de ambos, inclusive um vídeo deles dançando xaxado. Pois, seguia o grupo o fotógrafo sírio-brasileiro chamado de Benjamim Abraão.  Lampião ficou amigo dele ao receber o título de Capitão, das mãos de Pe. Cícero, lá no Juazeiro do Norte-CE.

Agora, aqui em casa, eles estão decapitados. Vou procurar cola boa para restaurar esse escultura, tão  querida.
Não é justo que fiquem assim, após terem vivido um amor tão bonito, digno de um belo filme de romance.

Quem não gostaria de ser chamada de Bonita?  Ele a chamava. Era sua Maria Bonita, sempre vaidosa e posando ao lado dele. Nunca atrás. Ela era completa. Não perdeu sua essência nem deixou-se intimidar-se pelo carisma e poder de seu parceiro. Ela encontrou seu caminho, e o caminho dela era cuidar, admirar, ficar perto e proteger o seu amado, lutando na mesma causa que ele. Passando os mesmos apertos, comendo quando tinha comida, dormindo sob o céu estrelado e se expondo a toda sorte de riscos. Ela nunca quis ficar numa das várias fazendas que o acolhiam e lhe davam guarita.

Nunca.

Maria Bonita não era de ficar olhando seu amor ao longe. Ela construía seu amor,  e sempre ao lado dele. Lampião sabia que tinha que ter tempo para cultivar o amor, e fazia periódicas festinhas para o bando, no pretexto de dançar com ela e de dar-lhe um pouco de lazer, naquela vida tão incerta e sofrida que passavam. Ele a paparicava com adereços para sua "armadura" de cangaço, e juntos contemplavam o mesmo amanhã.

A vida a dois tem momentos em que o casal se sente decepado.  Que algo de violento ocorreu entre eles, e que os tirou do prumo.

Mas, se houver amor, entre ambos, pela força do perdão reciproco eles restaurarão suas vidas a dois.
E, sairão mais fortes daquele choque pelo que passaram.

Tem um técnica oriental de colar porcelanas valiosas, quando se quebram, chamada de Kintsugi. Eles as soldam com ouro líquido. E aquela obra de arte fica mais preciosa ainda.

Vive-se um mito de que relacionamentos são sempre espaços de felicidade e paz. E o povo se junta esperando que a lua de mel seja uma constante. E aí, aumentam tanto a expectativa, um para com o outro, que quando a mesma não vai batendo com a realidade, eles desencantam-se mutuamente, por excesso de idealização do amor romântico e de eros.

É como o que vejo na sociedade atual, um verdadeiro culto à felicidade, como se não tivéssemos que passar por aperreios, e por momentos de baixa intensidade "felicidional", para crescer e amadurecer com aquilo.

Aí o povo se entope de tarja preta, ou drogas lícitas e ilícitas, para adormecer a angustia e os momentos de eventual tristeza.

Sim meus amigos, é importante que minha escultura passe alguns dias com a cabeça decepada.
Para poder colocar em perspectiva de quem eles eram, e o que os levou a perderem a cabeça, um com o outro, e a se machucarem mutuamente. 

As fases de esfriamento. aperto no coração e tristeza podem ser muito fecundas à renovação do amor.
Pois, se ambos decidirem avaliar o que lhes ocorre, perdoarem-se e recomeçar a vida a dois, o relacionamento ficará mais real, e menos conto de fadas, daqueles repletos de clichês postados nas redes sociais, em vidas editadas.

Ali, ninguém sofre ou passa por problemas. E terminamos por acreditar que é sempre assim. E vamos nos apegando a uma imagem distorcida, fora da realidade, do que é relacionar-se.

Mas, a decisão de colar as cabeças novamente tem que ser da dupla que se ama.

Não adianta só um querer recomeçar.  Não vai funcionar e o corte só se ampliará, dificultando a sua soldadura.

Vivemos tempos de baixa resiliência a dois, com índices altíssimos de separações antes de cinco anos de caminhada.

Creio que é pela falta de saber lidar com a realidade, e sobre ela operar, reinventando-se no cotidiano, até da própria rotina que muitas relações precocemente se esvaziam.

Essa crise de resiliência, amplificada pelas tecnologias de comunicação, faz-nos desistir facilmente de nosso sonho a dois. Para novamente idealizar uma nova relação, na qual "agora irá dar certo".

Baixa capacidade de perdão, de acolher o outro como ele é, expectativas irreais, e um mundo girando em torno de si mesmo, só querendo receber cuidado, admiração, afeto e proteção, sem nada dar em troca, acaba por degradar a vida a dois.

Aí, quando isto se estabelece na vida a dois, é como se cada um dos parceiros usasse uma foice contra o outro. Decepando-o, para matá-lo dentro de si mesmo. Uma pena.  E jogando para bem longe a cabeça do outro, para que não precise se aquebrantar para dar-lhe uma nova chance e juntos colarem-se a si mesmos.

O amor pede menos arrogância e mais humildade, para ser cultivado.
Menos certezas e mais apostas.
Menos perfeição para ser aceito, e mais aceitação para ser vivido plenamente.
Menos criação de mágoas de estimação, no canil de nosso coração, e mais depuração das toxinas emocionais, originadas dos embates relacionais.

Na escola do amor, não se pode perder a lição do perdão! Sob pena das cabeças nunca mais voltarem a ser, aquilo a que foram vocacionadas pelo Eterno, juntas!

Da arte de acolher o mal (Autor Ricardo de Faria Barros)

Era uma manhã de domingo, daquelas que o sol amanhece bonito, denunciando seu encantamento com a manhã.
Preparei-me para feirar, quando a campainha toca, e era o Adalfran, meu amigo e porteiro do prédio.
Ele queria saber se eu podia dar uma carona para ele, até um ponto de ônibus mais movimentado, pois estava “pegar” uma moto usada que comprara de um amigo.
Oxente, mais é claro, falei.
No trajeto, ele contou que entrou num bolão de dinheiro, junto a outras quatorze pessoas. E que o mês que ele pegaria a grana seria em março de 2018.
Com os R$ 5.000,00 ia procurar uma moto usada, útil para facilitar seus deslocamentos.
Ele estava radiante. Um amigo próximo, ao se acidentar pela segunda vez andando de moto, resolveu passa-la para frente, e aceitou receber os R$ 5.000,00 em março.
Ele me dizia que ela estava usada, mas ainda novinha, pois é de 2008, e está com a “documentação em ordem”.
Fiquei alegre por osmose. E é bíblico, “alegrai-vos com quem se alegra”. No caminho fui fazendo-lhe recomendações, pois já sofri um grave acidente de moto, que queimou uma de minhas sete vidas.
À tardinha ele tocou a cigarra querendo que eu fosse vê-la. E era uma belezura mesmo. Toda estilosa, uma 250 cc.

Na quarta feira seguinte, eu chegava de Brasília, tinha acabado de deixar o JG em casa, e o avistei junto à moto, preparando-se para sair nela. De longe, ele acenou para mim, e segui em sua direção.
Ele nem me deixou dar boa tarde, e foi logo dizendo: “Paraíba, olhe que fizeram nela!”
E, desolado, passou a me mostrar uns arranhões perto do tanque, e outros no assento.
Fiquei triste por osmose. E é bíblico, “entristecei com quem que entristece”.
Ele continua, e me diz, babando de raiva, que só pode ter sido coisa de um desafeto dele, que mora no nosso prédio, e que o passado o condena. Por atitudes semelhantes, de quando ele comprou um carrinho, tempos atrás, e amanheceu com um líquido corrosivo sobre a pintura, que a estragou, tendo sido esse “Sem Noção” o principal suspeito, àquela época. Ele já denunciou o desafeto por preconceito racial, fruto de uma humilhações que passou com ele, mas ficou nisso mesmo.

Pedi que ele se acalmasse, pois além de não ter provas, ele era a parte frágil dessa relação, e que subisse no meu apartamento para conversarmos.

À noitinha ele apareceu. Estava transfigurado e com um desgosto tremendo, por terem danificado a pintura de sua moto. Na perspectiva da base da pirâmide social, tudo é tão difícil de se conseguir, que compreendi perfeitamente a desolação dele. Aquilo não era apenas uma moto, era mais um pequeno degrau que subia na vida. Portanto, era a materialização de seu sonho.

Em certo momento, ele ao me escutar, disse que ia deixar para lá aquela raiva que estava sentindo, que ia relevar.
Disse-lhe que acolher a raiva é melhor. Ele me perguntou a diferença. Ao se “deixar pra lá” algo, ele teima em crescer.
Mas, ao assumirmos nossa dor, nossas emoções, e as reconhecermos, elas podem ser efetivamente melhor canalizadas.

Acolher a dor não significa concordar com o que houve. Não significa criar um mundo cor de rosa para nele habitar, alienando-se.

Significa compreender que nem tudo sai do jeito que esperamos, do jeito que queremos, ou planejamos.
Em alguma esquina da vida, alguém vai nos arranhar. Vai nos machucar.
Vai estragar parte da lataria de nosso viver.

Acolher o mal, significa deixar que ele em nós opere. Significa usar a força negativa dele, contra ele mesmo. Como nas artes maciais.

Significa entender que não temos controle sobre o outro, e que nem sempre ele compartilha de nossos valores e visão de mundo.

Quando acolhemos o mal, entendemos que ele nasce junto com o trigo, como o joio, mas que o trigo ao crescer, 100% mais alto que ele, dará frutos e sombreará o joio, eliminando sua força invasora.

Dará trigo para alimentar multidões.
Assim é com a luz da bondade e amor. Irradia, transforma, cura, renova, fortalece e anima a caminhada.
O mal não consegue fazer isso. Ele se acaba em si mesmo. Quando focamos no arranhão que em nós fizeram, deixamos de perceber o que não está arranhado e que é bênção.

Focamos na maldição e no desgosto. E esquecemos a bênção e o gosto de viver.

Era o que ocorria com ele. De tão decepcionado com a atitude que alguém fez para com ele, ele deixou de apreciar o que conquistou. A motinha bonita, mesmo arranhada, com motor bom, com documentos em ordem, e sendo sua, três meses antes do previsto. E de muita procedência, item importantíssimo para quem compra coisa usada.

Na alma arranhada dele, escorria todo o prazer da recente conquista, transformando tudo em trevas, pela força do ódio que lhe consumia.

E, se ele não intervisse naquele arranhão, agora no seu tecido emocional, aquilo lá poderia ter infecionado e virado uma gangrena. Destruindo-lhe por inteiro, como uma grave ferida emocional.

Acolher o ruim significa que na vida nem sempre as coisas sairão 100% como queremos. Mas, muitas das vezes, os 50% já dão jogo, já estaremos no lucro.

Quem garante que o tempo em que ele me relatava do arranhão, ainda de capacete e jaqueta, pois que ia sair naquele final de tarde, não foi suficiente para livrá-lo de um acidente, comuns nestes dias chuvosos por aqui?

Nossa vida é uma colcha de retalhos. Alguns deles não vemos sentido em sua forma, cor e textura. Mas, quando se juntam aos outros, tudo fica uma belezura só.
Têm coisas pelas quais passamos que são como esse tecido sem nexo, que se cola em nosso pano existencial. Depois, só muito depois, perceberemos que ele foi um marco importante em nossos viver.
Até para apreciarmos melhor, os tantos outros tecidos: de boa forma, textura e cores que em nós se afixaram, e que passaram a ser despercebidos, como se sempre estivessem ali.
Quem sobrevive aos revezes da vida, e saí deles sem aderir ao mal, torna-se melhor como pessoa.

Aprende a valorizar os 90% da área do tanque de gasolina que está com a pintura em perfeito estado, no lugar de ficar implicando com os 10% que sofreram o golpe do mal.
Aprende a focar no que lhe causa satisfação, alegria e paz na vida. E não no que nela acontece que lhe tira do sério, causando-lhe tristeza. A isso se chama acolher, deixar partir, deixar levar e desapegar de tudo que lhe faz ou lhe torna infeliz. Entendendo que no pacote da vida e do viver, alguns arranhões vão nos tornar mais fortes, caso não virem uma ferida fétida. E, se pararmos de valorizá-los eles perderão a intensidade infeciosa.

Amigos são como saborosas sobremesas. (Autor Ricardo de Faria Barros)



Era pelas 7hr da manhã, o sol debuta com todo esplendor, depois de muitos dias de tempo fechado. Tempo bom para lavar roupa e botá-la para secar, pensei. Pensamentos de dono de casa. rsrs
A campainha toca, e é o Adalfran, o porteiro do prédio, com sua visita costumeira, antes de bater o ponto, às 8hrs.
Ele chega com uma pequena garrafa de café, que diz que a mulher faz e manda para ele. Mas, como tem restrições ao café, por uns prerrengues que teve no coração, ele me presenteia com parte dela, todas as manhãs, após tomar sua única xícara permitida.
O bom mesmo é escutar suas histórias, naqueles dez minutos que passa aqui em casa. Ele conta do cavalo que cria, e que é uma de suas razões de viver, o Paul. Conta do capacete que comprou para poder dirigir com maior segurança uma moto usada que comprou há dez dias. Conta que amealhou um frango caipira e que "vai fazer pra nós". Adalfran é meu amigo.
Ele é um típico pacato cidadão brasileiro. Trabalhador, afetuoso, ético e que valoriza o que tem.
Não tem como receber a visita dele e ficar do mesmo jeito. Ele, quando chega, traz consigo uma lufada de bem-estar que me deixa bem melhor do que me encontrou.

Acho que amigos são isso em nosso viver. São lufadas de bem-aventuranças, de bem-estar.

Falo para ele que levei umas duras de uma amiga, após ter dormido pelo efeito de álcool com anti-histamínicos , deixando-a falando sozinha no zap. Quem ama cuida e dá dura, quando necessário. Então, digo-lhe que estou no purgatório, em quarentena para com ela. Ele sorri solidário e escancaradamente.

Após sua saída, acesso as mensagens antigas do whats, já que ontem resolvi ficar mais em off, “pagando pedágio”.
Numa delas, a uma amiga pergunta se eu melhorei da faringite, e diz que se preocupa comigo. Senti-me tão bem ao ler esse post.
Outro, diz assim: "Oi Amigo. Sua ausência e espírito natalino estão fazendo falta. Se precisar de algo pode contar comigo".
Lembro do que falei, em palestra recente na Procuradoria Geral do Trabalho, aqui em Brasília-DF.
Na palestra, passei três tarefas para serem cumpridas até a virada do ano.

1. Mandar para seis amigos (as) vivos (as) uma mensagem dizendo o quanto ele (a) é importante, e o quanto é grato por ele (a) existir.
2. Fazer algo de bom ao outro, como uma doação, inclusive de disponibilidade para acolher sua história de vida. Talvez seja essa a doação mais rica, nos tempos atuais: tempo para o outro.
3. Perdoar alguém, ou a si mesmo, por algo que ocorreu em 2017.

Foi tão legal a forma pela qual eles aderiram às "tarefas para casa" que vou incorporá-las às minhas falas. Eu disse que as alças de um caixão são em número de seis. e que precisamos de seis pessoas por perto, de confiança, e com quem possamos contar, para nos levar aos sete palmos de terra, e o povo sorria preocupado.
O Procurador Geral, quando tomou a palavra, cumpriu logo a primeira tarefa. Declamando para os presentes os seus seis amigos (as), começando pelo seu fiel copeiro. E foi uma cena linda e inesperada.
Sábado, na casa de meu irmão, reuniram-se amigos das antigas, de quando ele chegou aqui em Brasília, em 1994.
Esse grupo reúne-se na casa do Guga e da minha cunhada, a Patrícia, desde que por aqui chegaram, para celebrarem juntos o natal. Meu irmão e cunhada têm o dom de cultivar amizades. Na casa do mano, ninguém é estranho.
Esse ano, fui convidado novamente para participar daquele momento de confraternização, já que não pertenço oficialmente ao grupo dos históricos. Mas, fui me achegando e hoje num perco mais as festas dos “Felas”.
Contemplando ao longe, o burburinho de amizade entre eles, testemunhei o quanto de amor existe ali. E dos bons.
E que após vinte anos, ainda produzem instantes mágicos, como se fora a primeira vez, e com o mesmo vigor.
E, são justamente os instantes mágicos aquilo que nossos amigos (as) nos proporcionam. Amigos são as enzimas que catalisam os bons momentos de nosso viver.
É como se junto deles nos sentíssemos mais fortes, animados e alegres.
Todo mundo anda pensando nas metas para 2018. As minhas são simples: fazer mais amizades e ter mais tempo para fazer o que de fato gosto, ao pensar mais em mim.
Para isto vou me afiliar a grupos. Grupo de dança, de caminhada, de pedal, de contemplação, de oração, de passeios, de voluntariado, de estudos (fotografia, gastronomia)...
O quer que seja. Os grupos são lugares para cultivar boas amizades. Neles aprendemos que precisamos do outro. E que outro importa.

Corta a cena, pois Analice me pede uma ajuda, via whats, para lidar com o luto de um amigo, vítima de latrocínio.
Analice tem uma lanchonete no Detran de Campina Grande-PB. Ela foi menor-aprendiz do BB, entrando com 14 anos. Todos os colegas do setor a tinham como a mascote. Por dois anos, cuidamos da carreira daquela pirralha, que tinha a idade de meus filhos, e que já ralava tanto.
Ela está arrasada pela morte súbita dele. Floro, seu amigo, foi vítima de um latrocínio. Eles se chamavam, a ambos, de "Sobremesa".
Ela me diz que toda sexta feira, antes de ele ir para casa, passava na lanchonete, dava um abraço apertado nela e dizia que aquele abraço era tão bom como sobremesa, e que agora sim, ele poderia ir para casa feliz, para curtir um final de semana maravilhoso. 
Virou um ritual na vida dela. E a vida pede rituais. Eles tornaram-se sobremesa, um para o outro.

Mas, o abraço da semana passada foi o último que ela deu nele. No final de semana, ele foi assassinado.
Digo que ela, mesmo sofrendo, ainda é uma felizarda. Deixou partir um amigo que ama após um abraço caloroso. Não ficou com abraços pendentes, nem falta de perdão, nem falta de dizer a ele o quanto o considera. Ela me disse que sempre dizia a ele assim: "Tenha um bom final de semana, Sobremesa, e volte segunda pra me ver". Mas, numa das segundas de dezembro, ele não voltou.
Para tirar um pouco a Aninha do pesar, passamos a falar sobre o valor da amizade. E que amigos não morrem, ao deixarem em nós suas boas lembranças.
Aí, ela foi me contando das pessoas que faz da vida dela algo diferente, tanto na família, como no trabalho e vida social.
Disse-me que lidera um grupo chamado "Amigos de Pedro Serrão", a escola em que terminou o ensino médio, em 1992. E que anualmente eles vêm se reunindo. Uauuu!.
Contou de muitos funcionários do Detran que se tornaram grandes amigos: O Heleno, a Abigail, Dr. Ricardo e o Floro.  Para o Ricardo ela nutre e tem especial gratidão. Ele foi peça fundamental para encaminhar o filho dela a um tratamento especializado de saúde.

  Fala de sua ex-vizinha, a Maria Catraia, pela qual nutre uma amizade muito bonita. Aproveita e manda um texto que Catraia enviou para ela, vejam que lindo:
"Saudades linda, minha lindona. Você é minha amiga, minha irmã, tudo na minha vida. Quando passarem as festas quero ir dormir aí para conversar muito com você. Fica com Jesus minha linda, gosto da sua família. Beijus lindona, amanhã vc vai ter a surpresa do áudio ..".
Maria Catraia tem 70 anos, e durante uma fase em que eram vizinhas teve um severo processo depressivo, para o qual só contava com as visitas da Aninha. Aí, Aninha a arrastou para fazer academia com ela, e isso fez com que ficassem muito amigas, e ajudou muito a tirá-la do processo depressivo.
Alguns amigos, que se aproximam de nós na hora em que estamos mal, ficarão para o resto da vida sendo por nós reconhecidos e gratos pelo apoio que nos deram.
Falou ainda da amizade com suas funcionárias, a Vanda e a Edileuza. Que vão ganhar de PLR um dia de noiva, num salão de beleza. “Para o natal, ou ano novo, elas escolhem”.
Disse que sente saudade de sua irmã, que mora no Norte, a Dulcelene. Falou com tanto amor dela que pensei que irmãos podiam aprender a serem assim, com elas.

E, a cada fala, foi processando o luto do Floro.

Para terminar, falou da amizade com a pequena Samira. Essa é de encher os olhos de lágrimas.
Samira tem oito anos, e um dia acompanhava a mãe que tinha ido regularizar pendências no Detran. Aí, ao retornarem do guichê, passaram na calçada da lanchonete.
Samira sentiu o cheiro da cozinha da lanchonete, e pediu a mãe para ali entrar.
Com olhinhos babando e cheia de vitalidade, perguntou à Analice o que estava cheirando de tão bom. Era uma carne de sol que estava sendo refogada, e que inebriava todo mundo de prazer com seu aroma. Samira sabe das coisas.
Analice perguntou se ela queria. Ela disse que sim, e dessa forma:
"Tia, quero feijão, arroz, carne de sol, tomate e alface. Gosto muito de tomate".
A mãe acompanhava emocionada a cena, e disse que tinha gasto tudo no caixa, e que estava sem dinheiro, chamando a filha para ir embora.
Analice pediu que a menina ficasse, e que aquele pratinho de comida era um presente.
Aí Samira comeu como nunca, de estatelar os olhos. A mãe ficou impressionada, ela andava sem comer nada.
E Samira começou a puxar assunto a Aninha, até dizer-lhe assim: "Tá vendo meu cabelo, vai cair todinho, vou ficar carequinha. Tenho leucemia. Mas, mamãe vai comprar uma peruca bem bonita pra mim".
Aquela visita inesperada, e a forma como Analice acolheu aquela pessoinha tão lida, transformou o aquele lugar em templo. Hoje ainda são boas amigas, e quase todo dia a Samira posta áudio para Analice, ou arruma um jeito de convencer a mãe a ir almoçar com ela. Viraram companheiras na luta pela vida que a pequena Samira trava. Me diz que vai comprar presente de natal para a Samira, para visitá-la em casa.
Imagino quantas pessoas num já foram abençoadas pela Aninha, ao entrarem na sua lanchonete, para comerem um PF, ou tomarem um lanche, apressadas e preocupadas com as aflições da vida.

A essa altura do campeonato, Aninha parou de chorar de saudade de seu amigo, o Sobremesa, e começou a acolher a dor da perda.
Agora ela tinha outros amigos e amigas para cuidar, e não podia sucumbir à dor. E tantos outros que Deus ainda vai colocar no caminho dela, naquele Templo em que se tornou sua pequena lanchonete, chamada Manga Rosa, no Detran de Campina Grande-PB,
Este é o maior dom que amigos verdadeiros têm, uns para com os outros, o de tornarem a vida de ambos melhor, só com o relacionamento que cultivam entre si.
Amigos são necessários, esperados e saborosos como boas sobremesas. Nisso o Floro, que Deus o tenha, está certo!
E, todos temos nossas Mangas-Rosa, locais onde trabalhamos e que neles passamos boa parte do dia, no qual podemos fazer a diferença na vida das pessoas.
E, nunca deixe seu amigo falando sozinho, isto não se faz com quem cuida, admira e se preocupa contigo.

O dia em que meu dedo virou antena. (Autor Ricardo de Faria Barros)


Passei uns dias encafifado com um rádio que não pega bem aqui em casa.
E gosto muito da 97.5 - Nova Brasil, aqui em Brasília, a Nova FM, só MPB e das boas.
E comecei a fuçar no aparelho, e descobri que ele tem uma conexão para antena FM.
E, quando eu colocava o dedo nessa conexão, o som da FM era límpido e cristalino, quando tirava ficava ruim novamente.
Aí pensei comigo: "ué???"
Fiz uma busca presencial nas eletrônicas, e acabei achando a bendita da antena, e funcionou - "mar-or-meno".
Confesso-lhes que colocando meu dedo no local do receptor da antena o som fica melhor ainda.
Melhor do que essa estilosa antena de rádio FM que acho que só eu ainda procura para comprar.
Mas, gosto desse tipo de atitude minha. Temos que ter uma certa cota de esquisitice para preservar nossa saúde mental.

Tomando uma Proibida, com resto das iscas de peixes, temperadas por mim e JG, nesse domingo tão frio em Sobradinho-DF, lembrei que temos esse tipo de pessoa em nossas vidas.
Você deve querer me perguntar: "Que tipo de pessoa, Ricardim?"
Oxente, a resposta é fácil: é aquela que quando nos toca nós ficamos pegando melhor.

Tu já acordou todo embrulhado do estômago emocional e quando viu determinada pessoa ela te fez abrir um sorriso Lua Cheia? E tu melhorou das dores de humor do fígado emocional? (o nome humor vem do fígado)
Têm pessoas em nosso viver que nos ajudam a melhorar nossa recepção e sintonia, daquilo que a vida tem de melhor.
Tu tá sem esperança, desanimado. Aí chega essa pessoa e te diz: "tenha calma, continue lançando as sementinhas, algumas vingarão..."
Tu tá doente, febril, garganta ruim, rouquidão, coriza, febre alta, aí essa pessoa chega do teu lado e te diz, "bora, vamos ao hospital, não pode continuar assim, eu guio o carro e te levo".
Tu tá enfrentando um problema sério no trabalho. Aí essa pessoa chega perto de ti e diz: "Ele passará, tu passarinho..."
Aquela pessoa que tira um sorriso teu, mesmo nos dias mais sombrios.
Aquela pessoa que acredita em ti, mesmo quando tu mesmo virou um descrente.
Aquela pessoa que quando chega o sol aparece.
Sim, meus amigos leitores, são as pessoas que amamos aquelas que funcionam como nossas antenas existenciais. Elas amplificam nosso poder de existir, nos tornam potentes, nos impulsionam para além de nossos problemas de conexão.
Então, já imaginou nosso poder na vida dos outros?
Nós podemos "fazer o terra", expressão que os eletrotécnicos usaram para dizer o que ocorria com meu radio, que quando eu tocava nele o sinal da FM era perfeito, e quando tirava a mão ficava chiando novamente.
Muita gente boa em nosso viver pode nos ajudar a fazer o terra. Tenha gratidão pro elas. Diga isso pra elas. O quanto elas são importantes em teu viver. Não espere virar o ano para dizer-lhes isso.

Fazer o terra é voltar a caminhar esperançoso, em busca de dias melhores.
Fazer o terra é entender que nosso viver tem ciclos, fechamentos, tem fases, tem coisas pelas quais teremos que passar e que são frutos de nossas escolhas, ou não escolhas, mas que todas elas vão contribuir para nossa iluminação espiritual, pela forma como nos posicionamos diante das mesmas, e com elas aprendemos a ser +.
Quando Tiago, Priscila, Rodrigo e JG olham para mim, e dizem: "Pai..." Acaba sintonia ruim. Acaba rádio FM que num pega.
Um céu se descortina em meu viver, e me sinto o mais forte dos pais. Esqueço tudo, e digo: "Filho..."
E me conecto só a coisas boas para passar para eles: força, disciplina, determinação, dedicação, coragem, esperança...
Nós podemos mudar um instante na vida das pessoas.
A cada quinze dias eu mudo na vida da Lady. Ela termina de fazer a faxina no cafofo, e geralmente estou fora. Quando chego, tá tudo limpinho, cheiroso, no lugar, aí zapeio para ela: "Lady, obrigado pela dedicação ao meu ninho, ficou tudo muito bacana".
Pronto, acabei de tocar no coração dela, e ao fazer isso, ela não sairá da mesma forma, melhorará a sintonia com as coisas boas da vida.
Quem recebe um elogio verdadeiro e continua o mesmo?
Têm muitas pessoas com dificuldade de conexão com a vida, com antenas existenciais de pouco alcance, ou danificadas pelas pancadas que ela levou da vida.
Eu e você podemos ajudá-las. Podemos "fazer o terra" com elas, tocando-lhes no mais profundo da alma e coração.
Dizendo-lhes, tenha calma, eu confio em ti, continue tentando, respirando, amanhã será melhor!
E aí, uma mágica acontece. Aquela pessoa que antes estava "mofumbática", fica mais animada, disposta, e cheia de novas energias, que teu toque nela produziram. e ela se conecta a outras estações da vida, aquelas que transmitem coisas boas.
Tem muita gente que fica com coração apertado, mesmo mantendo a pose, e que perdeu parte da conexão com a vida.
E que está como meu rádio, quando sem antena, e que precisa de seu toque de esperança e otimismo na vida delas.
Pense nisso! Tu e eu podemos ser antena para o outro. Ajudando-lhe a sintonizar-se nas estações da vida, e não nas da morte!

Libertem as pipocas (Por Ricardo de Faria Barros)

A tarde do sábado era de festa na Centro Cultural da CEF, em Brasília.  Era o início da programação natalina, com mil atividades para a criançada, e até adultos, como o belíssimo grupo musical que se apresenta a cada 2 horas.
João Gabriel (8), meu quarto filho, estava ansioso para participar de tudo. E entramos numa das quilométricas filas, a do caminho suspenso e tirolesa.
A criançada ama aquilo lá, e acho que eu gostaria também, mas tem limite de idade. rsrs
Depois daquela aventura, fomos nos deliciar com o grupo musical, um sexteto que canta divinamente, e não tem como conter as lágrimas, a cada música executada, cada uma mais bela que a outra.
Perto das 17hrs, resolvemos partir. A missão seria levar o JG para comer um crepe que ele ama.
Mas, a chuva nos impediu.
Era chuva forte e com vento. E resolvemos ficar próximo da entrada, esperando que passasse.
Aí, notei uma cena que muito me entristeceu.
Todos que chegavam ao local, bem ensopados pela chuvarada, eram "vistoriados" pelos olhos inclementes do povo que ficava na recepção.
Então, entendi o objetivo daqueles olhares intimidadores (SIC!). Era o de barrar o acesso ao local comendo pipoca.
Pasmem!
Não meus amigos(as), o assoalho não era acarpetado, nem tinha um tapete felpudo. Era um piso de madeira, e dos já bem estragados. Piso de tráfego, não era de tablado. Também, não havia pipocas ofertadas no interior do local, que pudessem "concorrer" com as que vinham de fora.
Passei a observar as carinhas de decepção dos pais e das crianças, que chegando com pipocas tinham que comê-las apressadamente, todos encharcados, ou jogá-las no lixo, sob protesto da criançada.
Que regra burra e infeliz!
Naquela recepção, parte da magia do natal do local se esvanecia. E as crianças ficavam frustradas, por não entendem nossas leis, nem nossos rostos taciturnos, daqueles de poucos amigos, na missão de barrar prosaicas pipocas.
Alguns pais protestaram, ao que ouviam a célebre frase: "ordens são ordens".
Meu pequeno perguntou o porquê de não poder comer pipoca, não soube responder.

Gosto de pipoca, algodão doce e balões.
Duvido você achar isso em enterro.
Pipoca, algodão doce e balões combinam com a celebração da vida. E o que é o Natal senão isso?

A CEF gasta uma nota com o espaço e programação e alguém cria uma lei que desconhece a experiência do cliente. E determina, do alto de seu poder, qualquer que seja ele: "proibido entrar com pipocas!".  Sem dúvida, para aquelas família barradas na entrada, o que pode ficar de registro é esse desconforto, perante seus pequenos. Uma pena!

Isso foi ontem, sábado. Hoje fui para a Feira do Padre, aqui em Sobradinho-DF, e de longe ouvi o som de berimbau e pandeiro. Pensei: oba, hoje tem apresentação de capoeira.
Liguei o GPS do ouvido e parti em busca dele.s Os encontrei se preparando para começarem, no acesso direito da Feira.  Concentrados, faziam seus aquecimentos e ensaiavam.
Procurando local bom, para fazer os registros fotográficos, testemunhei mais uma cena do tipo: "ordens são ordens".
Um irado funcionário do local veio tomar satisfações com o grupo por terem tirado uma corrente, posta na rua de entrada do estacionamento. Essa corrente é colocada na madrugada, para liberar a área para os feirantes instalarem suas barracas. Após o que não faz mais sentido, não há como carros entrarem no local.
Mesmo assim, agora era uma corrente humana que fazia a roda e cantava, e que seria impossível um carro ali adentrar.
Mas, o funcionário da administração precisava mostrar que tinha poder, e exalava braveza. Não perguntou como, porque, onde ou com quem? Foi logo dizendo, "quem mandou tirar as correntes?". Isso tudo num espaço que desde a sua criação prevê apresentações culturais no seu interior. Ideia do Pe. Jonas, fundador da feira, visando  integrar a comunidade pela arte, e que tem dado certo há 30 anos.
O povo da paz, que são os amantes da capoeira, argumentava mansamente que eles foram autorizados a fazerem o show ali, e que era o único espaço disponível que não prejudicava o acesso às barracas. O homem da ordem, todo espevitado, disse então algo assim: "Se autorizaram tudo bem, mas só até o horário, passou disso virei aqui botar as correntes.".  Com as correntes não haveria área disponível para a roda da capoeira, lembro aos meus leitores.
Ou seja, o que ele fez foi usar o poder de uma ordem que tem e que não analisa as variáveis de contexto, para dizer cheio de razões: "Se atrasarem virei tirar vocês"!
Após dizer isto, saiu com peito inflado, batendo os pés no chão, como se estivesse numa missão militar.  O salvador das correntes e os barradores de pipocas são pessoas que me dão asco.
Eles podem estar com a lei ao seu favor.
Mas, continuam me dando asco.
Eles e quem fez essas leis.
E, pela minha experiência com organizações, nem sempre há essa lei. Na maioria das vezes, é o poder que sobe à cabeça e a pessoa que o detém acaba por extrapolar uma orientação, moldando-a ao seu bel-prazer. Tornando-a mais radical do que o lei que a concebera.
Esse é o risco de todas as leis.
Nunca esqueci de um idoso, que aparentemente pela primeira vez embarcava de avião, saindo de Brasília para Recife.
A moça da companhia disse que ele precisa abrir a caixa de papelão que estava despachando. Para ela ver o que continha.
Ele falou que tava bem fechadinha, com barbante. Mas, ela disse que eram ordens. E abriu a caixa.
Para desgosto dele, que resmungou que a tinha lacrado tão bem.
No dia, eu estava despachando minha bagagem ao lado dele, e fiquei pensando: e se ele botasse aquilo tudo numa daquelas bolsas enormes, daquelas que fecham com um zíper, passaria? Sim, passaria, foi o que constatei. A implicação são com caixas de papelão, daquelas que os mais humildes usam. Se as coisas estiverem dentro de malas, ninguém te aborrecerá.
Então, pipocas, correntes e caixas de papelão são a expressão de uma cultura que despreza a experiência do cliente. De normas que ou não se atualizam, ou não são sopesadas diante de mudanças no contexto em que se aplicam.
Umas 20 famílias poderiam não ter visto a programação natalina, dependendo do estresse com o qual reagissem àquela norma. Uma centena de clientes de feira livre poderiam não ter apreciado um show lindo, e de grátis, por causa de uma corrente. E um cidadão brasileiro que paga um preço bem salgado pelo transporte aéreo, poderia ter tido o desprazer de ao receber seus pertences verificar que a caixa abriu na viagem e que tudo estava fora do lugar, ou faltando.

Mas, reclamar para quem?  Ordens são ordens...

Pense nisso sempre que for criar uma regra. A tendência e que ela seja extrapolada, pelo uso indevido do poder, indo muito além do que queria regular.   Então, para cada regra que venha a criar, deixe claro as não-regras, para diminuir o risco de que as pessoas possam entender que a regra de: "É proibido a emissão de gases poluentes nesse recinto", se dê também quanto ao expirar dos pulmões, pelas narinas, ou coisa fétida similar.

Perceba o bom, o belo e virtuoso entre nós. (Autor Ricardo de Faria Barros)

Acordei cedinho, após uma madrugada de muita chuva, daquelas com raios e trovões. Uma tempestade caiu aqui em Sobradinho-DF, e aquela manhã de domingo acordou encharcada.
O nome da cidade foi originário de duas casinhas de João de Barro erguidas sobre um  cruzeiro, erguido às margens de um ribeirão. O lugar então ficou conhecido como Sobradinho do Mirante, e com a fundação do DF, na década de sessenta, passou a se chamar Sobradinho.

Mesmo com tempo úmido e chuvoso resolvi ir na Feira do Padre. O nome foi originário do Pe. Jonas, administrador de Sobradinho-DF, que em 1979 mobilizou pequenos produtores para criarem a feira livre deles, retirando-os das mãos dos atravessadores, ou grandes lojas de varejo, que geralmente determinam  o preço e exploram os pequenos produtores da agricultura familiar.

Considero as feiras livres um lugar terapêutico.  Uma pesquisa (1) do CDS e UFPE, confirma minha intuição:  40% dos frequentadores afirmam que uma das razões pelas quais visitam a feira é pela amizade que fazem com os agricultores que ali comercializam seus produtos, em rústicas instalações.

Bem, então me espreguicei e, mesmo com o tempo molhado, resolvi sair em busca de amizades. Era dia de cultivar vínculos sociais, afetivos, cordiais e de respeito mútuo.

Começo a zanzar pelos corredores curtindo aquele burburinho típico de feira livre e vendo a variedade de produtos. Numa das banquinhas num anúncio o vendedor diz que tem um motor de opala, e em bom estado, para vender. rsrs

Gosto disso. Àquela hora da manhã as bancas de pastel, tapioca, caldo e café estão apinhadas de gente. E aquele aroma de café, passado na hora, inebria a todos, como se fosse um aroma de casa da vovó, aquele cheirinho misturado ao de terra molhada faz de tudo renovação.

Vejo uma fruta estranha, rosácea, e logo puxo assunto com seu produtor, o Sr. André. Ele me diz que ela se chama Pitaya, e dá num cacto, como se fosse a flor do cacto que se transforma em fruto. Sr. André fica todo orgulhoso de meu interesse na fruta, e me diz que trouxe uma mudinhas dos cactos, e aponta para local onde as deixou. Vou lá, fotografo, volto e ele fica feliz em falar de seu roçado de Pitaya. Com suas mais de cem mudas. Ele é o único que as têm, e é frutinha metida à besta de cara, sendo vendida em Brasília de 15 a 20 reais, uma fruta apenas. Ele vende por 8, e faz 2 por 15. Pechinchei três frutas e ele deixou por R$ 20,00. Feira livre sem pechincha é supermercado. Num presta.
Quando as Pitayas estavam posando para uma foto, junto ao seu dono, um grito e um som seco de um tombo na banca ao lado.

E é uma correira só, para acudir um feirante que desmaiou. Seu corpo estava rígido, muitos faziam-lhe massagem no peito, outro abanavam o rosto, outros ainda opinavam em puxar-lhe a língua para fora. Ele não reagia.

A sua mãe, cabelinhos brancos (80), gritava pelo filho (55) para que ele acordasse. Uma rede de solidariedade se fez presente. O filho do produtor da Pitaya correu até uma viatura da polícia para acionar o SAMU. Uma outra feirante, socorria aquela mãe desesperada, dando-lhe água, abraço, palavras de esperança e cuidados. Ela dizia que ele não tinha bebido nada, que estava bonzinho e que viera dirigindo o velho carro deles, do sítio até a feira. E que aquilo nunca tinha ocorrido antes. O clima de tensão no ar era enorme. Mas, lentamente, o feirante foi recobrando a consciência, se mexendo, e abrindo os olhos. E o povo aplaudiu. Muitos choravam. Ele não estava morto. As pessoas não deixavam que ele se levantasse, visto que bateu a cabeça no chão, ao cair,e conversavam com ele para que se acalmasse, pois os médicos estavam chegando. Acho que foi uma convulsão. A sua mãe dizia pra todos que ele nunca tivera nada parecido. Para alívio de todos, as enfermeiras do Samu chegaram, fizeram os primeiros socorros, e levaram-nos: mãe e filho, ao hospital mais próximo.

Um enorme silêncio se fez, quando ele saiu na maca, acompanhando por sua mãe a segurá-lo às mãos. Quanto amor!

Por uns 20 minutos, da queda até o socorro, eu testemunhei o melhor que existe na raça Homo Sapiens. Não havia curiosos fazendo self, fotografando ou só buscando uma notícia para suas redes sociais. Todos ali estavam querendo ajudar de alguma forma. Um deles abanava com a mãos o rosto do senhor caído no chão, para que moscas não pousassem nele. Um amigo deles, um cliente, assumiu o cuidado com a banca, mesmo sem saber os preços, ele garantia a segurança dos poucos itens expostos numa tosca tábua: umas dúzias de cocadas, de todas as cores, uns 4 litros de leite em garrafas, duas pencas de bananas e um bolo. Eram os produtos da senhorinha e seu filho.

Após o Samu levá-los, e ainda em choque, fui agradecer à feirante do lado pelo que ela fez à senhorinha, dando-lhe colo e afago. Ela me disse que poderia ser a mãe dela, e que precisava apoiá-la, mesmo fechando sua barraca ao possíveis atendimentos que poderia ter, e por um bom tempo.
Nossa Senhora!, quanta doação ao outro. O cliente que assumiu a barraca perguntou ao da Pitaya se ele cuidaria das coisas da vizinha, ao que ele afirmou com um "Sim, é claro!", do tamanho do infinito, e o cliente seguiu caminho.

Saí zanzando à caça de café e tapioca, para recobrar-me do susto e de tanta emoção que vivera. Na barraca da cearense, a melhor tapioqueira do pedaço, sentei-me num banquinho e, mastigando aquela iguaria, pensei em como a vida é finita. De como somos breves demais para sermos mesquinhos em nossas jornadas.

Continuei caçando amizades e achei o Sr. Beto, produtor de castanha de Baru. Uma figura de pessoa. Sabe tudo sobre o Baru e em sua propriedade rural, em Minas, tem muitos pés. Ele vai na roça a cada quinze dias, pois é longe, e traz de la de um tudo. Ao seu lado, fiel escudeiro, o Sr. José, seu caseiro. Sr. José é um daqueles velhinhos retirados dos contos de Monteiro Lobato, tipo uma Dona Benta.

Logo fiz amizade com ele, pois o Sr. André estava muito ocupado com a fila de gente querendo as cobiçadas castanhas de Baru, boas pra tudo, segundo ele e um jornal que fez cópia e distribuia.
      
Sr. José contou-me que trabalha para ele há muitos anos, e que são amigos. Que tem sua rocinha também, ao lado da do Sr. André. E que nela preserva os bichos do cerrado. Conversa com eles e educa os sitiantes vizinhos para não o matarem. "Pois temos nossa própria comida, pra quer matar esses bichinhos de Deus, tão raros e sofridos para comê-los?".

E me mostra um artefato de madeira que usa par pescar. Disse-me que fe aquele para um cliente que vem buscá-lo. José me contou que atrás de sua casa, aqui em Sobradinho, corre um pequeno ribeirão.
E que ele todos os dias pesca uns peixinhos, embora não goste de peixe e não coma. Ele me contou que na sua casa sempre tem um peixe fresco para um pedinte necessitado. E que é comum que pessoas batam á sua porta perguntando se tem algum lambari para doar.

Uauu!!!

Então ele pegou no bolso umas sementes e me contou que fará mudas para o Sr. André. "Foi uma frutinha que um cliente me deu, que achei doce e gostosa, e que guardei as sementes para fazermos mudas e levarmos para Minas. Plantarei uma na minha roça e outra na do patrão. Meu maior gosto é fazer mudas, fiz mais de 50 de ipês, e plantei em nossas propriedades. Quando eu morrer, as pessoas vão ver os ipês e se lembrarão de mim. Eu quero deixar algo meu naquela terra. Deixarei frutas e flores... "

Disfarcei uma tossida e escondi uma lágrima vadia que teimava em cair. Pedi licença da prosa, peguei meu Baru, e segui pra comprar pastel.

Resolvi comprar dois, um para mim e outro para o José. Enquanto era preparado, uma menininha me aborda, vendendo numa caixinha uns quinze chocolates tipo Baton. Perguntei-lhe quanto era o estoque, e o arremetei. Disse-lhe que poderia ficar com a mercadoria vendida, e que agora ela fosse para casa brincar. Ela deveria ter uns 12 anos. Não fiz nada. Quem fez algo foi Sr. José, o cliente da vovozinha que acudiu a banca, o filho de Sr. André que correu na polícia, e a feirante do lado que socorreu uma mãe desesperada. Eu estava retribuindo a generosidade que testemunhara, apenas isso.

Voltei e dei o pastel ao Sr. José, e ele fez uma festa com aquilo. Fiquei pensando, há quanto tempo Sr. José não come um pastel!

Após uma hora de zanzar pela feira, voltei para barraca do acidente de cedo, para colher notícias, e a vovozinha está lá, no seu posto, assumindo as vendas.

Que força! Quem de nós voltaria às vendas após um turbilhão emocional destes?  ela voltou. Ela precisava vender aquelas cocadas, bananas e leites. Era o apurado da semana, e com o filho sob observação de 24 horas, ela poderia precisar de dinheiro.

Fiquei um pedaço conversando com ela. Na saída, deixei-lhe uma quantia para ajudar a fazer o lucro das vendas que ela não realizou. Ela não queria receber. Eu insisti, e disse-lhe que poderia ser útil ao para medicação do filho. Aí ela abriu um sorriso e disse: "aí tá certo, assim eu aceito."  Não sabe ela que eu só estava remunerando a overdose de amor que ela me deu, naquela manhã.

Saí da feira com o coração cheio de emoções positivas. E segui caminho em busca de uma loja para colocar uma película no meu celular, que insiste em cair no chão e quebrar.  No balcão da loja um bolod e chocolate e uma coca-cola. Perguntei ao Alisson, atendente prestativo, quem aniversariava. Ele falou: "vocês, nossos clientes. O refri e bolo é para vocês, pdoe servir.". Aproveitei e tomei um copod e coca-cola. Alisson avaliou os estragos do quebrado, como a perícia de um cirurgião. Perguntou-me se queria investir um pouco mais do que os R$ 10,00 e colocar uma de película de resina, de R$ 25,00, que ele iria cortá-la até ficar boa. E, por uns bons 15 minutos, ele foi moldando a película, como um artesão Depois, colocou-lhe no aparelho e eu vi que ficou excelente. Não mais precisaria trocar o visor, que custa uma fortuna. Qualquer outro atendente diria que não havia maneira, visto os estragos do vidro. Alisson não!
Ele não era qualquer um, ele faz a diferença com o seu trabalho.

Bateu vontade de tomar uma cerveja e petiscar e fui no Restaurante Diamante Negro, próximo a Igreja dos Migrantes, um lugar com comida e bebidas a preço justo e de excelente qualidade. Na chegada os garçons me saúdam, pois já nos conhecemos, e soltam um: "Paraíba, adivinha o que temos hoje?". Nem acreditei no que via, eram costelinhas de bode, um manjar.

Fiz um pratinho, peguei uma cerva gelada, e sentei-me na varanda, degustando tudo que vivera naquela manhã. E olhando feliz para meu celular renovado. Aí o cozinheiro me aborda com pedaços de pernil de carneiro, que acabara de tirar do forno. E me diz: "É para o senhor, não precisa pesar..."

Mais uma vez, aquela lagriminha rebelde insiste em se fazer presente. Voltei para casa pensando em como existem pessoas boas, safrejando no roçado da humanidade.  Nessa imensa feira livre em que vivemos, que é só se especializar em catar gente que presta que as acharemos,e  aos montes, e todas elas podem ser nossas mestras na arte da vida e do bem viver.

Escrevo nessa segunda bonita, deliciando-me com um cafezinho passado na hora, presente de pessoa amada que meu lar e vida mudar de fase: Sim, agora temos café. 

O whatsapp apita, mensagem nova, é de mamãe. Dando-me instruções para comprar uma plantinha para ela, e levá-la para Campina Grande-PB, no final do ano. "Rico, é uma bougainvíllea branca e dobrada, mande foto quando achar para eu ver se é ela mesma." rsrs

Agora vou ali, comprar uma plantinha para mamãe. Chegará um tempo em que desejarei ardentemente que uma mensagem como essa apite em meu celular novamente.


(1) O Papel Econômico e Social da Feira do Padre

O show não pode parar (Por Ricardo de Faria Barros)

Era manhã de sexta e fazia frio. No horizonte, a neblina da manhã chuvosa teimava em desafiar o sol que sobre ela se deitava. Olhei-me no espelho e os cabelos espevitados, de uma pré-careca ao centro, pediam para serem aparados. Lembrei-me que era dia da Feira da Lua, e que precisava comprar pimenta de cheiro, para uma moqueca domingueira. Embora se chame de Feira da Lua, ela abre pelas 6hrs da manhã, da sexta, e só fecha na madrugada do sábado.

Na noite da sexta, o espaço é disputado por muitas barracas de comilança e shows. Durante o dia, é um sortimento só, daqueles de encher os olhos. É peixe fresco, pescado na hora, dentro de enormes caixas de água, é honesta linguiça de porco defumada, e é todo tipo de hortifrutigranjeiro. A feira funciona ao lado do Estádio de Sobradinho-DF.
Parei no estacionamento dela, olhei-me no espelho e estava estragado, com os cabelos centrais bem rebeldes. Então, perguntei a um guardador de carro se tinha barbeiro próximo. Ele apontou para um, por trás da rodoviária, e segui para lá, "de pés" mesmo.

Cortei o pelo e voltei à caça da tal pimenta de cheiro. E eis que me deparo com uma cena de tirar o fôlego, daquelas que ao vermos não conseguimos mais fazer nada de nada, para o tempo!
Perfilados estavam uns 20 velhinhos, embaixo de um toldo, cada um deles com um instrumento musical de percussão na mão.
Pensei, vai ter show!
E teve, e daqueles de ganhar um óscar.
Eles são asilados do Lar dos Velhinhos Bezerra de Menezes, aqui de Sobradinho-DF, e era o dia da apresentação do seu grupo musical.
No meio deles circulavam voluntários, que não deixavam a música sair do ritmo, e estimulavam o mais sem jeito tocador a fazer seu próprio som, sem se preocupar se estava correto.
O importante era participar da atividade.
E que atividade!
Tirar aquelas senhorinhas e senhorinhos do asilo em que vivem, num dia tão frio, mas proporcionar-lhes aqueles momentos de tanto calor, pela inclusão cidadã e vacina contra a morte social, era algo de emocionar a mais pedra dos corações.

Pena que os clientes da feira livre estavam ocupados demais, para pararem um pouco ali e prestigiarem o espetáculo.

Cada um deles, à sua maneira, estava desafiando o destino das coisas, ao tocar seu instrumento e continuar sentindo-se ativo.

Cada um deles estava criando algo para além de suas vidas esquecidas, num canto qualquer. Agora eram artistas de rua, disputando a atenção dos clientes, com o melhor que eles tinham, a força da sua idade que desafia a vontade de parar.

Tinha o que batia o bombo, que ralhou com o monitor-voluntário: "Deixe eu fazer do meu jeito, não reclame comigo". Que lindo.
Tinha a vovozinha do pandeiro, que não parava nunca de agitá-lo, era a mais animada do grupo.
Tinha o vovozinho que precisou de uma ajuda com seu instrumento de percussão, ao que uma jovem voluntária pegou em sua mão e deu a ela a maestria de um músico profissional.
E ele agradeceu com um sorriso escancarado. Como quem dizia: "nossa, era só fazer assim!"

Acho que uma boa ideia era botar cadeiras e improvisar um tipo de palco. E trazer um monte de gente, inclusive eu, para sentir tanta vida saindo de pessoas que foram deixadas para trás naquele asilo, e que mesmo assim, nãos e deixaram ficar para trás.

Escrevo emocionado imaginando o que deve estarem comentando nessa noite, após o jantar, sobre o show que deram.
Alguns deles devem estar ensaiando para a próxima sexta. Será que tem toda sexta?
Outros, devem estar perguntando como faz para aprender determinado instrumento, como o pandeiro da vovozinha, que só ela usava.
O monitor-voluntário, o cantor e tocador de violão, deve estar com eles, comemorando o feito. E ouvindo de alguns que estava muito frio, mas que conseguiram. De fato.
Aquele grupo, de octogenários para cima, teria mil razões para não fazer o show nessa manhã. Mas, ele não se deixou abater pelo desânimo, até pela falta de quem lhes aplaudissem.
Eles estavam juntos se divertindo, e não deixando que o fantástico show da vida parasse de acontecer nas suas jornadas peregrinas.

Bem cedo, eles tomaram uma decisão, não ficariam em seus quartos esperando o dia de amanhã raiar. Eles raiariam o dia de hoje, com sua presença no mundo, levando música a um lugar que se eles ali não estivessem, ela não teria acontecido.

Após umas quatro músicas, dei pequena gratificação muito menor do que a que deles recebi, e parti em busca da pimenta dedo de moça.

Não achei, mas eu ia reclamar de que mesmo?

Cartas ao JG. Na dor, vá para a margem (Parte 2). A Disparada da Despedida (Autor Ricardo de Faria Barros)

Sabe filho, uma coisa que tenho aprendido é a ler os sinais do que a vida que me falar, nem sempre de forma tão clara.
É preciso ir juntando uma peça ali, outra acolá, é preciso estar sintonizado na frequência dos sentimentos e pensamentos mais nobres e perceber a fala da vida, sobre determinada situação que enfrenta.
A condição para essa escuta é desacelerar o ritmo, permitindo-se navegar lentamente, beirando a margem, para que a dor do momento, o luto, ou uma forte decepção não lhe turve as vistas, e faça com que você se perca de si mesmo.

Na margem, ficamos com a percepção seletiva aguçada, para nos ler, nos autoconhecer melhor, mapear o que nos ocorre e juntar evidências para tomar decisões.

Ontem foi um dia assim. Tudo começou quando dirigia para me despedir de Duquesa, e no caminho conversei com o veterinário. E ele me disse que Duquesa não poderia ser sacrificada, na manhã de ontem, pois que tua mãe decidira enterrá-la no jardim. Confesso-lhe que fiquei puto de raiva, uma vez que a minha decisão - após muito estudo e sofrimento, eu já tomara. E era para que o próprio veterinário desse fim a ao corpo dela. Então, para esclarecer melhor a situação, eu liguei para tua mãe que confirmou a informação dizendo que o jardineiro Jackson iria hoje (18.11.2017), abrir uma cova no jardim. (Evidência 1)

Então, retornei o telefonema para o veterinário, reprogramando o procedimento para a esta amanhã.
Continuei dirigindo para tua casa, com o firme propósito de me despedir da Duquesa. E o trânsito estava infernal, naquela sexta de tempestade aqui no DF, e eu levei 90 minutos de Sobradinho e até próximo à São Sebastião, onde mora.
No trajeto, tua mãe ligou dizendo que pessoas amigas do trabalho dela falaram que já existe tratamento par essa doença. Eu disse-lhe que conhecia e que o preço era exorbitante, e que não recuperaria as lesões que ela já sofrera, nos rins e fígado. (Evidência 2)

Cheguei na tua casa e marquei o lugar da cova, perto do meu pé de umbu. Desci ao pomar e passe um bom tempo acariciando Duquesa, num processo de despedida bem doloroso, mas necessário para fechamento de ciclos. Em determinado momento me distraí, ao ver o quão bonito está a Lichia, carregada de frutos, e ao olhar para o gramado novamente, só vejo o Balu, o nosso velho e gordo labrador.
Chamo por Duquesa e nada dela. Subo a escada externa, em direção ao pavimento superior, e ela também não está a garagem. Ergo a vista e a vejo na garagem da casa da frente, e de lá ela balança o rabo para mim. Chamo-lhe e ela vem correndo, toda alegre, como quem sabe que fez uma peraltice. Ralho com ela e ela volta para o pomar e canil, descendo as escadas qual foguete. Duquesa nunc fez isso. O portão fica sempre aberto. Subir para a plataforma superior é algo impensável para ela que foi condicionada a ficar sempre no pomar. Ela nunca fez aquilo. (Evidência 3). Era como se ela dissesse para mim: “ei, eu estou bem, olha como corro, sei fazer até a disparada da despedida”.

Saio de tua casa, com a cabeça a mil, visto que aquela cena fora muito forte para mim. E sigo para meu lugar predileto de esfriamento de cabeça, qualquer um dos parques do DF. Opto pelo Parque Nacional de Brasília, chamado de água mineral. Ao começar a caminhar pelas suas trilhas, olho para o céu, e um coração de amor se faz presente, olhando das nuvens para mim. (Evidência 4).

À tardinha, voltando para casa após pegá-lo na escola, Mariana, amiga de papai e filha de Ari e Sylvia, meus compadres, manda uma das tantas mensagens de apoio que papai recebeu, após publicar tua Carta, de ontem. Aí eu gravo um áudio para ela, relatando como foi a despedida, inclusive a fugida para rua da Duquesa, ao que ela me responde assim: “Poderia ser triste a história, mas o amor como você fala dela é lindo! Foi a disparada da despedida. Que ela continue feliz e lindona...” Ela usou o verbo no presente, percebe? (Evidência 5)

À noite, meu filho diz que um grupo de criadores e veterinários, ao saberem de minha história, aceitaram tratar de Duquesa e adotá-la. (Evidência 6).

Aí, entro em sites relacionados ao tema e descubro que há 3 anos chegou no Brasil o único medicamento que elimina a doença do animal, chamado de Milteforan. Descubro também que o cão infectado não transmite pela saliva, pelos ou pele, ou em mordidas, lambidas ou contato físico essa doença, o que livrará você de pegá-la (Evidência 7). Continuo a fuçar em sites de criadores, ONGS de proteção aos animais, e até em clínicas veterinárias, e vejo que a opção da eutanásia é uma questão de saúde pública, não pela doença em si, mas pelo alto custo do tratamento. Coisa que afasta a população mais pobre dessa opção, o que é uma pena. O tratamento custa algo em torno de R$ 5.000,00 considerando as duas aplicações do remédio, as colheitas e rações especiais.

Após essas sete evidências sinto que a vida está me falando algo. Saio da margem, volto ao leito do rio, e decido tratar a Duquesa. Bancar o custo e não carregar a culpa de não ter tentado. Quem ama admira, cuida e protege. E eu a amo.
Abro a janela do apartamento e sinto vindo em minha direção uma aromatizada brisa Aracati que me diz: “não temas voltar ao curso do rio de teu viver, eu segurarei em tuas mãos, pode sair de minha margem e voltar a navegar: corajoso e em paz.”.

Um sentimento bom invade meu ser. Envio mensagem para o veterinário cancelando o procedimento da eutanásia de Duquesa. Entro no Mercado Livre atrás de remédio mais barato, e sinto que estou fazendo a coisa certa, mesmo abrindo mão de uma quantia razoável, que poderia a outas coisas ser destinada. Tem nada não, o que gastarei é muito mais barato do que o peso em minha consciência.

O que quero te ensinar com isso? Na margem, quando estiver vivendo processo de luto, ou de angústia, pelo que te ocorre, aprenda a ler os sinais da vida.
No deserto da navegação pela margem de eu viver, aprenda a ser compreender melhor, a se conhecer, a interpretar os pequenos toques, e nada diretos, que a vida via te dando. Pois, você precisará tomar decisões, até para voltar a navegar pelo leito do rio de teu viver. Pois que ninguém é feliz andando só pela margem da vida. Por melhor que seja a tua margem, como as minhas são, elas não poderão devolver o sentido da vida a ti. Só você poderá fazer isso, pagando o preço pelas suas escolhas e decisões.

E estando pronto para voar novamente, abrindo as asas de si mesmo, despindo-se de todo medo, culpa e sentimentos ruins que em ti foram se fixando.

Ao retornar para o curso do rio de teu viver, veja que ao teu lado voa uma borboleta azul, aquela mesma que quando tu estava na margem insistia em lhe dizer que o que o amanhã será melhor, e que aquilo que vivia também passaria. Agradeça a ela. E aprenda com ela. 

Borboletas azuis quando estão pousadas nos troncos, não são azuis. Elas são marrons, da cor dos troncos. Fazem isso para sobreviver, criando um mimetismo com o ambiente. O tronco é a margem delas. Mas, quando saem para polinizar esperanças, abrindo as suas asas, um azul cintilante irrompe de seu interior, clareando os mais nublados dos dias teus. Quem tem uma na vida, tem bênção e graça, e em abundância.

E, geralmente elas são nossas margens. Aprenda a valorizar e a ser grato a quem de ti cuidou quando esteve sofrendo. E, um dia retribua, e cem por um. Devolvendo aos outros, quando for margem para eles, em dobro, o que a vida lhe deu, em forma de proteção, amor e respeito. “Tudo que tu quiser tentar é o mais importante. Amanhã o sol vai brilhar.” Mensagem de minha margem, que serve para tu, e em todos os momentos nos quais decidirá retornar ao centro do leito do rio de teu viver, voltando a ser o próprio protagonista de tua jornada.

Aprenda a ler os sinais do que a vida está querendo lhe falar. Algumas vezes, até gritando-lhe para que tome consciência e mude algo que está lhe fazendo infeliz.

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JG = João Gabriel, meu quarto filho, hoje com 8 anos.

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