Amigos são como saborosas sobremesas. (Autor Ricardo de Faria Barros)



Era pelas 7hr da manhã, o sol debuta com todo esplendor, depois de muitos dias de tempo fechado. Tempo bom para lavar roupa e botá-la para secar, pensei. Pensamentos de dono de casa. rsrs
A campainha toca, e é o Adalfran, o porteiro do prédio, com sua visita costumeira, antes de bater o ponto, às 8hrs.
Ele chega com uma pequena garrafa de café, que diz que a mulher faz e manda para ele. Mas, como tem restrições ao café, por uns prerrengues que teve no coração, ele me presenteia com parte dela, todas as manhãs, após tomar sua única xícara permitida.
O bom mesmo é escutar suas histórias, naqueles dez minutos que passa aqui em casa. Ele conta do cavalo que cria, e que é uma de suas razões de viver, o Paul. Conta do capacete que comprou para poder dirigir com maior segurança uma moto usada que comprou há dez dias. Conta que amealhou um frango caipira e que "vai fazer pra nós". Adalfran é meu amigo.
Ele é um típico pacato cidadão brasileiro. Trabalhador, afetuoso, ético e que valoriza o que tem.
Não tem como receber a visita dele e ficar do mesmo jeito. Ele, quando chega, traz consigo uma lufada de bem-estar que me deixa bem melhor do que me encontrou.

Acho que amigos são isso em nosso viver. São lufadas de bem-aventuranças, de bem-estar.

Falo para ele que levei umas duras de uma amiga, após ter dormido pelo efeito de álcool com anti-histamínicos , deixando-a falando sozinha no zap. Quem ama cuida e dá dura, quando necessário. Então, digo-lhe que estou no purgatório, em quarentena para com ela. Ele sorri solidário e escancaradamente.

Após sua saída, acesso as mensagens antigas do whats, já que ontem resolvi ficar mais em off, “pagando pedágio”.
Numa delas, a uma amiga pergunta se eu melhorei da faringite, e diz que se preocupa comigo. Senti-me tão bem ao ler esse post.
Outro, diz assim: "Oi Amigo. Sua ausência e espírito natalino estão fazendo falta. Se precisar de algo pode contar comigo".
Lembro do que falei, em palestra recente na Procuradoria Geral do Trabalho, aqui em Brasília-DF.
Na palestra, passei três tarefas para serem cumpridas até a virada do ano.

1. Mandar para seis amigos (as) vivos (as) uma mensagem dizendo o quanto ele (a) é importante, e o quanto é grato por ele (a) existir.
2. Fazer algo de bom ao outro, como uma doação, inclusive de disponibilidade para acolher sua história de vida. Talvez seja essa a doação mais rica, nos tempos atuais: tempo para o outro.
3. Perdoar alguém, ou a si mesmo, por algo que ocorreu em 2017.

Foi tão legal a forma pela qual eles aderiram às "tarefas para casa" que vou incorporá-las às minhas falas. Eu disse que as alças de um caixão são em número de seis. e que precisamos de seis pessoas por perto, de confiança, e com quem possamos contar, para nos levar aos sete palmos de terra, e o povo sorria preocupado.
O Procurador Geral, quando tomou a palavra, cumpriu logo a primeira tarefa. Declamando para os presentes os seus seis amigos (as), começando pelo seu fiel copeiro. E foi uma cena linda e inesperada.
Sábado, na casa de meu irmão, reuniram-se amigos das antigas, de quando ele chegou aqui em Brasília, em 1994.
Esse grupo reúne-se na casa do Guga e da minha cunhada, a Patrícia, desde que por aqui chegaram, para celebrarem juntos o natal. Meu irmão e cunhada têm o dom de cultivar amizades. Na casa do mano, ninguém é estranho.
Esse ano, fui convidado novamente para participar daquele momento de confraternização, já que não pertenço oficialmente ao grupo dos históricos. Mas, fui me achegando e hoje num perco mais as festas dos “Felas”.
Contemplando ao longe, o burburinho de amizade entre eles, testemunhei o quanto de amor existe ali. E dos bons.
E que após vinte anos, ainda produzem instantes mágicos, como se fora a primeira vez, e com o mesmo vigor.
E, são justamente os instantes mágicos aquilo que nossos amigos (as) nos proporcionam. Amigos são as enzimas que catalisam os bons momentos de nosso viver.
É como se junto deles nos sentíssemos mais fortes, animados e alegres.
Todo mundo anda pensando nas metas para 2018. As minhas são simples: fazer mais amizades e ter mais tempo para fazer o que de fato gosto, ao pensar mais em mim.
Para isto vou me afiliar a grupos. Grupo de dança, de caminhada, de pedal, de contemplação, de oração, de passeios, de voluntariado, de estudos (fotografia, gastronomia)...
O quer que seja. Os grupos são lugares para cultivar boas amizades. Neles aprendemos que precisamos do outro. E que outro importa.

Corta a cena, pois Analice me pede uma ajuda, via whats, para lidar com o luto de um amigo, vítima de latrocínio.
Analice tem uma lanchonete no Detran de Campina Grande-PB. Ela foi menor-aprendiz do BB, entrando com 14 anos. Todos os colegas do setor a tinham como a mascote. Por dois anos, cuidamos da carreira daquela pirralha, que tinha a idade de meus filhos, e que já ralava tanto.
Ela está arrasada pela morte súbita dele. Floro, seu amigo, foi vítima de um latrocínio. Eles se chamavam, a ambos, de "Sobremesa".
Ela me diz que toda sexta feira, antes de ele ir para casa, passava na lanchonete, dava um abraço apertado nela e dizia que aquele abraço era tão bom como sobremesa, e que agora sim, ele poderia ir para casa feliz, para curtir um final de semana maravilhoso. 
Virou um ritual na vida dela. E a vida pede rituais. Eles tornaram-se sobremesa, um para o outro.

Mas, o abraço da semana passada foi o último que ela deu nele. No final de semana, ele foi assassinado.
Digo que ela, mesmo sofrendo, ainda é uma felizarda. Deixou partir um amigo que ama após um abraço caloroso. Não ficou com abraços pendentes, nem falta de perdão, nem falta de dizer a ele o quanto o considera. Ela me disse que sempre dizia a ele assim: "Tenha um bom final de semana, Sobremesa, e volte segunda pra me ver". Mas, numa das segundas de dezembro, ele não voltou.
Para tirar um pouco a Aninha do pesar, passamos a falar sobre o valor da amizade. E que amigos não morrem, ao deixarem em nós suas boas lembranças.
Aí, ela foi me contando das pessoas que faz da vida dela algo diferente, tanto na família, como no trabalho e vida social.
Disse-me que lidera um grupo chamado "Amigos de Pedro Serrão", a escola em que terminou o ensino médio, em 1992. E que anualmente eles vêm se reunindo. Uauuu!.
Contou de muitos funcionários do Detran que se tornaram grandes amigos: O Heleno, a Abigail, Dr. Ricardo e o Floro.  Para o Ricardo ela nutre e tem especial gratidão. Ele foi peça fundamental para encaminhar o filho dela a um tratamento especializado de saúde.

  Fala de sua ex-vizinha, a Maria Catraia, pela qual nutre uma amizade muito bonita. Aproveita e manda um texto que Catraia enviou para ela, vejam que lindo:
"Saudades linda, minha lindona. Você é minha amiga, minha irmã, tudo na minha vida. Quando passarem as festas quero ir dormir aí para conversar muito com você. Fica com Jesus minha linda, gosto da sua família. Beijus lindona, amanhã vc vai ter a surpresa do áudio ..".
Maria Catraia tem 70 anos, e durante uma fase em que eram vizinhas teve um severo processo depressivo, para o qual só contava com as visitas da Aninha. Aí, Aninha a arrastou para fazer academia com ela, e isso fez com que ficassem muito amigas, e ajudou muito a tirá-la do processo depressivo.
Alguns amigos, que se aproximam de nós na hora em que estamos mal, ficarão para o resto da vida sendo por nós reconhecidos e gratos pelo apoio que nos deram.
Falou ainda da amizade com suas funcionárias, a Vanda e a Edileuza. Que vão ganhar de PLR um dia de noiva, num salão de beleza. “Para o natal, ou ano novo, elas escolhem”.
Disse que sente saudade de sua irmã, que mora no Norte, a Dulcelene. Falou com tanto amor dela que pensei que irmãos podiam aprender a serem assim, com elas.

E, a cada fala, foi processando o luto do Floro.

Para terminar, falou da amizade com a pequena Samira. Essa é de encher os olhos de lágrimas.
Samira tem oito anos, e um dia acompanhava a mãe que tinha ido regularizar pendências no Detran. Aí, ao retornarem do guichê, passaram na calçada da lanchonete.
Samira sentiu o cheiro da cozinha da lanchonete, e pediu a mãe para ali entrar.
Com olhinhos babando e cheia de vitalidade, perguntou à Analice o que estava cheirando de tão bom. Era uma carne de sol que estava sendo refogada, e que inebriava todo mundo de prazer com seu aroma. Samira sabe das coisas.
Analice perguntou se ela queria. Ela disse que sim, e dessa forma:
"Tia, quero feijão, arroz, carne de sol, tomate e alface. Gosto muito de tomate".
A mãe acompanhava emocionada a cena, e disse que tinha gasto tudo no caixa, e que estava sem dinheiro, chamando a filha para ir embora.
Analice pediu que a menina ficasse, e que aquele pratinho de comida era um presente.
Aí Samira comeu como nunca, de estatelar os olhos. A mãe ficou impressionada, ela andava sem comer nada.
E Samira começou a puxar assunto a Aninha, até dizer-lhe assim: "Tá vendo meu cabelo, vai cair todinho, vou ficar carequinha. Tenho leucemia. Mas, mamãe vai comprar uma peruca bem bonita pra mim".
Aquela visita inesperada, e a forma como Analice acolheu aquela pessoinha tão lida, transformou o aquele lugar em templo. Hoje ainda são boas amigas, e quase todo dia a Samira posta áudio para Analice, ou arruma um jeito de convencer a mãe a ir almoçar com ela. Viraram companheiras na luta pela vida que a pequena Samira trava. Me diz que vai comprar presente de natal para a Samira, para visitá-la em casa.
Imagino quantas pessoas num já foram abençoadas pela Aninha, ao entrarem na sua lanchonete, para comerem um PF, ou tomarem um lanche, apressadas e preocupadas com as aflições da vida.

A essa altura do campeonato, Aninha parou de chorar de saudade de seu amigo, o Sobremesa, e começou a acolher a dor da perda.
Agora ela tinha outros amigos e amigas para cuidar, e não podia sucumbir à dor. E tantos outros que Deus ainda vai colocar no caminho dela, naquele Templo em que se tornou sua pequena lanchonete, chamada Manga Rosa, no Detran de Campina Grande-PB,
Este é o maior dom que amigos verdadeiros têm, uns para com os outros, o de tornarem a vida de ambos melhor, só com o relacionamento que cultivam entre si.
Amigos são necessários, esperados e saborosos como boas sobremesas. Nisso o Floro, que Deus o tenha, está certo!
E, todos temos nossas Mangas-Rosa, locais onde trabalhamos e que neles passamos boa parte do dia, no qual podemos fazer a diferença na vida das pessoas.
E, nunca deixe seu amigo falando sozinho, isto não se faz com quem cuida, admira e se preocupa contigo.

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