A tarde do sábado era de festa na Centro Cultural da CEF, em Brasília. Era o início da programação natalina, com mil atividades para a criançada, e até adultos, como o belíssimo grupo musical que se apresenta a cada 2 horas.
João Gabriel (8), meu quarto filho, estava ansioso para participar de tudo. E entramos numa das quilométricas filas, a do caminho suspenso e tirolesa.
A criançada ama aquilo lá, e acho que eu gostaria também, mas tem limite de idade. rsrs
Depois daquela aventura, fomos nos deliciar com o grupo musical, um sexteto que canta divinamente, e não tem como conter as lágrimas, a cada música executada, cada uma mais bela que a outra.
Perto das 17hrs, resolvemos partir. A missão seria levar o JG para comer um crepe que ele ama.
Mas, a chuva nos impediu.
Era chuva forte e com vento. E resolvemos ficar próximo da entrada, esperando que passasse.
Aí, notei uma cena que muito me entristeceu.
Todos que chegavam ao local, bem ensopados pela chuvarada, eram "vistoriados" pelos olhos inclementes do povo que ficava na recepção.
Então, entendi o objetivo daqueles olhares intimidadores (SIC!). Era o de barrar o acesso ao local comendo pipoca.
Pasmem!
Não meus amigos(as), o assoalho não era acarpetado, nem tinha um tapete felpudo. Era um piso de madeira, e dos já bem estragados. Piso de tráfego, não era de tablado. Também, não havia pipocas ofertadas no interior do local, que pudessem "concorrer" com as que vinham de fora.
Passei a observar as carinhas de decepção dos pais e das crianças, que chegando com pipocas tinham que comê-las apressadamente, todos encharcados, ou jogá-las no lixo, sob protesto da criançada.
Que regra burra e infeliz!
Naquela recepção, parte da magia do natal do local se esvanecia. E as crianças ficavam frustradas, por não entendem nossas leis, nem nossos rostos taciturnos, daqueles de poucos amigos, na missão de barrar prosaicas pipocas.
Alguns pais protestaram, ao que ouviam a célebre frase: "ordens são ordens".
Meu pequeno perguntou o porquê de não poder comer pipoca, não soube responder.
Gosto de pipoca, algodão doce e balões.
Duvido você achar isso em enterro.
Pipoca, algodão doce e balões combinam com a celebração da vida. E o que é o Natal senão isso?
A CEF gasta uma nota com o espaço e programação e alguém cria uma lei que desconhece a experiência do cliente. E determina, do alto de seu poder, qualquer que seja ele: "proibido entrar com pipocas!". Sem dúvida, para aquelas família barradas na entrada, o que pode ficar de registro é esse desconforto, perante seus pequenos. Uma pena!
Isso foi ontem, sábado. Hoje fui para a Feira do Padre, aqui em Sobradinho-DF, e de longe ouvi o som de berimbau e pandeiro. Pensei: oba, hoje tem apresentação de capoeira.
Liguei o GPS do ouvido e parti em busca dele.s Os encontrei se preparando para começarem, no acesso direito da Feira. Concentrados, faziam seus aquecimentos e ensaiavam.
Procurando local bom, para fazer os registros fotográficos, testemunhei mais uma cena do tipo: "ordens são ordens".
Um irado funcionário do local veio tomar satisfações com o grupo por terem tirado uma corrente, posta na rua de entrada do estacionamento. Essa corrente é colocada na madrugada, para liberar a área para os feirantes instalarem suas barracas. Após o que não faz mais sentido, não há como carros entrarem no local.
Mesmo assim, agora era uma corrente humana que fazia a roda e cantava, e que seria impossível um carro ali adentrar.
Mas, o funcionário da administração precisava mostrar que tinha poder, e exalava braveza. Não perguntou como, porque, onde ou com quem? Foi logo dizendo, "quem mandou tirar as correntes?". Isso tudo num espaço que desde a sua criação prevê apresentações culturais no seu interior. Ideia do Pe. Jonas, fundador da feira, visando integrar a comunidade pela arte, e que tem dado certo há 30 anos.
O povo da paz, que são os amantes da capoeira, argumentava mansamente que eles foram autorizados a fazerem o show ali, e que era o único espaço disponível que não prejudicava o acesso às barracas. O homem da ordem, todo espevitado, disse então algo assim: "Se autorizaram tudo bem, mas só até o horário, passou disso virei aqui botar as correntes.". Com as correntes não haveria área disponível para a roda da capoeira, lembro aos meus leitores.
Ou seja, o que ele fez foi usar o poder de uma ordem que tem e que não analisa as variáveis de contexto, para dizer cheio de razões: "Se atrasarem virei tirar vocês"!
Após dizer isto, saiu com peito inflado, batendo os pés no chão, como se estivesse numa missão militar. O salvador das correntes e os barradores de pipocas são pessoas que me dão asco.
Eles podem estar com a lei ao seu favor.
Mas, continuam me dando asco.
Eles e quem fez essas leis.
E, pela minha experiência com organizações, nem sempre há essa lei. Na maioria das vezes, é o poder que sobe à cabeça e a pessoa que o detém acaba por extrapolar uma orientação, moldando-a ao seu bel-prazer. Tornando-a mais radical do que o lei que a concebera.
Esse é o risco de todas as leis.
Nunca esqueci de um idoso, que aparentemente pela primeira vez embarcava de avião, saindo de Brasília para Recife.
A moça da companhia disse que ele precisa abrir a caixa de papelão que estava despachando. Para ela ver o que continha.
Ele falou que tava bem fechadinha, com barbante. Mas, ela disse que eram ordens. E abriu a caixa.
Para desgosto dele, que resmungou que a tinha lacrado tão bem.
No dia, eu estava despachando minha bagagem ao lado dele, e fiquei pensando: e se ele botasse aquilo tudo numa daquelas bolsas enormes, daquelas que fecham com um zíper, passaria? Sim, passaria, foi o que constatei. A implicação são com caixas de papelão, daquelas que os mais humildes usam. Se as coisas estiverem dentro de malas, ninguém te aborrecerá.
Então, pipocas, correntes e caixas de papelão são a expressão de uma cultura que despreza a experiência do cliente. De normas que ou não se atualizam, ou não são sopesadas diante de mudanças no contexto em que se aplicam.
Umas 20 famílias poderiam não ter visto a programação natalina, dependendo do estresse com o qual reagissem àquela norma. Uma centena de clientes de feira livre poderiam não ter apreciado um show lindo, e de grátis, por causa de uma corrente. E um cidadão brasileiro que paga um preço bem salgado pelo transporte aéreo, poderia ter tido o desprazer de ao receber seus pertences verificar que a caixa abriu na viagem e que tudo estava fora do lugar, ou faltando.
Mas, reclamar para quem? Ordens são ordens...
Pense nisso sempre que for criar uma regra. A tendência e que ela seja extrapolada, pelo uso indevido do poder, indo muito além do que queria regular. Então, para cada regra que venha a criar, deixe claro as não-regras, para diminuir o risco de que as pessoas possam entender que a regra de: "É proibido a emissão de gases poluentes nesse recinto", se dê também quanto ao expirar dos pulmões, pelas narinas, ou coisa fétida similar.
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