Cartas ao JG - Não existe o amanhã.


Hoje, após o almoço, dirigi-me ao Cemitério Campo da Esperança para despedir-me de um de meus funcionários da Ditec - a Márcia. No caminho, fui pensando na fatalidade da morte, que não poupa ninguém. Afinal, entre a descoberta de sua doença e o óbito foram 90 dias.No caminho parei no hospital Sta Luíza para pegar resultados de meus exame da coluna. Aguardando minha vez, recebo uma mensagem via uoptzape do amigo Niéliton Gomes.
Ele, com muito jeito, informa-me da morte de nosso amigo comum, oMarcio Landes Claussen, ocorrida no RJ, no hospital no qual ele recuperava-se de um infarte ocorrido no natal.
Pela manhã, no dia de hoje, ele teve outro e foi fatal.
Duas vivência de mortes, de pessoas amigas, e numa única tarde, foi muito para teu pai. Mas, estava estranhamente calmo, consolado e em paz. Saudoso, triste, mas em paz.
Márcia e Márcio.
Eu conhecia a história de vida de ambos, e sabia que eles desprenderam-se dos cabos - do porto da vida terrena, e agora singrariam com suas naus em busca dos mares do infinito, rumo à casa do bom Jesus. Após velar um pouco, fui caminhar por entre lápides no campo. Precisava de ar fresco. Estava com um peso no coração, um embrulho na alma, pronto a vomitar de lágrimas. e saí pra ninguém me ver assim.
Descobri umas árvores com bom sombreado, e bancos de ferro as circundando e fiquei ali por um bom tempo. Observava os pássaros, o vento mexendo com flores plásticas, dando-lhes vida. O local ainda estava deserto, era pelas 15hrs, e a maioria das entregas à terra, acontecem após as 17hrs.
Mas filho, não é sobre morte esse texto. É sobre vida.
Acho que todo mundo deveria escolher um dia pra visitar o cemitério. Caminhar por entre suas vielas, sentir o amor dos que na saudade continuam a se expressar aos seus queridos -mesmo em flores de plástico.
Pense nisso. Ninguém tem a vida inteira para depois de vivê-la decidir ser gente.
A morte espera na esquina.
Então, viva com intensidade seu tempo presente. Márcia (44) tinha na positividade e alegria para com a vida a sua marca.
Ela escreveu sua biografia com tintas dessa natureza. Durante o velório vários testemunhos foram proferidos nesse sentido.
Ela não morreu.
Já Márcio (68), mais parecia um adolescente de tantos projetos sociais que tocava ao mesmo tempo, e todos com um olhar amoroso: educação de adultos, bosque Luíza e Izabelle, Faculdade da Terra e tantos outros.
Então filho, se a morte espera na esquina, a vida acontece na calçada de tua casa.
Sê bom, justo e fraterno. Não se sinta nunca um "imorrível".
Não guarde tranqueiras emocionais em teu coração. Não deixe nunca alguém sem um abraço ou um perdão. Ou até uma palavra de esperança, de alegria.
Faça valer a pena a vida que tu vives. Cada minuto, cada desafio, cada realização.
Sê grato e conta sempre tuas bênçãos.
Diferencie-se pelo amor. Amor a você mesmo, aos outros e para com a vida. Não queria viver no lugar comum de pessoas que perderam o viço, o prazer de viver.
Não antecipe seu prazo de validade.
Nesse momento, cinco aux. de serviços gerais - humildes serviçais de jardim, oram pelo que seria seu futuro professor das letras.
Márcio devolveu-lhes, por um breve momento, a esperança de aprenderem a ler - já adultos, e os contagiou com a coragem de vencer esse desafio. O curso começaria esse mês.
Márcia, ensinou a todos o valor do trabalho em equipe e otimismo: "Gente, vamos animar isso aqui".
Márcio e Márcia... anjos de luz ente nós.
Encontre seu jeito de fazer a diferença na vida das pessoas, encontre o anjo de luz dentro de si e viva como se não houvesse o amanhã.
Curta tudo. Esteja presente. Veja o invisível, ouça o inaudível, toque o infinito.
E, quando estiver esmorecendo, visite o Campo da Esperança. Ali, veja o quanto tantos dariam tudo por mais uns dias de vida, expresso sentimento nas falas de seus amados.
Para uns, tempos extra para abraços amorosos, esperados há séculos. Para outros, perdões não dados e encardidos pelo desuso. Para alguns, dias de prazeres simples - sempre adiados.
Para os mais racionais, overdoses de manifestações de amor.
Quanto aos Márcios desse texto, não precisam pedir um tempo extra, pois já viviam uma vida plena de sentido. Para a qual, mais dias, ou menos dias, não alteraria em muita coisa. Seriam os mesmos alegres, sonhadores, amigos e cheios de tesão para com a vida que já foram.
Creio que temos que viver sem grandes dívidas emocionais, ou hipotecas relacionais a saldar. Viver tendo presente que nada se repetirá, nada.
Assim, que não se iluda tua existência ao te fazer perceber-se como matéria.
És espírito, e espíritos são luz, anjos de luz. Ajudam, acolhem, estimulam, animam, curam e fazem todos serem melhores ao passarem por suas vidas.
Assim deve ser com tua vida! O amanhã é um lugar que não existe.
Só existe o hoje, no qual pressentindo este texto, tu me enche de carinhos, coisa difícil quando você fica ligado nos filmes de games.

Sepulcros Caiados

Uma charge, uns tiros, e fere-se a esperança.

Hoje anoiteci solidário. Gosto de charges e de chargistas.
Mas, preocupa-me a explosão de separações que tenho visto pelas redes sociais, já não bastando as de cunho político no Brasil.
A humanidade acirra diferenças, produzindo guetos sociais.
Irmãos muçulmanos, perseguidos por atitudes extremas de outros que não cultuam fé alguma.
Quem ousaria sair às ruas de Paris usando uma burca, nessa noite de caça?
E, na selva, todos os bichos são percebidos como violentos.
Não há espaço para pet-shop.
Nenhuma grande religião do mundo prega esse tipo de "vingança".
Só extremistas, de todos os credos e ideologias, aceitam esses meios para justificar os fins.
E, acabam por destruir as chances de uma convivência pacífica entre culturas distintas.
Em todo mundo, barreiras xenofóbicas se erguem, com mais um pretexto para punir o estanho: "aquele que vem de longe roubar meu emprego".
No fundo, são iguais aos que combatem.
Gritam: Morte ao diferente. Morte ao diferente. Morte ao diferente.
Ódio e desejo de vingança, escuto em todos os portões da civilização contemporânea.
A turba grita por sangue, lei de talião, qual uma horda de sanguinários.
Precisamos de flores desafiando os horrores.
De simples flores de plástico que diferenciem sepulcros caiados, uns dos outros, lápides insossas em sua mesmice burocrática de uniformidade.

Precisamos de mais compaixão e menos ódio. Compaixão para com os que sofrem, justiça para com os que provocam.

Nada justifica a insanidade de tirar vidas em nome de uma pseudo-fé. A ética da vida prevalece.

Dependendo da leitura de qualquer manual sagrado pode-se embarcar em extremos.

Vejam por exemplo a Bíblia, no Novo Testamento, livro de Coríntios 14:33-35
"Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar".

Imagine se levássemos ao pé da letra, nossa igrejas seriam mudas.

A leitura de um versículo bíblico precisa ser feita sob o estatuto do amor, contextualizando o texto sociologicamente falando, e o amparado na história, economia e política da época.
Alguns, simplesmente, foram invencionices de um povo (poesias, fantasias, ficções, delírios, sonhos...)
Coisa plantada do homem, dentro do escrito sagrado.

Como separar o joio do trigo? Amando a Palavra, Lendo-a com olhos do amor,para relativizar cenas que não fazem mais sentido - contextualizando-as historicamente, e identificar a as que ainda hoje falam ao coração.

Pegar um versículo e sair bradando aos quatro ventos que Deus é contra aquilo, ou isto aqui, é o primeiro passo para o extremismo religioso - mãe de todas as segregações.  Calem as mulheres, escuto radicais do 14-33-35. Livros sagrados podem ser usados para prender ou libertar, em suas interpretações. Quanto a mim, prefiro os que libertam, os que falam de amor de Deus, e não da força do Diabo.

Não sou muçulmano, mas Alá não é um Deus de discórdia.

De discórdia são crentes de toda a natureza, de todas as religiões, quando só precisam de um versículo para calarem a voz de quem lhes faz qualquer tipo de crítica, ou se comporta de modo inadequado ao que espera. Empunham versículos como armas de fogo, ou amoladas facas, cravadas no peito de seu oponente de fé, ou de comportamento.

Neste caso, fecho com os ateus.

Em tempo: Também não gostei das charges com minha fé cristã; mas, aprendi que "Bem aventurados são os mansos de coração, eles verão a Deus."  Aprendi Dele. Então, viro a página e sigo firme na fé. Não gosto quando chutam a imagem de Maria, mas não persigo evangélicos por isso, sei que são extremistas, malucos da fé. Então viro a página e não crio muros para todos indistintamente, por causa de uns radicais. Sim, mulheres: dancem, louvem, cantem, preguem, profetizem, as igrejas são vossas, como nossas.

Os Sete Hábitos para a Infelicidade - Juízo de Valor

"Jamais me perdoarei por aquela decisão que tomei."
"Acho que o casamento de meu amigo é uma fantasia.".

Tem um hábito cruel que molda o curso das águas de nossos pensamentos em terrenos difíceis: o do julgamento.
Nele, o pior juiz somos nós mesmos.
É como se estivéssemos sempre na posição de julgar.
Colocando as emoções no tribunal. Julgamos o outro com severidade. Falta-nos compaixão, ao desenvolver esse hábito.
Todo mundo está em julgamento, e no juri perverso que criamos, ninguém recebe atenuantes, defesas favoráveis.
No hábito do tribunal emocional o mundo é repleto de mocinhos e vilões.
Não se concebe que um mocinho pode ser  vilão, vez por outra, ou um vilão pode ser mocinho.
As coisas, no tribunal das emoções, são vistas em termos binários 1 ou 0; 0 ou 1.
Severos demais, exigentes demais, perfeccionistas demais.
Todos que nos rodeiam, quando temos esse hábito muito extremo, estão nos devendo algo.
Estão precisando pagar-nos "dívidas" afetivas para serem aceitos.
Devendo-nos atenção, reconhecimento, amor, perdão, gentileza.
Ou sejo julgados pelos decretos do direito emocional da inveja, mágoa, rancor e desamor.

Uma outra forma de julgamento severo é para conosco mesmo.

Aquele concurso que não passamos, aquela relação sentimental que fracassou, aquela promoção que não veio, aquela decisão que tomamos e que nãos e revelou promissora. Abre-se as emoções ao buraco negro do passado, na sua força impressionante chamada de culpa. A culpa arrasta-nos para um lugar de não-ação, de pouca energia para virarmos as páginas. A culpa suga tudo ao redor, tal qual um buraco negro na física quântica.
Quando mergulhados no hábito do tribunal emocional, acabamos sendo o pior juiz de nós mesmos, e dos outros, minando nossa esperança e confiança em tempos melhores.
A aceitação de si mesmo é um passo concreto para alterar o curso do rio dos pensamentos,l que correm nesse padrão de comportamento infeliz.
É fácil julgar o passado com os olhos do presente.
Fácil e de profunda crueldade. Aceitar-se é fundamental para fechar janelas da alma. Ao nos aceitar, em nossas limitações, carências, medos, manias e imperfeições abrimos espaço para que a estima por nós mesmos cresça.
Consequentemente, passamos a desenvolver a atitude da compaixão, ou da misericórdia, ao nos ver, a todos, dentro do mesmo balaio de não-completude, de não-perfeição.
Ficamos mais humanos, compreensivos com as diferenças, flexíveis a outras vistas de um ponto, ou outros estilos de vida.
Sair da posição de juiz ou "advogado do diabo" nos conecta a uma energia maior, a da aceitação, do perdão e da resiliência. As pessoas têm direito ao erro, a não funcionarem exatamente como queremos, a não nos oferecerem o que estamos precisando.
E, não precisam ser julgadas com severidade por essas expectativas não atingidas, condenando-as à pior das penas emocionais: a indiferença.
Seja para com o outro, seja a mais grave, para com nossa própria vida.
Decrete um habeas-corpus para você mesmo e livre-se das prisões do juízo de valor.

Os Sete Hábitos da Infelicidade - Vivendo no Palco

"Não conseguir lidar com a falta de sucesso".  "Após o fracasso nas olimpíadas tive depressão" "Acho que todo mundo se preocupa muito com minha vida. Chego no trabalho e noto os olhares". "Preciso de agitação, as coisas andam muito paradas".

Esse é um hábito para a infelicidade que vem do atuar, nos diversos palcos da vida.
Muitos líderes sofrem disso e arruínam sua vida ao saírem do palco, de qualquer que seja o palco.
Fica-se refém de admiração, de estímulos, de aceitação e de se sentir notado. A infelicidade vem de não se repetir com a mesma intensidade vivências prazerosas passadas, ou a se cobrar sempre mais e mais e mais. em alta rotação emocional, ou intensidade, a vida vira um show contínuo, e fica-se a espera - após cada atuação, dos reconhecimentos e aplausos.
Escravo do sucesso, status e do personagem que criou para nele viver, habitando no palco.
O palco é pouco acostumado com vaias.
Com não se fazer notado. Com silêncios após o show.
O palco é lugar de vitórias, de brilho, de realização.
O problema é que não se vive no palco.
Na vida temos os vales, os momentos de frustração, de ostracismo, de não-luz e palmas. E até de esquecimento.
Quem se acostuma no palco, quando passa a viver nos bastidores, no escuro das coxias, ou até quando não é mais convidado a atuar, morre um pouco cada dia.
Uso o palco como uma metáfora.
Têm família-palco, na sua relação com os filhos, noras e genros. Tudo tem que girar em torno delas nelas. Tem empresas-palco na sua relação com os funcionários.
Têm igrejas-palco. Têm trabalhos-palco.
Têm até relacionamentos-palco.
No palco não há lugar para derrotas. Para limites e perdas.
No palco tem-se a falsa sensação de onipotência.
De que as cosias sempre darão certo, e fica-se embriagado com as sensações derivadas de estar sempre no limite, superando-se.
Viver no palco é viver sempre em alta-rotação. Não se descansa no palco.
Uma vida repleta de exposição, com carência de estímulos e reconhecimentos. Como se a vida estivesse sempre lhe devendo pedido os "pedido de bis".
Viver querendo ser notado, ou achar que é tão importante a ponto de quando chega no trabalho as pessoas pararem o que estão fazendo para notarem sua presença é uma fantasia de dominação, de poder.
A mesma pessoa que cria a fantasia, cria os sofreres pela sua não realização.
Quem vive no palco a alegria é sempre pela metade.
Sempre escuta a vozinha: "foi bom, mas poderia ter sido melhor". nunca contenta-se por inteiro e de forma plena com o que tem, afinal, o show da vida exige dele sempre mais.
Quer ser modelo para todos, vive de satisfações, e precisa de colo a  todo instante.
Adora encenar papéis mórbidos para com eles despertar aceitação, compaixão e cuidados.
Você liga para uma pessoa com esse curso de tristeza e ela debulha todos os problemas em você:
o filho que não ligou, o tempo que fechou, o vizinho que a observa, a grana que mingou, a saúde que esculhambou.
É o teatro da dor. Não que não exista. Apenas é superdimensionada, dramatizada ao extremo para receber migalhas de afetos. Depressões de origem palco são comuns em tempos narcisistas que vivemos, e de forte apelo material.
Cantores, padres, atletas, líderes corporativos... ninguém escapa do preço da fama. No primeiro espetáculo que não venda ingressos, ou que a plateia o vaie, o mundo cai. A casa cai.

Costumo dizer a tipos assim: saia do palco. Pare de querer representar algo que não é, só para poder ser aceito. Trabalhe essa necessidade de ser amado, estimado, adorado, trabalhe melhor essa vaidade do eu.

Alguém nem vai está aí pra você, e daí? Alguém vai lhe vaiar, e daí.

As pessoas têm direito a não gostarem de uma ou outra cena de teu viver.

Ninguém é unanimidade, alguém não gostará de seus almoços domingueiros, a vida pede outros palcos, cenas, peças, personagens, e que tal parar de se dar tanta importância?
Permitindo-se ser plateia, vez ou outra? Permitindo-se ser vagão, no lugar da locomotiva de seu lar? Permitindo-se comer da comida dos outros familiares, no lugar de sempre ser quem os recebe? Permitir-se admirar o outro, no lugar de cultuar sua própria admiração.
Que tal sair da posição de ser adorado, quase como um deus?
Da posição da perfeição, dos rígidos padrões de comportamentos, do não aceitar os erros e falhas cometidos, seja por você, seja pelos outros.
Que tal ser feliz no lugar que já chegou?
Tem gente que vive na provisoriedade. Sempre insatisfeito, sempre em dívida consigo mesmo, com a vida. Sempre, após o show da vida, no lugar de celebrá-lo, já pensando no próximo show, nos "fundamentos que precisa melhorar para a próxima partida".
Sofrem de rotação gravitacional do eu. Estão sempre em espera de admiração, e tudo gira em torno delas mesmas.
Para a felicidade plena faz-se necessário desaprender esse hábito de vida-palco.
E descer ao mundo dos mortais, desenvolver a humildade, sem ser subserviente.
Cultivar um estilo de vida mais simples, se tanto consumo, vaidade ou ostentação.
Permitir-se a pastel de feira, como falo.
Deixar de se ver como centro das atenções, saindo dos holofotes do palco do viver, e curtindo a plateia, os bastidores, ou as coxias. Romper as algemas do palco, feitas de orgulho e vaidade.
Deixar de ser escravo de um papel, personagem e única peça, por mais estímulos que lhe traga, abrindo-se à outras possibilidades de si mesmo, ainda pouco exploradas.

Dores de Amor



                      “Quando estou inverno, olho o sol nos olhos do meu filho
                                   beijo estrelas nos lábios da minha amada
                             aquece-me o sorriso de minha quase-filha
                            e brinco na preguiça da siamesa Ludmila
                                 Quando estou nublado, a lua batuca na minha janela
                         o vento bagunça na minha orelha
                            uma pipa voa sobre meus pensamentos
                                                     e nada percebo
                             se insisto em negar tantas primaveras"  Oswaldo Rosa

No último dia do ano, perto das 13hrs, dirigi-me a um hospital para fazer uma tomografia do pescoço.  Nada grave, apenas uma compreensão nos nervos das vértebras C4-C7 que estamos cuidando.
Cheguei ao subsolo do hospital, local dos exames do tipo, e ali estava um silêncio modorrento. Afinal, quem iria marcar exame para a tarde do último dia do ano?
Dirigi-me dois atendentes e os saudei com um sonoro Feliz Ano Novo.
Um deles, o que preenchia minha guia, olhou-me com um olhar de súplica, soltando um: “Feliz nada, a cada ano vai ficando pior.”
Perguntei-lhe: “Por que”?
Ele me falou que vivia uma relação a dois dificultosa e que estava sofrendo muito, com uma separação recente.
E que a pessoa que ele amava, além de ter se separado dele, ainda assim o “pisava e o maltratava” de todas as formas.
Logo, a outra recepcionista entrou no assunto, ela vivia a graça de refazer a vida com uma pessoa, que segundo ela tinha decidido amá-lo. E que ia sentido esse amor aumentar, um amor de companheirismo.
Olhei para trás e o local continuava vazio. Eu estava à uma hora do exame, logo os atendentes descobriram que sou psicólogo, e ficaram mais à vontade para falarem de suas vivências afetivas.
Juntou-se ao grupo outra atendente, a que preenchia papéis numa salinha ao lado, revelando seu sofrer. Naquela tarde ela precisava falar, estava a ponto de explodir de tristeza.
Sua amiga, ao ver sua expressão de dor, pediu-me para que eu adentrasse a antessala interna, aquela que somos preparados para exames radiológicos e que eu pudesse ouvi-la ali.
De pronto aceitei.
Senti uma solidariedade tremenda, quase uma compaixão.  Coisa mais linda.
Essa última vivia uma relação com um tipo sádico. Que tinha prazer em vê-la sofrer por ele e que ficava sempre na posição de que a errada era ela que gostava dele, e que “ele era daquele jeito mesmo”.
Falou-me que ele lhe disse “você não tem todos os requisitos da mulher que procuro”, e que por isso “estava confuso”.
Ele, o seu amado, havia destruído sua autoestima. Agora ela vivia tentando preencher o check-list de “mulher perfeita”, tentando recuperar a relação e agradá-lo.
Ela falava com pesar do quanto sofria por amá-lo e não se sentir valorizada, e que ele já tinha proposto por várias vezes o encerramento da relação: “não sou homem pra você...”.
Vivia um amor masoquista. Um amor doentio de co-depedência afetiva, mas que ela não conseguia livrar-se dele. O odiava, e passava semanas sem vê-lo.  Estava dependente do amor, mesmo que recebido em migalhas.
E, quando ele telefonava e propunha uma saída ela estava ali, “sempre disponível”.
Chega a hora do exame e despeço-me de meus “clientes”, não sem antes deixar uma palavra de esperança, ou estímulo, a cada um deles.
Volto pra casa pensativo, feliz por ter podido ajudar um pouco, contudo reflexivo.
No primeiro dia do ano, recebo um Zap Zap de minha irmã, dizendo que em 15 minutos ela fará 21 anos de casa, às 19hrs do dia 01/01. Achei significativa a lembrança e me emocionei.
O maridão dela entrou também no grupo e comentou:
“Então ela entra deslumbrante, linda... e o tempo, ora, o tempo não importa, quando corações estão desejosos por amar”.  Maravilhosa graça.
Vim para o trabalho, dois dias depois, pensando no amor e suas formas de expressão a dois.
O amor que machuca; o amor que renasce; o amor que vicia; o amor que persevera.
Cada uma de minhas vivências de final de ano falou-me dessas várias expressões de amor.
Falar de amor é falar de nós mesmos. Do sentimento mais primitivo, cantado, recitado, louvado, poetizado e dramatizados ao longo de séculos da existência humana.
Falar de amor é falar de nossa busca por uma referência no outro.
Não é fácil pra ninguém viver as crises de amor. Conselhos parecem distantes, cores borradas, sabores insossos e aromas ausentes. Tudo perde a graça.
Aqueles dois atendentes viviam esse luto, um estado enlutado da alma por amor. 
Um por sentir-se agredido pelo outro, após a separação. Pois, o outro não só saiu da cena amorosa, como periodicamente o provoca culpando-lhe pelo “não ter dado certo”. Ou, postando comentários e fotos com outras pessoas: “só pra me provocar”.
A outra sabe racionalmente que a canoa é furada, mas não consegue deixar de gostar dele – se libertar.  Além de sofrer, ainda se agride emocionalmente por ainda gostar dele, se culpando.
Você que me lê deve estar pensando: “E porque cargas d´água eles não partem para outra?”.
É fácil não, amigo (a).
Quem vive amores doentios aprisiona-se ao amado, acorrenta a alma. 
Adoece de co-dependência afetiva, pois acreditou naquela história de cara metade e, agora que ele (a) se foi, ficou sem face e identidade, afinal com 50% não consegue mais se completar.
Você deve estar curioso para saber o que falei para eles, vamos lá:
a.    Cara metade nunca mais!  Esse negócio de se anular em 50% para que o outro possa colar na nossa existência, qual uma amálgama com ligas de metais, é uma tremenda de uma fria. Por que não trocar a cara metade pela cara inteira?  Ele chega com o amor inteiro, você idem. Cada um será inteiro e pleno perante o outro.  Isto não significa que os inteiros não se ajustem, acoplem e acomodem-se ao outro, gerando dois – mesmo que em um. Isto é possível ao se praticar, diariamente, a amorosidade, o perdão, a renúncia, a admiração, a empatia, a flexibilidade e a tolerância – todos de forma recíproca.
b.    Quem muito se abaixa mostra os fundos.  A atitude de “gravitar” sua vida em torno dele (a) é um passo para o inferno. Esse negócio de idolatrar o amado, de fazer todos seus gostos, vontades, de ficar numa ansiedade danada para atingir as expectativas dele, causa um nefasto efeito colateral – a perda da identidade.  A pessoa perde-se de si mesma, de sua estima. Nos casos mais graves, fica-se excessivamente dependente do amado, e a pessoa anula a sua autonomia, liberdade e existência.  Vira um escravo (a) do amor que precisa expressar pra ele; esquecendo-se que também precisa receber amor.  Acostuma-se com a subserviência. Deixa-se de por si só encontrar motivos para ser feliz, além de satisfazer o amado, de fazê-lo feliz. Fazer o amado feliz é bacana, é uma das características de relações afetivas duradouras. Mas, não se pode  esquecer  de também fazer a si mesmo feliz, a nutrir uma certa autonomia na relação – e até a fazer coisas de que gosta – ou já gostou, sozinho(a), sem com isso sentir que está traindo o amado(a).
c.    “Espelho, espelho meu...”.  Quando estamos frágeis, emocionalmente falando, perdemos nossa imagem no espelho. Nossa autoestima vai caindo, caindo, tal qual saldo bancário de trabalhador, após o pagamento.  A tentação é buscar na imagem do outro a salvação para a nossa, a decaída. Buscar no outro nossa autoestima perdida. Tal qual aquele filme Em Busca da Arca Perdida, tem gente com muito lixo na mente e que tem medo de ficar sozinho (a) e explodir. Precisa de uma desintoxicação emocional. O outro não é culpado. O outro é o outro. O outro não é culpado ao ligar pra você, após um monte de frieza, e você correr para ele balançando o rabo. O outro não e culpado, após o fim de um relacionamento contigo, em postar fotos de novos romances e você sentir-se agredido (a).  Você é que precisa mudar. E deixar de ser vilão de si mesmo (a). Mais que excluí-lo de seu Facebook, exclua-o definitivamente de sua vida. Feche essa página. 
Troque seu celular, e-mail, para não correr o risco de ceder aos convites do tirano-amoroso que lhe domina. Avise no trabalho pra não transferir ligação dele. E, quando se sentir forte, diga-lhe: “não me procure mais”.

Simples?  Nada simples. As coisas do coração não são nada simples. Exigem paciência e joelhos dobrados no chão, e em prece.
Mas, a maioria delas poderia ser vivenciada de forma diferente, ao nos darmos mais valor.
Se aprendêssemos a ficar bem sozinhos, a nos levar para passear, a sermos caras-inteiras: inteiros, intensos e plenos, para conosco mesmos.
O problema é que nos perdemos de amor dentro do outro e, quando precisamos reagir, já estamos atolados na lama, sem mais identidade alguma que não seja a do amado (a) – moldada em nossos viver. 
A diferença entre o amor que liberta, e aquele que aprisiona, chama-se gostar de você.  

Termino com parte da poesia introdutória, útil ao tema trabalhado:
“Quando estou nublado, a lua batuca na minha janela
o vento bagunça na minha orelha
uma pipa voa sobre meus pensamentos
e nada percebo
se insisto em negar tantas primaveras”

Há primaveras dentro de você, prontas a germinarem sementes de resistência.
Elas anseiam pelo momento em que abrirás as janelas de teu coração, deixando por elas adentrar lufadas de esperança e o sol de novos amanheceres, restaurando a coragem em bem sobreviver, mesmo que sozinho(a). 

Os Setes Hábitos para a Infelicidade - Lentes Emocionais


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Nota: As boas lentes, numa máquina de fotografar, ao serem giradas cumprem o importante papel de ajustar o foco: seja para melhor captar objetos de perto; seja para aproximar os ao longe, seja para colocar o plano da foto naquele de nossa visão (50mm).
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"O chefe sempre pede os piores serviços para mim, e quando o pessoal não entrega o trabalho a tempo. Acabo sendo convocado para apagar o incêndio. Acho que ele me persegue".
"Vou fazer uma limpeza no meu Face, cansei de aniversariar e poucos me saudarem. Só vou ficar com quem gosta de mim".
Nos diálogos acima existem fortes evidências de que a lente emocional está precisando de um melhor ajuste, para uma possibilitar uma outra compreensão da situação.
Nossa psiquê funciona como uma máquina fotográfica. quem gosta de fotografia usa três variáveis para trabalhar uma foto: a velocidade do diafragma, a abertura da lente e o foco. Dessas três, gostaria de fazer uma analogia com o foco.
Tem fotos que ficam desfocadas. Tem fotos que apensar de focadas, com um zoom muito forte, perdem o contexto, a paisagem. Aproxima muito. Outras, com um zoom muito distante, acaba traduzindo a realidade a simples pontinhos longínquos. minúsculo e tudo vira um pontinho na tela, contudo tem-se a noção do espaço.
Utilizar uma ou outra técnica é uma questão de aprendizado. uma questão de entender qual o motivo que se quer destacar e como trabalhá-lo da melhor forma.
Assim é com a vida. Têm coisas que para vivê-las precisamos regular o foco. Sofrer de lentes desfocadas emocionais é um mal do século. Sensíveis demais, carentes demais, exigentes do outro - e de nós mesmos, demais. Tudo fica ampliado. Ou, tudo é visto de muito longe, quando precisa ser visto de perto. Ou de perto, quando precisa-se mesmo é ver de longe.
Fica-se precisando de uma visita a um oftalmologista de almas. Ao sofrer com a miopia de realidade ou a vista cansada da indiferença.
Um dos bons oftamologista de almas é o autoconhecimento, um outro é do domínio da espiritualidade.
Visitá-los é urgente para não perder os bons momentos da vida ao percebê-los de forma errônea, ou não percebê-los, ou destacar o que deve ser relevado, dado um desconto.
Ao se olhar a vida apenas pelas lentes da emoção.
Lentes desfocadas que distorcem a realidade para que ela caiba dentro dos meus pensamentos. Pessoas altamente emotivas, supersensíveis, sem nenhuma casca grossa, vão passar por momentos de infelicidade na vida. Viver exige alterar o foco de nossas lentes. Seja para melhor perceber uma situação; seja para ver de longe algo, transcendendo a nós mesmos; Seja para ver de perto algo, agindo localmente na solução de problemas.
Nos exemplos que abriram o texto, o da pessoa que reclama de que só recebe trabalho do tipo apaga-fogo, será que não pode ser também justamente o contrário? Ou seja, será que chefe confia tanto no seu funcionário, a ponto de no último instante, quando sente que a vaca está indo para o brejo, pedir-lhe ajuda? No caso do Facebook, será que quem não parabenizou, curtiu, comentou ou compartilhou; não gosta mesmo da pessoa? Será que não esqueceu, não entrou, não estava bem naquele dia, ou simplesmente estava sem rede ou micro?
São distorções emocionais que levam ao sofrer.
Tem gente que se habitou a procurar razões para se sentir diminuído. Lentes desfocadas. Acha que tudo é com ela, ou contra ela. Sofrem muito. Outro dia uma aluna-mãe me abordou sobre seus domingos à tarde. Sentia-se uma serviçal.
A mãe reclama que o filho leva os amigos para almoçar em casa nos domingos e fica uma pilha de louça para lavar. Passa a tarde resmungando, com lentes emocionais ampliadas dizendo-lhes que ela é uma "doméstica dos filhos".
Alterar o foco e olhar de longe ajudaria a essa mãe a perceber outras facetas: Quantos filhos passam domingos com seus pais? Quantos filhos, além de passarem o domingo com seus pais, ainda sentem-se confortáveis para levarem os amigos? Quantos amigos vão iriam querer almoçar na casa de seu filho, se ali não se sentissem bem, mesmo que convidados? Quanta louça pode ficar acumulada para a segunda?
Quantas técnicas poderão ser usadas, e com amorosidade, para que todos se sintam envolvidos também com a arrumação?
Mas, quem sofre de lentes desfocadas acostuma-se com elas. Uma pena. Fica com vida cansada, no lugar de vista cansada. Com miopia afetiva, no lugar de miopia ótica. E, com cataratas emocionais, no lugar da quelas nas retinas.
Precisa consultar seu oftalmologista de alma interior - sua consciência, para se ajudar. E, parar de olhar com lupa para sua vida, procurando nela razões para ser infeliz. Preparar sua câmera fotográfica para focar nas cenas boas, no lado bom da vida, nas coisas boas que todos os dias acontecem, mas que nossos olhos opacos pela indiferença já não as veem mais.
Para a boa saúde oftálmica interior têm coisas que precisarão ter o foco emocional ajustado para vê-las de longe, dentro de um contexto, de uma conjuntura, de um quadro referencial maior. Naquela hora que dizemos: "não é só comigo".
Outras precisam ser vistas de perto. Ser quase que admiradas, contempladas, percebidas em toda sua riqueza e completude. As boas coisas que nos acontecem estão nessa categoria, pena que a indiferença vai nos cegando.Pessoas que moram de frente à praia e não mais a vê, por exemplo. Ou que têm uma família linda, mas só aprendeu a cobrar dela, ou ver o que nela falta para ser perfeita.
Por último, seguindo uma analogia comas opções de ajuste do foco: perto; longe e normal, algumas precisam ser vistas com normalidade. Paciência, aconteceu, o celular caiu na privada. Quebrou, paciência. O carro levou um amassado no estacionamento, paciência. São coisas que foram ficando normais, caso eventualmente acontecem. O que não nos diz que não ficamos irados, mas a ira precisa passar logo.
Dos três ajustes de foco, o mais grave, ainda não citado nesse texto, é o do "não ajuste". O das lentes das lentes desfocadas.
Esse é o da alienação. Do distanciamento e apatia de si mesmo, dos outros e da vida. Tudo é visto borrado, distorcido, ampliado ou diminuído. Não é focado, como nos casos anteriores. é desfocado por uma emoção fora de lugar.
A pessoa sofre de uma aberração emocional oftálmica, sempre vendo a realidade de forma incompleta, distorcida, borrada, com excesso de fantasia ou de realismo trágico. Vive-se num teatro dramático no qual tudo vai pro palco de forma embaralhado, sem foco algum.
Viver bem é a arte de ajustar as lentes emocionais.

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