Dores de Amor



                      “Quando estou inverno, olho o sol nos olhos do meu filho
                                   beijo estrelas nos lábios da minha amada
                             aquece-me o sorriso de minha quase-filha
                            e brinco na preguiça da siamesa Ludmila
                                 Quando estou nublado, a lua batuca na minha janela
                         o vento bagunça na minha orelha
                            uma pipa voa sobre meus pensamentos
                                                     e nada percebo
                             se insisto em negar tantas primaveras"  Oswaldo Rosa

No último dia do ano, perto das 13hrs, dirigi-me a um hospital para fazer uma tomografia do pescoço.  Nada grave, apenas uma compreensão nos nervos das vértebras C4-C7 que estamos cuidando.
Cheguei ao subsolo do hospital, local dos exames do tipo, e ali estava um silêncio modorrento. Afinal, quem iria marcar exame para a tarde do último dia do ano?
Dirigi-me dois atendentes e os saudei com um sonoro Feliz Ano Novo.
Um deles, o que preenchia minha guia, olhou-me com um olhar de súplica, soltando um: “Feliz nada, a cada ano vai ficando pior.”
Perguntei-lhe: “Por que”?
Ele me falou que vivia uma relação a dois dificultosa e que estava sofrendo muito, com uma separação recente.
E que a pessoa que ele amava, além de ter se separado dele, ainda assim o “pisava e o maltratava” de todas as formas.
Logo, a outra recepcionista entrou no assunto, ela vivia a graça de refazer a vida com uma pessoa, que segundo ela tinha decidido amá-lo. E que ia sentido esse amor aumentar, um amor de companheirismo.
Olhei para trás e o local continuava vazio. Eu estava à uma hora do exame, logo os atendentes descobriram que sou psicólogo, e ficaram mais à vontade para falarem de suas vivências afetivas.
Juntou-se ao grupo outra atendente, a que preenchia papéis numa salinha ao lado, revelando seu sofrer. Naquela tarde ela precisava falar, estava a ponto de explodir de tristeza.
Sua amiga, ao ver sua expressão de dor, pediu-me para que eu adentrasse a antessala interna, aquela que somos preparados para exames radiológicos e que eu pudesse ouvi-la ali.
De pronto aceitei.
Senti uma solidariedade tremenda, quase uma compaixão.  Coisa mais linda.
Essa última vivia uma relação com um tipo sádico. Que tinha prazer em vê-la sofrer por ele e que ficava sempre na posição de que a errada era ela que gostava dele, e que “ele era daquele jeito mesmo”.
Falou-me que ele lhe disse “você não tem todos os requisitos da mulher que procuro”, e que por isso “estava confuso”.
Ele, o seu amado, havia destruído sua autoestima. Agora ela vivia tentando preencher o check-list de “mulher perfeita”, tentando recuperar a relação e agradá-lo.
Ela falava com pesar do quanto sofria por amá-lo e não se sentir valorizada, e que ele já tinha proposto por várias vezes o encerramento da relação: “não sou homem pra você...”.
Vivia um amor masoquista. Um amor doentio de co-depedência afetiva, mas que ela não conseguia livrar-se dele. O odiava, e passava semanas sem vê-lo.  Estava dependente do amor, mesmo que recebido em migalhas.
E, quando ele telefonava e propunha uma saída ela estava ali, “sempre disponível”.
Chega a hora do exame e despeço-me de meus “clientes”, não sem antes deixar uma palavra de esperança, ou estímulo, a cada um deles.
Volto pra casa pensativo, feliz por ter podido ajudar um pouco, contudo reflexivo.
No primeiro dia do ano, recebo um Zap Zap de minha irmã, dizendo que em 15 minutos ela fará 21 anos de casa, às 19hrs do dia 01/01. Achei significativa a lembrança e me emocionei.
O maridão dela entrou também no grupo e comentou:
“Então ela entra deslumbrante, linda... e o tempo, ora, o tempo não importa, quando corações estão desejosos por amar”.  Maravilhosa graça.
Vim para o trabalho, dois dias depois, pensando no amor e suas formas de expressão a dois.
O amor que machuca; o amor que renasce; o amor que vicia; o amor que persevera.
Cada uma de minhas vivências de final de ano falou-me dessas várias expressões de amor.
Falar de amor é falar de nós mesmos. Do sentimento mais primitivo, cantado, recitado, louvado, poetizado e dramatizados ao longo de séculos da existência humana.
Falar de amor é falar de nossa busca por uma referência no outro.
Não é fácil pra ninguém viver as crises de amor. Conselhos parecem distantes, cores borradas, sabores insossos e aromas ausentes. Tudo perde a graça.
Aqueles dois atendentes viviam esse luto, um estado enlutado da alma por amor. 
Um por sentir-se agredido pelo outro, após a separação. Pois, o outro não só saiu da cena amorosa, como periodicamente o provoca culpando-lhe pelo “não ter dado certo”. Ou, postando comentários e fotos com outras pessoas: “só pra me provocar”.
A outra sabe racionalmente que a canoa é furada, mas não consegue deixar de gostar dele – se libertar.  Além de sofrer, ainda se agride emocionalmente por ainda gostar dele, se culpando.
Você que me lê deve estar pensando: “E porque cargas d´água eles não partem para outra?”.
É fácil não, amigo (a).
Quem vive amores doentios aprisiona-se ao amado, acorrenta a alma. 
Adoece de co-dependência afetiva, pois acreditou naquela história de cara metade e, agora que ele (a) se foi, ficou sem face e identidade, afinal com 50% não consegue mais se completar.
Você deve estar curioso para saber o que falei para eles, vamos lá:
a.    Cara metade nunca mais!  Esse negócio de se anular em 50% para que o outro possa colar na nossa existência, qual uma amálgama com ligas de metais, é uma tremenda de uma fria. Por que não trocar a cara metade pela cara inteira?  Ele chega com o amor inteiro, você idem. Cada um será inteiro e pleno perante o outro.  Isto não significa que os inteiros não se ajustem, acoplem e acomodem-se ao outro, gerando dois – mesmo que em um. Isto é possível ao se praticar, diariamente, a amorosidade, o perdão, a renúncia, a admiração, a empatia, a flexibilidade e a tolerância – todos de forma recíproca.
b.    Quem muito se abaixa mostra os fundos.  A atitude de “gravitar” sua vida em torno dele (a) é um passo para o inferno. Esse negócio de idolatrar o amado, de fazer todos seus gostos, vontades, de ficar numa ansiedade danada para atingir as expectativas dele, causa um nefasto efeito colateral – a perda da identidade.  A pessoa perde-se de si mesma, de sua estima. Nos casos mais graves, fica-se excessivamente dependente do amado, e a pessoa anula a sua autonomia, liberdade e existência.  Vira um escravo (a) do amor que precisa expressar pra ele; esquecendo-se que também precisa receber amor.  Acostuma-se com a subserviência. Deixa-se de por si só encontrar motivos para ser feliz, além de satisfazer o amado, de fazê-lo feliz. Fazer o amado feliz é bacana, é uma das características de relações afetivas duradouras. Mas, não se pode  esquecer  de também fazer a si mesmo feliz, a nutrir uma certa autonomia na relação – e até a fazer coisas de que gosta – ou já gostou, sozinho(a), sem com isso sentir que está traindo o amado(a).
c.    “Espelho, espelho meu...”.  Quando estamos frágeis, emocionalmente falando, perdemos nossa imagem no espelho. Nossa autoestima vai caindo, caindo, tal qual saldo bancário de trabalhador, após o pagamento.  A tentação é buscar na imagem do outro a salvação para a nossa, a decaída. Buscar no outro nossa autoestima perdida. Tal qual aquele filme Em Busca da Arca Perdida, tem gente com muito lixo na mente e que tem medo de ficar sozinho (a) e explodir. Precisa de uma desintoxicação emocional. O outro não é culpado. O outro é o outro. O outro não é culpado ao ligar pra você, após um monte de frieza, e você correr para ele balançando o rabo. O outro não e culpado, após o fim de um relacionamento contigo, em postar fotos de novos romances e você sentir-se agredido (a).  Você é que precisa mudar. E deixar de ser vilão de si mesmo (a). Mais que excluí-lo de seu Facebook, exclua-o definitivamente de sua vida. Feche essa página. 
Troque seu celular, e-mail, para não correr o risco de ceder aos convites do tirano-amoroso que lhe domina. Avise no trabalho pra não transferir ligação dele. E, quando se sentir forte, diga-lhe: “não me procure mais”.

Simples?  Nada simples. As coisas do coração não são nada simples. Exigem paciência e joelhos dobrados no chão, e em prece.
Mas, a maioria delas poderia ser vivenciada de forma diferente, ao nos darmos mais valor.
Se aprendêssemos a ficar bem sozinhos, a nos levar para passear, a sermos caras-inteiras: inteiros, intensos e plenos, para conosco mesmos.
O problema é que nos perdemos de amor dentro do outro e, quando precisamos reagir, já estamos atolados na lama, sem mais identidade alguma que não seja a do amado (a) – moldada em nossos viver. 
A diferença entre o amor que liberta, e aquele que aprisiona, chama-se gostar de você.  

Termino com parte da poesia introdutória, útil ao tema trabalhado:
“Quando estou nublado, a lua batuca na minha janela
o vento bagunça na minha orelha
uma pipa voa sobre meus pensamentos
e nada percebo
se insisto em negar tantas primaveras”

Há primaveras dentro de você, prontas a germinarem sementes de resistência.
Elas anseiam pelo momento em que abrirás as janelas de teu coração, deixando por elas adentrar lufadas de esperança e o sol de novos amanheceres, restaurando a coragem em bem sobreviver, mesmo que sozinho(a). 

Um comentário:

  1. Muito bom meu amigo! Estava precisando ler algo assim hoje!
    Que bom que sempre existem "as primaveras dentro da gente, prontas pra germinarem..." . Que a esperança e a coragem sejam sempre maiores que as nossas dores!! Obrigada, meu amigo! Que Deus o abençoe!

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