Vidas e partidas, partidas da vida!






Meus vizinhos da direita chamam-se Aguinaldo, Marinalva e o pequeno Nicolas. Eles moram naquele barracão de madeira. Aguinaldo é pedreiro e está construindo aquela casa.
Conheci Aguinaldo quando desesperado com minha cerca, dos fundos de meu lote, que ameaçava tombar, buracão abaixo - uma cratera aberta entro me lote e o dos fundos, aberto por um insano vizinho.

Aguinaldo me ajudou construindo umas colunas, no meu lote, amarrando minha cerca nelas para melhor fixá-la. Evitando que tombasse vala abaixo. 

Num dos finais de tarde e boca da noite, na qual ele em casa trabalhar nas colunas, convidei-lhe para jantar conosco no Natal, junto com sua esposa e filho.

Ele topou.

Dia 24/12, aguardavam-lhes ansioso. Durante a tarde, fui umas três vezes na obra e não os vi. 

Será que eles tinham desistido, diante de tanta pobreza e simplicidade de suas vidas, talvez envergonhados?

A condição de extrema pobreza de um simples pedreiro e sua família é inconteste, pois nem lugar para ficar no DF eles têm, vieram do interior do Goiás, e para economizarem moram num barraco, na própria obra, na qual é um dos pedreiros. 

Eles são de uma pequena cidade perto de Pirenopólis-GO, que segundo os mesmos nem consta no mapa.

Perto das 21hrs eles chegam. Meu coração alegra-se.

Desconfiados, tímidos, tal qual gado que entra em brete de abatedouro eles vão se enturmando.

Aos poucos as crianças começam a se divertir, sempre elas as primeiras.

Entre uma cerveja e outra Aguinaldo e esposa contam sua vida.

Vida castigada, mas feliz, como a de tantos humildes brasileiros.

Aguinaldo diz que a construção civil foi um achado, num momento que a fazenda na qual era vaqueiro despediu funcionários, ao comprar máquinas, e ele foi um deles.

Veio trabalhar de auxiliar de pedreiro. E, como sua visão é das coisas do belo, do harmônico, logo foi se destacando na função de ajudante de acabamento, de ladrilhos e revestimentos para banheiro.

Aguinaldo daria um excelente fotógrafo. 

Com pouco tempo já era o pedreiro titular, desse rigoroso, caro e difícil serviço de uma obra: chamando, não sem razão, acabamento.

Quem já construiu sabe o quanto se sofre ao ver um piso, ou uma pastilha de vidro - cara pra chuchu, quando assentados, mal alinhados.

Aguinaldo me diz que é bom das vistas. Que olha e vê onde será o reto, e segue as vistas.
Fiquei com vergonha de ter dito, dias antes quando chegara enfezado do trabalho, que uma das colunas aparentava estar torta. Torto era eu.

Hoje fui olhá-la novamente, botei um prumo - objeto para aferir alinhamento verticais, e pimba!
Nunca vi algo mais perpendicular, mais reto, num ângulo de 90 graus com o solo. Perfeita.

Voltando à Ceia, agora bem mais à vontade Aguinaldo me falou que passa alguns meses nas obras, finalizando-as e volta para a roça.

Ali é que é feliz. Volta pra casa de familiares e eventualmente é chamado para amansar cavalos e bois, touros não.

Pergunto logo de cara porque touro não, ele diz: Touro não amansa é brabo por natureza.

Ahh, fiz cara de quem entendeu.

Ele me conta que é o melhor "amansador" de cavalos da região.

E sai contando causos e causos dos cavalos que amansou, tido como impossíveis por muitos vaqueiros experientes, e ele os adestrou.

Sua esposa vai reforçando, agregando mais detalhes às histórias, sabe o nome de todos eles e fala orgulhosa, homens são muito diretos em suas narrativas orais.
Ela se lembra de muita coisa, e ao contar, revela toda admiração por esse trabalho do seu marido - um amor de apreço (leia numa das crônicas do blog http://bodecomfarinha.blogspot.com.br/ sobre o Amor de Apreço, raríssimo aos casais nos tempos atuais).

Ele me diz que trabalha sozinho. Não gosta que ninguém fique olhando ele amansar os bichos. É só ele e eles.

Diz que um dia tava dando errado, e já passar amais de 15 dias, ele costuma amansar o bicho mais tinhoso - tirando os touros, em uma semana. Um recordista nessa arte.

Aí ele foi falar com o dono que não tava dando certo. Num é que o dono se entregou e disse-lhe, sem pensar: "É, eu tava vendo".

Ele então deu uma gargalhada e disse-lhe: " Se tu estava vendo, era por isso que não funcionava. Não pode. Manda energia ruim. Que no íntimo torce pelo bicho. Trabalho só."

Uma semana sozinho e o bicho brabo tava dócil que uma criança nele montava.

Perguntei-lhe como um trabalho tão bacana não tinha lugar numa fazenda? 

Ele me falou que os tratores e motos tomaram o lugar das éguas, jumentos, cavalos, bois de tração.

Fiquei pensando, esse rapaz só falta quem o veja.

Ele fala dos animas com tanto carinho, com tanto prazer, que imagino as cenas como as de um filme ou livro que li, chamado do Encantador de Cavalos.

Ele disse que não bate nos animais. Apenas usa uma corda e seu olhar. 

Fica olhando para o bicho, olhando, andando puxando-o bem devagarinho com a corda, para ele adquirir confiança.

Olha, olha, olha e um belo dia ele caminha sozinho e o animal o segue. Tal qual o cachorrinho doméstico.

Eu falei, mas isso é feitiçaria.

Ele e ela riram à vontade.

Riram de mim, de minha pouca sabedoria, isso é amor. Amor que se transmite no olhar, é telepatia entre animais que se reconhecem e se amam.

Ahh, que noite de natal linda.

Quanto ensinamento Aguinaldo e Marinalva me trouxeram.

Como seria bom se pais, educadores, gestores educassem pelo olhar, pelo caminhar puxando uma corda, ao seu lado - devagarinho, sem queimar etapas.

Acreditando que mais cedo ou mais tarde ele ficará dócil. Perderá o medo, a ansiedade, a força que quem teme tem de repelir a tudo que lhe poderá fazer crescer, refugiando-se na caverna do ser.

Perguntei quanto rende uma amansada de cavalo. Ele me falou que se for para cavalgar, para servir de monta é mais barato.  Meio salário mínimo, por 15 dias de serviço.

Mas, se for para as coisas da roça, para carroça, tração, ou arado, é mais caro, custa um salário e é um trabalho de um mês.

Fiquei mais uma vez pasmo. E perguntei-lhe o porquê da diferença. Ele me disse que nos segundo caso o animal precisa aprender a se esforçar, até a sofrer, à lida dura.
E, demora mais esse tipo de aprendizado.
Demora, mas aprende, então custará mais. 

Ca ca ca, agora fui eu que ri de tamanha sabedoria dele.

E não é mesmo. 

Um aprende para o lazer, para cavalgar.

Outro tem que aprender para o trabalho, e são muitas ordens que precisa assimilar e desempenhar. .
Tal qual nós humanos.

À minha frente não estava mais um pedreiro, um miserável da vida, não era mais Aguinaldo - o Pedreiro. Agora era Aguinaldo, o ser humano, o amigo. 

Estava um orgulhoso ser humano.
Neta, minha "empregada doméstica" tudo ouvia, reconhecendo-se na luta do casal. 
Ela, também é uma batalhadora da vida e do viver. 
Faz Enfermagem, numa faculdade particular, investindo todo seu salário no sonho de uma vida melhor. 

Sonho de vaqueiros de vidas partidas, de um dia partir de sua vida tão difícil,
para outra de melhor posição social.

Partidas da vida.

Neta, estava literalmente encantada com as histórias do casal. 

Com Aguinaldo contando seus casos e sorrindo aberto e despudoradamente.
Um sorriso de tão orgulhoso com tudo que fez, pela vida vaqueira e pedreira afora, com uma auto-estima tão boa, que nenhum momento botou as mãos na boca, para esconder a ausência dos dentes centrais.

Ele e ela estavam ali, plenos, completos, dignos, autênticos, íntegros, apesar de tão pobres.
Pobreza não é sinônimo de sujeira, burrice ou falta de caráter.
Pelo contrário, ali, à minha frente, um casal mais satisfeito com suas vidas, do que muitos em condições melhores.

Seu filho, o Nicolas, com um sorriso angelical, expressava todo o amor que recebe e sente de seus pais.

Que criança meiga! 

Imagino-a brincando com os tijolos e areia da construção. Dias depois dessa crônica, o meu filho a ele se juntou, entre tijolos, madeiras e fizeram a festa do brincar.

Essas pessoas só precisam de oportunidade, de uma fazenda qualquer que aproveite seu potencial de vaqueiros. Ou de uma construtora que pague decente e que invista neles.  

Contudo, pagam mal e os exploram.  Ele me relatou vários trabalhos sem receber, inclusive dos adestramentos. Relatou sem mágoa, vida que segue.

As pessoas para as quais prestou serviço as olham como miseráveis, invisíveis, como aquele casal que um deles não tem os dentes da frente.

Não param para contemplá-los em sua grandeza, ouvi-los em sua sabedoria, em quanto nos podem ensinar.

Encantar cavalos é uma arte, um dom, algo precioso e minha vida, na noite de natal, foi invadida por esse tesouro. Tem gente que ganha uma nota com isso. Gente que foi vista. 

Perguntei-lhe se ele como nunca caiu de um cavalo e monta bem não gostaria de participar de rodeios. Ele me disse que nem de rodeio nem vaquejada, tem pena dos bichos em rodeios, indomáveis, terem  em seu lombo alguém querendo ficar ali por mais tempo.
Só piora a situação arredia deles.
E, das vaquejada tem pena da derrubada pelo rabo dos animais, muitos dos quais perdem o rabo da força do tranco, ou até morrem, dias depois pelas consequências do baque que tomaram.

Que sabedoria!  

Que olhar para os animais divino! Ele conversa com eles, agora não tenho mais dúvida.

Andamos precisando de alguém que conversem conosco assim.
Sem olhar o que aparentamos, mas o que temos de melhor no interior e temos dificuldades de expressar.
Andamos precisando de amansadores: 
ser amansado, ser encantado, voltar a ter a docilidade que já tivemos.
A vida vai nos embrutecendo.
Precisamos de Aguinaldos em nosso viver, pessoas que com um olhar de ternura, de docilidade, digam-nos que nos amam. 
E quem não precisa de encantadores de almas em seu viver?
Quem não precisa domar o homem ruim que habita, juntamente ao bom, em todos os corações?
Quem não precisa se sentir útil novamente, ter seu potencial revelado, sair do estereótipo de "sem solução", "indomável", para o de amigo, amoroso, parceiro e de boa convivência, quem?

Precisamos de Aguinaldos.

De seres, pessoas que nos levem a sempre sermos melhores, melhores até do que achamos que poderemos ser.






Desapegue-se!


A cerca lá de casa estava pra cair, ribanceira abaixo.
O vizinho do lote de trás cavou muito, as divisas entre nossos lotes, e fez um abismo do lado dele.
De meu lote para o dele, formou-se um buraco de 4 metros.
A cerca que divida os lotes agora tinha como companhia, do lado direito, um abismo perigoso.
Perigando cair buraco adentro.
Preocupava-me o JG brincando perto dela.
Então, fui pedir ajuda a um pedreiro que trabalhava numa obra ao lado de minha casa para avaliar a situação.
Temia que a cerca despencasse, e o vizinho que fez o buraco entre nossos lotes lavou as mãos.

O pedreiro chegou em casa e pensou, pensou, elaborando sua análise.
Depois deu seu parecer com segurança: "Seu Ricardo, não bastará encher os buracos do pé da cerca com cimento, para melhor fixá-la. Será preciso fazer umas quatro colunas, para amarrar bem a cerca nela, fixando-a definitivamente."

Senti firmeza no veredito e empeleitei a obra.

Todos os dias, a partir das 17hrs, quando ele largava a obra vizinha vinha fazer as colunas, enquanto tinha luz do sol.

Um dia saindo para o trabalho, vi na construção ao lado roupas estendidas, uma senhora e uma criança.
Chegando do trabalho, perguntei a ele quem eram.
Ele me disse que era sua esposa e filho, o Nicolas.
Disse-lhe que podia traze-los para ficar na minha casa, enquanto trabalhava, e o seu filho brincar com o meu, enquanto ele tocava a obra das colunas.
E assim foi feito.

Ontem à noite os meninos brincavam como se fossem amigos de muito tempo. Crianças têm dessas coisas.
Dei a sua mãe uns brinquedos que o JG já não brinca: um velocípede, um carrinho de empurrar, uns bonecos.
Precisava ver a festa que o Nicolas fez.
Agora, festa mesmo, ele fez quando dei aquele estojo que vem um monte de canetas para pintar.
Achei um intacto, dos tantos que o JG tem, juntei umas folhas de papel e dei a sua mãe.
Ela olhava maravilhada para aquele estojo.
Pela sua carência, talvez fosse a primeira vez que visse tantos lápis, gizes de cera, texturas e pastéis para desenhar e pintar.

Aproveitei e os convidei para a Ceia de Natal dessa noite.

Aí foi a vez do pedreiro Marcos abrir um sorriso do tamanho do céu.
Com dentes faltantes, pele curtida pelo sol, a possibilidade de passar um Natal em melhores condições, do que num barraco de obra o encantou, a ele e sua família.

E a mim.

Disse-lhe que a ceia será meia noite, mas que ele chegasse às 21hrs para começarmos os trabalhos na churrasqueira.

Não temos ideia do que é pobreza.
Não temos ideia do quanto as coisas que para nós são mais simples de conseguir para eles são tão difíceis.
Ideia da alegria de uma família carente ao receber um brinquedo que não usamos e está largado num canto qualquer.
Ou ser convidada para dividir nossa mesa.
Tem servidores domésticos que nunca almoçaram ou jantaram com seus patrões.
Ou pior, que nem recebem seus direitos trabalhistas.

Tem pedreiros que tocaram uma obra inteira e nunca receberam de seus proprietários um único churrasco de reconhecimento.

Voltando à cerca, aquele casal será o "José, a Maria e o Menino Jesus" que visitarão meu lar nessa noite.

Eles sabiam o que era pobreza. E Ele nasceu numa estrebaria para nos ensinar que o mais importante no Natal é o amor.

Não são presentes, luzinhas, casa pintada, peru recheado.

Amor. Só amor.

"Eu vos dou um novo mandamento: Amai ao próximo como a si mesmo".

Então é Natal!

Num olhar a um menino, um encontro com Deus.







Observei-lhe durante um bom tempo. 
Sentado em sua cadeira de rodas, 
brincava sereno e feliz com o seu ioiô.
Seu tio, ao lado vendia queijos e galinhas.
Ele absorto em suas fantasias de brincante.
Feliz, apesar da condição de cadeirante...
Não vi uma ponta de reclamação, 
um choro ou um lamento.
Ele e sua resistência de um pequeno super herói.
Que dignidade infantil imensa naquele menino.
Orei ao Senhor dos Infinitos ao vê-lo.
Sua paz invadiu-me, consolou-me, aquele menino é um anjo.
Foi meu presente de natal.
Somos fortes e mais que vencedores.
Nada poderá nos aniquilar, nem a doença, nem a dor, nem a limitação física.
Somos maiores que o luto.
Somos belos e místicos.
Enganamos sofreres, 
anestesiamos dores, 
superamos horrores.
Como são plenos e sábios, também, aqueles que não o deixaram em casa e o trouxeram para ver a vida passar.
Para acompanhar as vendas, num dia de domingo, numa banca simples de feira livre.

Emocionado, chamei um vendedor de balões e disse-lhe: 
"Presenteei o garoto com um balão. 
Não diga que fui eu."

Eis que o garoto troca o Ioiô pelo balão, e continua embevecido olhando o horizonte, olhos meigos, 
de aceitação, 
de gratidão por viver.
Sonhando com a esperança, que deve estar dançando com o otimismo, e à sua frente.

Quantos por muito menos desanimam de viver?

QUANTOS...?

A Teia da Sustentabilidade Amorosa - O Apreço

No quarto e último texto da série A Sustentabilidade do Amor,
vou conversar contigo sobre o Apreço.
A Viga do Apreço.
Se você não leu os textos anteriores (o que eu recomendo) 
comparo a sustentabilidade do amor a uma teia,
como a da foto acima,
da qual dela projetam-se de forma radial
quatro linhas mais grossas,
quase como se fossem umas vigas.
A primeira viga amorosa é o Apego.
Depois tem a do AfetoAfago e o Apreço.

Nesse texto falarei sobre a viga do Apreço.

Voltando à caverna ancestral aonde um dia habitamos. O apego é a caverna; o afeto é o olhar juntos o crepitar das chamas; o afago é não deixar a fogueira morrer, indo buscar lenha para abastecê-la.

E o que seria o amor de apreço?

Qual o papel na sustentabilidade da teia amorosa que a viga do Apreço possui?

Vou te convidar a retornar pra caverna ancestral e ali refletirei sobre o apreço.

O apreço é a identificação com o que temos como valor. 

Os valores daquele povo nômade eram a caça, o fogo, a arte, as lutas pela sobrevivência.

O apreço dava a liga àquele povo, criava identidades e idiossincrasias.

Amor de Apreço é o mesmo de amor de ágape. Amor à humanidade, ao que nos faz irmãos e gente que comunga de valores parecidos.

Temos apreço por todo aquele que possui um repositório de valores compartilhados conosco, e que nos fazem sentido.

Na caverna, todo aquele que se dispunha a fazer o fogo da noite era objeto de apreço. 

Todo aquele que substituía o pintor ausente ou falecido, idem.

O apreço é a consideração e estima que temos por algo ou alguém. Você pode nunca ter visto uma pessoa, nunca ter convivido com ela, mas ao saber do que ela faz, e caso bata com seu mundo de valores, você nutrirá um apreço por ela.

Mesmo que não a conheça e que more em outro país.

Apreço tece redes, pontes entre seres humanos, que se sentem solidários entre si.

São cúmplices de gostares, quereres, prazeres. 

São irmãos universais.

Este é o amor de apreço.

Amor de compaixão, de fraternidade, de empatia para o genuinamente humano, em todos os cantos do planeta, tão parecido conosco.

Quando nos falta apreço começamos em embrutecer. A perder nosso senso de coletividade, de comunhão, de identidade planetária.

Uma pena que muitos perderam o apreço pela natureza.

Ou, pena maior, pelo o outro.

O apreço torna pequena qualquer distancia, não existe o longe para quem aprecia e compartilha dos mesmos ideais.

Apreço é valor. Em que botamos valor nas coisas que nos cerca.

O que valorizamos e por ela lutamos, e caso necessário, até morreremos.

Onde habita os tesouros de nosso coração, aí habita nossos apreços.

Pessoas para as quais nutrimos apreço temos com elas uma imediata identificação. Ela pertence à nossa tribo, muito mais que cultural, à nossa tribo existencial - que não tem haver com geografia ou segregação cultural.

Isso não é apreço. É egoismo, quando nos protegemos em nossa própria cultura para nos afastar das outras. 

O apreço é uma viga que nos relacionamentos estabelece as pontes de significado, uns com os outros.

Num casal quando falta apreço, sobra cobranças, mágoas recíprocas.
O outro deixa de ser apreciado, valorizado, admirado.
Na vida corporativa quando falta apreço, sobre insatisfação com o trabalho.

O apreço é o que nos faz caminhar juntos nas manhãs vindouras em busca de um outro mundo vindouro.

O apreço é o que nos faz amar o outro, só por ser de nossa mesma espécie, mesmo que o tenhamos como "diferente" de nós mesmos.

Assim sendo, o apreço elimina as diferenças, preconceitos de qualquer espécie, nos torna mais humildes e abertos ao outro.

Na hierarquia das necessidades de Maslow, no meu entender, o apreço é o último de grau na evolução do amor.

É o degrau do se sentir realizado consigo mesmo, auto-motivado e realizado. Pronto para diariamente fazer acontecer novas realidades - transformando-as por apreço, no lugar de ficar só reclamando da situação; ou na posição de vítima.

Seres que mudam-se a si mesmo, da forma pela qual reagem ao que lhes fazem infelizes.

Ou mudam ao que lhes incomodam e lhes entristecem.

Ou mudam-se para longe daquilo que os diminui, partem em busca de novas e desconhecidas possibilidades do ser.

Das vigas da teia da sustentabilidade do amor, quando a do apreço está corroída, enfraquecida, gasta, a relação entra no modo "piloto automático".

Há espaço para acúmulo de ódio, mágoas. 
Ressentimentos e resignações tomam o lugar do antes admiração e valor que atribuíamos ao outro.

Um dia cheguei para dar aulas e meus alunos não estavam na classe. Esperei até as 20hrs quando um deles chegou e disse-me que havia sido mudado a sala.

Caminhei com ele até a outra sala.

Ali, esperava-me todos em festa, comemorando meu aniversário.

Recebi uma overdose de apreço. Ele valorizaram o esforço em conduzi-los na jornada pedagógica e demostraram sua estima e consideração para com seu mestre.

Outro dia, reclamei que ao escrever meus textos as muriçocas me comiam vivo.

Uma amiga mandou uma mensagem: "Experimente um repelente."
Uma mensagem tão simples, nela continha todo o apreço a mim dedicado.
Senti que meus textos eram importantes para ela.
Havia identificações.
Que ela os apreciava a ponto de me fornecer uma dica, em empatia, de como diminuir o incômodo com esses chatos pernilongos.

A viga do apreço tem sobre ela uma mística. Ela, caso exista, consegue ir fortalecendo as do Afago e do Afeto. Fazendo-as que se expressem de formas mais eficazes. 
Ou seja, é como se ela tivesse em si as células-tronco  da amorosidade.

O apreço constrói relações, aplaina conflitos, alimenta gestos de afago.

Só temos afeto e afago por alguém para com o qual tenhamos apreço.

Assim, embora seja a última dos pilares, ao exigir um profundo autoconhecimento para quem o tem, o apreço e o apego são as bases de qualquer relacionamento sustentável.

Em qualquer nível e instituição de relacionamento.

Os demais, são plus, são bônus, crédito que só os mais loucos e apaixonados pela vida, por algo e pelo outro conseguirão descobrir e expressar: falo do afeto e do afago.

Se você ainda tem apreço, nem tudo está perdido. No mínimo, amigos serão.

Agora, quando o apreço se vai e ainda assim eternizam-se relações, a honra sofre, a dignidade idem.

Pessoas com crise de dignidade e honra, além da ética, dificilmente possuem apreço por alguém ou algo, nem pelos seus pares.

Para ter amor de apreço, de ágape, tem que amar a humanidade na sua comunhão coletiva de significados.

Tem que ter um olhar de bondade, de mansidão, de justiça e paz sobre todos os povos.

Apreço exige maturidade do ser. Exige uma postura sábia, integradora de valores comuns.

Apreço de valores é algo em extinção nos tempos em que tudo é valorado pelo o preço mercantil que apresenta.

Eu diria, que na teia da foto acima, o apreço age como um GPS interior orientando a construção e concertação da teias, junto a outras teias, criando harmonias e suscitando a aprende-essência da coletivivência.

Apreço são difíceis em tempos de narciscismo, de ganância, egoismo e individualismo sociais. 

Pois, apara apreciar algo, valorar alguém ou algo (não pense em coisas materiais e sim em causas universais, valores) temos que deixar o outro ou uma causa em nós fazer morada.
E, como se identificar com algo quem em nós não permitimos que habite?

Como apreciar um jardim no outro se em nós mesmos só existe terra árida, sem formosura e graça.

Um dias em nosso país os jovens foram às ruas, exigirem novos tempos na política.

Tive apreço por eles. 

Entendeu agora o que é apreço?

É compartilha dos mesmos ideais, sonhos, valores, sentir-se parte de algo maior, conectando à nave mãe Terra.

Ter apreço é encontrar pontos de convergências entre seres que se embelezam,ao se perceberem como incompletos - necessários que são dos outros para se edificarem e construírem como autônomos. 

A autonomia do ser, condição para o apreço, não é a compreensão que somos independentes na nossa caminhada existencial.

A autonomia que o apreço fornece é de outra grandeza. E, é justamente o contrário, é saber o quão belos e importantes ao nosso viver, são aqueles que conosco desfrutam de um mesmo universo de valores e filosofias de vida, fazendo que em cada um de nós surja um infinito, não particular como diz a canção, mas coletivo de outros eu. 

E, junto a eles nunca estaremos sozinhos, e enfrentaremos todas as ameaças.

Esse é o amor de apreço, de ágape, de afiliação e identificação com uma pessoa, causa, instituição ou valor.

Apreciemos o outro que habita em nós mesmo, e o quanto de nós habita neles.

Lembre-se a viga do Apreço é mística. Ao alimentá-la ela crescerá e fortalecerá, quase que num passe de mágica, o afago e afeto para com toda a humanidade, tornando o planeta sua caverna e o mundo sua tribo.

A Teia da Sustentabilidade Amorosa - O Afago

No terceiro texto da série, a Sustentabilidade do Amor,
vou conversar contigo sobre o Afago.
A Viga do Afago.
Se você não leu os textos anteriores (o que eu recomendo) comparo a sustentabilidade do amor a uma teia,
como a da foto acima,
da qual dela projetam-se de forma radial
quatro linhas mais grossas,
quase como se fossem umas vigas.
A primeira viga amorosa é o Apego.
Depois tem a do Afeto, Afago e o Apreço.
Nesse texto falarei sobre a viga do Afago.

Imagine que você seja um pré-histórico, um homo sapiens sapiens que busca com com sua tribo um lugar seguro para habitar, e protegerem-se das intempéries.
Um dia acham uma gruta, uma caverna, e nela passam a habitar.
Habitar na caverna é o amor de apego.
Mas, a caverna não é só habitação, segurança.
Têm horas que ali dentro você fica ao lado dos pares olhando a fogueira, contemplando as formas que a luz faz nas paredes, e até, em alguns momentos anima-se para pintá-las com cenas de seu dia a dia.
Olhar o fogo junto a quem se gosta, admirar a parede da caverna pintada por seres de sua tribo, é afeto.

E o que seria o amor de afago?
Qual o papel na sustentabilidade da teia amorosa que a viga do afago possui?

Vou te convidar a retornar pra caverna ancestral e ali refletirei sobre o afago.

Digamos que você está vendo o fogo com seus pares, faz frio e chove lá fora, a lenha está acabando. O crepitar das chamas vai esvaindo, apagando-se. 
Você, tomado de um súbito amor interior e doação comunitária, levanta-se e enfrenta o tempo frio para ir buscar a lenha, guardada num canto qualquer na área externa.

Recolhe um feixe e alimenta o fogo. Isso é afago.

Ou, ainda na caverna, percebe que o pintor não alcança as partes mais altas da parede para ali gravar sua arte. Então, sai em busca de pedras e constrói um tosco e funcional apoio para que ali ele possa subir e pintá-las.

Isso é afago. Afago é entrega, é a materialização da utopia de um nós que diz que se ama. 

Afago é a gravidez de afetos e apegos. É sentido, tocado, experenciado.

Afago é gesto. É a concretude do afeto.

Afago é um mimo, uma gratuidade de uma ação que ao fazê-la sabemos que o outro ficará melhor, gostará.

"Então, afago é quando sem pedir, ela coça minhas costas?"
É.

Afago é comportamento observável.  Supera a teoria do amor, de amantes que se dizem amados.
Para afagar alguém, ou algo, tem que "sujar as mãos". 
Tem que sair do lugar, investir energia emocional.
Em gestos concretos, mais que palavras.

Uma vez vi uma cena de um filme na qual uma jovem pedia uma declaração de amor.
Ela estava chateada com o amado. Aí ele pensou, pensou e disse:
"Hoje voltei a tomar meu remédio controlável que me faz mais sociável com as pessoas. Um remédio que o tenho por veneno e embora sempre recomendado nunca o tomei..."
Ela demorou um pouco a entender o afago que dele recebera, logo cedo, quando ele esforçou-se e abriu o pote de remédio ingerindo-o.
Ele queria ser melhor para ela, controlando sua doença mental. Isso é afago.  E dos bons.

Afago é procurar um vinil que ele ama e o presentear.
Afago é trazer uns chaveiros do lugar que visitou nas férias e presentear aos amigos do trabalho.
Afago é doação gratuita de nós mesmos para o outro. Demostração de carinho.
Afago é a viga mais difícil da teia do amor.
A menos sustentável.
A razão?
Somos educados para consumir, receber e não nos desapegarmos de nós mesmos, ou algo nosso, para doarmos.
Não somos educados para a partilha, para a entrega.
Somos para a apropriação, acúmulo e posse de tudo, mesmo que enferrujado e sem serventia num cômodo qualquer do armário de nosso ser.

No outro lado da dificuldade estamos sempre esperando receber mimos, afagos, gestos concretos de consideração.

Agora de nossa parte, também não os doamos. 

É um circulo nada virtuoso. Não recebemos afagos, doações genuínas do outro para conosco e não damos.

Já aprendemos isso na escola. Depois, na vida corporativa.

Afagar é parecer fraco e todos queremos ser fortes.

"Ele que nos dê algo, faço por ele muitas coisas todos dos dias e ele não me reconhece..."

Afago na vida do casal e saber do que o outro gosta e vez por outra surpreendê-lo com aquilo.

Afago na vida corrida de filhos ausentes pode ser ligar para os pais no meio do expediente perguntando como eles vão.

Ou, até remeter para eles, aquela foto antiga - na qual um dia posaram felizes, para que dela faça um quadro.

O afago é generoso e rompe com a cadeia de dominação e exploração capitalista.
Ele revoluciona acumulares.
Assume quem o dá a posição de reconhecer o outro, em sua singularidade.
Gerentes poderiam afagar mais seus funcionários.
Políticos aos cidadãos, sendo éticos, e etc.
instituições idem. Vamos nos acostumando a não receber nada, de forma livre e sem segundas intenções, que em troca também não damos.
Chegará um tempo que ao cruzar com um caminhante saudá-lo com um sonoro "bom dia", será um afago.

Tenho uma funcionária que sempre que eu estou nervoso, triste, angustiado com as coisas do dia a dia, ela chega por trás, pede licença e massageia minhas costas, perto do pescoço.

Isso é afago, e dos bons!

Há relações que têm entre si apego e afeto, mas rareiam em afagos. Em mimos, galanteios, gentilezas inesperadas para dizer o quanto o outros é bacana em nosso viver.

Eu sou um felizardo, mesmo que no mundo virtual, ali recebo um monte de afagos para continuar sendo quem sou, sendo minha essência.

Quando quero desistir, quando deprimo, sim deprimo com frequência - ou será angústia?, vem sempre um monte de afagos de onde menos espero.

Acho que os anjos se expressam pelos seres humanos quando eles fazem afagos, mimos, cortesias com o outro.

Quem já viveu uma cena com um anjo desses sabe.

Outro dia um gerente me disse que pagou a conta da senhora que estava á frenete dele no caixa de um supermercado, o cartão dela tava quebrado, ela era correntista de seu banco.
Ele pagou, disse-lhe que depositasse na sua conta. 
E ela lhe disse: "Você confia mesmo que eu vou depositar?"
Ele lhe disse: "lógico". 
Foram afagos múltiplos. 

No outro dia ela depositou.

Também precisamos abrir bem os olhos interiores, cegos pela catarata da indiferença, para enxergar afagos que recebemos todos os dias e podem estar passando desapercebido.

Entende de que falo?

É aquele cafezinho que tua diarista vem trazer enquanto tu digita esse texto.
É aquele amigo que te visitar sem o porquê mais expressivo.
É aquela feirante que te oferece um bago de jaca, das que vende. 
No meu entender, a viga do amor de afago ocupa o quarto degrau na hierarquia das necessidades de Maslow, o da Estima.

Receber afagos fortalece a estima. A auto imagem, o senso de pertencimento.
Aquela sensação boa de ser notado, de sentir que para alguém fazemos a diferença.

Doar afagos rejuvenesce para quem doa a autoestima, nutre a alma de pequenos prazeres, tão importantes ao crescimento do ser. 

Olhe bem ao seu redor e veja quem poderá afagar hoje.

Pode ser um email. Um telefonema. O envio de um pacote com um treco qualquer de tua posse que doará a quem te faz feliz; pois sabes que ele aprecia.

Faça uma comidinha para sua amada, não precisa ser caro e difícil, vale o gesto.

Convide pessoas sem clã, sem parentes na sua cidade, para cearem contigo. O natal é uma festa da comunhão, não ceei só.

Envie pelos Correios cartões postais a quem ama dizendo-lhes o quanto são importantes...

Há mil e uma formas de afagar, encontre a sua!

Não espere nada em troca, assim não será afago, será comércio.

Faça-o para fortalecer em ti a terceira viga do amor, a mais difícil, a da entrega e doação gratuita ao outro, 
só pelo prazer de vê-lo sorrir, amando-o despudoradamente.

A Teia da Sustentabilidade Amorosa - O Afeto



No segundo texto da série, a Sustentabilidade do Amor, vou conversar contigo sobre o Afeto. 
A Viga do Afeto. 
Se você não leu o texto anterior (que eu recomendo) comparo a sustentabilidade do amor a uma teia,
como a da foto acima,
da qual dela projetam-se de forma radial 
quatro linhas mais grossas,
quase como se fossem umas vigas. 

A primeira viga amorosa é o Apego.
Depois tem a do Afeto, Afago e o Apreço.

Nesse texto falarei sobre a viga do Afeto.

Afeto não se define. Afeto se sente por alguém ou algo. Imagine o amor de Apego que constrói a gruta para morar, que escolhe uma caverna para fazer a toca.  
Afeto é diferente de posse. Posse é apego.
O amor de afeto, acende uma fogueira e chama o outro para sentar juntos e apreciá-la. 
Entendeu?
Enquanto no primeiro somos movidos pelas coisas práticas, racionais e objetivas, do tipo: encontrar uma gruta para morar em segurança.
No segundo, nos invade a poesia. É o amor da estética, do belo.
De gostar de ver um filme juntos, de caminhar no parque.
Da cumplicidade e companhia do outro.
É o amor que se alegra ao vê-lo, tornando-se um em dois, sem perder o um. 
Entende? Agora foi mais difícil não é?
É que não acredito em caras metades. E sim em metades inteiras que juntas formam novas caras.
Quando dizemos que temos afeto por alguém, afeição, é o mesmo que dizer que torcemos por ele. Que cuidamos dele. Que podemos dormir despidos ao seu lado, sem temer ser seduzido, caso não queiramos e ela idem, é lógico!
Que podemos receber um toque dele, abraça-lo, deitar nosso mói de ossos cansados em seu colo.
Afeto é cuidado, é atenção, é generosidade gratuita em sentir.
Continuando com a analogia da Hierarquia das Necessidades Humanas de Maslow, quando ele refere-se aos fatores motivacionais, eu diria que a Viga do Afeto, na teia da sustentabilidade amorosa equivale ao terceiro degrau da pirâmide pedagogicamente proposta por aquele autor.
A Social. 
O afeto nos irmaniza na tribo. Cria comunhões. O afeto nos faz dançar juntos, orar juntos, ficar e comer juntos com quem estimamos.
Vá em qualquer festa popular e ali verá afeto aos montes. 
Sabemos rapidamente por quem não nutrimos, ainda, o afeto. Ele nos repele.
O afeto é aquele sentimento que te faz no meio da tarde mandar uma mensagem para o outro perguntando como ele vai. Ou, alegrando-se ao receber um email, telefone, abraço o que quer que seja do outro. 
O afeto preocupa-se em tornar-se e fazer-se presente, mesmo que seja por sinais de fumaça ou batendo
A viga do afeto é a do belo, do estético, da poesia, dos encantamentos.
O outro nos eleva, nos mobiliza a ver cores, sentir aromas e degustar sabores nunca pensados.
O afeto nos transcende a ser mais, no outro.
Chefes afetuosos acreditam no potencial de seus funcionários, mesmo quando esses não cumprem metas ou erram.
Pais afetuosos abraçam em abraços de séculos seus filhos, e quando faltarem os abraços, num simples olhar todo a eternidade de um coração afetuoso se derrama sobre o amado.
Casais afetuosos admiram as latejoulas (strass) que ainda restam naquilo que já foram. 
Não ficam idealizando o que poderiam vir-a-ser, ou se remoendo expectativas frustradas.
Não cultuam e sofrem com a imagem idealizada do outro. 
Amam o agora. Admiram-no no que é, completo e incompleto. 
Curte o que curtem, compartilham o que compartilham, comentam o que postam, em temos de amores de redes sociais.
Afeto é interesse.  É tanto quando algo dá errado com aquilo para com o qual temos afeto dizemos que fomos afetados. Afeto é sexualidade transcendental. /Para além das ginásticas eróticas, do sexo pelo sexo, e culto às formas milimetricamente talhadas para agradar ao outro.
Afeto é intimidade, eroticidade, entrega livre e sem falsas considerações ao outro.
Afeto é beleza, e das melhores, da interior. 
O afeto malha nosso ser, na Academia do Ser, para que ele venham a ter menos celulites interiores.
Afeto cicatriza dores, horrores, mal entendidos. O afeto liberta e cura.
Mesmo inimigos não conseguem reagir, defenderem-se, de um gesto de afeto verdadeiro, feito por deles em busca da reconciliação. 
Não temos como elaborar uma defesa racional ao afeto.
Somos condenados a sorvê-lo com volúpia em nosso ser, e isso nos faz melhores.
O afeto é energia, uma energia dinâmica que nos move.
Ou seja, aquilo no tira do lugar em que estamos. Nos mobiliza, causa em nós um sentir, uma empatia e solidariedade.
O afeto dado, ou percebido como recebido, é o que faz crescer a autoestima.
Ou, na mesma maneira, decrescê-la.
Somos seres de afeto, embora nossas escolas sociais nos ensinem a não doar carinhos.
A sermos rudes e auto-suficientes. uma pena! 
Vamos aprendendo a nos bastar sozinhos. A só querer receber, e afeto é relação, é troca.
Podemos ter afeto por grupos sociais dos quais fazemos parte e até por pessoas que não as conhecemos presencialmente. Afeto é um comungar de olhares sobre o mesmo amanhecer da vida, porém visto sempre com olhos diferentes - que longe de se distanciarem ou entrarem em conflito, se respeitam e se complementam.
A Viga do Afeto é a que nos faz ser quem nem nós sabemos que podemos ser, quando o outro, com o Toque de Midas, transforma nosso ser interior, duro tal ferro, em ouro que reluz e é precioso para quem o porta.
Nutrir afeto por alguém ou algo é um tesouro.  
Uma relação a dois afetuosa, mesmo que falte a viga do Apego, se mantém.
Pois, o afeto ilude a mesmice das coisas, a rotina de corações adormecidos, e instaura um tempo de delicadezas, de luz, prazeres, e sentimentos de completude e paz, para além das posses materiais e segurança que o costume do apego trazem.

O afeto eterniza o olhar, o gesto, a presença do outro, mesmo que ausente.
Na verdade o afeto é Eros. E Eros engana o Cronos da Razão. Eros do afeto subverte certezas sagradas e realidades ditas imutáveis.

Diria que o afeto é a primeira construção do coletivo humano, antes mesmo da linguagem, e que nos difere de seres irracionais, da brutalidade da luta pela sobrevivência diária. 
Afeto é uma pequena flor na penteadeira de um quarto de pensão de V categoria.
Afeto é o simbólico, o intangível, o místico e mágico que nos transforma em deuses.
Para encerrar, minha melhor definição de afeto foi a mensagem que li de um homem que amava escondido, a sua agora falecida. Ele a deixou registrada nos ladrilhos de um banheiro de cemitério. 
Escrita dentro de um coração, toscamente desenhando com um batom arranjando sabe onde, a mensagem dizia: "Pitchula, estive aqui para te ver, viu?"


(Próximo texto da série: O Amor de Afago.



  


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