Meu Sentir

Meu sentir não se conjuga com rimar.
Rima rica, pobre rima.
Letras encadeadas, em cadeias desprezíveis.
Buscando num canto qualquer,
a dor, a tormenta, a esperança, a fé
o romance e o medo.
Meu sentir não combina com rimar.
Meu sentir se engasga, eleva-se, enlaça-se,
e embriaga-se com o que se faz novo, sem ser novamente.
Meu sentir. Ah! meu sentir.
Meu sentir é torto, confuso, estapafúrdio,
eloquente e intenso...
Meu sentir não combina com a rima feita, sonora, bonita.
Com a métrica, matematicamente prevista, de letrinhas em carrossel de fonemas emaranhados.
Com palavras metodicamente formadas por sílabas
sem sabor: soltas, dispersas e de vazios míope.
Meu sentir errante e velejante é, às vezes, cambaleante de tanto insistir.
Meu sentir não combina com rimar.
Meu sentir é galo na madrugada.
É chuva em sonora orquestração.
É riso de criança.
Afago de mãe.
É ilusão, fantasia, abraço de desconhecido.
É sonho acordado, é o acordar dos sonhos.
Meu sentir não combina com rimar.
Com certezas. Velha certezas.
Com verdades e dogmas, ausentes de qualquer suspiro de dúvidas e tateações.
Meu sentir é arredio a tudo que o prende ou define.
Meu sentir é vela; é vento: "leve-me longe daqui".
Meu sentir é paz de um amanhecer.
É a malemolência de um entardecer.
É o ranger de uma rede dolente.
É o choro de um bebê saciado, querendo colo de mãe.
É a panela chiando na cozinha, uma vaga mugindo no terreiro.
Meu sentir não cabe no rimar.
Meu sentir respira, sorve, chora.
Meu sentir olha a vida como quem fita o novo, o belo, o encanto, o assombro...
Olha a vida para quem não haverá o daqui a pouco: triste sina de quem não guarda lembranças.
Assim, olha a vida com olhar de namorados que se despedem em ritos de amor.
Meu sentir é chão, é ar, é fogo.
É terra molhada, grávida de sementes benfazejas.
É perfume de mulher em noite do amado.
Meu sentir é curvilíneo.
Traiçoeiro.
Qual colcha de retalhos, trançada com
restos de eus, jogados ao leu.
Que em cada um carrega em si sua própria história.
Esse é o meu sentir. O resto é o rimar.
Rimas pobres. Rimas ricas.
Adjetivadas. Substantivadas.Calculadas.
Meu sentir é aracati suave. Vento que chega do mar para aliviar os corações atormentados pelo calor da saudade.
É aroma de açucena, floreados das juremas que esperanceiam o inverno desejoso.
É melodia ao longe sentida.
Meu sentir é um abraço de uma espera.
É o descompasso de um sentido.
É o norte das estrelas.
Meu sentir é limpar dos olhos da retina, com o orvalho da manhãs amorosas.
Meu sentir enfeitiça o sofrer, na peleja da vida dura.
Meu sentir não cabe em si.
Às vezes me assusta, embrutece-me, enrijece-me, entranha-me.
Dias depois surpreende-me, alegra-me.
Faceiro, brinca em minha alma, tal crianças em parquinhos.
Apruma, despruma.
Debulha letrinhas de sentimentos.
Refoga emoções num caldeirão imaginários de pessoas especiais.
Meu sentir não se pertence. Estranhamente deslocado.
Num mundo agoniado.
Meu sentir, tem vontade de partir.
Pra bem longe daqui.
Meu sentir agora rimado.
A ele destinado, o melhor do que morrer.
Meu sentir avança.
Alcança.
Vagueia.
Meu sentir agora é rimado.
Rima numa noite de delicadeza
Pra acalmar o teu coração.
Meu sentir te diz: vem amiga, vem irmão: contemplemos a singeleza, belezura, boniteza e inteireza dos que amam a imensidão.
Meu sentir é verbo...
Eu sinto, tu sentes, ele sente...
E, por sentirmos, cantamos nossa existência
em fonemas empareados, oitavas de claves musicais,
partituras de sonoras notas emocionais,
que compõe a mais profunda das melodias,
regida pelo maestro do infinito que é, toca o coração de quem por ela se deixa
conduzindo-a numa dança terna pelo palco da vida e do viver.

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