Luto


"Ricardim, a casa de sons vazios assusta.
Minha alma foi-se junto.
Tudo em mim é dor, culpa e sofrer.
Seu cheiro ainda sinto, até em meu ser.
Tudo em mim é dor, culpa e morte.
Reviram-me as entranhas. Esmaga meus ossos.
Sou objeto escárnio para mim mesmo.
Tudo perdeu a luz, as cores.
Definho e melhor seria que não existisse.
Os outros que ainda tenho?
Não consola. Não me venha com essa desgastada
proposta.
Não consigo mais vê-los, a dor cegou-me de mim mesmo e
De tudo que antes fazia sentido.
Que se danem os meus pensamentos de ajuda.
Já tenho meu próprio ser me acusando, e ele não escuta outros sons.
Não me venha com piedosas intenções, conselhos, considerações.
Tudo em mim morreu." Sr. Pedro 


Não virei a ti com piedosas intenções. Não trarei conselhos do além, do mistério, do divino.
Não farei considerações, darei exemplos, lerei fórmulas de luto-ajuda.
Apenas ficarei ao teu lado nessa noite escura e vazia de sentido.
Não te direi que não é culpado. Não acreditarias.
Não te direi que passa. Não acredite.
Não te direi que outros também viveram essa dor. Não me venha com essa.
Apenas ficarei ao teu lado nessa noite de dor.
Teu ser desfalece, grita, qual moribundo em vida peregrina tu caminha entre soluços e
saudades.
Tudo é tão difícil. Viver é um peso.
Eles não te compreendem.
Querem-te reagindo, dando a volta por cima.
Perdoa-lhes, eles não sabem o que te pedem.
Sei da tua dor.
Acolho-a em meu peito.
Choro contigo. Sem te dizer uma palavra de conforto sequer.
Não há palavra que conforte.
Escuto quem partiu nessa noite.
Ouço vozes. Vejo luzes.
Quero ficar ao teu lado e falar dele.
Falar o que ele me diz nessa noite de tormenta.
Faço contato.
Abraço-lhe!
Ele está em paz.
E sofre por ti.
Vê teu desespero. Sente contigo.
Ele espera por ti.
E, enquanto isso, pede que lhe honre.
Sobrevivendo mais um dia, um de cada vez.
Para, em seu nome, ajudar a outros que em vida estão mortos.
Num sopro do Criador ele te anima nessa noite.
Ele te afaga, te nina, te perdoa.
Ele deita em teu ser para te resgatar das profundezas do inferno onde se meteu.
Chora amigo.
Chora.
Poderia ter sido comigo, com qualquer um.
Quando ela chega, ansiosa por ceifar, não respeita dogmas, razões, crenças...
Do mais absurdo se faz morada, se nutre, e apronta.
“Oh morte, onde estás oh morte!
Qual a sua vitória?”
Não te trago piedosas intenções.
Trago um estar ao teu lado, calado, respeitoso, amoroso.
Trago-lhe um pouco de água, de esperança, de sementes.
Há sementes em teu ser, ainda.
Há sementes que anseiam por ti, na dureza do terreno em que se tornou, e que esperam
serem lançadas ainda.
Nunca mais serás o mesmo.
A lacuna, o vácuo que a presença da ausência te causou será eterno.
Não banque o forte.
Dói.
Não se apresse em querer compreender.
Não busque razões, justificativas, ou um destino caridoso.
Não há consolo na morte, na perda.
Não há!
Só posso te oferecer minha compaixão, e minha fé cambaleante.
Queria que ela fosse mais forte. Mas é a que tenho e que te posso dar.
Faço contato com o além.
E, de lá, escuto início...
Não há fim.
Há ciclos.
Perdoa as pessoas que te querem ajudar e não sabem como.
Não se perdoe ainda.
Perdão pede seu tempo certo.
Ainda não é o tempo do perdão.
É o da culpa, sofrimento e confusão.
Conviver consigo será um dilema diário. Com o espelho, com as recordações, e até com olhares de bichos em forma de homens que teimam em achar que os outros são merecedores de julgamentos.
Você já se deu o veredito.
O que fazer com ele, daqui em diante, é o que fará a diferença e honrará teu amado que partiu.
Se queres uma única razão para continuar vivendo, e não desistir, que seja por ele.
Ouço vozes que te diriam isso.
E se fosse tu no lugar dele, o que faria do alto?
O que diria a ele, que agora ficou sem ti?
Diria para ele morrer junto?
Ouço vozes que dizem: não!
Quem ama quer que o outro renasça, sobreviva.
Em você, em cada dia que consegue abrir e fechar em sua história, ele continuará existindo.
Ninguém que ama parte.
Fica em tudo. Fica impregnado em nosso ser.
Que posso te dizer?
Que posso fazer para diminuir teu prostrar?
Nada.
No caos do amor que parte não há nada a ser dito que conforte o amor que fica.
Nada.
Apenas, viva por ele. Honre seu nome e tudo que de bom viveram.
Assim o fará feliz.
Não queria apagar suas lembranças. Não atenda aos precipitados conselheiros de plantão que mandarão você fechar o quarto do amado. Esconder suas lembranças.
Não faça isso. Chore.
Choremos.
A dor é tua e de mais ninguém. Só você encontrará formas de conviver com ela.
Faço contato com a dor.
Ela pede misericórdia.
Ela pede empatia.
Ela pede resignação, silêncios de seres que se partem.
Almas partidas.
Durante muito tempo você vai se arrastar pela vida.
Digo-lhe, arraste-se!
Metro a metro, dia a dia, lágrima a lágrima.
Dias serão melhores, outros piores.
Recaídas serão comuns.
Datas e festas comemorativas terão gosto ácido, purgante.
É um cálice que precisará beber.
Na minha fé cambaleante, lembro um abraço que Jesus deu em seu amigo Lázaro,
Que após três dias de morto Ele o ressuscitou.
Abraçou, chorou e deixou que a mãe vida completasse a missão, libertando-o para a outra dimensão do ser. E Lázaro “morreu” novamente.
Liberte seu amado para outra dimensão.
Não o faça sofrer, vendo-lhe morto em vida.
Resista à vontade de querer partir junto.
Nos caminhos da vida ainda não é tua hora.
Quando for, ela chega, e aí você compreenderá melhor o que lhe aconteceu, no melhor dos encontros que terá.
Por hora, não te trago piedosas intenções.
Só meu ser ao teu lado, caminhando por essa noite fria, e chorando contigo mil lágrimas de solidão, remorso e dor.
Lágrimas que germinarão novas sementes de motivação e esperança que teimarão em nascer, apesar de toda aridez do terreno de seu ser, numa manhã orvalhada qualquer – fecundando em tua vida novamente com sons, cores, aromas e amores que já não faziam mais sentido.
Na dor, no luto, no sofrer, na culpa, no remorso, na tristeza e dificuldade de viver, ali encontra-se um Deus de amor que espera por séculos a fio uma chance de poder dividir conosco o jugo do nosso viver. Basta que entreguemos nossa dor a Ele. Vai diminuir? Não. Apenas será dividida com quem sofreu muito por nós, Homem das dores que é, e dor dividida é dor diluída.
Essa foi a minha piedosa intenção! Não resisti...

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