Aos doídos de amor

Hoje uma amiga pediu um help. Ela ama e não é correspondida. Sofre. Eu disse-lhe que quando ela menos esperar alguém a tocará novamente, com o toque de Midas, aquele que transforma todas as coisas em ouro.
Resolvi contar-lhe uma história de amor, para acalmá-la, uma história de quase 20 anos atrás. Uma história de quando eu achava que nunca mais amaria alguém.
A história começa no saguão da faculdade de psicologia. Todos os dias admirava uma jovem que nele adentrava, com um ar blassé de "não estou nem aí"...
Um belo dia, no início de uma nova disciplina, não é que ela fazia parte da turma.
Frio na barriga, sensação de adolescente. Timidez em abordá-la.
No coração a dor pelos últimos acontecimentos que precipitariam a tomada de decisão para o rompimento de um casamento de dez anos, e três filhos.
Tudo era dúvida, confusão. Tristeza.
Ninguém sai ileso de uma relação a dois de longo tempo. Simples assim.
Não há vencidos, nem vencedores.
As aulas de psicologia social, e admirar a jovem que me chamava atenção, quase escondido, sutilmente, era um bálsamo diante dos aperreios que se avizinhavam no futuro bem próximo.
E a saudade dos filhos que me lancinava.
Chamar atenção era algo novo para mim, uma vez que nos dez anos de casado ninguém houvera chamado minha atenção - afetivamente falando.
Fui fiel e nunca senti falta em sê-lo. Era ferrolho.
Nas aulas, entre uma intervenção e outra, aluno CDF que era, fixava o olhar no fundão, para a jovem linda, e com o ar de: "ai que tédio isso aqui..'
Ela tinha um jeitão de hippie. Lápis na boca e na outa escrevia algo numa prancheta. Depois fiquei sabendo que ela desenhava a Rebordosa.
Era totalmente diferente de mim.
Mas, quando a via ficava feliz.
Enquanto ela não chegava na aula não descansava o coração.
Uma fixação platônica.
Tímido que era tracei uma estratégia de aproximação inserindo-a num grupo de tabalho que tive a missão de formar em sala de aula, sendo fustigado por minhas amigas que sentiram-se invadidas no grupo por aquela "estranha".
No dia da apresentação do Seminário, houve uma coisa muito chata. Um cheque emitido por minha ex-mulher não tinha provisão de fundos para ser coberto. Nossa conta era conjunta. Funcionários de Bancos não podem ter cheques devolvidos.
Fiquei louco, liguei para casa e confirmei que o cheque era bom mesmo, tratavam-se de débitos acumulados numa caderneta de supermercado, por um ano.
Aí peguei meu Chevette novinho e vendi ao primeiro que botou o preço que precisava, uns 30% abaixo do mercado, mas era dinheiro vivo e não tinha tempo para resolver com mais tranquilidade.
Depositei o dinheiro na conta. Desci ao posto médico da Cassi no BB, falei com a médica, ainda hoje muito minha amiga, "quero que saiba que não tem mais retorno... depois desse débito acabou o asamento definitivamente".
Saí do BB louco. Um amigo-irmão fechou me caixa, não conseguia, só chorava.
Não pelo Chevette novinho que vendera, mas pela situação que aquilo trouxera à tona.
A apresentação do Seminário seria à noite. Não tinha condições emocionais. Liguei para a professora e ela consentiu em faz~e-la para semana seguinte, dispensando o pessoal da aula que daríamos naquela noite.
Saí avisando a todas.
Menos à hippie que não tinha telefone e que só tinha o endereço, pedido numa remota intencionalidade de um dia o grupo reunir-se no seu apartamento.
Então, chorando minhas mil lágrimas segui até lá para dizer que não haveria aula.
Toquei a sineta e ela abriu a porta do apartamento e estava chorando. Eu chorando, ela chorando.
Aí disse-lhe de que tu chora, conta tu que conto eu.
Na sua radiola tocava Xangai, o disco Que que tu Tem Canário". Sabia de cor todas as músicas daquele disco, pois Xangai tocava muito em cidades perto de onde tomei posse na Bahia, e era meu cantor preferido daqueles tempos, ele e Elomar.
Achei uma puta coincidência morar na minha cidade lguém que também gostasse de Xangai.
Ela chorava pelo aniversário de morte de um parente muito querido. Eu chorava pela entrega de meu único patrimônio, à época.
Ficamos amigos das dores. Amigos de humores. De redes e pores do sol. De cerveja e MPB, de poesia e Rebordosas em grafismos.
Ela ensinou-me a ver o simples, as flores, as borboletas.
Ela ensinou-me que o rock é boa música.
Ela ensinou-me a novamente gostar de mim e me amar.
Quando ela me capacitou ao amor, sarou minhas feridas.
Outro dia escrevi uma crônica chamada a Matrix Nossa de Cada Dia e retrato uma ida nossa à Natal. Ela chamava-se Adriani.
Muita coisa aconteceu em 1995 e nossos caminhos não estavam traçados para ficarmos juntos. Eu tinha medo da reação de minha família - tão normal, a uma jovem um tanto "estranha" - para os padrões culturais e religiosos de meu povo, e que amava Led Zepelin, cerveja e tomar banho de chuva.
Foi covarde e frouxo. Mas, que eu seria internado numa clínica de malucos...
ahh seria. E a força!

Aí conheci Cristina., num Congresso no RJ, e enlouqueci de um amor arrebatador por ela.
Já estava capacitado para amar novamente. Adriani me ensinou, fez no meu coração renascer um jardim, apto a receber novas sementes de amor. Resgatou-me para a vida.
Adriani, conheceu Marcílio e seguiu sua jornada, tendo logo em seguida um filho com ele.
Nos separamos e ficamos eternamente amigos um do outro.
Fomos um para outro bálsamos.
Assim, minha amiga, nessa noite triste, quando você menos esperar estará admirando novamente alguém, encantando-se por alguém, aplainando as feridas de teu coração e preparando-se para gostar novamente.
Você está sofrendo a dor de não ser amada, o luto. a dor de saber como lidar com esse amor não correspondido - que te fere só de pensar que não é teu. Te digo: isso também passa. Um dia você cantará a canção abaixo novamente:
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Não Tem Solução
Nana Caymmi
Aconteceu um novo amor
Que não podia acontecer
Não era hora de amar
Agora o que vou fazer
Não tem solução
Esse novo amor
Um amor a mais
Me tirou a paz
Eu que esperava nunca mais amar
Não sei o que faço
Com esse amor demais"

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