Desapegue-se!


A cerca lá de casa estava pra cair, ribanceira abaixo.
O vizinho do lote de trás cavou muito, as divisas entre nossos lotes, e fez um abismo do lado dele.
De meu lote para o dele, formou-se um buraco de 4 metros.
A cerca que divida os lotes agora tinha como companhia, do lado direito, um abismo perigoso.
Perigando cair buraco adentro.
Preocupava-me o JG brincando perto dela.
Então, fui pedir ajuda a um pedreiro que trabalhava numa obra ao lado de minha casa para avaliar a situação.
Temia que a cerca despencasse, e o vizinho que fez o buraco entre nossos lotes lavou as mãos.

O pedreiro chegou em casa e pensou, pensou, elaborando sua análise.
Depois deu seu parecer com segurança: "Seu Ricardo, não bastará encher os buracos do pé da cerca com cimento, para melhor fixá-la. Será preciso fazer umas quatro colunas, para amarrar bem a cerca nela, fixando-a definitivamente."

Senti firmeza no veredito e empeleitei a obra.

Todos os dias, a partir das 17hrs, quando ele largava a obra vizinha vinha fazer as colunas, enquanto tinha luz do sol.

Um dia saindo para o trabalho, vi na construção ao lado roupas estendidas, uma senhora e uma criança.
Chegando do trabalho, perguntei a ele quem eram.
Ele me disse que era sua esposa e filho, o Nicolas.
Disse-lhe que podia traze-los para ficar na minha casa, enquanto trabalhava, e o seu filho brincar com o meu, enquanto ele tocava a obra das colunas.
E assim foi feito.

Ontem à noite os meninos brincavam como se fossem amigos de muito tempo. Crianças têm dessas coisas.
Dei a sua mãe uns brinquedos que o JG já não brinca: um velocípede, um carrinho de empurrar, uns bonecos.
Precisava ver a festa que o Nicolas fez.
Agora, festa mesmo, ele fez quando dei aquele estojo que vem um monte de canetas para pintar.
Achei um intacto, dos tantos que o JG tem, juntei umas folhas de papel e dei a sua mãe.
Ela olhava maravilhada para aquele estojo.
Pela sua carência, talvez fosse a primeira vez que visse tantos lápis, gizes de cera, texturas e pastéis para desenhar e pintar.

Aproveitei e os convidei para a Ceia de Natal dessa noite.

Aí foi a vez do pedreiro Marcos abrir um sorriso do tamanho do céu.
Com dentes faltantes, pele curtida pelo sol, a possibilidade de passar um Natal em melhores condições, do que num barraco de obra o encantou, a ele e sua família.

E a mim.

Disse-lhe que a ceia será meia noite, mas que ele chegasse às 21hrs para começarmos os trabalhos na churrasqueira.

Não temos ideia do que é pobreza.
Não temos ideia do quanto as coisas que para nós são mais simples de conseguir para eles são tão difíceis.
Ideia da alegria de uma família carente ao receber um brinquedo que não usamos e está largado num canto qualquer.
Ou ser convidada para dividir nossa mesa.
Tem servidores domésticos que nunca almoçaram ou jantaram com seus patrões.
Ou pior, que nem recebem seus direitos trabalhistas.

Tem pedreiros que tocaram uma obra inteira e nunca receberam de seus proprietários um único churrasco de reconhecimento.

Voltando à cerca, aquele casal será o "José, a Maria e o Menino Jesus" que visitarão meu lar nessa noite.

Eles sabiam o que era pobreza. E Ele nasceu numa estrebaria para nos ensinar que o mais importante no Natal é o amor.

Não são presentes, luzinhas, casa pintada, peru recheado.

Amor. Só amor.

"Eu vos dou um novo mandamento: Amai ao próximo como a si mesmo".

Então é Natal!

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