O Semeador de Jardim Botânico


Têm pessoas que não passam pelas nossas vidas deixando-nos indiferentes a elas. Sr. Mário é uma dessas pessoas.
Após um dedo de prosa com ele, saímos muito melhores do que chegamos. Seu Mário é terapêutico.
O que ele tem de tão especial?
Pergunto-lhes, será que existem muitos plantadores de jardins botânicos mundo afora?
Se existe, some "Seu Mário" ao número deles.
Mário, em 1974, foi designado pela Copel (Companhia Paranaense de Energia) para tocar um projeto de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, na bacia do rio Iguaçu. Engenheiro Agrícola que era, via ali um local para praticar sua vocação.
E, foi morar numa vila, erguida para acomodar os trabalhadores da Usina Foz do Areia, chamada de Faxinal do Céu.
O objetivo era produzir mudas, numa espécie de horto e numa área de 10 hectares, destinadas ao povoamento das matas ciliares do rio Iguaçu, recuperar áreas degradadas, e minimizar o impacto ambiental da Usina de Foz de Areia.
As ações do projeto seriam: fazer mudas, desmamá-las do horto, e plantá-las a uns 20 km de distancia dali.
Bem, isso ele e equipe fizeram. Contudo, ele foi muito além do script.
Mário passou a arborizar a própria Faxinal do Céu. E, além das mudas para reflorestamento, ele foi plantando ali - numa área hoje de 140 hectares, todo tipo de planta que suportasse aquele bioma, e não o agredisse.
Passou a estudar tudo que tinha sobre árvores coníferas: Ciprestes, araucárias, sequoias...
Depois, sobre árvores caducifólias, aquelas que as folhas ficam de várias cores, que vemos nos filmes gravados nos EUA, Canadá e Europa.
Depois, as flores invadiram sua estufa, e eram azaleias, rododendrons e todo tipo de árvore ou trepadeira que floresce.
Mário, aproveitava a viagem do pessoal para Congressos no exterior, e até as dele mesmo, inclusive as de turismo, para trazer mudas.
No Jardim Botânico Faxinal do Céu, talvez haja a maior coleção de coníferas do Brasil.
Essa semana tive a oportunidade de conhecer o Mário. Ele já estava cansado, após um dia de campo com centenas de pessoas que participavam num evento em Faxinal do Céu.
Danilo, o motorista que me levava ao evento, o avistou de longe. Como ele já tinha falado-me dele, nem deixei o carro parar e corri em sua direção. Apresentei-me e disse-lhe que queria conhecer sua história.
Era 17hrs, e por mais de duas horas, Mário falou de cada planta como um filho. Sabia o nome de todas. De onde vieram, o mês de florada, o papel que tem na mata.
Contou-me que seu amor pelas plantas veio quando pegou uma semente e mostrou ao seu pai.
O pai disse-lhe que ele deveria colocá-la para deitar sobre algodão, num pires ao lado de sua caminha. Ele tinha uns 12 anos.
Aí ele "dava de beber" á semente antes de dormir, umas gotinhas de água.
Um belo dia ele viu, daquela semente, saírem raízes. Correu para seu pai, pensando que a semente tinha morrido.
E o pai o tranquilizou, disse-lhe que ele tinha parido uma vida nova, e que deveria plantá-la num saco de leite com terra vegetal.
Ali nasceu a vocação do Mário, que desde então nunca mais parou de plantar, pesquisar e devolver vida à mãe natureza.
Enquanto caminhávamos ele disse-nos que deveríamos apressar o passo para pegar a hora do perfume de uma enorme árvore, que sempre exalava o melhor dela, ao por do sol.
E, fiquei enebriado com tanto cheiro gostoso que dela vinha.
Depois, vi roseiras trepando-se em enormes Araucárias, numa simbiose perfeita.
Mário revelou uma ponta de preocupação, com o futuro. Teme entrar uma gestão que exija dele um business plan (plano de negócio), com criação de indicadores econômicos que justifiquem o investimento no Jardim Botânico.
"Como quantificar o cheiro de uma alfazema?"
É Mário, você está certo. Têm coisas que são imensuráveis, que não cabem em planilhas excel, com projeções de resultados financeiros ao longo de um ciclo.
Como existem pessoas que fazem, ou fizeram a diferença por onde passaram, e que mutias das vezes não recebem o devido reconhecimento.
Reconheço-te Mário. Agradeço-lhe. Sei que não fez sozinho, como me disse. Mas, tua liderança inspirou a muitos, contagiou burocracias, moveu montanhas e trouxe o futuro sonhado ao presente vivido.
Nunca esquecerei o amor com o qual me conduziu pelas avenidas de plantas, lagos e jardins.
Sabe Mário, creio que as pessoas farão fila para visitar o JB de Faxinal. fazer a trilha da Sapopema, com seus 500 anos.
E até sujarem as mãos plantando mais mudas.
Mário, caminhar sentindo o aroma daquelas flores, ao pôr do sol, é coisa de Deus. Cura e restaura corações.
Mário, obrigado pelo que fez. Por cada mudinha que resgatou, vindas de longínquos países, para que juntas formem uma família.
De fato, o Danilo estava certo. Em você há as cinco fortalezas do bem estar: emoções positivas, relacionamentos significativos, sentido, realização e engajamento.
E, é impossível cruzar teu caminho sem sair melhor.
Obrigado por existir e por ter plantado um jardim Botânico.
Deixo a todos que me leem com uma prece, as preces de galhos de araucárias que se colocam em palmas para cima, em gratidão.
Que possamos ser Mários em nosso viver, transformando realidades degradadas, áridas, nas quais ninguém aposta mais, ou nelas confia.
Vamos semear coisas boas.
Que possamos plantar pensamentos jardinados e germinar corações e mentes, para ousarem ser diferentes, nesse mundo onde todo mundo quer ser igual, mesmo que seja nas coisas pelas quais não vale a pena se viver por elas.

Esse tal de bem-estar.


Seguia viagem adentro, de Curitiba até Faxinal do Céu(*), distrito de Pinhão-PR.
Uns bons 340 km de chão. Mas, que ao lado do motorista Danilo, foi logo ali. De prosa mansa, boa e constante, Danilo é daqueles que dão boas crônicas e dispensam rádio no interior do veículo.
Ele foi apanhar-me no aeroporto, para conduzir-me até um curso de preparação à aposentadoria, no qual ministrei palestra, em evento patrocinado pela Companhia Paranaense de Energia (Copel) para 300 pessoas, entre funcionários e seus cônjuges.
Danilo interessou-se pelo tema da palestra, e aproveitei para ir treinando com ele, já que não integrava o grupo de participantes.
Falei sobre o Ser Saudável, do ponto de vista da Organização Mundial de Saúde, que a define como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades".
E tome papo sobre o que vem a ser este tal de bem-estar. Danilo, confesso-lhes, foi um de meus melhores ouvintes.
A cada deixa, ia inserindo histórias de sua vida, dentro do contexto dos conceitos explicados. Quanta sabedoria.
Aí, após passar pelo município de Pinhão-PR, ele falou-me que agora só faltava uns 30 KM.
Então aproveitei para resumir os conceitos. " Danilo, o estado de bem-estar mental e social é ativado por cinco fontes, que atuam isoladas, ou combinadas em parcerias - promovendo sinergias entre elas."
Um ser humano saudável, pode ter apenas uma delas, ou mais de uma. "Quais são as cinco fontes?, perguntou-me Danilo.
1. Emoções Positivas: Cultivo, apreciação e compartilhamento de emoções positivas no pensamento: ética, justiça, paz, amorosidade, compaixão, empatia, generosidade, gratidão, esperança, otimismo, gentileza, mansidão, respeito e perdão.
2. Relacionamentos Significativos: Construção de espaços de convivência respeitosa, com intensa troca de saberes e comunhão de práticas sociais. Conexões harmoniosas, energéticas e libertadoras, entre pessoas. Com práticas de doação, admiração e entrelaçamentos sócio-culturais.
3. Engajamento: Seu efeito colateral é o estado de Flow (de fruição), no qual em algumas coisas que fazemos nos dedicamos tanto, com tanto esmero e gosto, que nem o tempo sentimos passar e ficamos muito satisfeitos com aquilo que vamos produzindo, confundindo-nos com o produzido. Cria-se um infinito no aqui. Pense numa vô bordando a roupa pra seu neto, ela está em flow. Está engajada.
4. Sentido: Tanto sentido da vida, como sentido do trabalho. Pautar-se pelo sentido é perceber o valor do que faz. É degustar o agora, abrindo-nos à beleza de um legado que vamos esculpindo, mesmo que seja na rocha dura da realidade. O sentido é o GPS existencial que nos guia e mobiliza ao ser mais.
5. Realização: É aquela sensação de ter alcançado algo que por ele lutou. Aquela sensação de dever cumprido, de entrega de resultados. De criação de algo, num lugar em que antes não existia nada. Da hora em que acordamos ao dormir, é só prestar atenção, e veremos o quanto de realização conseguimos ao longo do dia. Mas, no piloto automático não degustamos realização alguma. O mostro da indiferença cega-nos ao seu perceber.
Danilo ouvia tudo calado, com um sorriso misterioso no rosto. Ao final, ele me disse: vou apresentar-lhe ao Mário, se ele ainda trabalha na Copel de Faxinal do Céu. "Para mim o Mário tem as cinco forças. Ele plantou um Jardim Botânico, o de Faxinal do Céu. Semente à semente, árvore à árvore, ele construiu um sonho, que vou levar-lhe até lá. "
Pensei comigo, uauuuu!!! Mas isso já será outra crônica.
(*) Faxinal do Céu é uma cidade corporativa, vizinha à Pinhão-PR. Pertence à Copel, e foi usada para acomodar os seus trabalhadores na construção da Usina do Foz da Areia (1974), no rio Iguaçu.

Acorde, vem olhar a lua! (Crônica 500)


Madá, olha que lua linda que nessa noite faz!
Fui buscar a máquina e bater essa foto para ti, a que ilustra essa crônica.
Lembra que te fiquei devendo uma crônica?
Aliás, levei até um puxão de orelha de ti, quando daí retornei, em julho/2016, e fiz uma crônica sobre outro tema.
“Puxa, falou de tudo de Londrina e não falou de nós? ”.
Lembra? Quando li teu comentário, confesso-lhe: abri um sorriso e disse: “Minha sogra sarou, voltou a reclamar. ” rsrs
Têm uns dez dias que venho adiando essa crônica, não que faltassem motivos, mas travei – afinal essa é a 500 crônica de meu blog: o Bode com Farinha.
Quisera o bom Deus que a 500entona fosse para ti. Mas que lua, hein!
Espero que do Céu esteja contemplando-a, mais formosa ainda, com certeza.
Queria tanto que o pedido da canção: “Acorde, vem ver a lua”, fizesse-se realidade. E tu acordasse, viesse passar uns dias conosco, aqui em Brasília, e que tudo não passasse de um mal-entendido, um sonho acordado, ou uma pegadinha divina.
“Acorda, vem ver a lua que dorme na noite escura
que surge tão bela e branca derramando doçura
Clara chama silente, ardendo meu sonhar
As asas da noite que surgem, e correm o espaço profundo
Oh, doce amada, desperta
Vem dar teu calor ao luar
Quisera saber-te minha na hora serena e calma
A sombra confia ao vento, o limite da espera”.
Mas, como bem diz a canção: “a sombra confia ao vento, o limite da espera”. E o vento-Pai sabe a hora de levar, e era chegado teu dia.
Precisava ver como tu estava linda. Tuas filhas capricharam. Estava serena, toda formosa e bela, em paz, e arrodeada por mil flores, e de corações orantes.
Do jeito que gostaria de ser.
Pela manhã de hoje, ao terceiro dia, fiquei um tempo contemplando teu jardim, conversando com a Sandra, enquanto ela o molhava, com água da rua e das suas retinas.
Sandra contou-me o esforço que fez para preparar teu jardim. Contou-me até que tu falou chorando, ao vê-la jardinando pesado, que não se sentia bem vendo-a trabalhando sozinha, sem tu poder ajuda-la, de cansada e fraquinha que se sentia.
Ficou lindo o jardim, destacando mais ainda tuas palmeiras-orquídeas.
Enquanto conversávamos uma senhorinha que vinha descendo a calçada parou e chamou a Sandra pela grade do portão.
Ela disse assim: “Sou a vizinha lá da rua debaixo; outro dia enquanto tua mãe tomava sol eu fiquei conversando com ela um tempão. E ficamos amigas. Ela gostava de ouvir e de falar. Perdi uma amiga. Se precisar de algo de doméstica fale comigo, eu posso ajudar”.
Ficamos mudos. Aliás, tu sabia que aqueles moços que faziam hemodiálise contigo foram se despedir, e deram testemunho idêntico. Dizendo que tu era a distração deles, naquelas 4 horas, falando pelos cotovelos e ensinando-lhes receitas.
Hoje juntamos a família na tua casa, do jeitinho que gostava. Até seu Dito foi. Abrimos as cortinas, janelas, o Marcos deu uma de eletricista e consertou a lâmpada da garagem.
Fui comprar a chuleta do Japa, lá da esquina, aquela que tu comias com prazer.
Madá, tu já deve estar sabendo aí por cima. Dona Iasakuto, a mãe do Japa e tua amiga, faleceu 15 dias depois daquela nossa ida lá, em julho/2016. Ela foi atropelada, quando ia buscar seu marido no mesmo hospital em que tu fazia a hemo. Já pensou?
Jose, tua filha mais velha, preparou uma farofa de cenoura, divina. E aquele teu arroz, que comemos ajoelhado de tão bom. Seu Dito e eu tomamos um cálice de cerveja. Hoje ele estava precisando. Botamos para tocar “Por que Ele vive”, entre outras, almoçando ao som de músicas que nos falam de um amanhã espiritual, consolando-nos mutuamente.
Botei gás para apressar Cristina, para não perdemos o vôo, e te ouvi cochichando, como sempre fazia: “Sandra e Cristina são tudo lerda com horários, tem que começar a chamar pra sair uma hora antes”. Sorríamos de nossas confidências espirituais que só nós ouvimos.
Sim Madá, trouxe umas sementes daquele caramanchão amarelo, do cemitério de Pirajuí-SP. Se as mudas pegarem, vou fazer um pra ti.
As meninas vão caprichar na reforma do jazigo da família, coisa fina, Porcelanato Portinari, fui com elas na Leroy escolher as peças. Fique tranquila, estará tudo bacana para o dia 2/11.
Do lado de cá, o JG pesa que tu “mudou de fase, evoluiu”. Ele sabe que tu morreu, mas na inocência dele não caiu a ficha. Só quando eu o vi hoje, fazendo bagunça no tapete da sala, e ameacei chamá-la para ralhar com ele. Aí ele olhou-me tristemente, deixando transparecer a dor que sente, por um instante sequer. No corpo dele li o que queria dizer e não conseguiu: “Vovó viria era para baixo desse tapete, brincar comigo”. E iria mesmo.


Sim, deixa eu te contar. Não é que aprendi a dirigir carro automático. Eu tinha que levar as meninas no carro da Sandra, por 300 km, até Pirajuí-SP. Aprendi no tranco, dando cada freada por erro que todo mundo balançava a cabeça. Em desaprovação ao cangueiro aqui.
Finalmente o chuveiro de teu quarto funcionou sem pelar minha pele. Após o conserto que a Sandra mandou fazer, ele voltou perfeito. Você deve ter ficado orgulhosa dele, aquela raridade Lorenzetti, da década de 70. Quis roubar tua escova de costas, uma rósea, dentro do box. Queria uma coisa tua por aqui, mas pensei melhor. Não pegaria bem. Vou roubar outra coisa. Que Sandra não me leia.
Sim, buscamos a penteadeira no quarto de despejo e arrumamos teu quarto como ele sempre foi, como era antes de chagarem os equipamentos para a hemo domiciliar.
Ao levantarmos tua cômoda, vimos que estava em cima dela a importância de R$ 90,00 num envelope do Dízimo de tua igreja.
Não teve jeito, ambos choramos.
Choramos de alegria por ver aquela cena.
Eram mais que 10% de tua pouca renda.
Aquilo ali representava gratidão. Não eram noventa reais.
Era um coração agradecido, em forma de cifrões. Sandra contou-me a pouco que foi – nessa noite de domingo, levar ao culto a tua oferta.
Nunca esquecerei Madá a fala emocionada da Sandra, durante teu velório: “Eu só tenho o que agradecer. Ter passado mais de 20 de minha vida cuidando de minha mãe, foram vinte anos ganhos, e não perdidos. Ganhei 20 anos ao lado dela. Ganhei uma companheira, uma amiga, uma confidente, uma cuidadora, torcedora por minhas conquistas e fiel escudeira”.
Aprendi três coisas contigo, nesses dias de tão intensas emoções.
A primeira delas é a que independente de como nos sentimos; do quão pobres e miseráveis nos achamos; de nossas doenças; de sentimentos de mal-estar, fraqueza e até desânimo, é sempre bom ter um envelope aberto, na cômoda de nosso coração, ainda cheio de coisas dentro dele para por elas agradecer ao bom Deus. Em tudo daí graças. Aprendi a prática disso, ao ver aquele envelope no teu quarto.
A segunda coisa é o valor da disponibilidade para um dedo de prosa. Mais de 300 pessoas passaram pelo teu velório, cada uma delas – quase como um papel carbono, destacavam teu dom de ouvi-las, conversar com elas e estimulá-las a ser melhores. “Escuta, você que nesse leito faz hemodiálise por 4 horas, e por semanas percebemos que não fala com ninguém, nós aqui estamos no mesmo barco. Converse conosco, quem você é? ”
E o homem, o “introspectivo”, sorriu e abriu-se para o grupo. Trazendo até fotos da família, para mostrar a todos, nas sessões subsequentes. Sim Madá, a senhorinha que passava pela calçada só queria alguém para conversar. Na sua solidão, de “do lar”, ter alguém quando voltava das compras para saudá-la e prosear era melhor do que tarja preta.
Ela contou-nos isso com olhos marejados, o quanto para ela foi significativo aquele tempo a ela dedicado para escuta e diálogo.
A terceira coisa, e por aqui vou me despedindo, dado que a prosa deve estar boa por aí em cima e não quero atrapalhar, e que aprendi foi o valor da resiliência. Você não desistiu de viver, e em nenhum momento. Nesse vale de lágrimas, entre internações, UTIs, exames, clínicas e hemos, que fazia desde fev/2016, você nunca antecipou sua hora desistindo, ou prostrando-se de forma mórbida e letárgica. Você queria viver. E lutou por sua vida, do seu jeito, honrando e reconhecendo esse dom precioso de nosso bom Deus. Você jogou até o último minuto da prorrogação, afinal, o jogo só acaba no apito final. E você não o antecipou.
Nunca desistiu. Sempre deixava que a Sandra lhe desse banho. Lhe levasse ao médico. Deixava que lhe fizessem os procedimentos, alguns bem invasivos e doloridos. Que outra pessoa, já sentido a fraqueza que sentia, insistiria em ir visitar sua cidade natal - sujeitando-se a dois dias seguidos de hemodiálise, para que pudesse ficar 4 dias em Pirajuí-SP? Isso foi no mês passado, lembra? Quem de nós poderá agora desistir? Alegar que tudo já foi tentado e querer antecipar a hora? Quem pensa em desistir, querendo colher os tomates cereja da calçada, como tu fez?
Por fim, hoje senti muita falta do aroma do café, pelas 6 da manhã, quando eu acordava junto com o tique taque de teu relógio do criado mudo. Sandra fez. Mas, o teu é o teu.
Sim, fique tranquila pela Sandra, nós cuidaremos dela.
Hoje, o Tiago vai dormir lá. Ela nunca estará sozinha, afinal somos uma família. E, quem tem família, nunca está só!.

Olha o pão!!!


Na portaria de meu condomínio, uma simpática carrocinha de pão, daquelas de antigamente, quando o pão passava de casa em casa.
E, nessa proposta uma ideia maravilhosa. É possível cultivar espaços para o exercício da confiança. Pegue seu pão quentinho, 5h30min da manhã, ou 17h30min da tarde, deixe o dinheiro numa caixinha R$2,00, e a metade vai para entidades assistenciais.
São 3 pães, por sacola. E a caixinha estava cheia de notas de 2.
A solução para o Brasil passa pela organização social, em torno do coletivo.
Já vi experiências assim com livros (T-Bone); com preces; com roupas que deixamos em paredes pintadas, e até em redes de doações solidárias, do tipo: pegue lá em casa.
A salvação vem pelo nós. Essa ideia que em nosso país o povo não presta, e, nele não se pode confiar, é errônea.
Têm uns malas? Sim, mas até em nações com mais de 2.000 anos de existência lá também têm os seus.
Fui lá e comprei meu pão. Agora me senti parte de algo maior.
Só precisamos deixar de omissão, de achar que as coisas vão de mal a pior, e acreditar que com pequenas atitudes podemos mudar a natureza das instituições brasileiras. Tais como essa carrocinha faz, em prol de um propósito comum, daqueles dignos de falar dele em casa, ou por aqui.
Precisamos recuperar a autoestima de nosso povo. Parar com esse complexo de inferioridade que só destaca o que temos de pior. Têm muitos projetos legais acontecendo, país afora.
Só precisamos divulgar mais esse circulo virtuoso. E, ingressar em algum deles. Precisamos voltar a participar da construção de uma sociedade melhor, e sarar dessa ressaca institucional.
Agora, vou ali fazer um pão com ovo.

Uma tocha que se ergue.

Ela vinha andando lentamente, com o apoio de uma bengala.
Naquela noite, atravessava os metros mais importantes de sua carreira, desde 1984, quando nos 200 metros rasos ganhou a primeira medalha de ouro do Brasil, numa Paraolimpíadas.
As tochas estavam no caminho da Márcia Malsar, pois luz que é, atrai luz.
Em 1984, o ano de sua redenção no esporte, no qual amealhou 3 medalhas, sendo uma delas de ouro, o símbolo da Paraolimpíadas, realizadas simultaneamente nos EUA e Inglaterra, era uma tocha.
Agora, 12 anos depois, lá estava novamente a Márcia com a tocha.
E lá vinha ela, caminhando qual um graveto soprado ao vento, equilibrando-se a cada passada, sobre a fé em si mesma que conseguiria avançar.
Altiva, seguia firme em direção á pira, até que quis erguer a tocha, como quem a saudar a multidão. E, aquilo desequilibrou seu apoio, levando-lhe a cair.
Numa fração de segundos, a tocha projeta-se pelo chão, ainda acesa. Ela, olha a situação, e ergue-se graciosa, fazendo um sinal para os ajudantes que correram para acudi-la, do tipo: eu estou bem.
Então, levanta-se, recebe a tocha novamente e segue sua missão, não sem antes abrir uma expressão confiante e sorridente, daquelas que só sobreviventes sabem interpretar, aquela do som inaudível de corações corajosos, o som da esperança, um som que diz: "vou tentar mais uma vez".
E tentou, e conseguiu. Nem a chuva e nem a queda a impediram de levantar e continuar seu caminho. Um verdadeiro exemplo de determinação.
Naquele momento o Brasil chorou, a arquibancada ficou de pé e a aplaudiu efusivamente.
Naquele momento, todo mundo que pensa em desistir - diante de situações que os levou ao chão, recebeu uma lufada de ânimo. Todo mundo ganhou um estímulo para resistir mais um pouco, tentar mais um dia, tudo outra vez.
Milhões de telespectadores do mundo inteiro não viram uma Márcia rabugenta, reclamando da chuva, do apoio, da pista, ou da situação, não viram uma Márcia desistindo, metros antes de seu objetivo final.
Ela tinha o álibi perfeito, para ficar ali mesma, para renunciar seu sonho de entregar a tocha, ao próximo atleta, num lugar determinado.
Mas, ela soube levantar-se e perseverar.

Talvez este seja um dos legados mais importantes, a lição de que talvez o mais importante não seja - nessa vida pelejante, evitar sofregadamente não cair. Mas, aprender a levantar-se depressa, queda à queda, sempre mais forte e sábio.
E, com um prazer enorme de continuar, de forma sorridente, sem culpas, ressentimentos, ou terceirizações de responsabilidades.
Simplesmente continuar nossa trajetória, nossa jornada levando nossa chama interior, a da esperança, para outros que dela precisarão, ao longo do caminho. E que em nós se inspirarão para não desistirem.
Márcia, muito obrigado. Você deu motivação a tantos que passam por doenças crônicas, por situações difíceis, ou lutos doloridos a caminharem mais um pouco, resistirem mais um bocadinho, acreditarem que sua chama não apagará, que será reerguida e ainda servirá a muitos que querem desanimar, e verão neles a força do exemplo, a coragem dos grandes, dos sobreviventes. Quem mais quererá ficar sentado à beira do caminho, chorando "o leite derramado", ou sua tocha interior caída no chão, prestes a se apagar, depois de ver o que você fez?
Quem?
Então vamos lá, é hora de se erguer. De levantar novamente seus sonhos, seus projetos, seus valores e motivação de viver.
É hora de resgatar a esperança de que o amanhã será melhor, erguendo sua chama interior de forma altiva, feliz e, passo a passo, mesmo cambaleantes, atravessar os buracos existenciais fruto dos choques do real com as fantasia.

O que tenho aprendido com o Pokémon sobre o sentido da vida. (Autor Ricardim)


Aprendi que mais vale o caminho do que a linha de chegada. Como? No jogo Pokémon-GO, um dos itens recebidos nos postos de distribuição (porketshops) é um ovo. Para chocá-lo o usuário do jogo precisa andar. Sim meus amigos, andar. Uma sacada maravilhosa. Tem ovo de 2km, de 5km e de 10km de caminhada. Depois da qual, eclode - num show a parte, um bichinho para sua coleção. O bichinho é o de menos. Já que muitos são repetidos. O barato mesmo é vê-lo nascer, chocar. É sentir que falta metros para bater a meta, para o novo irromper. É o processo do caminhar. A intencionalidade de sair do lugar. Na vida é assim também, muitas das coisas boas estão no caminho para. E não no quando, ou no se. Estão no agora, degustado enquanto persegue-se um alvo desejado.
Aprendi que a vida pode nos surpreender, a cada instante, e que não devemos nos considerar para sempre, nem imutáveis. Tudo que é sólido pode se desmanchar no ar. Portanto, deguste as coisas boas com intensidade. enquanto as vive. Como aprendi isso? Uma das coisas boas do jogo é lançar um bola (PÓKET), num alvo (o monstrinho, MON), e capturá-lo para sua coleção. Contudo, alguns desses bichinhos - mesmo a bola pegando neles, e bem no alvo, simplesmente retorna à posição original, renascendo das cinzas e voltando a ser tudo como antes. ao m tudo ao que era antes. São falsos, fakes, ilusões de ótica. Agora, quando após o lançamento da bola aparece a mensagem "Gotcha" eu vibro. Sei que de fato capturei, e que não era uma ilusão, uma coisa sem consistência. Assim aprendi a valorizar as brevidades da vida, as pequenas alegrias, e vitórias. Aprendi que um dia de paz não é eterno, que um dia de felicidade também. Então, quando os vivo eu os degusto até a última gota. amanhã, pode ser que o que se apresente como feliz ou em paz seja falso, não se garanta.
Aprendi a cuidar de mim e dos outros que me rodeiam. No jogo têm alguns itens que restabelecem a "saúde" do monstrinho, após suas disputas em Ginásios. Você precisa cuidar de seu Pokémon derrotado. Aplicar nele remédios, que recuperarão parte de sua força. Saber o que nos torna felizes, o que nos machuca, e lidar de forma positiva com esses saberes é um grande ensinamento, que restabelece nossa saúde emocional, que após um dia de trabalho e estudo, com suas próprias preocupações e desafios, consome energia vital e nos leva ao estresse. Saber cuidar de nós mesmos, e dos outros, após as batalhas existenciais, é muito importante. No meu caso, aprendi que esses remédios pokémon podem ser: um amigo, a espiritualidade, um bom livro, ouvir música, e até se doar para alguém. A oração é bálsamo. Saber que, mesmo ferido, outros ainda precisam de mim é um energético potente. Todos os dias aprendo a cuidar de meu ser, e aprendo que o outro também pode ser por mim cuidado.
Aprendi que uma das fortalezas da vida são os relacionamentos. Esse joguinho é feito para interagir. Por exemplo, você pode montar um time para disputar nos Ginásios, ou pode combinar de sair em grupo caçando pokémons e abastecendo-se de itens. Aliás, os parques das cidades estão cheios de gente que não se conhecia e que agora são parceiros de aventura. Eu era apressado demais, andava rápido demais nos corredores, sempre com uma coisa de última hora a fazer, sem tempo para um "bom dia" de 3 segundos. A vida fica muito melhor com relacionamentos significativos. Pessoas com as quais trocar visões de mundo e compartilhar esperanças. Cultivar relacionamentos é uma arte. Cujo resultado fará toda a diferença na percepção de bem-estar na 3 idade.
Aprendi o valor do crer e "SER": crescer. No joguinho, uma das coisas mais legais é ver um monstrinho chegar no nível de evolução. Você clica nele e ele se transforma, sofre uma metamorfose e vira outro bichinho, da mesma família, contudo, mais evoluído. Quem não evolui, vira rocha. Estaciona e fica estagnado. Tudo na vida pede evolução. Pede crescimento. As emoções podem crescer. O otimismo pode crescer. A percepção de si mesmo, do outro e da realidade podem crescer em positividade. Se é uma coisa que nos distingue dos animais é ser um ser que pensa sobre o pensado. Que sabe que sabe: sapiens, sapiens. Um ser incompleto, inacabado e sempre em desenvolvimento, permitindo-a à abertura do evoluir para o SER mais. Essa é uma meta digna de por ela ser vivida. Mas, tem que crer que o nível de evolução irá chegar. Tem que esperar atuando. Aproveitando todos os recursos para ser melhor para o mundo e não o melhor do mundo. Tentando deixar o lugar em que habita melhor do que o que achou. Isso é uma crença, um crer, bacana e potente. Algo que nos dará um propósito, o de construir um legado, de se perceber enquanto missão.
Agora deixa eu ir ali caminhar mais 500 metros pra chocar um ovo.

Capital Emocional (*)


Pense numa pessoa que passou o início da manhã murmurando e reclamando, essa pessoa sou eu.
Até ir buscar um documento no carro e ver que tinha deixado a Bíblia de Jerusalém no banco.
Lembrei-me que nessa tradução, a de Jerusalém, li recentemente um versículo que me encantou, e que só vi nessa tradução, uma das melhores da Bíblia – reconhecida por exegetas do mundo todo. 

“Fazei tudo sem murmurações nem reclamações.” (Fil 2,14)

Quando Paulo escreveu essa Carta aos Filipenses, de Filipos, Norte da Grécia, fundada pelo pai de Alexandre – o Grande. Paulo, ao escrever aquela Carta, estava preso e sofria severas provações, era o ano 48 DC.
Então, ele falava de algo que estava fazendo e vivendo. Aliás, a Carta aos Filipenses é a Carta da Esperança e Alegria.
Bíblia à parte, o que me deixara reclamão e murmurento fora dois atendimentos que tive, bem cedinho pela manhã, e que o gosto amargo deles impregnou minha alma.

Então, como um ruminante mental, fiquei murmurando e reclamando sobre o ocorrido, para todos os amigos com os quais tirava um dedo de prosa, até as 10hrs.
E só aumentava o desprazer. Parece que temos uma verdadeira atração para falar repetidamente sobre o que nos chateou, como um disco de vinil que fica arranhado.

Deixa eu te contar o que me aconteceu.

Manhã de sexta, trânsito bom, sigo caminho para levar o JG à escola.
Vejo que o carro está na reserva. Passo pelo primeiro posto, mas têm filas nas bombas. No segundo, uma beleza. Vazio.
Estaciono e peço para que o frentista complete até o automático. Logo chega o segundo carro, e estaciona nas bombas à minha frente. Naquela hora, eram dois frentistas e dois carros.
Movimento tranquilo. Aí a moça do carro da frente pede que o frentista limpe o para-brisas. Ele começa a limpar, e o outro foi ajudá-lo.
No meu carro a bomba parou, deu aquele estalo de quem chegou no automático.
E eles lá limpando os vidros da moçoila. E eu cá, esperando que eles me vissem.
Aí, fiz um gesto para o primeiro frentista, o que começou a me atender, de que meu carro estava pronto. Mas, ele meio que me desconsiderou. Continuou a “ajudar” o outro frentista a terminar o serviço do para-brisas da moça. E fui ficando puto. Buzinei.
Ele chegou e falei com ele que não gostei de “ter sido deixado para trás, no atendimento”. Ele deu de ombros, e disse que o automático tinha disparado fazia pouco tempo.
Inchei de ira. Saindo de lá, deixei o JG no Colégio e fui na Padaria Savassi, restabelecer as energias emocionais e gastronômicas. Sinto falta da Juliana, atendente de lá que está de licença maternidade. Esta padaria agora é meu cantinho das 7h30min.
A mocinha chegou e fiz meu pedido. Pão com queijo e cafezinho.
A espera estava mais longa do que o normal, para uma sexta, na qual todos têm a ideia de tomarem café no mesmo horário.
Uns 10 minutos depois, ela se aproxima e pergunta: “Qual tipo de queijo mesmo? ”
Aí, saí do sério e cancelei o pedido. Não esperaria mais 10 minutos, já que por não saber o queijo nem começara ainda, e chegaria atrasado. Sempre fui muito severo comigo mesmo em termos de pontualidade.
Então começou a descer as águas dos pensamentos negativos. Ao ficar numa posição ruminante, reclamona e murmurante sobre as qualidades do atendimento que tive.
Aquilo estava tirando o brilho da manhã.
Até que parei, respirei, li o versículo, tomei água, e comecei a mentalizar as coisas boas da vida.
Levar o JG no futebol. Lecionar. Terminar um trabalho. O feriado de quarta. O sistema de irrigação que funcionou. Levar o carro para lavar. Balu, meu cachorro, que tomou um bom banho no pet. Ufa, fui melhorando, melhorando, melhorando...

Aquilo foi ficando menor, diante de outras coisas da vida. Sem importância, já que sobre o que me ocorreu nada mais restava a fazer. A não ser trabalhar a emoção.

Quantos pensamentos negativos habitam nosso ser num minuto?

De coisas que não deram certo, de ansiedades, de aflições ou preocupações, ou de coisas que nos frustraram, em nossas expectativas superdimensionadas.

Esvaziar a mente do rio de água negativa, que desce de forma violenta, coração adentro, é um esforço bacana, na construção de uma felicidade possível, e no aqui e agora: não no futuro dos "quando", ou dos "se".

É exercício permanente. Na percepção do agora: saber como estamos, o que pensamos e as emoções derivadas desse pensar é um exercício de anatomia. Anatomia da alma.
Profundamente necessário para ir modelando nossas emoções, ao longo do dia, e não nos deixar ser tolhidos por episódios desagradáveis, que teimam em ficar martelando o dia inteiro, e alguns deles entram pela boca da noite, e até vão para cama conosco.

Saber dizer: basta! Chega de reclamação ou murmuração para aquilo que sobre o qual nada mais podemos fazer.

Compreender o tempo que aquilo irá nos acompanhar e o momento de virar a página é fundamental. No meu caso, por longas duas horas.

Perdi 120 minutos de percepção do bom, belo e virtuoso, que ia acontecendo também à minha volta, por ter ficado martelando e remoendo nas péssimas experiências de atendimento que sofrera.

Paulo está certo, em sua exortação aos Filipenses. Mais que nunca é preciso cuidar da ecologia emocional de nosso ser.
Cuidar para não levar tão a sério, e até ampliar, os pequenos dissabores que vamos tendo.
Dona Estela entra na minha sala, novamente, e me serve água. Dou um sorriso, comento que seu penteado está bonito. “Bom dia Dona Estela, que diadema bacana no seu cabelo! ”
Ela olha para mim e diz: “Oxe Ricardim, eu já entrei aqui mais cedo, servindo-lhe café, e você falou comigo”.
Peço-lhe desculpa e digo-lhe: “Eu não a vi”.
Ela não entende nada. E eu tudo!
Quando estamos afobados ficamos cegos, e perdemos a capacidade de ver a essência das coisas boas, belas e virtuosas que continuam a acontecer.
Perdemos capital emocional positivo (CEP). E vamos murchando e embrutecendo.
Simples, triste e perigoso assim.

(*) Termo que criei para definir as transações emocionais que acumulamos, frutos de nosso pensar, que alteram nossa escada das inferências, e a percepção de nós mesmos, dos outros e da realidade.

   PS.  Na foto, Dona Estela e seu diadema. 

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