Noite de Domingo

Noite de domingo, 
dia cruel para os que têm haveres
e dívidas afetivas.
É um choro de filho lembrado,
um abraço soluçante, 
um cheiro de casa dos pais.
Domingo à noite. 
Junto-me a ti nessa noite só. 
Deite em meu colo digital. 
Acarinho teus cabelos, nino tua alma. Enxugo tuas lágrimas, com uma camisa puída. 
Abraço-te e te conforto.
Logo chegará o amanhã. 
Dói mesmo. 
Saudade é como laxante, enquanto não purga fica contorcendo as tripas. 
Tome um copo d´água. 
Leia um salmo.
Leia o salmo 22. Coragem. 
Muitos também estão assim, nessa noite. 
Lembram do que poderiam ter sido, e os alvoroços do destino, 
o vendaval das situações cotidianas, os afastaram de ser.
Remoem decisões, suportam o peso das escolhas.
E, a cada escolha, muitas renúncias. 
Todos estamos em débito com a vida. 
Todos. 
Uns mais, outros menos, mas sempre devendo. 
Devendo afetos, 
gratidão, 
perdões, 
amor... 
Devendo atitudes.
Fica assim não. 
Toma uma chuveirada. Bota pra tocar uma canção de paz. 
Liga para um amigo distante. 
Sobreviva mais uma noite de domingo.
Passará.
Choro contigo,
o luto é uma porta que se abre e se fecha
ao sabor dos ventos do coração.
Só quem tem sabe.
E, a saudade é o respirar dos apaixonados pela vida.
Quem não viveu não sabe dela. 
Ela é quem nos faz humildes, perante toda ostentação
e tirania dos tempos atuais. 
E, nessa noite solitária de domingo, 
quanto tua vida vem te açoitar, 
lembre-se:
Ele venceu o mundo!
Ele conforta-me de minhas saudades mais ácidas.
Saudades de tudo. Redundância. É. Saudades é redundante. Não sabemos quando a sofremos mas, quando chega, dói muitoi!
Choro. O luto é uma porta que se abre e se fecha ao sabor dos ventos do coração. Só quem tem sabe.
Saudades de Campina Grande-PB;
De Poções-BA;
De Remígio-PB;
Do que não fui...
E do que fui que por breves momentos.
Saudades.
Estimulantes saudades.
Eu - prato em panela que sou, sempre serei cozinheiro de belas saudades temperadas pela vida
Vivo.

E intensamente, mesmo em contradições.

Lance suas marcas para que outros as levem...

"Não estou aqui para deixar marcas, estou aqui para levar marcas.”  Marcos Igreja

Esta reflexão do Igreja muito me tocou. Para mim foi quase mística, como boas igrejas o são. Numa tarde nublada, chuvosa, tendemos a ficar reflexivos. E hoje é uma dessas tardes. E reflito sobre marcas: boas – tatuagens, por exemplo; e as de lutas travadas – cicatrizes da alma. Que teimam em reabrir e doerem, tempos e tempos depois.
Ando ficando assustando com minhas memórias que me açoitam ao dormir.
Parece que minha amnésia, fruto de um acidente de moto em 1985, vem me assustar naqueles momentos que o sono vem chegando.
As lembranças, memórias, ditos, não ditos, amores não amados, sofridos, alegrias, soluções, tudo vem em flashes sem muita ordem cronológica.
Quando fecho os neurônios tentando lembrar-se de mais algo, estas desaparecem faceiras - faceiras e fugidias memórias.
Dormir tem sido divertido, e às vezes doloroso. Coisas da faculdade de psi, dos primeiros tempos de BB, dos tempos de seminarista, e até do curso de engenharia civil que fiz por 2 anos ½ chegam em estalos luminosos.
Caminhos, veredas, atalhos que peguei tudo vai revelando-se novamente, em fotos retrôs.
E, numa dessas noites o que vinha á mente era Poções-BA e meus primeiros tempos de BB, em 1986.
Cheguei tão assustado ali. Tudo era novo, sair a 1.800km de casa. Com um filho de um ano e uma dificuldade imensa sobreviver. O salário de escriturário sempre foi achatado. E não tive ajuda mudança, ou aluguel – muito caro em cidades com pouca oferta.
Era um mundo que se descortinava, tudo novo.
E esses flashes vieram à mente ao ler um tópico no Facebook de Marilúcia dizendo que seu esposo, o Alcione iria aposentar-se.
Alcione deixou marcas em mim.
Sim, Alcione me fez aprender, na pele, que podemos deixar marcas nos outros.
E ele as deixou em mim.
Marcas boas. Lições de vida.
Alcione era só bondade.
Só empatia, amizade sincera.
Alcione entra num momento delicado de meu viver. Quando senti o abandono do lar de minha família. É que ao final do primeiro semestre de Poções-BA, em dezembro de 86, minha ex-esposa me deixou.
Não conversamos sobre aquilo. Ela pediu-me para ir passar o Natal em casa, em Campina Grande-PB, com meu filho mais velho, hoje com 29 anos, o Tiago. À época com 1 anos e 6 meses. Eu achei a ideia boa, ela estava muito triste em casa.
Do Natal veio o ano novo, as festas de Reis e ela foi ficando, sempre adiava a vinda.
Um dia, em janeiro, seu pai me ligou e disse-me que tentaria minha transferência. Que minha esposa adoecera e que não voltaria mais.
Então senti o que é ficar só. Sem raízes.
Chorava de molhar a fronha.
Acontece que ela deprimiu, só de saber que voltaria para Poções-BA, e não tinha mais condições psicológicas de sair da nossa cidade. Teve banzo em estágio avançado. Não a julgo. Compreendo.
Mas dói.
Como dói.
Agora eu ficara realmente só. E tudo era difícil. Não tinha as facilidades de voos de agora, ou de comunicação. Aliás, telefone era item de luxo.
Eu tinha 22 anos. Era um aprendiz da vida e do viver.
E aí foi que as palavras do Igreja me tocaram bastante. Alcione deixou marcas que as levei. E, acho que esse é o sentido mais abençoado das marcas.
Não deixar sua marca, como um projeto narcisista. Mas lançar suas marcas na vida, nos que contigo conviverem, levar marcas.
Se você não lançar suas marcas, como os outros vão poder levá-las?
E foi isso que Alcione e Lucinha fizeram comigo. Lançaram suas marcas de amor, de solidariedade, de carinho.
Qual casal hoje, com filho pequeno, adota um marmanjo de 22 anos nos finais de semana?
Pois eles me adotaram.
Nunca faltava um almoço de domingo – dia prosopopético para os sozinhos.
Lembro até hoje da sala de ovo que a Lucinha preparava.
Das macarronadas.
Na sexta à noite o Ciça já me chamava para “tomar água”. Ao lado da agência tinha uns botecos e não íamos pra casa sem antes darmos uma nivelada.
Ele me pegou pra criar.
No Banco foi meu primeiro chefe, mais que chefe, líder – admirado por todos.
Ensinou-me o valor da disciplina, dos estudos, da responsabilidade, do amor ao BB, do trabalho em equipe e ética. Alicerces que nortearam minha carreira.
Lembro que aos oito meses de BB fui chamado para substituí-lo, por um curto período.
Ele me disse: “Sabe quantas pessoas no BB substituíram o Supervisor do Setor Interno (SETIN) com oito meses? Você tem ideia da importância da missão lhe outorgada?”
O SETIN era uma espécie de Setor Administrativo, cuidava da contabilidade, malote, comunicações, e envio e conferência de material para processamento.

E voltando a minhas curtas insônias oníricas, o tema aposentadoria do Alcione veio em minha mente.
Lembrei-me de muitas cenas, não completas, como já disse.

Sexta passada tomei coragem e liguei para ele, cumprimentando-o pela aposentadoria.
Fazia muitos anos que não nos falávamos. Desde 1994, quando ele foi à João Pessoa e eu com meu casamento já em crise não pude ser o anfitrião que sonhara.
Do outro lado da linha a mesma voz vibrante, crente na vida, alegre.
Era o Ciça.
Perguntei-lhe se ele tinha certeza da decisão de aposentar-se, afinal o BB é quase um casamento.
Ele falou-me que sim. Que estava cansado e que estava tenho dificuldade em relacionar-se, em orientar os mais jovens, que chegavam com outros valores.
Que era outro BB.
Senti uma ponta de mágoa e desconversei.
Falei que há vida lá fora, há vida fora da empresa-útero, há um pós-carreira que se descortina.
E, ele com uma voz segura: “claro”!
- Ricardo, sabe o que fiz no último final de semana – na roça? Semeei mais de 500 covas de milho. Mesmo com a seca, acreditando que vai chover. E cuidei de umas vaquinhas que tenho.
Pronto, sosseguei o coração. Ciça estará em boas mãos, na vida para além da Instituição. Um cara que planta e cuida será feliz na aposentadoria.
Aposentadoria é plantar e cuidar de coisas que nos dão sentido.
Nem que seja um milharal e umas vaquinhas.
Ciça deixou em minha suas marcas. Lucinha idem.
Como fui amado. Eu não estaria no BB sem aquela família. Sem outros amigos de Poções-BA que ao casal se juntou. Deraldo, Antonio Carlos, Pedro Nelson, Messias e Eva todos me adotaram.
Só sabemos o impacto que as pessoas causaram em nosso viver tempos depois. Na hora, estamos com a coragem dos sobreviventes e não dá tempo de lembrar. É remar, remar, remar!
Hoje compartilho contigo que me lê, motivado pela reflexão de “levar marcas” do Igreja e da aposentadoria do Ciça.
Sou um abençoado da quantidade de marcas que carrego, que levo comigo.
Como pessoas lindas jogaram em mim o que tinham de melhores.
Marcas de amor, de afeto, de compreensão, de ajuda.
Tenho também muitas cicatrizes, essas são as medalhas que com orgulho carrego.
Nada foi e é fácil. Nada! Quase enlouqueço de saudade do Tiago, da esposa e meus pais. Além de ter passado maus bocados financeiros, tendo que me virar – após o expediente, para ganhar uns trocados extras fazendo um bico como professor de natação na AABB – Poções, o que me tornou mais forte ainda.
Assim sendo, pelas pancadas tempos e tempos que venho tomando, estou sempre em provisória acontecença, esperando qual a próxima tragédia, fatalidade.
Mas espero que não venham mais. Na dúvida, caminho alegre e amoroso. Afinal, se eu puder lançar também minhas marcas nos outros, para que eles as carreguem, não será de ódio, mágoas, maldade.
Serão marcas amorosas, em retribuição ás que recebi. Quantas as outras, não tão amorosas, catei as pedras em mim lançadas e com elas faço um altazinho. Afinal, pedras - material de que é feito as marcas lançadas de forma agressiva, fazem parte de qualquer história de vida.
Temo e peço perdão pelas que lancei. Espero que também estejam em algum altazinho. Que não tenham destruído pessoas que comigo conviveram.

Lance suas marcas boa. A humanidade agradece.

Encerro essa conversa contigo sobre Igrejas, Alciones, Lucinhas, Mascas, Cicatrizes com uma bela canção da jovem guarda, que agora escuto e te dedico:


Marcas Do Que Se Foi
The Fevers
"Este ano quero paz no meu coração
Quem quiser ter um amigo
Que me dê a mão
O tempo passa
E com ele caminhamos todos juntos
Sem parar
Nossos passos pelo chão
Vão Ficar
Marcas do que se foi
Sonhos que vamos ter
Como todo dia nasce
Novo em cada amanhecer
Marcas do que se foi
Sonhos que vamos ter
Como todo dia nasce
Novo em cada amanhecer
Este ano quero paz no meu coração
Quem quiser ter um amigo
Que me dê a mão
O tempo passa
E com ele caminhamos todos juntos
Sem parar
Nosso passos pelo chão
Vão ficar
Marcas do que se foi
Sonhos que vamos ter
Como todo dia nasce
Novo em cada amanhecer”

Siga o norte!


Tem gente que pensa que sabe onde chegar sempre. Nunca se sente perdida.
Compra um GPS A1 ou A2 e se acha.Não teme se perder.E, crer que chegará em todo lugar, sem dificuldades.
Acontece que a navegação na vida exige bússolas e não GPS. Bússolas apontam o norte, o sentido. GPS o local.
Bússolas sabem que as rotas vão sendo feitas desviando-se dos obstáculos, dos imprevistos, das intempéries.GPS não. Para o GPS o local foi definido, previsto, geo-referencialmente programados... e, quando o usuário dá com os burros n´água ainda ouve: “alterando rota, alterando rota, alterando rota...”
Aí ele endoida.GPS não estão preparados para fechamentos de vias públicas por manifestações, acidentes, tempestades.GPS não estão preparados para os limites, as fatalidades, o acaso, o imprevisto.Sempre corretos, concebem a via como um esquadrinhar de latitudes e longitudes.Pessoas-bússolas são mais humildes. Possuem troféus tipo cicatrizes, pelas pancadas que tomaram da vida. Aprenderam que a vida é mais que 0 e 1.Foque seu sentido tal qual uma agulha da bússola. Siga o norte de seu coração.
Esteja pronto a contornar obstáculos medonhos, a contorcer-se em mil para alterar trajetórias sem perder a rota.A isso chama-se viver.

A vida não cabe numa planilha de Excel. Nem num mapa computadorizado que alimenta um GPS.
A bússola principal orienta para nossos valores. São eles que orientam nossa jornada, em busca do ser mais. 
Preserve-os!
Ao perder a rota, não desespere, siga a agulha imantizada, ela te levará a algum novo ponto de referência e se achará. Acalme-se. Isso também passa. É só uma fase.
Mesmo que o GPS diga que errou a rota, sorria, ele não sabe nada.
Não sabe que você apenas buscou atalhos, desvios, mas o sentido do que busca é o mesmo!
E, caso você não o fizesse, entraria em rota de choque, de colisão com obstáculos não previstos. Coisas que não cabem no power-point, onde tudo é legal, ou no seu belo planejamento estratégico.
A vida é curva. Ceder, repensar, desviar e renunciar faz parte do crescimento pessoal e profissional. E até saber perder ou aguardar melhores ventos. Não é vergonha ou humilhação sentir-se fraco, frágil, desnorteado. Mas, repito, isso também passa, agarre-se aos valores fundamentais e respire mais um dia: amor, fé, bondade, justiça, gratidão, misericórdia e solidariedade.

Amigos-Vaga"lumem"

Há dias felizes. Outros, nem tanto. Esses, como ontem à noite. Dia de escuridão e trevas. Que os costumeiros blecautes onde moro agravaram. É chuva forte, é falta de energia. Ontem foi um deles. Dia que as luzes apagam, blecaute. Aí, fui para a varanda e contemplei o infinito, as montanhas, a escuridão, vento e chuva. Aí vi os pirilampos, os vagalumes com sua luzes vadias, errantes, frágeis e belas. Fazia muito tempo que não os via. E penso, se houvesse as luzes da rua, das casas, eu os veria? Se não houvesse faltado energia, eu os veria? Têm luzes que ao se apagarem possibilitam que outras, mais delicadas, preciosas, raras, sejam percebidas. Luzes que estão sempre ali, mas passam por nossa vida sem poderem se fazer presente, pois de tanta correira as ofuscamos com nossa pretensa sabedoria e força. Têm luzes que só vemos quando cansados e prostrados nos ajoelhamos. É na fragilidade de um blecaute, de uma dor, de um luto, de uma angústia que elas revelam-se e nos animam e continuar. Abençoadas luzinhas de vagalumes e pirilampos. Procuro, na escuridão de uma noite, adivinhar onde brilharão, qual a trajetória do próximo flash da natureza. Saber que vocês existem, por mais severa que seja a noite e a escuridão, estimula-me a repensar valores, repensar o que de fato importa. Estimulam a valorizar o que tenho e a melhor lidar com o que falta. Brilhem luzinhas da mãe natureza, luzinhas que resistem aos blecautes e ensinam que um minúsculo ponto de luz errante, ainda assim, pode clarear uma vida e prossegui-la entre as dores e partos de seres errantes, e em sua busca do sentido. Amigos são vagalumes nas noites temerosas. Este da foto é o Mauricio Lyra, um amigo-vagalume. Sempre me ajuda a ver o brilho, mesmo que escondido em brumas e tempestades. Quem têm amigos, têm vagalumes.

Um outro olhar

A primeira vez que entrei na cidade satélite de São Sebastião-DF foi por essa rua, em 2008, a Avenida Central. [na foto, setas amarelas]
Lembro bem o dia e a sensação de entrar naquelas cidades da Índia, apinhadas de gente, moto, carroças, som alto... etc.  O nome já diz: Avenida Central. Pense num furdunço! Multiplique por dois.
Entrei por ali, com meu pai, procurar uma fabriqueta de blocos de construção.
Para chegar em São Sebastião, vindo de meu condomínio há três acessos. O por cima, que faz um volta danada, uns 18 km.
O pelo atalho, o que peguei da primeira vez - pela Avenida Central, uns 8 km.
E outro, que só descobri tempos depois. Não tem sinalização. Descobri que após a venda, quebrando à direita, e descendo, já saio direto na Av. Comercial.  Uns 6 km daqui de casa. [na foto, setas vermelhas].
Logo na primeira vez que fiz essa terceira via, apaixonei-me por São Sebastião-DF.  Amor à segunda vista. Caia por terra toda a desilusão. Toda a imagem ruim que ficara na primeira impressão.
Sim, primeiras impressões podem ser reeditadas.
Ficava no passado toda a sujeira, balbúrdia, alvoroço do primeiro acesso que tinha feito aquele de quando fui comprar os blocos de construção.

Entrar em São Sebastião, vindo de meu condomínio na Avenida do Sol - Jardim Botânico, pela terceira via é uma experiência singular.

São duas grandes avenidas, ladeadas por um canteiro central, margeadas por fecundo e organizado comércio local e instituições públicas.

O adensamento urbano é organizado, tudo flui em certa organicidade.

Entrar por ali é respirar. Não senti claustrofobia, não me senti apreensivo. Senti-me em paz. 
A paz de uma cidadezinha do interior, arrumada.  Pobre, mas limpinha.

Por ali descobri o Banco do Brasil, os Correios, o Posto de Saúde, o posto de Gasolina, a Pizzaria, o pé sujo aprumado, Os supermercado, as mil e uma igrejas, a feira livre, os 1,99. 

Pelo outro lado é a desordem. O caos urbano e a complexidade da vida em permanente duelo.

E se eu não tivesse me permitido pegar o terceiro atalho? 

Que at0é hoje, desde 2008, ainda não tem placa alguma sinalizando para a cidadezinha.

E se eu não me permitisse um novo olhar?

Como mudar histórias, sem alterar trajetórias?

Como querer novos resultados, com os mesmos comportamentos?

Situação parecida aconteceu comigo quando conheci pela primeira vez o Mercado de Curitiba, perto da Estação Rodoviária.

Sempre entrava pela porta que sai para a Estação Rodoviária. Percorria seus corredores, aromas mil, burburinho gostoso de feira livre, um sonho.
Depois, subia ao mezanino - todo de ferro, e almoçava. 
Pegava um taxi e seguia para a Copel onde daria palestra sobre aposentadoria.
Fiz isso umas dez vezes, até que um dia - como o tempo estava a meu favor, resolvi explorar o quarteirão do Mercado.

Descobri logo perto uma loja de plantas, que vendia mudinhas de todo tipo de hortaliças. Nem precisa dizer o quanto minha mala voltou apinhada com tomates, alfaces, salsas, brócolis tudo em tenra haste, pronta a deitar à terra.

Caminhando mais um pouco, deparo-me com a saída Norte do Mercado e, uaaaaaauuuuu!!!!

Um outro Mercado aparece. O Mercado Novo. Com lojas mil, praça de alimentação, quinquilharia de chineses de todos os tipos, vinhos, cachaçaria, orgânicos, etc.

Fiquei invocado para descobrir como de um acessa o outro.

E saí percorrendo seus labirintos até descobrir. Era pelo corredor da lotérica.

Bingo. Agora, do velho ia ao novo, por dentro, e vice-versa.

Um mundo de novos aromas, formas, sons, sabores se descortinou.  Como nos últimos três anos vim umas dez vezes à Curitiba e não conhecia aquilo?

Volto à São Sebastião, agora cheio dos sons e formas de frutas, castanhas, pescados, cafés do Mercadão.

Se eu não tivesse explorado aquele quarteirão. Se alguém me contasse sobre aquilo diria que eu estava mentindo.

Ou se alguém me contasse sobre a calma e organização da Av. Comercial de São Sebastião.

Penso que na nossa história de vida há novos Mercados Municipais, alas novas, ainda desconhecidas.

Há também Avenidas Comerciais arborizadas, limpas, em oposição às Avenidas Centrais entulhadas de preocupações e estresse.

Há pessoas que são marcadas em nosso viver como uma Avenida Central. Não nos permitimos entrar nelas de uma outra forma.
Vê-las com outros olhos.
Amá-las como jamais foram amadas.
Perdoá-las como nunca se sentiram perdoadas.
Cuidá-las, como nunca foram cuidadas.

Há em nós as duas avenidas. Os dois mercados curitibanos. 

Há em todos.

Descobrir o que nos satisfaz, o que nos encanta, embeleza, dá sentido à nossa existência é a arte da perseverança, da esperança vezes insana de continuar tentando um atalho.
Uma saída.
Um portal, por uma lotérica qualquer, que mais do que apostas, nos darão certezas, da felicidade de se redescobrir criança. Criança que não se cansa de refazer-se em planos mil.

Como aprendi nesse final de domingo.

Como aprendi com essas metáforas urbanas.

Tentarei outros caminhos para abordar novos destinos.

E o caminho se faz ao caminhar. 
E o prazer não é o destino. 
E justamente o caminho...
Belo caminho pela Avenida Comercial de meus sentimentos e fantasias, povoados de gestos e delicadezas... 

Belo caminho pelas alas novas do Mercadão de Curitiba, sem desprezar as alas antigas, integrando-as numa única e existencial experiência, articulando corredores vitais na profusão de sonhos, fazeres, 
iluminares que constitui a essência de cada ser, velho e novo!
Balbúrdia e paz.
Fogo e água.
Terra e vento.

Seres belos, por incompletos que somos.
E, sem os outros quem dará sentido à nossa existência?
Portanto, mude velho hábitos e as certezas sagradas. 
Permita-se releituras de sua vida.
Permita-se editar o filme de seu viver.
Permita-se conhecer facetas desconhecidas, nos conceitos encardidos de tudo e todos que possui.

E assim, entre uma Avenida e Outra, um Acesso ao Mercado e outro, nós vamos pelejando, sempre acreditando que podemos ser luz e iluminar caminhos, mesmo que vez por outra, falte combustível... Mas, sempre aparecerá alguém com uma tocha a nos animar a prosseguir. 
Afinal, a vida é feia de prosseguimentos.
Portanto, aventure-se na imensa e estimulante aventura do mudar, do crescer, do desaprender de antigas lições que não fazem mais sentido.
Saboreei e deguste a misteriosa e singular experiência do vir-a-ser:
renovando-se a cada pena, a cada lágrima, a cada riso, a cada abraço, a cada carinho, a cada decepção, a cada mágoa, a cada fé!
Valerá a pena!



Fantasia

Gostaria de saber dos amigos, 
das canções que cantam, 
das cenas que vibram... 
Mas, estou só, no meio da multidão.
Sou verme que se contorce, 
entre o ser e o não ser.
Entre uma face no espelho que 
se espanta,
e uma que se anima. 
Entre uma fé descaradamente boba
no ser humano, e uma apatia
para com tudo que diz respeito
a intrigas, fofocas, maldades. 
Vomito em meu ser as entranhas
do que viria a ser, mil anos depois. 
Revolta-me velhas pelancas,
de tudo que abomino e carrego: 
culpas, covardias, mentiras, fantasias. 
Amores vadios, amores vazios, amores macios....
Em mim habita contradições, 
esperanças torpes. 
Sentimentos de andarilhos, 
de voz ao vento, 
de vento ao ser. 
Em mim habita a paz e o vulcão.
A esperança e a desilusão. 
A fé e a descrença. 
Sou tudo em todos. 
Sou nada... 
Sensitivo, leio mentes,
espelho corações,
anestesio existências... 
Saco essências e o futuro.
E, ele me assusta.
Com minhas mãos refaço destinos, sentimentos, gestos, pensamentos. 
E, assim, uno-me aos duendes, fadas, gnomos, sopros de fé. De todos os tipos.
E, avanço na construção de coletivos: 
de amor, perdão, paz e de renasceres. 
Este sou eu: reviravoltas, turbilhões, 
calmarias e arrozais em flor.

É por amor!

De uma rosa vermelha fora de foco, 
salta uma João de Barro que cobiça 
o horizonte. 
Quem sabe espera o amado, 
com mais uma carga de argila fresca,
pronta a se lapidada em ninho amoroso.
De horizontes em horizontes... 
vamos tecendo as manhãs dos dias vindouros, que sempre nascem como promessas e possibilidades. 
É por amor que estamos nas ruas prontos
a gritar por um mundo novo. 
É por amor que nos encontramos nas 
noites de lua cheia e entoamos um 
canto de paz. 
É por amor que nos abraçamos e
não nos deixamos sentir sós. 
É por amor que nos fitamos e juntos carregamos argilas para novos 
ninhos e projetos de embevecer.
É por amor...

Autonomia

Quatro anos e quatro meses de nascido, JG vence um desafio enorme.
Consegue fazer sua obra no trono.
Esperamos pacientemente esse dia.
Noutras crianças, o dia chegou aos três anos. Aos quatro.
No nosso JG, durou uma eternidade.
Mas, não o apressamos.
Esperamos a mãe natureza agir.
Mesmo que ficássemos, mês a mês, mais apreensivos.
Não apresse o rio, ele corre sozinho.
Ele agora estufa o peito e pede: quero fazer no trono.
Senta e reina.
O trono é a maior invenção da urbanidade.
De uma funcionalidade tremenda, dividiu por séculos os que tinham dos que não tinham.
Invenção, do tipo Coisa-de-Deus.
Passei o dia feliz pela conquista do JG. Pais ficam felizes pelas conquistas de seus filhos. Uma pena que após crescerem eles desaprendem a dividirem. Ficamos sabendo delas pelos posts dos amigos, isto é, quando não nos bloquearam.
Uma simples capacidade de regular o esfíncter e mandar brasa, água adentro, nos eleva à condição de homo sapiens-sapiens-demens.
Largar as fraldas é a primeira de tantas “largadas” da metamorfose do viver.
Outras fraldas, menos pudicas, vão sendo largadas ao longo da vida.
Algumas delas, voltaremos a usar, em momentos de fragilidade.
Autonomia. Palavra de fácil evocação e difícil sustentação.
Autonomia é um trono. Um reinado. O da liberdade.
É uma conquista diária, para a qual valem escolhas e suas inevitáveis renúncias.
Todos deveriam ter tronos. Tronos para os quais iríamos, após nos despirmos de nossas tranqueiras existenciais, de nossas prisões - de todas as formas, até em forma de fraldas.
Hoje lhe prometi uma bola, se ele fizesse novamente.
Perto das 19hrs, gritou: “Papai, fiz cocô no vaso, quero minha bola...”
Amanhã comprarei. A bola celebrará, ritualizará, esse rito de passagem, das fraldas para o vaso.
Precisamos de ritos, de sacramentalizar nossa existência.
Aprendi a celebrar as pequenas alegrias. E, nessa noite, celebro a alegria da autonomia do JG em usar por si só o vaso.
Agora ele pode sair sem a bolsa que o acompanhava, quase como um apêndice.
Vai filho e conquiste outras vitórias, a principal, continuar sendo alegre, sonhador e amigo, mesmo levando pancadas vida afora. Aí será rei mesmo. Rei de seu próprio destino.

Para além da flores azuis.

Hoje te tirei do lugar novamente. Desculpa. Reduzi sua vida a se expor para fotos, procurando a minha melhor luz, e não a tua.
Não respeitei teu silêncio. Tuas raízes. Desloquei-te de um canto para o outro, mostrando-te a todos, em fotos mundo afora. .
Limitei teu destino a ser bela. A ser mostrada e apreciada.
Se tinha fome, sede... não me importei.
Importei em te ver bela e te usar.
Se tinha vontade de ficar na sombra, se tinha frio com o vento forte...
Não me importei.
Importei em mostrar-te aos meus amigos.
Tua cor me cegou. Tua luz exterior me anestesiou.
Reduzi-te à beleza, formas. Reduzi-te ao que se ver na fachada.
Desculpe rara orquídea azul.
Você deve se sentir incomodada, deslocada, triste, de só ser percebida pelas formas, pela estética.
De só ser vista no azul, nunca nos verdes das folhas que também têm.
Ou nas raízes sequiosas, espremidas num vaso minúsculo, que pedem liberdade, mas enquanto tu brilhas em céu - sendo útil, ninguém olhará por ti e te replantará.
Desculpe.
Têm pessoas que fazem das pessoas orquídeas azuis.
São presas.
E tem pessoas orquídeas-azuis que vão gostando disto. De uma vida pobre de significado, só de aparência, de vaidade...
De se sentir a última goiaba da safra.
Sei. Isso também passa. Viu?
Só os tesouros do coração são eternos.
Os mostruário de belas formas humanas ficam feios, enrugam-se, criam pelancas, rugas.
Triste ser admirado somente por ser quase que uma peça decorativa que chama a atenção.
Triste sina, de ser na vida apreciada apenas por formas exteriores. Pelo poder, dinheiro, beleza, estética.
Triste postura de julgar apenas pela carcaça, sem deter-se nos valores, na imensidão de um céu azul, interior, que todos nós temos.
Querida orquídea azul, não vou mais tirar-lhe de seu local de crescimento para levar-lhe para satisfazer meus caprichos.
Vou respeitar teu espaço.
Vou cuidar de você, para além da beleza das flores. Folhas, raízes, solo...
Temos sinas parecidas, não podemos ficar frágeis, feios, tristes. Não sou belo. Sou líder. E nunca posso cansar. Esperam de mim alegria, força, motivação.
Quando calo, angustio-me, tenho que fingir estar bem.
Quando fico bravo, puto com coisa que não concordo, tenho que engulir. Afinal, orquídeas azuis-líderes não desanimam. Minhas necessidades de afeto, de segurança... Besteira, ele é forte.
Sempre azuis.
E muitos não se importam em saber como vão nossas raízes.
Usam-nos, bebem de nossa vitalidade, enquanto azul.
Depois, ao murcharmos, não se preocupam em saber o que ocorreu.
Esperam de nós o mesmo papel.
Um papel que os satisfaz!
Apenas um papel.
Triste sina, amiga orquídea, de ser apenas uma orquídea azul. Papel de ser azul.
Cairão tuas flores, será que ainda serás apreciada, cuidada, protegida, exposta?
Vamos combinar algo nesse domingo?
Cuidarei de ti para além delas, ok?
Te plantarei num tronco de um coqueiro, com delicioso aparato nutritivo, e, quando perderes as flores, ainda assim, saberei quem tu és e de tua beleza interior!
Estamos juntos. Não te deixarei.

Deus se revela nos pequenos!



Num sorriso,

de um simples vendedor de hortaliças,

a face de amor do Criador.

Transborde amor.

Vez por outra, 
pouse seu ser nas flores.
Alimente-se de fé.
Encha-se, inunde-se... 
a ponto de transbordar e 
beneficiar aos que cruzarem
tua jornada, 
com uma enchente amazônica: 
de afeto, respeito, perdão,
compreensão e ajuda fraterna.

Manhã de Domingo

Numa caminhada vejo um boneco desfilando em carro aberto. Uma mãe, na beira de um campo, esperando de braços abertos seu filho que marcou um gol. Ao longe, escuto um bravo técnico exortando seu time: "vocês precisam de objetivo". Uma criança passeia na cadeirinha da bicicleta, seu pai estufa o peito e pedala orgulhoso. Um pastor exorta seu amigo. Uma vidente prevê vitórias. Uma pinga envelhecida desce macio. Ao longe, um indigestão de saudade dos filhos mais velhos causa azia. Cresceram. No silêncio da cerca fria, um casal de arvoantes procura seu ninho, no ficus que ali existia, agora derrubado. O boneco segue no fusquinha, contemplando o céu azul. Levando alegria aos transeuntes que o saúdam. E a vida se debruça sobre soluços e aperreios, sobre risos e canções. Sobre medo e destemor. A vida pede licença, em seus matizes diversos, e acontece. Dona Maria cuida de Sr. Jair, hoje não teve limão galego. O pastel acompanha um sorriso, um boa semana. Na Bíblia, o Salmo 1, versículo 1 diz: cuide das coisas do coração. No entardecer, um sorriso, uma mão que afaga. Pela noite adentro, um dia se vai, e, atrás das coxias da realidade, a esperança faceira engravidará mais uma vez o amanhã.

Vale cada minuto!

"A vida é uma sequencia
inédita de encontros com o mundo,
portanto ela não se deixa traduzir 
em fórmulas de nenhuma espécie. 
A expectativa de que aja uma
fórmula para a vida é a fonte de 
tantas das nossas decepções.
Que tal de peito aberto?
Aberto para o mundo.
Encarar o mundo como ele é. 
No seu ineditismo, na sua virgindade, 
na sua irrepetibilidade,
e saber que sem fórmula nenhuma 
estamos aí, diante de um mundo extraordinariamente competente
para te entristecer, mas aqui e ali 
também capaz de te proporcionar
grandes alegrias; grandes surpresas...
Momentos que você nunca mais 
gostaria que acabassem.
São esses momentos que a gente
persegue e que farão da vida
sempre alguma coisa digníssima
de ser buscada, e fantástica de ser vivida." Clóvis de Barros (Entrevista Jó Soares)



Um sofá velho.

No lugar em que menos se espera, 
tem um sofá velho para te dar 
conforto e alento. 
São as pessoas que te amam, 
para as quais você fez e faz
a diferença.
Alguns sofás são desprezados pela
vida, pequenos aos olhos do mundo,
feios, sem formosura e graça.
Humildes. 
Mas, me ouça, esses são os mais belos. 
Os que, curtidos pelas dores,
aprenderam o valor da solidariedade,
do dias bons, e da esperança nos 
tempos difíceis. Sofás velhos, puídos, 
sem luxo. Feitos de sonhos bons
que acordam e teimam em desafiar os pesadelos da realidade. 
Que mesmo cansados e com o seu
tecido do ser dilacerado, 
em algumas partes, 
ainda assim,
continuam dispostos a servir. 
A dar o de melhor que podem para
ajudar aos outros.
Podemos ser como esse sofá velho,
prontos a acolher quem de nós precisar,
quem no relento do tempo aberto, 
exposto aos riscos do viver, 
em nós procurar abrigo, repouso e apoio.

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