Para além da flores azuis.

Hoje te tirei do lugar novamente. Desculpa. Reduzi sua vida a se expor para fotos, procurando a minha melhor luz, e não a tua.
Não respeitei teu silêncio. Tuas raízes. Desloquei-te de um canto para o outro, mostrando-te a todos, em fotos mundo afora. .
Limitei teu destino a ser bela. A ser mostrada e apreciada.
Se tinha fome, sede... não me importei.
Importei em te ver bela e te usar.
Se tinha vontade de ficar na sombra, se tinha frio com o vento forte...
Não me importei.
Importei em mostrar-te aos meus amigos.
Tua cor me cegou. Tua luz exterior me anestesiou.
Reduzi-te à beleza, formas. Reduzi-te ao que se ver na fachada.
Desculpe rara orquídea azul.
Você deve se sentir incomodada, deslocada, triste, de só ser percebida pelas formas, pela estética.
De só ser vista no azul, nunca nos verdes das folhas que também têm.
Ou nas raízes sequiosas, espremidas num vaso minúsculo, que pedem liberdade, mas enquanto tu brilhas em céu - sendo útil, ninguém olhará por ti e te replantará.
Desculpe.
Têm pessoas que fazem das pessoas orquídeas azuis.
São presas.
E tem pessoas orquídeas-azuis que vão gostando disto. De uma vida pobre de significado, só de aparência, de vaidade...
De se sentir a última goiaba da safra.
Sei. Isso também passa. Viu?
Só os tesouros do coração são eternos.
Os mostruário de belas formas humanas ficam feios, enrugam-se, criam pelancas, rugas.
Triste ser admirado somente por ser quase que uma peça decorativa que chama a atenção.
Triste sina, de ser na vida apreciada apenas por formas exteriores. Pelo poder, dinheiro, beleza, estética.
Triste postura de julgar apenas pela carcaça, sem deter-se nos valores, na imensidão de um céu azul, interior, que todos nós temos.
Querida orquídea azul, não vou mais tirar-lhe de seu local de crescimento para levar-lhe para satisfazer meus caprichos.
Vou respeitar teu espaço.
Vou cuidar de você, para além da beleza das flores. Folhas, raízes, solo...
Temos sinas parecidas, não podemos ficar frágeis, feios, tristes. Não sou belo. Sou líder. E nunca posso cansar. Esperam de mim alegria, força, motivação.
Quando calo, angustio-me, tenho que fingir estar bem.
Quando fico bravo, puto com coisa que não concordo, tenho que engulir. Afinal, orquídeas azuis-líderes não desanimam. Minhas necessidades de afeto, de segurança... Besteira, ele é forte.
Sempre azuis.
E muitos não se importam em saber como vão nossas raízes.
Usam-nos, bebem de nossa vitalidade, enquanto azul.
Depois, ao murcharmos, não se preocupam em saber o que ocorreu.
Esperam de nós o mesmo papel.
Um papel que os satisfaz!
Apenas um papel.
Triste sina, amiga orquídea, de ser apenas uma orquídea azul. Papel de ser azul.
Cairão tuas flores, será que ainda serás apreciada, cuidada, protegida, exposta?
Vamos combinar algo nesse domingo?
Cuidarei de ti para além delas, ok?
Te plantarei num tronco de um coqueiro, com delicioso aparato nutritivo, e, quando perderes as flores, ainda assim, saberei quem tu és e de tua beleza interior!
Estamos juntos. Não te deixarei.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores